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Revista Forense – Volume 430 – Recurso especial prévio ao julgamento de embargos de declaração: uma análise da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Renato Caldeira Grava Brazil e Gustavo Favero Vaughn

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ESTUDOS E COMENTÁRIOS

REVISTA FORENSE

Revista Forense – Volume 430 – Recurso especial prévio ao julgamento de embargos de declaração: uma análise da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, Renato Caldeira Grava Brazil e Gustavo Favero Vaughn

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

JURISPRUDÊNCIA DEFENSIVA

PROCESSO CIVIL

RECURSO

RECURSO ESPECIAL

REVISTA FORENSE 430

STJ

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Revista Forense

Revista Forense

27/04/2020

Revista Forense – Volume 430 – ANO 115
JULHO – DEZEMBRO DE 2019
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA,
JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Mendes Pimentel
Estevão Pinto
Edmundo Lins

DIRETORES
José Manoel de Arruda Alvim Netto – Livre-Docente e Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Eduardo Arruda Alvim – Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/FADISP

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ESTUDOS E COMENTÁRIOS

Resumo: Este estudo discorrerá sobre a jurisprudência defensiva criada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça brasileiro, no que diz respeito à admissibilidade de recursos especiais interpostos antes do julgamento de embargos de declaração. Também se demonstrará de que forma o Código de Processo Civil de 2015 resolveu a problemática.

Palavras-chave: Jurisprudência defensiva. Recurso especial. Superior Tribunal de Justiça.

Abstract: This study will deal with the defensive case law created in the scope of the Brazilian Superior Court of Justice, regarding the admissibility of special appeals filed before the judgement of motion to clarify. It will also demonstrate how the new Civil Procedure Code solved the issue.

Keywords: Defensive case law. Special appeal. Brazilian Superior Court of Justice.

Sumário: 1. Introdução – 2. O entendimento do objeto do trabalho – 3. Conhecimento possível – 4. Alteração primordial – 5. Considerações conclusivas – Referências bibliográficas.

  1. INTRODUÇÃO

É sabido que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui certos entendimentos que geram constantes discussões no meio jurídico e, em especial, entre aqueles que atuam diretamente perante essa Corte Superior. A maioria desses entraves se refere a requisitos de admissibilidade ou formalidades de recursos interpostos, não ao mérito propriamente dito (exceções à parte).

Trata-se da já conhecida jurisprudência defensiva, bastante recriminada pela doutrina em diversas frentes. Tanto assim o era que o Código de Processo Civil de 2015, em momentos distintos, buscou tratar do tema, a fim de evitar que a matéria de direito posta a julgamento, cuja análise pelo Judiciário é o que se espera de uma ação proposta, fosse efetivamente analisada pelo STJ quando interposto o competente recurso especial, desde que respeitados minimamente os requisitos formais.

Nesse sentido, vale citar o § 3º do art. 1.029 do NCPC, que apresenta importante inovação ao permitir ao STF e ao STJ a desconsideração de “vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave”, visando justamente a evitar a jurisprudência defensiva, a fim de que o mérito do litígio posto seja efetivamente julgado, resolvendo-se a controvérsia de direito material entre as partes. Está tal artigo em harmonia com os arts. 4º e 932 do mesmo diploma processual, que preveem o objetivo de julgamento do conflito posto e buscam combater a jurisprudência defensiva.

Na mesma linha de se evitar a inadmissibilidade de recurso especial por requisitos não tão relevantes, ou às vezes até inexistentes, contra legem e contra constitutionem, é o art. 1.025 do NCPC, que considera como prequestionadas todas as matérias postas nos embargos de declaração, ainda que o Tribunal a quo não tenha expressamente sobre elas se manifestado.

Durante a vigência do CPC de 1973, era comum que as partes se vissem com os princípios do devido processo legal e da ampla defesa prejudicados quando, não obstante a oposição de embargos, a questão suscitada não era analisada pela Turma Julgadora e, uma vez interposto recurso especial – por se tratar de matéria atinente à legislação federal –, não era ele admitido por falta de prequestionamento; nem se reconhecia violação do art. 535 então vigente, pois se considerava que o juiz não estava obrigado a se manifestar sobre todos os argumentos da parte, desde que apontasse outros suficientes para justificar seu posicionamento (isto também cai por terra no novo CPC com as exigências do art. 489).

O mesmo objetivo parece ter sido almejado nos arts. 1.032 e 1.033 do NCPC, que permitem a remessa entre STF e STJ de recursos extraordinário e especial, quando se entender que a matéria recursal é de competência do outro tribunal, ao invés de simplesmente não conhecer do reclamo da parte, como era usual na vigência do CPC de 1973. Não é demais insistir, desse modo, que se trata de mais uma das previsões do NCPC que buscam evitar a jurisprudência defensiva em detrimento do julgamento do direito da parte posto em juízo. Evita-se, assim, corretamente, que se deixe de julgar um recurso por um eventual vício formal, passível de ser sanado.

Reproduza-se, pela precisão, as ponderações de Teresa Arruda Alvim[1]:

Trata-se de inovação com diversos objetivos, mas o principal é o de evitar um dos casos de jurisprudência “defensiva”, consubstanciado em acórdãos em que um Tribunal diz que a competência é do outro. E nenhum dos dois julga. Diz este artigo que, se o relator do recurso especial entender que a questão sobre a qual versa este recurso é constitucional, em vez de, pura e simplesmente, não apreciar o mérito do recurso, deve remetê-lo ao STF. Antes disso, deve dar à parte recorrente o prazo de 15 (quinze) dias para que seja demonstrada explicitamente, em preliminar, a repercussão geral. Não há porque o inverso não deva acontecer: também se o relator do recurso extraordinário, no STF, entender que a questão tratada no recurso é de natureza infraconstitucional, deve remeter este recurso ao STJ (2015, p. 1.499).

A jurisprudência defensiva, para José Miguel Garcia Medina[2] (2013, p. 1), foi adotada com a “finalidade de viabilizar o funcionamento do STJ, tornando-o ‘sustentável’ (levando em conta o número de processos que poderia julgar)”, complementando que, por isto, a jurisprudência passa a adotar “postura não apenas mais rigorosa em relação aos requisitos recursais, mas vai além, impondo às partes a observância de exigências não previstas em qualquer norma jurídica”.

O excesso de trabalho dos Tribunais Superiores é inquestionável. Entretanto, os prejuízos de uma falta de organização judiciária para atender aos anseios dos jurisdicionados, ou de um sistema processual que permite a interposição recursal quase que indiscriminada, não podem ser controlados por condutas não previstas em lei, excessivamente rigorosas e formalistas, que acabam por fragilizar a prestação jurisdicional, na medida em que o mérito dos recursos deixa de ser apreciado. A jurisprudência defensiva, conquanto adotada para viabilizar a atuação do respectivo Tribunal, cria um efeito reverso, pois deixa de conhecer uma enormidade de recursos, dentre os quais certamente existiam diversos que clamavam pela intervenção e análise da Corte Superior.

A discussão chamou atenção também de Cândido Rangel Dinamarco[3], que assim a tratou:

Como é para lá de notório, os objetivos de preservação da ordem jurídica, de uniformização da interpretação do direito e de fazer justiça nos casos concretos vêm esbarrando nos últimos tempos na imensa quantidade de recursos que a todo momento chegam ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, gerando uma carga de trabalho impossível de ser vencida por seus Ministros. Essa realidade deu ensejo à formação do que se denominou de jurisprudência defensiva, na qual se exacerba o valor dos requisitos formais para o conhecimento do recurso extraordinário e do especial, valendo como um campo minado no caminho para o julgamento do mérito recursal. Não basta ter um bom direito para vencer, é necessário um advogado treinado para vencer as verdadeiras armadilhas que esse sistema vem criando e, além disso, uma boa dose de sorte.

É esse o tema que se abordará nessa breve exposição, com críticas às condutas que tratam a exceção como regra que, na hipótese, se resume ao fato de a esmagadora maioria dos recursos excepcionais interpostos não serem nem sequer conhecidos, esbarrando em requisitos de admissibilidade aplicados com um rigorismo excessivo ou considerados em questões não previstas na normativa processual, em detrimento da parte e do direito que mereciam a verdadeira guarida do Poder Judiciário. Aqui se tratará de exemplo típico dessa situação. Afinal, como consignou Dinamarco[4], se algum dia a jurisprudência defensiva teve alguma legitimidade, hoje já não tem mais.

  1. O ENTENDIMENTO DO OBJETO DO TRABALHO

Para este trabalho específico, comentar-se-á o entendimento que o Superior Tribunal de Justiça vinha adotando, que se encaixa como uma luva na questionada jurisprudência defensiva, no sentido de que recurso especial não era considerado tempestivo quando interposto previamente à publicação do acórdão recorrido. É o que se ilustra na seguinte ementa:

Processo Civil – Agravo Regimental – Recurso Especial – Interposição antes da publicação do Acórdão. Extemporaneidade configurada.

1 – É extemporâneo o recurso especial interposto antes da publicação da decisão combatida, salvo se houver reiteração posterior, porquanto o prazo para recorrer só começa a fluir após a publicação do acórdão integrativo.

2 – Agravo regimental não conhecido.

(AgRg no Ag 1.117.340/SP, Rel. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador Convocado do TJ/RS), 3ª Turma, julgado em 1/9/2009, DJe 11/9/2009).

O STJ entendia que só poderia ser conhecido o recurso interposto antes da publicação do acórdão recorrido se após essa formalidade fosse ele reiterado, pois seria a partir da intimação que passaria a correr o prazo para manejo da insurgência recursal. Em outras palavras, eventual adiantamento da parte na interposição do recurso, inclusive trazendo mais celeridade ao processo, não lhe garantia a possibilidade de julgamento do recurso, já que, para o STJ, seria ele considerado intempestivo.

Estava consolidada a jurisprudência daquela Corte no sentido de que a publicação da decisão recorrida “é ato indispensável para ensejar e justificar a interposição de novo recurso, sendo intempestivo o recurso manejado antes da publicação das conclusões do acórdão no Diário de Justiça” (REsp 1.025.529/RS, Rel. Min. Herman Benjamin).

Ao longo dos anos, o STJ vinha mantendo referido entendimento, ceifando qualquer chance de julgamento da matéria de direito quando o recurso era interposto previamente à publicação do acórdão recorrido:

Agravo Regimental no Agravo de Instrumento. Penal. Recurso Extemporâneo. Interposição anterior à publicação do Acórdão recorrido. Necessidade de ratificação do Recurso Especial. Agravo Regimental desprovido.

  1. A jurisprudência desta Corte, em perfeita consonância com os pressupostos constitucionais imanentes ao próprio recurso especial, orienta-se no sentido de que não se conhece do apelo interposto antes de exaurida a instância ordinária.
  2. Na hipótese, verifica-se que o recurso especial foi interposto na instância de origem em 24/06/2009 (fl. 360). No entanto, a decisão do acórdão recorrido foi publicada em 25/06/2009 (fl. 357), e não houve a posterior ratificação do recurso especial.
  3. Na ausência de argumento relevante que infirme as razões consideradas no julgado recorrido, mantenho a decisão ora agravada por seus próprios fundamentos.
  4. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no Ag 1.387.519/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, julgado em 13/9/2011, DJe 28/9/2011).

Processual Civil. Agravo em Recurso Especial. Interposição na pendência da publicação do Acórdão da Apelação. Ausência de ratificação. Recurso Extemporâneo. Precedentes do STJ e do STF. Agravo Regimental a que se nega Provimento.

(AgRg no REsp 1.294.742/SP, Rel. Ministro Teori Zavascki, 1ª Turma, julgado em 28/2/2012, DJe 8/3/2012).

O entendimento era de tal modo pacificado no STJ que, inclusive, foi sumulado em 3 de outubro de 2010, como se vê do verbete 418: “É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”. Muito embora o referido enunciado limitasse a questão da interposição prévia à intimação do acórdão dos embargos de declaração, pelos julgados aqui reproduzidos resta claro que o entendimento era aplicado expansivamente para qualquer caso de interposição prévia à intimação da decisão recorrida.

Veja-se que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acabou seguindo tal entendimento, impedindo o julgamento do mérito da lide em 2º Grau de Jurisdição quando interposto o recurso previamente ao julgamento de embargos de declaração:

Cautelar de Exibição – Apelação interposta antes do julgamento dos Embargos – Decisão que integrou a Sentença – Interrupção do prazo recursal, reiniciado com a publicação da Decisão Integrativa – Inconformismo não reiterado – Intempestividade – Recurso não conhecido. (Relator Erickson Gavazza Marques; 5ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 23/4/2014).

Apelação Cível. Interposição anterior ao julgamento dos Embargos de Declaração. Necessidade de ratificação ou reiteração da apelação após o julgamento dos Embargos de Declaração. A decisão proferida nos Embargos de Declaração passa a fazer parte integrante do julgado, restando inacabada antes do julgamento dos referidos Embargos. Extemporaneidade do apelo. Recurso não conhecido.

(Relator Edson Luiz de Queiróz; 5ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 12/6/2013).

Processo Civil. Interposição de apelação antes do julgamento de Embargos de Declaração. Necessidade de ratificação expressa. Recurso prematuro. É inadmissível o recurso de apelação interposto antes da publicação do acórdão dos Embargos de Declaração, sem posterior ratificação. Precedentes. Recurso não conhecido.

(Relator William Marinho; 18ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 15/10/2014).

O racional que parecia ser adotado pelo STJ quando de tal entendimento, que orientou os demais tribunais do Brasil, em uma superficial análise, poderia passar inicialmente como aceitável. Afinal, considerando o claro excesso de recursos e como supostamente não se havia ainda esgotado a instância originária, não seria tempestivo recurso interposto na pendência do julgamento de embargos de declaração. Até porque poderia existir a necessidade de se aditar as razões recursais na hipótese de alteração do julgado com a apreciação dos embargos de declaração. Se assim era possível, deveria, na visão do STJ, o recorrente demonstrar também que após o julgamento dos embargos permanecia o seu interesse no recurso já interposto, ratificando-o.

Nelson Nery Jr.[5] já teve a oportunidade de abordar o assunto:

A tempestividade do recurso somente tem lugar a partir da impugnabilidade do ato judicial, isto é, a partir da prolação do provimento jurisdicional. O direito brasileiro não conhece o recurso ante tempus contra decisão não definitiva a respeito da qual se fez reserva. O prazo é contado da intimação do ato judicial. Esta intimação pode dar-se pela leitura do ato em audiência, pela intimação da parte quando o ato for proferido em audiência, ou pela publicação da súmula do julgamento no órgão oficial (CPC 506).

É com base nesse fato, por exemplo, que o STJ firmou entendimento no sentido de que é necessária a ratificação do recurso especial interposto enquanto não publicado o acórdão dos embargos de declaração (2014, p. 324-325).

  1. CONHECIMENTO POSSÍVEL

A interpretação dada pelo STJ, contudo, não parece ser a mais adequada. Até porque, se o julgamento realizado e o seu subsequente acórdão (ou sentença), permaneceram intocados após a análise dos embargos de declaração, a consequência lógica seria a manutenção do interesse recursal. Por outro lado, seria muito mais razoável que se entendesse que, uma vez alterado o acórdão e não aditado o recurso, seria conhecido e julgado apenas no que toca ao ponto recorrido, transitando em julgado os capítulos da decisão não atacados na insurgência do interessado. O único prejudicado na hipótese seria o próprio recorrente.

A conduta da parte que interpõe o recurso previamente à publicação do acórdão não poderia ser penalizada. Não se trata, ao contrário do que se justificou, de ato precipitado, já que inexiste prazo recursal antes da publicação. Na verdade, a parte apenas se adianta a uma formalidade (a publicação via Diário Oficial), tendo em vista que já tem ciência do julgado, eis que disponível o acórdão; seja nos autos, se físicos, seja no site do Tribunal de Justiça, se digital. Afinal, é mais do que costumeiro o acesso ao acórdão pelos sites dos Tribunais antes da veiculação da intimação no Diário Oficial.

O Min. Castro Meira, há mais de 10 anos, já havia adiantado esse raciocínio, inequivocamente mais razoável do que aquele que se pacificou no STJ:

  1. Antecipando-se a parte à abertura do prazo recursal pela intimação da sentença, procede com diligência irrepreensível.
  2. Tempestivo o recurso oferecido antes da intimação do ato recorrido.
  3. Agravo regimental provido.

(AgRg no Ag 655.610/MG, Rel. Ministro Castro Meira, Rel. p/ Acórdão Ministro Francisco Peçanha Martins, 2ª Turma, julgado em 5/4/2005, DJ 1º/8/2005).

Do voto é possível extrair uma relevante complementação. O Relator observou que a Corte Especial já havia decidido a matéria, entendendo que, na hipótese, o recurso seria tempestivo: “Muitas vezes, a parte toma conhecimento da decisão e se antecipa à publicação. Se se antecipa, não pode ser prejudicada”.

Ainda que interposto o recurso antes da análise de embargos de declaração opostos pela parte contrária, deveria ele ser regularmente conhecido. Não há qualquer razão, minimamente sensata, para se exigir que a parte reitere o recurso já apresentado, mormente quando não alterada a decisão atacada.

As críticas da doutrina a tal rigorismo pregado pelo STJ, espalhado a outros tribunais a ele hierarquicamente inferiores, eram constantes pelas mais variadas razões, usualmente corretas. Flávio Cheim Jorge[6] elencou, de maneira não taxativa, apenas algumas delas, que evidenciam o equívoco do mencionado entendimento:

Como tivemos oportunidade de demonstrar, não há como prevalecer o entendimento acima, pois: (a) a interrupção do prazo recursal, com a interposição dos embargos de declaração, existe para facilitar a atuação do recorrente, nunca para prejudicá-lo; (b) a parte, como regra, interpõe o recurso típico antes de saber da existência ou não de embargos opostos pela parte contrária; (c) o recurso típico interposto é ato processual existente, válido e eficaz; (d) os embargos de declaração podem não ser conhecidos e nesse caso o prazo não será interrompido; (e) é estranha ao processo civil norma legal que preveja a reiteração dos embargos de declaração, ao contrário do agravo retido (art. 523, § 1º, do CPC (LGL\1973\5)) e dos recursos especial e extraordinários retidos (art. 543, § 3º, do CPC (LGL\1973\5)); (f) a fluência do prazo recursal pode dar-se de forma diferente para as partes, de modo que o prazo para uma delas pode ter se esgotado e para a outra nem se iniciado (basta pensar em ciência inequívoca); (g) inexiste preclusão lógica, perda de interesse ou renúncia tácita pela não modificação da decisão embargada etc. (2013, p. 13-39).

Talvez um dos mais enfáticos em sua crítica, José Rogério Cruz e Tucci[7] é bastante incisivo sobre o assunto:

Retorno ao tema atinente aos malefícios experimentados pelos jurisdicionados que são vítimas da famigerada jurisprudência defensiva. É certo que determinados óbices à admissão dos recursos aos tribunais superiores são fruto de construção engenhosa, que guardam certa coerência hermenêutica com as regras processuais em vigor.

Todavia, há, em significativo número, outras barreiras que mais se identificam à “perversidade pretoriana”, as quais não têm qualquer razão plausível para subsistirem no âmbito de um ordenamento jurídico civilizado, comprometido com a efetividade da tutela jurisdicional. (…) Ressalte-se que esta orientação, como ocorre na generalidade das vezes nas quais vem aplicada a denominada jurisprudência defensiva, evidencia que o direito material do recorrente não tem a menor relevância para o tribunal.

Entendo, com o devido respeito, que tal posicionamento representa inarredável denegação de jurisdição. Realmente, no que toca ao STJ – o autodenominado “Tribunal da Cidadania” –, a despeito de alguma flexibilização observada nos últimos tempos, continua ele se valendo de questiúnculas e estratagemas, no afã de afastar o julgamento do mérito do recurso, em detrimento de sua missão constitucional em prol da unidade da aplicação do direito federal (2014, p. 1).

De fato, há que se concordar que o excesso que vinha sendo adotado na jurisprudência defensiva do STJ não trazia, rigorosamente, nenhum benefício para os jurisdicionados e para a sistemática processual como um todo, pois questões relevantes que necessitavam da intervenção daquela Corte, ainda mais com sua função de uniformizar jurisprudência, deixavam de ser analisadas por força dessa insistente negativa de admissibilidade dos recursos especiais.

  1. ALTERAÇÃO PRIMORDIAL

As críticas à jurisprudência defensiva, em especial ao não conhecimento de recursos interpostos na pendência, seja de análise de embargos de declaração, seja da publicação da decisão recorrida, eram rigorosamente justificadas e necessárias para permitir que fosse dada prioridade ao mérito da lide, em especial quando se estava diante de questão não atinente a vício formal do recurso.

Não se tratava, como é óbvio, de se conhecer de recurso intempestivo, mas sim de se analisar recurso de parte que se adiantou às burocracias de cartório, como a simples publicação da decisão ou acórdão recorrido. Não se conhecer de um recurso manejado previamente à simples publicação, com o acatamento devido, vai de encontro a relevantes princípios constitucionais do processo.

Claro que a interposição prévia ao julgamento de embargos de declaração dá margem para maiores discussões, mas parece certo que, da mesma forma, deveria o recurso ser conhecido e processado regularmente, ainda que não reiterado ou aditado. Nesta hipótese, caberia a análise dos fundamentos recursais dos capítulos não alterados pelo julgamento dos embargos.

Recentemente, porém, o STJ deu indícios de que caminharia no sentido de alterar o entendimento anterior, que levava a jurisprudência defensiva ao extremo, como se pode ver pela seguinte ementa:

Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial. Interposição do Recurso Especial antes da publicação do Acórdão recorrido em órgão oficial. Tempestividade. Homicídio qualificado na forma tentada e lesões corporais graves. Pronúncia. Pedido de Absolvição Sumária. Legítima defesa. Impossibilidade. Reexame de provas. Súmula 7/STJ. Recurso improvido.

  1. O Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos Embargos de Divergência n. 492.461/MG, modificando entendimento há muito consolidado, passou a considerar tempestivo o recurso especial interposto antes da publicação oficial, haja vista a nova realidade da publicidade das decisões judiciais em meio eletrônico que possibilitam às partes o conhecimento prévio do acórdão antes mesmo de sua veiculação oficial. Tal orientação foi novamente alterada pela Corte Especial no julgamento dos EDcl na SEC 3660/GB, no sentido de ser intempestivo o especial interposto antes da publicação do acórdão recorrido no Diário Oficial.
  2. Contudo, imperiosa a revisão desse último entendimento, visto que o Superior Tribunal de Justiça, como Tribunal da cidadania, não pode se dissociar da realidade, notadamente da grande evolução dos meios de comunicação e informação nos dias atuais, em obediência aos princípios da instrumentalidade das formas, da igualdade, da boa-fé objetiva, celeridade e lealdade processuais.
  3. Entretanto, apesar de se constatar a tempestividade do especial, o recurso não comporta provimento quanto ao seu mérito. Isso porque, para o acolhimento da tese da legítima defesa, com a consequente absolvição sumária do ora agravante, seria imprescindível exceder os fundamentos do acórdão impugnado e adentrar no exame do conjunto fático-probatório, o que é vedado no recurso especial, consoante o que dispõe o enunciado n. 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.
  4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no AREsp 399.793/PR, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, 5ª Turma, julgado em 12/8/2014, DJe 21/8/2014).

Muito embora o Min. Marco Aurélio Bellizze cite o EREsp 492.461/MG, que reconhecia a tempestividade de recurso interposto previamente à publicação, o STJ alterou novamente o entendimento e vinha há muito decidindo de maneira diversa, como se viu nos outros julgados reproduzidos ao longo deste trabalho.

No corpo do voto recém-mencionado, o Relator discorre com precisão sobre os avanços tecnológicos que não podem ser ignorados pelos tribunais – muito pelo contrário, devem por ele ser acompanhados –, já indicando que a exigência imutável da necessidade de publicação não fazia mais sentido, inclusive porque referidos avanços vinham para contribuir com a “maior agilidade aos processos”, que é sempre desejada.

Logo em seguida, o referido Ministro conclui o seguinte:

(…) uma vez divulgada oficialmente a decisão monocrática ou colegiada, por qualquer meio, fica a parte autorizada à interposição do recurso, não sendo razoável e condizente com a nova visão do direito e com o momento social vivenciado atualmente exigir que a parte aguarde, inerte, a publicação da decisão no Diário de Justiça tão somente para suprir uma mera formalidade processual.

O entendimento sufragado no voto supracitado reflete a razoabilidade de julgamento que se espera de uma Corte Superior, cuja função é analisar os casos concretos para, através dos precedentes, formar uma jurisprudência que orientará o posicionamento dos demais tribunais do País. Não era razoável que se impedisse o julgamento e, por consequência, a análise do caso concreto para formação de jurisprudência guiadora dos demais tribunais por uma formalidade injustificada.

O entendimento acima é expresso no sentido da tempestividade de recurso interposto na pendência da publicação da decisão recorrida. Restava sem posicionamento, porém, quando se tratasse de recurso interposto na pendência de julgamento de embargos de declaração. O STJ, novamente de maneira escorreita, se manifestou sobre a questão, conforme a seguinte ementa:

Questão de ordem. Recurso Especial. Processo Civil. Corte especial. Recurso interposto antes do julgamento dos Embargos de Declaração. Não alteração da decisão embargada. Desnecessidade de ratificação. Instrumentalismo processual. Conhecimento do recurso. Interpretação da Súmula 418 do STJ que privilegia o mérito do recurso e o amplo acesso à justiça. (…)

  1. Segundo dispõe a Súmula 418 do STJ, “é inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”.
  2. Diante da divergência jurisprudencial na exegese do enunciado, considerando-se a interpretação teleológica e a hermenêutica processual, sempre em busca de conferir concretude aos princípios da justiça e do bem comum, é mais razoável e consentâneo com os ditames atuais o entendimento que busca privilegiar o mérito do recurso, o acesso à Justiça (CF, art. 5º, XXXV), dando prevalência à solução do direito material em litígio, atendendo a melhor dogmática na apreciação dos requisitos de admissibilidade recursais, afastando o formalismo interpretativo para conferir efetividade aos princípios constitucionais responsáveis pelos valores mais caros à sociedade.
  3. De fato, não se pode conferir tratamento desigual a situações iguais, e o pior, utilizando-se como discrímen o formalismo processual desmesurado e incompatível com a garantia constitucional da jurisdição adequada. Na dúvida, deve-se dar prevalência à interpretação que visa à definição do thema decidendum, até porque o processo deve servir de meio para a realização da justiça.
  4. Assim, a única interpretação cabível para o enunciado da Súmula 418 do STJ é aquela que prevê o ônus da ratificação do recurso interposto na pendência de embargos declaratórios apenas quando houver alteração na conclusão do julgamento anterior.
  5. Questão de ordem aprovada para o fim de reconhecer a tempestividade do recurso de apelação interposto no processo de origem.

(REsp 1.129.215/DF, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 16/9/2015, DJe 3/11/2015).

O julgamento desse recurso ainda gerou o tema jurisprudencial 572, que dispõe não ser necessária a ratificação do recurso interposto na pendência de julgamento de embargos de declaração quando, pelo julgamento dos declaratórios, não houver modificação do julgado embargado. A questão foi, então, no âmbito do STJ, pacificada em referido julgamento da Corte Especial, já sendo seguida pelos demais tribunais brasileiros, como se vê a título meramente exemplificativo do caso a seguir, do Tribunal de Justiça de São Paulo:

Apelação – Recurso interposto antes da publicação da sentença – Sentença liberada nos autos digitais antes da interposição da apelação. Tempestividade reconhecida – Necessidade de conhecimento do recurso, vencido o Relator sorteado.

(Relatora Fernanda Gomes Camacho; 5ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 20/1/2016).

A questão foi, inclusive, sedimentada com o advento do NCPC, que colocou uma pá de cal na discussão até então existente com relação aos embargos, como se vê das disposições dos arts. 1.024, § 5º e 1.044, § 2º, in verbis:

Art. 1.024, § 5º. Se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independente de ratificação.

Art. 1.044, § 2º. Se os embargos de divergência forem desprovidos ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso extraordinário interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de divergência será processado e julgado independentemente de ratificação.

Ambos os artigos, que têm idêntica finalidade para situações distintas (embargos de declaração e de divergência, respectivamente) deixam expressa a desnecessidade de reiteração de recurso interposto na pendência de embargos de declaração, quando rejeitados ou, se acolhidos, não alterar a conclusão da decisão embargada. A regra do “se pode o mais, pode o menos”, evidencia que, não havendo necessidade de reiteração quando pende julgamento de embargos de declaração, obviamente também é ela desnecessária quando o recurso é interposto apenas na pendência de publicação da decisão recorrida.

Ao comentar o referido artigo 1.024, § 5º, Rodrigo Mazzei[8] bem aborda o objetivo da nova sistemática processual, de evitar a jurisprudência defensiva, pregando pelo julgamento do mérito da lide, com a solução da questão posta em retorno ao reclamo da parte:

O § 5º do art. 1.024 prevê que, se o julgamento dos embargos de declaração não modificarem (sic) (qualquer que seja o motivo) a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independentemente de ratificação. A regra processual inserida no NCPC é incompatível com o entendimento firmado com base na Súmula 418 do STJ, produzida ainda sobre (sic) a égide da codificação processual de 1973 que considerava “inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”, independentemente do resultado do julgamento dos embargos de declaração. Trata-se de exemplo claro do NCPC contra a chamada jurisprudência defensiva dos Tribunais, no intuito de não conhecer os recursos. A diretriz do NCPC navega em sentido inverso, adotando postura de aproveitamento máximo dos atos postulatórios para o julgamento de mérito (art. 932, parágrafo único) (2015, p. 2.281-2.282).

O NCPC, é bom que se diga, pacificou ainda mais a questão, ao dispor, de maneira genérica em seu art. 218, § 4º, que “será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo”. Se o STJ, ou qualquer outro tribunal, mantiver o entendimento anterior de intempestividade de recurso interposto previamente à publicação da decisão recorrida, estará inquestionavelmente agindo contrariamente à disposição expressa do diploma processual.

Ao comentar referido artigo, Teresa Arruda Alvim[9] é enfática, aliando-se aos diversos outros doutrinadores aqui citados, na crítica à jurisprudência defensiva:

O § 4º do art. 218 em análise, destinado à correção de uma autêntica bizarrice que se constatou em algumas orientações jurisprudenciais sob a vigência do CPC/73 (nas quais se dizia intempestivo o ato praticado antes da fluência de prazo para tanto), dispõe que não haverá intempestividade caso o ato processual seja praticado antes do início do prazo respectivo. De fato, ainda que o dispositivo legal em apreço pareça dizer o óbvio, em muitas passagens do NCPC fez-se efetivamente necessário legislar sobre o óbvio em virtude de certa resistência jurisprudencial verificada no cotidiano forense acerca de preceitos legais essenciais que se veem frequentemente postos de lado (ad exemplum, o dever de correta fundamentação, a observância do contraditório pleno etc.). De mais a mais, não há maior tempestividade do que a prática do ato processual antes mesmo que flua o prazo para tanto, de modo que se afigura acertada (acertadíssima, aliás) a disposição constante do § 4º ora comentado. (Destaques no original)

Mesmo que o STJ já viesse demonstrando a alteração de seu entendimento anterior, é certo que na vigência do Código de Processo Civil de 2015 não restam dúvidas quanto à tempestividade de recurso interposto previamente à publicação da decisão recorrida e, também, daquele interposto na pendência de julgamento de embargos de declaração quando forem eles rejeitados ou, se acolhidos, não houver alteração da conclusão da decisão embargada.

Resta sem previsão legal expressa, porém, a hipótese em que acolhidos os embargos de declaração com alteração na conclusão do julgamento. Certamente, seria simplório defender que, a partir da disposição do art. 1.024, § 5º do NCPC, apenas em caso de rejeição ou acolhimento sem alteração da conclusão do julgado poderia o recurso especial ser conhecido. Não parece essa a melhor solução a ser adotada, tendo em vista que o acolhimento de embargos de declaração pode gerar as mais diversas consequências na decisão anterior como, por exemplo, apenas uma alteração parcial, de um dos capítulos.

A necessidade de aditamento do recurso, de interposição de um outro e eventual não conhecimento daquele já apresentado deve ser verificada casuisticamente, a partir das consequências geradas na decisão recorrida pelo acolhimento, ainda que parcial, dos embargos de declaração opostos. Recorra-se, aqui, às precisas lições de Teresa Arruda Alvim e Bruno Dantas[10]:

Pode ocorrer que, tendo sido interposto recurso extraordinário e/ou recurso especial por uma das partes, a outra interponha embargos de declaração. Os recursos especiais ou extraordinários já interpostos devem ser admitidos, e não barrados no juízo de admissibilidade, porque não se teriam esgotado as instâncias ordinárias.

Importante observar: a parte que tem a intenção de interpor recurso extraordinário ou especial, que tenha tido notícia da interposição de embargos de declaração pela parte adversária não deverá, por isso, deixar de manejar o recurso excepcional. É que os embargos de declaração interpostos podem vir a ser considerados intempestivos e, por isso, pode-se entender que tais embargos de declaração nem teriam interrompido o prazo para interposição de outros recursos.

A solução correta do problema deve levar em consideração o resultado do julgamento dos embargos de declaração. É que, havendo alteração substancial do julgado, por ocasião do julgamento dos embargos de declaração, as razões de recurso extraordinário ou especial poderão estar em descompasso com a decisão recorrida, e, por isso, o conhecimento do recurso excepcional nem teria utilidade. Evidentemente, outro poderá ser interposto, já que a decisão, agora, é outra.

Diversa, porém, é a hipótese em que os embargos de declaração não são conhecidos, são improvidos, ou, ainda que providos, não haja alteração substancial na decisão embargada. Em tal hipótese, considerando não ter havido alteração na situação jurídico-processual daquele que já interpôs recurso extraordinário ou especial, não se pode admitir que o mesmo interponha outro recurso extraordinário ou especial, reproduzindo o anterior – no caso, já teria ocorrido preclusão consumativa. Do mesmo modo, não encontra respaldo em qualquer regra ou princípio jurídico exigir-se que o recorrente reitere que quer, sim, que seu recurso extraordinário ou especial seja conhecido.

  1. CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

É razoável, desse modo, que realmente seja o resultado dos embargos de declaração a ditar os próximos passos com relação ao recurso anteriormente interposto. Isto é, a tempestividade revela-se clara, mas o seu conhecimento e prosseguimento dependerão do resultado dos embargos.

Na hipótese de serem acolhidos os embargos com efeitos modificativos, alterando-se por completo a conclusão da decisão embargada, obviamente não há qualquer sentido no conhecimento de um recurso que perdeu seu objeto. Entretanto, caso haja uma alteração parcial, a situação fica um pouco mais nebulosa. Na primeira hipótese, naturalmente, a parte terá a chance de interpor um novo recurso, já que alterado o julgamento anterior.

O raciocínio a ser considerado, porém, deve ser o mesmo para as demais hipóteses, ainda que fracionado a partir dos capítulos da decisão recorrida. Se acolhidos parcialmente os embargos de declaração, o recurso anteriormente interposto permanece com objeto com relação àqueles pontos não alterados pela decisão dos embargos. Com relação à parte (ou capítulos, se se preferir) alterada, o recurso deverá ser objeto de aditamento. Caso não seja aditado, obviamente não será em parte conhecido, devendo ser regularmente processado no que toca aos capítulos mantidos incólumes pela decisão dos declaratórios.

É exatamente esse o entendimento firmado pelo STJ e pelos processualistas brasileiros aqui referidos: fracionam-se as decisões recorridas em capítulos, a fim de alinhar o conhecimento do apelo nobre de acordo com o quanto decidido em sede de embargos de declaração. Tal consideração é importante, pois vários temas podem ser objeto de decisão e a situação dificilmente será uniforme para todos eles.

Apenas a título de exemplo, é o que aconteceria na hipótese de uma ação indenizatória com pedidos de danos materiais e morais. Imagine-se que o resultado a partir do acórdão é a condenação apenas em danos materiais. Em sede de embargos de declaração, o autor demonstra uma omissão crucial que, em seu julgamento, com excepcionais efeitos infringentes, expande a condenação para nela incluir também os danos morais.

Nesse simplório exemplo, eventual recurso especial interposto anteriormente aos embargos de declaração para questionar os danos materiais permanecerá com seu objeto intacto. Poderia ele, entretanto, ser aditado para nele se incluir alguma violação de lei na condenação dos danos morais. Todavia, caso assim não o fizesse, certamente não seria hipótese de não conhecimento do recurso especial, mas sim de se assegurar o seu prosseguimento com relação à questão dos danos materiais, que permaneceu inalterada com o julgamento dos embargos de declaração.

A consideração fracionada parece ser o racional mais razoável para verificar não só o interesse recursal, mas a necessidade de se assegurar o prosseguimento do recurso interposto previamente, garantindo-se o devido processo legal e, em especial, o objetivo de ter o mérito da controvérsia efetivamente resolvido pelo Poder Judiciário, como amplamente pregado pelo NCPC.

Feitas essas ponderações sobre o tema, que não se pretendem exaustivas, vale encerrar com menção às considerações de José Carlos Barbosa Moreira, quando ressalta ser “inevitável o travo de insatisfação deixado por decisões de não conhecimento; elas lembram refeições em que, após os aperitivos e os hors d’oeuvre, se despedissem os convidados sem o anunciado prato principal”[11]. Complementa o ilustre jurista[12], ainda, com relevante observação sobre o excessivo apego à jurisprudência defensiva, ou, em outras palavras, a aplicação cega das razões que motivaram sua criação:

A essa luz, o que se espera da lei e de seus aplicadores é um tratamento cuidadoso e equilibrado da matéria, que não imponha sacrifício excessivo a um dos valores em jogo, em homenagem ao outro. Para usar palavras mais claras: negar conhecimento a recurso é atitude correta – e altamente recomendável – toda vez que esteja clara a ausência de qualquer dos requisitos de admissibilidade. Não devem os tribunais, contudo, exagerar na dose; por exemplo, arvorando em motivos de não conhecimento circunstâncias de que o texto legal não cogita, nem mesmo implicitamente, agravando sem razão consistente exigências por ele feitas, ou apressando-se a interpretar em desfavor do recorrente dúvidas suscetíveis de suprimento. Cumpre ter em mente que da opção entre conhecer ou não conhecer de um recurso podem advir consequências da maior importância prática (…).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARRUDA ALVIM WAMBIER, T.; DANTAS, B. Recurso especial, Recurso extraordinário e a nova função dos tribunais superiores no direito brasileiro. 3. ed. São Paulo: Editora RT, 2016.

______; CONCEIÇÃO, M. L. L.; RIBEIRO, L. F. S.; MELLO, R. L. T. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Editora RT, 2016.

______; DIDIER JR., F.; TALAMINI, E.; DANTAS, B. Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Editora RT, 2015.

BARBOSA MOREIRA, J. C. Restrições ilegítimas ao conhecimento dos recursos. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

CHEIM JORGE, F. Requisitos de admissibilidade dos recursos: entre a relativização e as restrições indevidas (jurisprudência defensiva). Revista de Processo, v. 217. São Paulo: Editora RT, 2013.

CRUZ E TUCCI, J. R. Um basta à perversidade da jurisprudência defensiva. Consultor Jurídico, 2014. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-jun-24/basta-perversidade-jurisprudencia-defensiva>. Acesso em: 18 set. 2017.

DINAMARCO, C. R. Fundamentos do processo civil moderno. Tomo II. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

MEDINA, J. G. G. Pelo fim da jurisprudência defensiva: uma utopia? Consultor Jurídico, 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jul-29/processo-fim-jurisprudencia-defensiva-utopia>. Acesso em: 18 set. 2017.

MAZZEI, R. (coment. ao art. 1.024) In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, T.; CONCEIÇÃO, M. L. L.; RIBEIRO, L. F. S.; MELLO, R. L. T. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Editora RT, 2016.

NERY JR., N. Teoria geral dos recursos. 7. ed. São Paulo: Editora RT, 2014.


[1]       ARRUDA ALVIM WAMBIER, T.; CONCEIÇÃO, M. L. L.; RIBEIRO, L. F. S.; MELLO, R. L. T. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Editora RT, 2015, p. 1.499.

[2]       MEDINA, J. G. G. Pelo fim da jurisprudência defensiva: uma utopia? Consultor Jurídico, 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jul-29/processo-fim-jurisprudencia-defensiva-utopia>. Acesso em: 18 set. 2017.

[3]       DINAMARCO, C. R. Fundamentos do processo civil moderno. Tomo II. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 1.073.

[4]       DINAMARCO, C. R. Op. Cit., p. 1.075.

[5]       NERY JR., N. Teoria geral dos recursos. 7. ed. São Paulo: Editora RT, 2014, pp. 324-325.

[6]       CHEIM JORGE, F. Requisitos de admissibilidade dos recursos: entre a relativização e as restrições indevidas (jurisprudência defensiva). Revista de Processo, v. 217, 2013, p. 13-39.

[7]       CRUZ E TUCCI, J. R. Um basta à perversidade da jurisprudência defensiva. Consultor Jurídico, 2014. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-jun-24/basta-perversidade-jurisprudencia-defensiva>. Acesso em: 18 set. 2017.

[8]       MAZZEI, R. (coment. ao artigo 1.024). In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, T.; DIDIER JR., F.; TALAMINI, E.; DANTAS, B. Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Editora RT, 2015, pp. 2.281-2.282.

[9]       ARRUDA ALVIM WAMBIER, T.; CONCEIÇÃO, M. L. L.; RIBEIRO, L. F. S.; MELLO, R. L. T. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Editora RT, 2015, pp. 2.281-2.282.

[10]      ARRUDA ALVIM WAMBIER, T.; DANTAS, B. Recurso especial, Recurso extraordinário e a nova função dos tribunais superiores no direito brasileiro. 3. ed. São Paulo: Editora RT, 2016, pp. 382-383.

[11]      BARBOSA MOREIRA, J. C. Restrições ilegítimas ao conhecimento dos recursos. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 155.

[12]      BARBOSA MOREIRA, J. C. Op. Cit. p. 155.


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