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Testamento como ferramenta de planejamento patrimonial

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Felipe Quintella

Felipe Quintella

18/05/2020

O título, aparentemente, não traz novidade alguma. O testamento é, afinal, a mais óbvia ferramenta de planejamento sucessório.

A propósito, no título, usei a expressão planejamento patrimonial, e não planejamento sucessório.

Por quê?

Planejamento patrimonial é uma expressão mais ampla que planejamento sucessório. Quando, hoje, fala-se em planejamento sucessório, frequentemente pensamos em holdings familiares, na celebração de certos contratos — sobretudo de seguros —, etc. E, claro, são mesmo temas de planejamento sucessório.

No entanto, venho me dedicando, na advocacia e nas pesquisas acadêmicas, ao planejamento patrimonial. Na Faculdade de Direito Milton Campos, inclusive, eu oriento o Laboratório de Práticas Jurídicas sobre Planejamento Patrimonial. Eu realmente defendo que as pessoas deveriam buscar consultoria jurídica para organizar o seu patrimônio.

Um exemplo simples. É comum vermos casos em que, para reduzir a tributação sobre o lucro imobiliário em caso de eventual venda, lança-se na declaração de Imposto de Renda a realização de benfeitorias em imóvel particular de pessoa casada pelo regime da comunhão parcial de bens. Posteriormente, quando vem a cessar a sociedade conjugal e se inicia a discussão sobre a partilha, quando lembramos as partes de que, conforme o art. 1.660, IV do Código Civil, as benfeitorias feitas em bens particulares de um dos cônjuges entram na comunhão, razão pela qual seu valor deverá ser considerado na partilha, o titular daquele bem se assusta e, inclusive, alega que as benfeitorias informadas na declaração de Imposto de Renda não teriam sido feitas. Nesse caso, ele descobre, a duras penas, que o planejamento contábil, tão somente, não foi a melhor opção.

E quando, no contexto do planejamento patrimonial, tratamos, especificamente, do planejamento sucessório, a ideia é oferecer um serviço mais amplo, mais abrangente.

Além das ferramentas possíveis da constituição das holdings familares, da celebração de certos contratos e, claro, da elaboração de um testamento, a ideia é apresentar para o cliente um quadro completo sobre o seu patrimônio, envolvendo as questões jurídicas, que são completadas pelos aspectos contábeis, tributários e, às vezes, empresariais.

Outro exemplo comum. Quantos de nós, que trabalhamos na área, já não atendemos um cliente que gostaria de constituir uma holding familiar, integralizando o capital social com um imóvel que, quando verificamos, não estava registrado em nome dele no Cartório de Registro de Imóveis? E aí, no lugar de constituir a pessoa jurídica, foi necessário, primeiramente, planejar como seria possível regularizar a situação do imóvel…

Mas o tema, hoje, especificamente, é o do testamento como forma de planejamento patrimonial.

O testamento, parece-me, é o negócio jurídico para o qual a lei reserva o mais amplo espaço para o exercício da autonomia privada.

Até mesmo a instituição de uma pessoa não concebida como herdeira ou legatária o Código Civil admite, no art. 1.799, I. Excentricidade? Não. Como sempre conto aos meus alunos, tenho um irmão e uma irmã. Eu não tenho filhos, e não os pretendo ter. Minha irmã já tem dois filhos; meu irmão, ainda não, mas gostaria de tê-los. Natural, então, que eu pensasse em destinar uma parte da minha herança a meus sobrinhos, filhos da minha irmã, e outra parte aos meus futuros eventuais sobrinhos, que o meu irmão vier a ter. O testamento me permite isso.

É comum que nós, que damos aula de Direito das Sucessões, sejamos questionados pelos nossos alunos sobre a possibilidade de deixar herança para animais. Vez que os animais, no momento, não podem ser sujeitos de direitos no Brasil, a resposta é negativa. No entanto, o testamento me permite deixar herança para alguém para que essa pessoa cuide de um animal meu. O art. 1.897 do Código Civil autoriza a disposição testamentária para certo fim. Posso, até mesmo, determinar que, morrendo aquele animal, e ainda havendo herança, outro deveria ser adquirido, para que aquele patrimônio fosse utilizado para os seus cuidados.

Quando me dizem, inclusive, que planejamento patrimonial — sucessório, em especial — é coisa para rico, eu costumo brincar: olha, se você tem um animal de estimação, seria muito interessante fazer um testamento escolhendo um legatário para recebê-lo. Como tem sido difícil a partilha dos pets! E, preocupando-se não apenas com planejamento sucessório, mas com planejamento patrimonial, você poderá acabar descobrindo que seu bichinho, que foi comprado depois do início do seu namoro, integra o patrimônio comum que você constituiu com seu companheiro ou companheira. É que pode ser que seu relacionamento, que você até pensava ser um namoro, preencha os pressupostos da união estável. E, não tendo vocês escolhido, por escrito, um regime de bens para o relacionamento, será aplicado o da comunhão parcial.

Se o pet integra a patrimônio comum, posso deixá-lo todo para quem eu quiser? Sim, sim. Se você quiser deixá-lo para seu namorado ou namorada, que concluímos ser seu companheiro ou companheira, mais fácil ainda. Basta que ele não ultrapasse metade do seu patrimônio no momento da sua morte, caso, além do companheiro ou companheira, você tenha descendentes, ou ascendentes vivos. Mas, mesmo que você queira deixá-lo para outra pessoa, você poderá ter êxito, desde que o animal não exceda a sua meação no patrimônio comum, e de que seu companheiro ou companheira não se oponha. Hoje, não se trabalha com uma visão de patrimônio comum em que cada bem é dividido, mas com uma visão de conjunto, do qual cada cônjuge ou companheiro tem uma fração ideal, a sua meação. A divisão desse conjunto, que chamamos de partilha, só será feita por ocasião da dissolução da sociedade conjugal, pela separação, pelo divórcio, ou pela morte. E, ainda que seu companheiro ou companheira não concordasse em deixar o animal, na partilha, na sua meação; que optasse por estabelecer um condomínio; ainda assim, pelo menos em parte, sua disposição seria eficaz, nos termos do art. 1.914 do Código Civil. Se você desconfia que isso pode ocorrer, mas, realmente, gostaria de deixar seu pet para sua irmãzinha, você pode, conforme o art. 1.913, deixar a totalidade do animal para sua irmã, e beneficiar de outra forma seu companheiro ou companheira. Segundo a regra do art. 1.913, se o titular da coisa alheia, ou em parte alheia — nesse caso, seu companheiro ou companheira, com direito à metade do bem — quiser aceitar a herança ou o legado para ele deixados no testamento, terá que cumprir o outro legado, deixando — no exemplo — a totalidade do animal para a sua irmã.

Outra utilidade sensacional do testamento: eu não quero que meu único filho receba de uma vez só toda a minha herança; quero protegê-lo. Posso deixar a parte disponível para alguém da minha confiança — meu irmão, por exemplo — para que ele pague um legado de alimentos ao meu filho. Eu posso ou não estipular um valor para as prestações. Se não o fizer, o art. 1.920 estabelece as diretrizes para o seu arbitramento. E meu irmão, que ganharia com isso? Como proprietário, após a minha morte, todos os frutos da herança seriam dele. Sabendo investir bem o patrimônio, este poderia ser para ele bastante lucrativo. E meu filho, teria prejuízo? Não, vez que iria receber o patrimônio; porém, em vez de recebê-lo de imediato com a abertura da sucessão, iria recebê-lo parceladamente, a título de alimentos.

Em virtude do imbróglio causado pelas regras do art. 1.829, I, sobre a sucessão dos descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente, e já antevendo que meu cônjuge, que não é ascendente dos meus filhos, provavelmente irá se desentender com eles por ocasião da minha morte, eu posso deixar em testamento para o meu cônjuge a minha meação no patrimônio comum. Desde que esta caiba na minha parte disponível, eis aí um problema enorme que eu evitei: o da partilha do patrimônio do casal entre o cônjuge sobrevivente e os descendentes do autor da herança… Estão lembrados das benfeitorias feitas nos bens particulares, de que falamos anteriormente? Imagina se somente agora o cônjuge descobre a regra do art. 1.660, IV, do Código Civil… Mas, se eu deixei para ele a minha meação, o problema da partilha está resolvido.

Construí em um terreno dos meus sogros a casa em que resido hoje com a minha família. Meus sogros, gentilmente, autorizaram as obras, e eu construí de boa-fé. Agora, ao me preocupar com planejamento, meu advogado me informou que, considerando que a casa tem um valor consideravelmente superior ao do terreno, pela regra do art. 1.255, parágrafo único, eu adquiri a propriedade do terreno por acessão inversa! Depois que minha mulher faleceu eu continuei morando no mesmo imóvel, e hoje tenho uma companheira. Meu advogado me disse que minha companheira poderá, depois da minha morte, pedir o reconhecimento da aquisição por acessão inversa. E eu sei que ela não se importará de indenizar meus sogros pelo valor do terreno, para ficar com o imóvel para ela. Mas, para os meus sogros, esse fato traria grande tristeza. Eu posso então, legar o imóvel, que eu adquiri pela acessão inversa, aos meus sogros.

E se o caso não era de acessão inversa? Era apenas de acessão, e eu só tinha direito à indenização, pela regra da parte final do caput do art. 1.255? Aí, então, eu posso deixar para meus sogros um legado de remissão da indenização.

Esses são apenas alguns exemplos da utilidade enorme do testamento como ferramenta de planejamento.

Uma última consideração, no entanto: o Código Civil, adequadamente, resolve a maior parte dos problemas de conteúdo do testamento no plano da eficácia, e não no plano da validade. Ainda que haja algum excesso nas disposições — que elas ultrapassem a legítima, caso o testador tenha herdeiros necessários —, ou que um bem que eu leguei deixe de me pertencer — por exemplo, considerando as variações patrimoniais que podem ocorrer entre a elaboração do testamento e a morte do testador —, não haverá prejuízo de validade. E o Código traz as regras para que sejam feitos os ajustes na produção de efeitos do testamento.

Sinta-se convidado, pois, a fazer planejamento patrimonial e a se encantar com todas as ferramentas que estão à sua disposição. Como me disse esta semana em uma conversa Marcos Ehrhardt Jr., trata-se de um gesto de amor e carinho com aqueles que ficarão depois que partirmos.

Nota do autor: Apresentei as ideias deste texto no I Seminário Virtual da Comissão de Direito das Sucessões da OAB/MG. Os vídeos do evento estão disponível no Canal das Comissões da OAB/MG no YouTube. A minha fala pode ser acessada por meio deste link. Nesse painel, eu fui o segundo a apresentar.

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