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ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

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FINANCIAMENTO

FUNDO GARANTIDOR SOLIDÁRIO

LEI 13.986

LEI DO AGRO

Marcus Vinícius de Carvalho Rezende Reis

Marcus Vinícius de Carvalho Rezende Reis

23/06/2020

A importância do Agronegócio Brasileiro para nossa sociedade não é novidade nem mesmo aos incultos. Classicamente, os estudiosos de Economia, enquanto ciência, dividem-na em três setores principais:

  • primário (agropecuária e extrativismo),
  • secundário (indústria e comércio atacadista); e
  • terciário (varejo e serviços).

Mas o agronegócio como hoje o conhecemos não se encaixa em nenhum desses três setores, ao contrário, permeia e atravessa os três.

Temos a maior área agricultável do planeta; já somos reconhecidos como o celeiro de um mundo cada vez mais carente de alimentos; em nosso solo, tudo que se planta dá e, impressionantemente, o ano todo; clima ameno, equilibrado e favorável à agropecuária; nossos produtores são aficionados em tecnologia e produtividade.

Mas tudo isso tem um preço. Um preço não… um custo!

E no processo produtivo brasileiro podemos dizer que incluem-se nesse custo os encargos de financiamentos que se renovam a cada safra.

Agronegócio, financiamento e garantias são palavras que juntas formam uma frase com sentido único aos ouvidos daqueles que labutam no campo.

Mas se por um lado o agro brasileiro é altamente alavancado em financiamentos, por outro, os últimos governos vêm demonstrando a intenção cada vez maior de retirar-se desse cenário de subsidio financeiro por entenderem que o agronegócio já está maduro e pronto para seguir por seus próprios meios. E é aí que o financiamento privado ganha força, mas esbarra na segurança jurídica.

Até pouco tempo, o financiamento do agronegócio limitava-se ao crédito oficial. Com o passar do tempo e a crescente escassez de caixa do governo, não viu este outra forma que não cumprir seu papel e direcionar os minguados recursos que lhe restavam aos micro e pequenos agricultores da chamada agricultura familiar e criar novos mecanismos e ferramentas financeiras capazes de dar a celeridade, modernidade e segurança jurídica exigida pelo mercado privado.

Foi por esse espírito que surgiram a Cédula de Produto Rural – CPR, o CDA/WA, o CRA, a LCA e o CDCA como títulos de crédito hábeis a financiar um novo e pujante agronegócio que passou a atrair fatias cada vez maiores de investidores interessados nos incentivos fornecidos pelas novas ferramentas financeiras.

E foi também nessa linha que surgiu a MP do Agro, convertida na Lei 13.986 de 07 de abril de 2020, a já famosa Lei do Agro.

O Fundo Garantidor Solidário foi uma das muitas novidades trazidas ao mercado por essa Lei.

Trata-se o FGS de uma garantia complementar utilizada em operações de crédito agrícola e pecuário, na qual grupos de produtores rurais, pessoas físicas ou jurídicas, garantem mutuamente o adimplemento de seus débitos através da criação de um fundo com valores depositados por cada participante, objetivando condições mais favoráveis para a tomada de empréstimos.

O FGS pode ser utilizado para garantia de adimplemento de dívidas novas de quaisquer tipos de financiamento agropecuário com vencimento por vir, inclusive implantação e operação de infraestrutura de conectividade rural, ou mesmo dívidas consolidadas, aqui entendendo-se aquelas fruto de renegociações.

Qualquer operação de crédito destinada ao fomento da cadeia produtiva do Agro pode ser garantida pelo FGS.

Dentre os principais exemplos e modelos de operações, destacam-se: plantio, manutenção e colheita de lavouras e rebanhos, aquisição de veículos, equipamentos, máquinas agrícolas, tecnologia, armazenagem, insumos de produção, transporte, seguros, investimentos em infraestrutura, comercialização, distribuição, industrialização e até mesmo exportação de produtos agrícolas, pecuários, de florestas plantadas e de pesca e aquicultura, seus derivados, subprodutos e resíduos de valor econômico, inclusive quando submetidos a beneficiamento ou a primeira industrialização

O Fundo Garantidor Solidário será composto por no mínimo, dois produtores devedores, por um credor e por um garantidor, se houver, podendo o Poder Executivo limitar o número de devedores do FGC.

Os participantes integralizarão os recursos destinados ao FGC desde que observados uma estrutura de cotas e percentuais consistentes em no mínimo:

  1. cota primária – de responsabilidade dos devedores correspondente a 4%;
  2. cota secundária – de responsabilidade do credor ou, na hipótese de consolidação em razão de renegociação e consequente consolidação de dívidas, do credores originais, correspondentes a 4%;
  3. cota terciária – de responsabilidade do garantidor, se houver, correspondente a 2% que poderão ser descontados do saldo devedor para fins de integralização.

Para o caso de consolidação de dívidas, a Instituição consolidadora poderá exigir a transferência das garantias oferecidas nas operações originais para a nova operação de consolidação sobre cujo valor passarão a incidir os percentuais de composição do Fundo, observados os quantitativos mínimos dispostos no art. 3o da Lei 13.986, os quais poderão ser majorados proporcionalmente entre cotas de mesma categoria de participação e desproporcionalmente entre as diferentes cotas primária, secundária e terciária, se houver.

A exemplo da proteção disposta em diversos institutos garantidores do financiamento do agronegócio, entre os quais destaco as Cédulas de Crédito Rural e as CPRs, os recursos integralizados não responderão por outras dívidas ou obrigações presentes ou futuras, independentemente de suas naturezas.

A garantia prestada pelo FGS ficará sempre limitada aos recursos constituintes de seus respectivos fundos.

A nova Lei do Agro, no parágrafo 6o do art. 3o, determina a proibição de pagamento de rendimentos aos seus cotistas, salvo em caso de extinção do fundo através da quitação das dívidas, oportunidade em que, eventuais recursos remanescentes poderão ser devolvidos aos cotistas proporcionalmente ao valor integralizado por cada um deles na seguinte ordem de preferência:

1o aos participantes da cota terciária;

2o aos participantes da cota secundária e;

3o aos participantes da cota primária.

O funcionamento do Fundo Garantidor Solidário será regido por estatuto próprio, que disporá sobre a forma de sua constituição, sua administração, a remuneração do administrador, se houver e se este for remunerado, a forma de utilização de seus recursos e sua atualização, sua representação ativa e passiva e quaisquer outras disposições legais e não contrárias à sua lei criadora que se fizerem necessárias ao seu funcionamento.

Alguns pontos importantes devem ser observados quanto aos casos em que o FGS seja formado em razão de consolidação de dívidas.

A garantia é formada por um grupo de no mínimo dois produtores que fornecem 4% do valor do crédito tomado, sendo definidos como a primeira linha de garantias coletivas.

Havendo inadimplência em valor superior ao dessa cota primária, as garantias secundárias, fornecidas pelos outros agentes, poderão ser acionadas.

As garantias ficam depositadas na instituição financeira credora e são atualizadas pela taxa SELIC.

A lei estabelece uma estrutura de cotas mínimas incidente sobre os saldos devedores que deverá ser composta na seguinte razão vedando outrossim o pagamento de rendimentos aos seus cotistas:

  1. Cota primária – devedor – 4%
  2. Cota secundária – credor ou os credores originais (na hipótese de consolidação de dívidas) – 4%.
  3. Cota terciária – garantidor – 2%

Vencida e não cumprida a obrigação, o credor poderá exigir o pagamento pelo fundo utilizando os saldos das cotas na seguinte ordem:

1o – Cota primária;

2o – Cota secundária;

3o – Cota terciária

O fundo será extinto após a quitação de todas as dívidas por ele garantidas ou o exaurimento de seus recursos.

Na hipótese de extinção do fundo pela quitação das dívidas, os recursos remanescentes serão devolvidos aos cotistas de modo a repor os valores inicialmente aportados na seguinte ordem:

1) cota terciária;

2) cota secundária e;

3) cota primária

Importante frisar que, em caso de necessidade de utilização dos recursos do FGS para cobertura de inadimplemento de qualquer garantidor a ele submetido, deverá o Fundo formalmente ser constituído em mora na forma do artigo 397 do Código Civil que assim estatui:

Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.

Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.

Enquanto não quitadas todas as operações garantidas pelo fundo, os recursos não poderão responder por outras dívidas ou obrigações, ou seja, serão absolutamente impenhoráveis, exceção às dívidas fiscais e trabalhistas, que poderão alcançar o Fundo.

A garantia é parcial, pois cobre as operações até o limite dos recursos existentes. Trata-se de uma garantia subsidiária, ou seja, as garantias individuais (como as hipotecas, por exemplo) permanecerão garantido os débitos originais em caráter de primariedade de excussão.

Pela estrutura apresentada, a tendência é que sua utilização seja postergada. Assim como em outros vários pontos da Lei, haverá necessidade de regulamentações complementares ou normativas por parte do Banco Central.

Natureza Jurídica do Fundo Garantidor Solidário

Não se trata o Fundo Garantidor Solidário de uma novidade jurídica em nosso ordenamento. Ao contrário, foi o mesmo inspirado no pré-existente Fundo Garantidor de Crédito – FGC, instituído pela Resolução do Conselho Monetário Nacional – CMN nº 2.197/1995, que foi fundamentada nos dispositivos da Lei n.º 9.069, de 29 de junho de 1995. Mas o caminho que me levou a essa conclusão quanto á sua natureza não foi simples.

A lei 13.986 de 2020 não estabeleceu nem direcionou regulamentação específica quanto à forma, local de registro e demais condições para formação do FGS, o que nos leva invariavelmente ao estudo de sua natureza jurídica a partir da ideia trazida pelo legislador como objetivo de sua criação, a garantia.

O Código Civil Brasileiro, em seu artigo 44, estabelece as personalidades jurídicas de direito privado existentes em nosso ordenamento como:

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

I – as associações;

II – as sociedades;

III – as fundações.

IV – as organizações religiosas;

V – os partidos políticos.

VI – as empresas individuais de responsabilidade limitada.

A princípio, pela obrigatoriedade de um estatuto, pela constituição sob a forma de cotas, pela própria associação de produtores com um fim específico, encontrei dificuldades no enquadramento do FGS em uma das personalidades jurídicas dispostas pelo art. 44 do Código Civil, pois tanto as associações, quanto as sociedades empresárias possuem características que se amoldam ao nosso Fundo Garantidor.

Quanto às associações, o Código Civil as destaca e conceitua da seguinte forma:

Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.

Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos.

Já quanto às sociedades, o art. 982 do mesmo Código estabelece considerar-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro, e, simples, as demais.

O Art. 983, citando os arts. 1.039 a 1.092, todos do CC, enumeram as sociedades empresárias por tipos como:

  • Sociedade em Nome Coletivo;
  • Sociedade em Comandita Simples;
  • Sociedade Limitada; Sociedade Anônima;
  • Sociedade em Comandita por Ações e;
  • Sociedade Cooperativa.

E o art. 983 autoriza ainda que a sociedade simples seja constituída por qualquer dos tipos acima elencados ou subordine-se às normas que lhe são próprias.

O parágrafo único do art. 53 do Código Civil estipula a não existência de direitos e obrigações recíprocos entre os associados, o que, a meu ver, descaracterizaria o FGS como associação, pois sua lei criadora (13.986) elenca os direitos e deveres recíprocos entre seus membros.

Já o art. 61 do Código Civil, mais dúvida me trouxe quanto à natureza jurídica associativa do FGS.

Determina referido artigo que, após dissolvida a associação, o remanescente do seu patrimônio será destinado à entidade de fins não econômicos, enquanto o art. 5o da lei 13.986 nos diz que o FGS será extinto após a quitação de todas as dívidas por ele garantidas ou o exaurimento de seus recursos e que, em havendo recursos remanescentes, serão estes devolvidos aos cotistas,.

Todavia, sem descartar a natureza jurídica de associação civil por completo, passei a estudar a constituição do FGS como sociedade civil sob a forma de SPE (Sociedade de Propósito Específico), por se tratar este formato de um modelo de organização empresarial através do qual se pode constituir uma empresa nova com objetivo específico, normalmente com atividade restrita, podendo em alguns casos ter prazo de existência determinado.

A SPE traduz-se em uma forma de união de empresas para um determinado empreendimento coletivo, compartilhando entre si o risco financeiro da atividade a ser desenvolvida.

Mas este modelo também não me convenceu.

Foi então que parti para a análise da natureza jurídica dos fundos de investimentos e de clubes de ações, donde extrai que o formato de constituição de um fundo, a exigência de estatuto, além de outras características comuns, aproximam estes do FGS, deixando porém duas divergências cruciais que também me dissuadiram da comparação analógica – o objetivo de lucro e a regulação pela CVM.

Ao estudar os objetivos da CVM, trouxe-me esta como objetivo maior, o de controlar a distribuição de produtos financeiros ao mercado, fulminando definitivamente qualquer comparação de suas naturezas.

Finalmente, direcionei minhas pesquisas ao Fundo Garantidor de Créditos formado pelos bancos atuantes em nosso Sistema Financeiro, os quais depositam 0,01% de seus depósitos nas contas do Fundo que passa a servir como um seguro contra a “quebra” ou perdas expressivas de quaisquer das instituições dele participantes.

Com a criação do FGC, conseguiu o CMN manuteir a confiança dos investidores do mercado, que aplicam seus recursos em tais instituições, sem medo de perder o seu capital.

Em síntese, trata-se o FGC de um fundo que funciona como um seguro contra perdas financeiras de investimentos, muito se assemelhando aos objetivos do nosso Fundo Garantidor Solidário.

Ao pesquisar as normas e regulamentos do FGC no sítio eletrônico www.fgc.org.br, deparei-me com o artigo 1o de seu estatuto que o define como uma “associac?a?o civil sem fins lucrativos, com personalidade juri?dica de direito privado, regida pelo presente estatuto e pelas disposic?o?es legais e regulamentares aplica?veis.”

Assim, após as relatadas idas e vindas, pude concluir que os institutos previstos em nosso Ordenamento Civil, ora aproximam-se, ora distanciam-se do FGS, imprimindo a ele o conceito de uma Sociedade Civil com personalidade juri?dica de direito privado e propósito específico de garantia de créditos do Agronegócio, novos ou consolidados, cuja constituição, administração, funcionamento e divulgação de informações deverá seguir as regras de uma entidade regulamentadora.

Esta é a natureza jurídica mais apropriada ao Fundo criado pela lei 13.986 de 2020.

Como se vê, o Fundo Garantidor Solidário carece de regulamentação que provavelmente será outorgada pelo Banco Central do Brasil ou pelo Conselho Monetário Nacional, para que estes estabeleçam, dentre outras questões, algumas de suma importância aos partícipes do Mercado Financiador do Agronegócio, as quais dentre outras cabe-me aqui exemplificar:

Qual será ou que tipo de Instituição custodiará os depósitos?

Quais os limites de segurança aos credores de que os valores do fundo não se perderão por má administração ou má-fé?

Quais as punições cabíveis aos administradores por má administração ou má-fé?

Qual a formação administrativa mínima, regimento interno, órgãos internos do fundo (assembleia geral, conselho de administração, conselho consultivo, conselho fiscal, diretoria executiva, etc) e suas competências?

O que pode ou não ser deliberado nas assembleias?

Qual a periodicidade e forma das auditorias e fiscalizações?

Qual a forma do estatuto, dos regulamentos e das normas internas?

Qual o formato e periodicidade de apresentação das demonstrações financeiras, contábeis e fiscais?

Como se dará a comunicação com a entidade reguladora e com o mercado?

Quais os limites de transparência e publicidade dos atos do fundo?

Estas são apenas algumas das questões que dentre outras legais e convencionais, deverão ser regulamentadas a fim de levar ordem, segurança e direcionamento ao mercado.

Considerações finais

A hipoteca já foi a rainha das garantias até ser destronada pela alienação fiduciária de bens imóveis.

Na introdução deste artigo, pincelei a grandiosidade do Agronegócio Brasileiro e sua necessidade sempre premente de financiamento a cada ano.

A saída do governo do papel central de financiador do Agro vem transferindo rapidamente esse mister ao mercado privado que tem todo o interesse em ocupar esse espaço mediante segurança jurídica mínima atrelada a garantias de retorno de seus investimentos.

Ocorre que não há propriedades suficientes para garantia de tamanha necessidade de financiamento.

E o governo federal, conhecedor desse problema, vem tentando criar opções capazes de trazer a almejada segurança jurídica aos investidores de mercado, tais como a alienação fiduciária de bens fungíveis e o Fundo Garantidor Solidário, que se apresentam como uma forma inteligente de se outorgar garantias suficientes aos credores sem utilização de imóveis e com menor esforço e custo aos produtores rurais tomadores de crédito.

Estamos no caminho certo.

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