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A garantia fiduciária como elemento catalisador da reativação da economia

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A garantia fiduciária como elemento catalisador da reativação da economia

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Melhim Namem Chalhub

Melhim Namem Chalhub

20/07/2020

A Medida Provisória 992, de 16 de julho de 2020, dispõe sobre a concessão de crédito a microempresas e empresas de pequeno e de médio porte no âmbito do Programa de Capital de Giro para Preservação de Empresas – CGPE, sobre o crédito presumido apurado com base em créditos decorrentes de diferenças temporárias pelas instituições financeiras e pelas demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, exceto as cooperativas de crédito e as administradoras de consórcio e sobre o compartilhamento de alienação fiduciária. Dentre essas medidas, desperta especial atenção a possibilidade de ampliação do potencial da garantia fiduciária de bens imóveis como elemento catalisador da atividade econômica, destinado a impulsionar a reativação da economia.

Trata-se sem dúvida de direito real de garantia cujos efeitos práticos vêm demonstrando sua decisiva importância na expansão do crédito e na circulação da riqueza desde sua entronização no direito brasileiro em 1965, notadamente nos mercados de financiamento de bens móveis para consumo e de produção e comercialização de imóveis.

Sua superior efetividade em relação às garantias hipotecária, pignoratícia e anticrética decorre, fundamentalmente, de dois fatores: (i) blindagem do bem objeto da garantia em um núcleo patrimonial de afetação, que protege o direito do credor, excluindo-o dos efeitos de situações de crise do devedor fiduciante, notadamente de sua insolvência, e (ii) simplicidade e celeridade da realização da garantia, na medida em que, uma vez caracterizado o inadimplemento da obrigação garantida, opera-se a consolidação da propriedade no patrimônio do credor por procedimento extrajudicial, seguida de leilão para venda do bem.

A ideia do compartilhamento da garantia previsto nesse novo texto legal pode contribuir para a abertura de novas linhas de crédito bancário destinado à atividade produtiva. Trata-se de ideia que, em certa medida, pode ser suprida por outra figura já existente no direito positivo, isto é, a alienação fiduciária da propriedade superveniente, e vem complementada por mecanismos operacionais modernizadores.

Entretanto, antes mesmo da inovação de mecanismos de aplicação dessa garantia é necessário suprir algumas distorções e lacunas da legislação original, para as quais há muito vimos nos manifestando tendo em vista que podem comprometer a efetividade da inovação agora encaminhada ao Congresso Nacional.

De fato, o emprego generalizado da garantia fiduciária, sobretudo sobre bens imóveis, vem proporcionando a formação de massa crítica que, a despeito de confirmar sua importância no mercado de crédito, põe em destaque alguns aspectos merecedores de atenção, inclusive em face de inovações do novo Código de Processo Civil de 2015, em relação às quais propusemos alteração legislativa no II Congresso Nacional do IBRADIM, realizado em 2019.

Recorde-se que ao regulamentar a alienação fiduciária de bem imóvel, a lei 9.514/1997 prevê a exoneração da responsabilidade patrimonial do devedor fiduciante por eventual saldo remanescente da dívida, caso no leilão do imóvel não se apure quantia suficiente para seu resgate integral. O precedente em que se inspirou a lei 9.514/1997 é a lei 5.741/1971, que, na execução de crédito hipotecário habitacional vinculado ao Sistema Financeiro da Habitação – SFH, exonera o tomador de financiamento para moradia própria da responsabilidade pelo saldo remanescente caso não se alcance no leilão quantia suficiente para pagamento integral da dívida[1], operando-se a satisfação do crédito mediante atribuição do imóvel ao credor.

Trata-se de norma de exceção, de proteção do adquirente de moradia, instituída em 1971 para afastar o risco de superendividamento, mas, ao transportar essa norma excepcional para as operações de crédito com garantia fiduciária, a Lei 9.514/1997 institui-a como regra geral, que incide sobre toda a gama de operações de crédito, inclusive para fins empresariais.

Para correção dessa grave distorção basta alterar os §§ 2º, 5º e 6º do art. 27 da lei 9.514/1997, restringindo a exoneração de responsabilidade aos créditos destinados à aquisição ou construção de moradia, mas o legislador, na tentativa de corrigi-la, quando da formulação das leis 11.795/2008 (§ 6º do art. 14) e 13.476/2017 (arts. 3º ao 9º), trata da matéria em relação ao autofinanciamento de grupo de consórcio e à operação bancária denominada “abertura de limite de crédito”, esquecendo-se, todavia, de adequar a redação daqueles dispositivos da lei 9.514/1997 que impedem o credor de aceitar quantia inferior ao saldo devedor, impondo-se compulsoriamente a apropriação do imóvel pelo valor da dívida.

Ora, na medida em que os §§ 2º, 5º e 6º do art. 27 da lei 9.514/1997 impedem o credor fiduciário de aceitar lance inferior ao saldo devedor e o compelem a ficar com o imóvel em pagamento da dívida por esse valor, considerando, em consequência, “extinta a dívida”, não haverá qualquer saldo remanescente após o segundo leilão, sendo, portanto, estéreis essas duas leis que pretenderam submeter o devedor fiduciante, nessas hipóteses, ao princípio geral da responsabilidade patrimonial.

Associada à necessidade de correção dessa distorção relacionada à responsabilidade patrimonial, outra situação merecedora de atenção diz respeito a eventual desproporção entre o valor da dívida e o do imóvel, que reclama adequação da legislação sobre alienação fiduciária de bem imóvel às normas sobre a vedação de preço vil.

No primeiro caso, a lei 9.514/1997 deve adequar-se à regra geral do art. 1.366 do Código Civil, segundo a qual se, no leilão, o produto da venda do bem não bastar para pagamento da dívida, encargos e despesas da execução, o devedor fiduciante responde pelo saldo remanescente, cobrável por ação de execução. Em caráter excepcional, aplicar-se-ia a exoneração da responsabilidade somente em relação aos tomadores de financiamentos habitacionais, exceto nas operações autofinanciamento em grupos de consórcio.

No segundo caso, é necessária alteração legislativa que estabeleça como lance mínimo pelo menos 50% do valor da avaliação, visando afastar o risco de arrematação por preço vil.

Considerando que, pela consolidação da propriedade, o imóvel é incorporado ao patrimônio do credor pelo valor da dívida, caso se frustre o leilão e o imóvel nele permaneça por esse valor, a consolidação caracterizaria aquisição pelo credor por preço vil se o valor da dívida for inferior a 50% do valor da avaliação; esse risco poderá ser afastado mediante pagamento ao devedor fiduciante da diferença entre o valor da dívida e o correspondente a 50% da avaliação, se este for maior.

Merece também atenção com vistas à adequação da garantia fiduciária imobiliária à realidade do mercado de crédito em geral a excussão da garantia quando composta por dois ou mais imóveis.

Neste caso, considerando que a realização de leilão de todos os imóveis simultaneamente pode ser dificultada, sobretudo em relação a imóveis situados em localidades distintas, é recomendável a realização de leilões sucessivos, eventualmente em datas distintas e na medida em que seja liberada a certidão de averbação da consolidação de cada imóvel.

Assim, se o produto do leilão do imóvel ofertado em primeiro lugar não for suficiente para satisfação integral do crédito, os outros continuariam respondendo pelo saldo remanescente, em conformidade com o princípio da indivisibilidade da garantia[2], e deveriam ser ofertados em segundo leilão pelo valor desse saldo, pois todos os imóveis objeto da garantia permanecem vinculados à dívida até que ela seja extinta[3].

Esse critério é coerente com a regra do art. 899 do CPC, segundo a qual o leilão de vários bens penhorados deve ser suspenso tão logo apurada quantia suficiente para satisfação do crédito, encargos e despesas da execução.

Nesse procedimento, para atender ao princípio da menor onerosidade da execução, o imóvel a ser ofertado em segundo lugar só deveria ser objeto de consolidação depois da conclusão do leilão do primeiro imóvel, e assim sucessivamente, na medida em que se torne necessário complementar a quantia suficiente para satisfação do crédito.

Assim, alcançada essa finalidade, os imóveis que não chegaram a ser excutidos e, portanto, ainda se encontrem sob regime da propriedade fiduciária, seriam reincorporados ao patrimônio do devedor mediante simples averbação na respectiva matrícula independente de pagamento dos encargos tributários e dos emolumentos relativos a duas operações, que não chegariam a ser realizadas e, portanto, não os tornariam exigíveis, quais sejam, (i) a consolidação, na qual seriam devidos o ITBI e os emolumentos de averbação, e (ii) reversão da propriedade ao devedor, para a qual seriam também exigíveis novo ITBI e os emolumentos de registro no Registro de Imóveis.

Independente desse procedimento, nada impede que nas operações garantidas por dois ou mais imóveis os contratantes convencionem a vinculação de cada um deles a uma parcela da dívida e a consequente exoneração da garantia na medida em que satisfeita essa parcela.

Questão das mais relevantes, que tem sujeitado a execução fiduciária de bens imóveis a judicialização, é a imunidade do direito do credor fiduciário diante de atos de constrição, de qualquer natureza, sobre o direito aquisitivo do devedor fiduciante.

Como se sabe, a penhora, a indisponibilidade de bens ou qualquer outro ato de constrição sobre os direitos do devedor fiduciante (CPC, art. 835, XII) “não tem o condão de afastar o exercício dos direitos do credor fiduciário resultantes do contrato de alienação fiduciária, pois, do contrário, estaríamos a permitir a ingerência na relação contratual sem lei que o estabeleça. Até porque os direitos do devedor fiduciante, objeto da penhora, subsistirão na medida e na proporção que cumprir com suas obrigações oriundas do contrato de alienação fiduciária”4.

Assim, a penhora ou a indisponibilidade dos direitos de que o devedor fiduciante é titular sobre o imóvel, em execução contra ele movida por terceiro ou até pelo credor fiduciário, limita-se ao seu direito aquisitivo e, portanto, não impede o livre exercício do direito do credor caso esse devedor fiduciante venha a se tornar inadimplente, estando assegurada ao credor a consolidação da propriedade e o leilão.

Assim dispõe o art. 7º-A do decreto-lei 911/19695, que trata da garantia fiduciária de bem móvel infungível, mas em relação aos bens imóveis a lei 9.514/1997 é omissa sobre a situação, e essa omissão tem dado causa a interrupção do procedimento de realização da garantia e a judicialização da questão perante o juízo que decretou a constrição, retardando desnecessariamente a execução e onerando injustificadamente a execução, em prejuízo de ambos os contratantes.

A controvérsia quanto aos limites da incidência desses atos de constrição, em conformidade com o art. 835, XII, do CPC, pode ser afastada mediante inclusão de um parágrafo ao art. 27 da lei 9.514/1997, em termos semelhantes a proposição legislativa aprovada na reunião anual da Academia Brasileira de Direito Civil, realizada em setembro de 2018, verbis: “os direitos reais de garantia ou constrições de qualquer natureza incidentes sobre o direito real de aquisição de bem móvel ou imóvel de que seja titular o fiduciante não obstam sua consolidação no patrimônio do credor e a venda do imóvel, mas sub-rogam-se no direito do fiduciante à percepção do saldo que eventualmente restar do produto da venda”.

Essas e outras situações semelhantes têm dado causa à judicialização do procedimento extrajudicial de execução fiduciária imobiliária, postergando a recuperação do crédito e agravando os danos provocados pelo inadimplemento, ao frustrar a celeridade do procedimento extrajudicial e onerar excessivamente a execução, evidenciando a necessidade de adaptação legislativa que assegure a plena efetividade dessa garantia como elemento catalisador do crédito.

O compartilhamento da garantia fiduciária previsto na recente Medida Provisória 92/2020 pode, de fato, contribuir para a expansão do crédito bancário, mas seus efeitos práticos dependem da adequação legislativa em relação aos aspectos aqui suscitados e outros capazes de revestir esse contrato de garantia da segurança jurídica necessária a assegurar sua efetividade no processo de reativação do desenvolvimento econômico.

FONTE: MIGALHAS

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[1] A dispensa do pagamento de eventual saldo remanescente na execução hipotecária é objeto do art. 7º da lei 5.741/1971, que institui procedimento especial de execução judicial de crédito hipotecário vinculado a financiamento habitacional do Sistema Financeiro da Habitação, do seguinte teor: “Art. 7º Não havendo licitante na praça pública, o juiz adjudicará, dentro de quarenta e oito horas, ao exequente o imóvel hipotecado, ficando exonerado o executado da obrigação de pagar o restante da dívida”. Tratamos da matéria mais detidamente em nosso Alienação Fiduciária – Negócio Fiduciário (Gen-Forense, 6. ed., 2019, item 6.10.1), sustentando a necessidade de alteração legislativa que restrinja o benefício aos tomadores de financiamento habitacional, mantendo as operações de crédito em geral subordinadas às normas dos arts. 586 e 1.366 do Código Civil.

[2] Código Civil: “Art. 1.421. O pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa exoneração correspondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo disposição expressa no título ou na quitação”.

[3] A indivisibilidade, como se sabe, não diz respeito ao bem, mas, sim, ao direito de garantia, ainda que essa seja representada por um conjunto de bens.

[4] REsp 1.697.645-MG, rel. Min. Og Fernandes, DJe 25.4.2018.

[5] Decreto-lei 911/1969: “Art. 7º-A Não será aceito bloqueio judicial de bens constituídos por alienação fiduciária nos termos deste Decreto-Lei, sendo que, qualquer discussão sobre concursos de preferências deverá ser resolvida pelo valor da venda do bem, nos termos do art. 2o”.


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