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A relação conturbada entre o Estado e as organizações sociais

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TERCEIRIZAÇÃO

José dos Santos Carvalho Filho

José dos Santos Carvalho Filho

21/07/2020

Na década de 90, desenvolveu-se a instituição de várias entidades componentes do segmento que se convencionou denominar de terceiro setor. A denominação se origina do fato de que elas não integram nem a estrutura direta do Estado, representado pelos seus entes públicos e órgãos internos, nem o setor da administração indireta, constituída pelos entes privados vinculados a eles. Trata-se da terceirizaçãode atividades, delegadas ao setor privado.

O terceiro setor ficaria a meio termo entre o público e o privado. Em que pese sua criação como pessoas de direito privado, desempenham atividades de interesse social e administrativo e até mesmo alguns serviços de utilidade pública, que, em tese, o Estado deveria prestar. Há, pois, uma confluência do interesse público e do interesse privado, cuja especificidade reclama tratamento jurídico específico.

Na verdade, o poder público, em face do interesse coletivo, procede à delegação da atividade ou do serviço, o que significa que, embora seja o titular mediato ou imediato do desempenho, transfere-o à entidade do terceiro setor, que o executará em consonância com seus objetivos estatutários. Nesse aspecto, sobressai o fato de que essas pessoas não têm fins lucrativos, o que as afasta do setor empresarial e as inclui entre aquelas com responsabilidade social.

Dentre essas entidades, foram primitivamente criadas as organizações sociais (OS) pela Lei nº 9.637, de 15.5.1998, sem fins lucrativos, com o objetivo de se dirigir ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde. Na verdade, não constituem uma categoria nova de pessoas, mas sim uma titulação para entidades que, além de não governamentais, adotam as características da lei.

Para formalizar o vínculo, o aludido diploma previu a figura do contrato de gestão, “com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades” (art. 5º). O núcleo, pois, estampa a formação de parceria entre o Estado e a entidade privada, com panorama eminentemente social e sem tons empresariais, visando ao fomento das atividades delegadas.

Esse ajuste, além de observar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e economicidade, deve conter a especificação do programa de trabalho, as metas e os critérios de avaliação de desempenho, bem como os limites e critérios de despesas com remuneração e vantagens de dirigentes e empregados (art. 7º).

A ideia da parceria é a melhor possível, pois que inegavelmente o somatório de esforços entre pessoas públicas e privadas para executarem atividades de cunho social tem, em tese, maior probabilidade de êxito nos resultados do que a atuação isolada de cada uma delas.

Infelizmente, na prática, tudo tem sido bem diferente em muitos casos, vale dizer, a parceria tem-se revelado dissociada das linhas teóricas que inspiraram a instituição das OS.

Não é preciso que o intérprete se aprofunde nessa relação de parceria para identificar os gargalos por onde passam os resultados frustrantes na execução do serviço avençado. Embora o contrato de gestão tenha fisionomia assemelhada à de um convênio, pelo fato de as partes não serem antagônicas, mas, ao contrário, terem a mesma direção e objetivos paralelos, não deixa de ser um acordo recheado de cláusulas com direitos e obrigações.

Entretanto, há duas obrigações fundamentais na parceria. A primeira é a obrigação da OS – parceiro privado – de cumprir o objeto do contrato, executando as atividades ajustadas e cumprindo as metas fixadas. A segunda é a do Estado – parceiro público –  de repassar os recursos orçamentários autorizados no art. 12 da lei. É certo que esse repasse não se configura como cláusula necessária, mas ocorre na esmagadora maioria das contratações.

Em tal cenário, cabe questionar quais os problemas que atingem muitas parcerias com OS. Entre tantos, é possível vislumbrar dois deles fundamentais. O primeiro é a falta ou a demora no repasse dos recursos pelo Estado, quando ajustado no contrato. O segundo reside na gestão ineficiente ou fraudulenta da OS, que não sofre a devida fiscalização pelo parceiro público.

É facílimo perceber os efeitos desses fatos. Se o Estado não faz a alocação dos recursos financeiros, a OS, que deles depende para seus custos, não poderá executar satisfatoriamente o serviço que lhe incumbe. Em outra vertente, se a gestão da OS é carregada de ilicitude e desvios por falta de controle, o prejuízo acaba por atingir o Estado, dono do dinheiro público repassado. Não há outros mistérios: o núcleo é esse.

O noticiário não deixa dúvidas. No Estado do Rio de Janeiro, segundo o TCE, estão sendo investigadas onze OS, que têm a gestão de R$ 2,4 bilhões de reais, com suspeitas de desvio de vultosos recursos. (1) Outro dado: das dez OS que administram hospitais no Rio de Janeiro, oito estão sob investigação do Ministério Público e respondem a ações no TJ-RJ. (2) Além disso, há reclamações quanto a superfaturamento de preços, licitações fraudulentas, desvio de recursos etc. Isso sem contar a ineficiência na prestação do serviço, sobretudo dos serviços de saúde. E há inúmeros outros exemplos.

Se o Estado deixa de efetuar o repasse dos recursos à entidade parceira, qualifica-se como inadimplente diante dos termos e obrigações contratuais. Nesse caso, cumpre apurar quais os agentes causadores da omissão, devendo ser responsabilizados por improbidade administrativa, na certeza de que inviabilizaram a execução do serviço e violaram o interesse público. Aqui a culpa é exclusiva do Estado e a razão é a inadimplência.

Caso o Estado faça a devida alocação dos recursos e a OS, por má gestão, não execute os serviços a seu cargo, ou o faça deficientemente, ou ainda, se envolva em atuação fraudulenta, com gastos excessivos ou locupletamento de dirigentes, a culpa de início é da própria entidade parceira, mas não raras vezes conta com a colaboração do Estado, que nesse caso passa a responsável solidário.

Verificando-se os termos da Lei 9.637, não há como eximir o Estado de responsabilidade. Primeiro, porque a lei dispõe sobre fiscalização e controle do contrato de gestão entre os arts. 11 e 15. O art. 8º é peremptório: “Art. 8o A execução do contrato de gestão celebrado por organização social será fiscalizada pelo órgão ou entidade supervisora da área de atuação correspondente à atividade fomentada”.

Em segundo lugar, diz a lei que, havendo irregularidade na utilização dos recursos de origem pública, os responsáveis pela fiscalização deverão dar ciência ao Tribunal de Contas da União (no caso de parceria federal), sob pena de responsabilidade solidária (art. 9º).

Ainda mais: havendo situações de gravidade ou contrárias ao interesse público, mediante indícios fundados de malversação de recursos da mesma natureza, os agentes responsáveis pelo controle devem representar ao Ministério Público, à Advocacia-Geral da União ou à procuradoria da entidade, para o fim de ser requerida a decretação de indisponibilidade dos bens da entidade privada parceira, bem como o arresto ou sequestro dos bens de seus dirigentes, de agentes públicos ou de terceiros, que se tenham enriquecido ilicitamente ou provocado danos ao erário – hipóteses de improbidade administrativa (arts. 9º e 10, Lei 8.429/1992).

Quer dizer: não é por falta de mecanismos de controle e fiscalização que o Estado deixará de atuar. Se não o faz, é por incompetência mesmo, ou seja, por negligência e omissão no que tange ao interesse público. Aqui a razão é a ineficiência administrativa.

O certo é que as populações ficam num inarredável dilema. Se o Estado executa diretamente por seus órgãos os serviços de utilidade pública, a gestão é deficiente e o serviço não funciona. Noutro passo, se resolve delegar a terceiros, como no caso das parcerias com organizações sociais, os serviços, salvo honrosas exceções, também não funcionam, ora em virtude da inadimplência do Estado quanto ao repasse de recursos, ora por falta de fiscalização dos órgãos públicos responsáveis, embora a lei os obrigue ao controle.

E a relação entre os parceiros resulta conturbada, sendo que, como regra, um atribui a culpa ao outro. Quer dizer, em relação aos serviços de utilidade pública, calha o dito popular: “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”.

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NOTAS E REFERÊNCIAS

(1) Jornal O Globo, de 29.6.2020, pág. 9.

(2)  Sítio https://sismuc.org.br/noticias/7/saude/7926/exemplos-do-rj-e-sp-comprovam-a-ineficiencia-das-oss (acesso em 8.7.2020).

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