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Luiz Regis Prado

Luiz Regis Prado

29/07/2020

Luiz Regis Prado e Diego Prezzi Santos

A ideia de segurança vem sendo continuamente invocada tanto por leigos como por operadores jurídicos. No entanto, esse termo é portador de múltiplos e heterogêneos significados (segurança pública, jurídica, no trânsito, no trabalho, etc.). Também, tem sido empregado eufemisticamente para encobrir atentados à liberdade, manifestações de despotismo, tirania, abuso de poder, arbitrariedade. Isso porque a segurança constitui antes de mais nada desejo ou estado psicológico e necessidade congênita ao homem, que precisa de ordem e segurança para viver, produzir e desenvolver-se. Constitui-se em imposição elementar nas relações sociais a fim de repelir a imprevisibilidade, a incerteza, o caos social.

A vida humana desde os primórdios teve na insegurança um de seus aspectos mais sofridos e prejudiciais. Daí ser a busca pela segurança como fato e, sobretudo, como valor jurídico algo constante na evolução histórica do homem e dos grupos sociais. Tanto a Idade Antiga como a Idade Média se caracterizam em geral, salvo esparsas manifestações, pela inseguridade jurídica, pelo risco e indefinição. No Renascimento e depois no Iluminismo ganham força e consciência geral a necessidade imprescindível de segurança jurídica. Assim, com a formação do Estado de Direito, especialmente na Idade Moderna, consagra-se definitivamente o primado da segurança jurídica como elemento vital. Os devaneios totalitários, de ontem e de hoje, têm dado lugar sempre a um assalto à segurança, em todos as suas variadas facetas (PÉREZ LUÑO, E. Seguridad jurídica. In: El derecho y la justicia. Madrid: Trotta, 2000, p.481 e ss.). Como bem alude López Oñate, a questão filosófica crucial do momento parece ser ainda a da certeza, como em épocas pretéritas foram a verdade e a realidade (La certeza del diritto. Milano: Giuffrè, 1968, p. 29).

O mundo atual, repleto de velocidade e tecnologia, demanda mais do que nunca a segurança, a estabilidade, como forma de contrastar a inconstância, a liquidez e o excesso titânico de “informações” que soterram, desvirtuam, anestesiam.

Em contexto não muito alentador, ressai a noção de segurança como valor jurídico, estreitamente relacionado com a justiça. Assoma simplesmente como conditio sine qua non de sobrevivência e de vida livre das pessoas e da sociedade como um todo. Nada menos, sua relevância é enorme para a existência do Estado de Direito e da democracia. A propósito, salienta-se que o Estado de Direito “vem a ser aquele cujo ordenamento jurídico positivo confere estrutura e conteúdo a uma comunidade social, garantindo os direitos individuais, as liberdades públicas, a legalidade e a igualdade formal, mediante uma organização policêntrica dos poderes públicos e a tutela judicial dos direitos. Trata-se do Estado da cidadania, através do qual o indivíduo é feito cidadão, a democracia se institucionaliza jurídico-politicamente e o sistema de valores é convertido em legalidade, base fundante da legitimidade democrática” (PRADO, L. R. Bem jurídico-penal e Constituição. 8ª ed. São Paulo: Forense, 2019, p. 68).

Como valor essencial inerente ao Estado de Direito, a segurança jurídica se erige como condição dos direitos fundamentais, e função de garantia de sua realização.  Vem a ser pressuposto e objetivo da democracia. Consiste, igualmente, num postulado matriz da ordem jurídica que se refere diretamente à pessoa humana. Esta imbricação entre segurança jurídica e democracia cria proteções ao Estado, mas também e especialmente às pessoas, e as submete a controle rigoroso para que não seja qualquer instabilidade social ou política que as faça ruir. Na vigência da sociedade e do Estado, na vida política, o conflito de ideias, de opiniões, a dialética do sim e do não, devem ser vistos como algo normal, que não pode afetar a estabilidade das relações sociais e o exercício pleno da democracia. Para isso, para suportar tal impacto e desgaste, têm-se o Estado de Direito, a democracia, a Constituição, as leis, a tripartição dos poderes, os freios e contrapesos, etc.

Diante de uma realidade altamente conflituosa, a importância da segurança jurídica é ainda maior, haja vista que através dela se opera a proteção dos direitos individuais,  políticos e sociais, ao nortear a criação de arquitetura normativa para sua tutela, fiscalização e correção, etc. Existe em cada norma um átimo de segurança jurídica que compõe um todo que serve à democracia e, com isso, em cada situação analisada e decidida pelo Judiciário existe a mesma partícula, assim como em cada ação do Poder Executivo e em cada deliberação do Poder Legislativo.

O relativismo irascível que permeia a época atual e o direito, aqui tão criticado, e que tem os Poderes como artífices, pode causar grave fratura: transformar um plexo de direitos que está numa esfera do “não decidível” em algo “decidível”.  A execução de atividades estatais de modo contrário às normas, regras ou princípios, a criação legislativa ou judicial naturalmente inconstitucional ou exclusivamente de autoproteção, a aplicação normativa divorciada da ciência e a investida contra seus próprios limites são exemplos nítidos de como os Poderes violam a segurança jurídica e o regime democrático. Este enquanto obra humana não é perfeito, mas é o menos ruins dos regimes existentes. Diante disso, torna-se inevitável ter fé no ideal democrático, ainda que nem sempre seja fácil: “o governo do bom cidadão é a democracia entendida sinteticamente como o governo pela liberdade no sentido de liberdades civis (as chamadas liberdade negativas) e na liberdade, ou seja, através do autogoverno (a chamada liberdade positiva). A democracia é seguramente o ordenamento político mais árduo. Ela supõe uma avançada maturidade ideológica e moral do cidadão em geral e não apenas de uma minoria elitizada. Supõe, além disso, uma capacidade ágil e crítica fundada numa honesta e robusta informação histórica e circunstancial. O regime democrático é seguramente o mais difícil, o que mais exige empenho e o mais aberto a todo progresso, mas é também o mais custoso”. (BOBBIO, N. As ideologias e o poder em crise. Brasília: UNB, 1982, p.231 e 233 – citando Bauer).

Em relação à ideia contida no título deste artigo de abuso legal, evidencia-se uma espécie de “segurança de inseguridade”, que retrata claramente a incompatibilidade com o Estado de Direito e o exercício pleno da democracia. Vale dizer: mostra a certeza de insegurança, a consciência de que não há segurança. Que tal segurança insegura não exprime a verdadeira segurança jurídica (DÍAZ, E. Sociología y filosofia del derecho. Madrid: Taurus,1974, p.46 e ss.). A exigência de segurança jurídica não diz respeito apenas à vigência de um sistema legal – mesmo sob “capa de legalidade”, como no Inquérito “Fake”, (e outras reiteradas mazelas), que sufraga, em verdade, abuso, que se pretende “legal”. No entanto, para além da legalidade, exige-se determinada e mínima legitimidade, em consonância com o quadro axiológico gizado na Constituição. Transcende-se a mera legalidade formal, quando mais sofisticamente forjada, para se agasalhar valores éticos sociais, exigências de justiça, liberdade, dignidade e direitos individuais, árdua e irreversivelmente conquistados.

Resta óbvio que a única saída reside na utilização dos instrumentos legais presentes na ordem jurídica democrática. O florescer das sociedades comprova a assertiva, e dela não há resquício de dúvida. Todavia, não é menos certo que a ausência de segurança jurídica implica lamentável corrosão, notoriamente prejudicial ao Estado democrático de Direito, às Instituições, ao livre convívio social, ao desenvolvimento e à paz entre os concidadãos, e por isso mesmo torna-se imperioso conclamar os Poderes a cumprirem seus papéis prévia e estritamente designados. É o mínimo que se espera deles!

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