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Reforma tributária sem levar em conta a tributação digital?

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Marcus Abraham

Marcus Abraham

25/08/2020

Os gastos com o enfrentamento dos efeitos da pandemia da Covid-19 vêm aumentando mês após mês, crescente que pode se potencializar quando se fala agora na manutenção do “auxílio emergencial” até o final do ano, ainda que com um valor menor, acrescentando-se o fato de que, segundo recentes dados da ANS, mais de 280 mil pessoas abandonaram seus planos de saúde privados, passando a serem usuários do SUS, o que aumentará ainda mais os gastos públicos na área da saúde.

Segundo o Banco Central, a dívida bruta atingiu 85,5% do PIB, e o endividamento da União, estados e municípios já ultrapassa R$ 6,15 trilhões até junho de 2020.

Nesse cenário de elevação de despesas e endividamento público, o tema da reforma tributária emerge como uma demanda necessária dos governos e da sociedade, especialmente por vozes da classe empresarial, tanto com a bandeira da simplificação do nosso ultracomplexo modelo tributário, quanto com o ideal de justiça fiscal a partir de uma melhor repartição dos encargos tributários, ampliando-se a base de contribuintes e, por decorrência, reduzindo-se a carga fiscal.

Além das propostas que hoje já existem no Parlamento, tanto na Câmara dos Deputados (PEC nº 45/2019), como no Senado (PEC nº 110/2019), viu-se recentemente a proposta encaminhada pelo Governo Federal (primeira parte de um conjunto a ser proposto), tendo como núcleo a unificação da PIS e da Cofins na intitulada Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), com alíquota de 12%.

Especula-se, ainda, em futuras propostas a serem encaminhadas, acerca da criação de um tributo sobre operações financeiras, da desoneração da folha e da mudança no Imposto de Renda de empresas e pessoas físicas. Todavia, pouco se fala sobre a inclusão, na reforma tributária, da questão da economia digital.

Ocorre que o distanciamento social que estamos vivendo por força da quarentena nesta pandemia que assola a humanidade colocou a nu um movimento inexorável: a virtualização das relações em geral, sobretudo as econômicas, em que podemos adquirir toda sorte de bens e serviços, de maneira simples e com rapidez e qualidade, através de operações eletrônicas do “e-commerce” ou “e-services”.

O fato é que a revolução digital da tecnologia da informação, da biotecnologia e da inteligência artificial já começa a alterar os paradigmas que conhecemos hoje. Por exemplo, o modelo de home-office, inequivocamente, veio para ficar.

Entretanto, nosso arquétipo tributário ainda está baseado em padrões de transações físicas. Não à toa, temos ainda vigente um Código Tributário promulgado mais de 50 anos atrás, quando os avanços e desenvolvimentos da era digital encontravam espaço, no máximo, em obras de literatura de ficção científica.

Riquezas estão sendo geradas em escala exponencial na economia digital, mas a necessidade e capacidade de tributar (desdobramento estatal do dever fundamental de pagar tributos, como o “preço da civilização”, nas palavras de Oliver Wendell Holmes Jr., ministro da Suprema Corte americana) não está acompanhando as novas tecnologias.

O problema se inicia com o fato de que as transações digitais não obedecem a fronteiras nacionais, como estamos acostumados a raciocinar. Como diria Zygmunt Bauman, os limites territoriais onde se exerce a soberania se tornaram “líquidos”.

A circulação de capitais por meio de complexas operações em escala global implica a criação de fatos geradores que os Estados, por sua legislação interna ou acordos multilaterais de tributação, são incapazes de tributar eficazmente. Esse fenômeno, comum na realidade do direito tributário internacional, acaba por reduzir as bases tributárias dos países envolvidos, com a consequente perda de arrecadação.

Hoje, as empresas do setor digital criam riqueza no ambiente virtual sem necessidade de estarem fisicamente presentes nos países onde se encontram seus clientes/consumidores. Ou seja, criam um mercado consumidor em diversos países que não terão condições de tributá-las, pois seu estabelecimento permanente se localiza fora do território nacional do mercado consumidor (sendo este último convencionalmente denominado de “jurisdição de mercado”).

Mas como então tributar essas novas realidades se trabalhamos com modelos tributários antigos?

Atenta a isso, em 2013, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE – lançou um plano de ação denominado “Chamando a atenção para a erosão da base tributável e a transferência artificial de lucros” (Addressing base erosion and profit shifting). A sigla BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) pode ser traduzida como “erosão da base e transferência de lucros”.

Este plano dimensionou as perdas enfrentadas pelos países diante da erosão fiscal e transferência de lucros para jurisdições de baixa tributação, expondo a preocupação com a redução das bases tributárias dos países-membros e a necessidade de adotar medidas para harmonização da legislação tributária internacional.

Já naquela época, o 1º (primeiro) plano de ação previsto no Plano BEPS (2014) era justamente o de “identificar as principais dificuldades que a economia digital apresenta na aplicação das normas internacionais vigentes de tributação, tanto direta como indireta”.

De lá para cá, muita coisa aconteceu, e as relações econômicas de natureza digital se potencializaram, chegando-se a ver uma desconfortável espécie de “rivalização” entre Estados Unidos e Europa na questão tributária.

No continente europeu se concentra um enorme mercado consumidor de serviços digitais, ao passo que algumas das principais empresas do setor – como Google, Microsoft, Amazon, Apple, Facebook, dentre outras, conhecidas como “Big Techs” – se localizam do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos.

Percebia-se como injusto que empresas estrangeiras (especialmente as norte-americanas) gerassem valor e riquezas com milhões de clientes europeus, sendo os lucros tributados fora da Europa.

Para tentar mitigar o embate comercial, a OCDE iniciou uma série de negociações buscando criar novos mecanismos de tributação do setor digital em que parte da cobrança de tributos pudesse ser feita também na jurisdição de mercado. Todavia, os EUA deixaram a mesa de tratativas.

A ideia do modelo de tributação gira em torno da incidência tributária sobre a receita bruta auferida pelas empresas de tecnologia a partir das vendas de produtos e serviços, de publicidade ou intermediação de negócios, tendo como elemento de conexão o mercado consumidor, no que se tem denominado de Digital Services Tax (DST).

Faço um aparte para recordar que, no ano passado, a França já havia aprovado um imposto (que acabou suspenso pelas negociações travadas entre União Europeia e EUA), no valor de 3% sobre a receita de serviços digitais prestados a consumidores localizados em território francês, por empresas com receita superior a 25 milhões de euros no país e 750 milhões de euros em todo o mundo.

Há algumas semanas, no dia 15 de julho passado, a Comissão Europeia anunciou um pacote de medidas tributárias que atingirá as ditas “Big Techs”, para ser implementado até o ano de 2024.

Divulgou o órgão europeu que será adotada uma nova abordagem na tributação para enfrentar o que, segundo ela, seriam “os desafios da economia digital e para garantir que todas as multinacionais paguem a justa parte que lhes cabe, buscando melhorar a justiça tributária, intensificando a luta contra fraudes fiscais, restringindo a concorrência desleal e aumentando a transparência tributária”. Afirmou-se também que as medidas irão ajudar a economia a se recuperar para o enfrentamento da pandemia.

Muito está sendo feito e movimentado no hemisfério norte a respeito da busca da justa tributação desta nova realidade digital. E é este exemplo que penso deva ser seguido aqui no Brasil, dentro do escopo da reforma tributária que ora se desenha, fundamental para o reequilíbrio das contas públicas e o enfrentamento de um momento “pós-pandemia”, de maneira a permitir o desenvolvimento econômico e a retomada dos investimentos no país.

Recordo que o artigo 11 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) estabelece que: “Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação”. E o setor da tributação da economia digital é uma relevante lacuna que temos em nosso vetusto sistema tributário.

Agora, com todo esse novo paradigma do mundo virtual, precisamos superar as nossas antigas dificuldades, principalmente através de uma reforma tributária que inclua a questão da tributação da economia digital, para que se possa dar efetividade ao supra citado artigo da LRF no sentido de termos a requerida instituição, previsão e arrecadação de todos os tributos como requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal.

Encerro lembrando que, apesar de realidades tão novas, ainda vale o antigo conceito de justiça formulado por Ulpiano na era clássica do direito romano: a justiça é a constante e firme vontade de dar a cada um o que é seu. E a porção adequada de tributos, também na era digital, é parte integrante de dar à sociedade aquilo que lhe é devido.

FONTE: JOTA

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