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Um ano de LL.M. na Universidade da Pensilvânia: uma experiência única

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Luiz Dellore

Luiz Dellore

28/09/2020

Neste texto, o advogado Leonardo Corrêa conta a experiência de ter feito um LLM nos Estados Unidos (na tradicional UPenn). A comparação entre os dois sistemas, o pragmatismo dos debates jurídicos como ocorrem nos EUA e as lições que podemos tirar disso são ótimos motivos para a leitura da coluna. Além, é claro, de estimular quem pretende estudar fora!

Boa leitura,

Dellore


por Leonardo Corrêa*

“Success is not final, failure is not fatal: it is the courage to continue that counts.” (tradução livre: “O Sucesso não é final, o fracasso não é fatal: é a coragem de continuar que conta”)

“I have always earned my living by my pen and by my tongue.” (tradução livre: “Eu sempre ganhei a vida pela minha pena e pela minha língua”) Winston Churchill.

Fiquei muito honrado com o convite do professor Luiz Dellore para que eu escrevesse – ou garatujasse – essa coluna sobre a minha experiência profissional, com foco na vivência acadêmica que tive nos Estados Unidos. Não que eu ache que minha experiência e trajetória sejam tão relevantes. Há diversos advogados em nosso país, cada um com suas histórias, dramas, sacrifícios e lutas. Mas, vamos à vaca fria.

Minha carreira não começou no Direito, cursei dois anos de Administração de Empresas até constatar que minha grande fascinação era a Lei e a dialética. Pedi transferência na PUC-Rio e parti para o curso que abracei para o resto de minha vida. Não foi nada simples, tive grande dificuldade – no começo – em interpretar os textos legais. Me deparei, então, com a obra fascinante de Carlos Maximiliano, “Hermenêutica e Aplicação do Direito “, o que me ajudou muito.

Cursei o turno da noite, o que me fazia estudar, sempre, a matéria que seria dada em sala de aula, recorrendo aos clássicos, disponíveis na Biblioteca da PUC-Rio. No campo do Direito Privado, li Miguel Reale, Caio Mário da Silva Pereira, Miguel Maria de Serpa Lopes, J.M. Carvalho Santos, J. X. Carvalho de Mendonça e o magistral San Tiago Dantas. Em processo, me devotei a Moacyr Amaral Santos, José Carlos Barbosa Moreira, J.J. Calmon de Passos, Francesco Carnelutti, Giuseppe Chiovenda, Eduardo Couture e a obra “Introdução ao Processo” de Sergio Bermudes, simples, agradável e incrivelmente bem escrita. Com isso, aproveitava as aulas para fazer perguntas aos professores. No campo penal, tive muito gosto em ler Francisco de Assis Toledo, Heleno Fragoso e Nelson Hungria.

Ter escolhido o período noturno apresentou outra vantagem marcante, comecei a estagiar no prestigioso escritório Machado Meyer, no Rio de Janeiro. Lá senti a necessidade de aprimorar a escrita. Então, me devotei à leitura dos Clássicos. Naveguei pelas páginas de Machado de Assis, de lápis em punho, sublinhando figuras de linguagem e construções que me pareciam belas, quase esculturas do nosso idioma. Além do Bruxo do Cosme Velho, devorei, avidamente, Nelson Rodrigues, Carlos Lacerda, Ítalo Calvino, Bernard Shaw, H. L. Mencken, Dostoievski, Aldous Huxley, Jane Austen, George Orwell, Herman Hesse, dentre outros tantos. Minha escrita, portanto, é o reflexo da influência de diversos mestres.

Digo, sem rodeios, que a literatura foi – e ainda é – uma poderosíssima ferramenta para a advocacia. Portanto, não tenho refreios, ou comedimento, em dizer, com toda ênfase: leiam! Leiam a boa literatura! Pode parecer difícil, no início, entender a importância disso. Mas, com o tempo, conseguimos ver nos textos que escrevemos.

Não fosse a necessidade de aprimorar a redação e o estilo, estagiar me fez enfrentar a realidade da “barriga no balcão”. É impossível alguém saber despachar com um desembargador sem que, antes, tenha tratado com serventuários, escreventes, escrivães e juízes de primeiro grau.

Após aproximadamente oito anos de advocacia intensa, em 2007, resolvi me dedicar a um Mestrado. Mas, vislumbrei que um LL.M nos Estados Unidos – para mim – poderia ser mais interessante e instigante. Então, os bons ventos me levaram à Universidade da Pensilvânia, fundada em 1740 na Cidade que foi o berço da Revolução Americana. Era outro sistema jurídico, outra cultura e muitas ideias que eu nem pensava. Uma biblioteca de cair o queixo e professores absolutamente brilhantes. Pisar na Universidade que foi fundada por Benjamin Franklin é de arrepiar. Um dos mais importantes Founding Fathers (como os americanos chamam os fundadores dos EUA), Franklin escreveu um documento sobre as bases educacionais que criaram uma universidade voltada para a formação de profissionais com visão ampla, multidisciplinar e holística.

Foi lá, por exemplo, que uni minha devoção à Literatura com a arte do “Storytelling” – em bom português, a construção de narrativas. Foi lá, também, que estudei persuasão, ao invés da mera retórica e dialética. Foi lá que tive de lidar – e me apaixonei – pela Análise Econômica do Direito (Law & Economics). Foi lá que me encantei pelo Método Socrático. Mas, tenham em mente, foi tudo muito duro, difícil e árduo.

Estudava 12 horas, seis dias por semana. Meu descanso era no final das sextas-feiras e aos sábados. Tudo isso para tentar aproveitar as aulas ao máximo e reduzir a tensão de responder as perguntas dos professores e dos olhares de todos alunos da sala, que, apesar de ignorar sua origem, só lhe respeitarão se você mostrar conhecimento. Ficamos angustiados com o fracasso, mas a dedicação supera isso.

Algumas anedotas são interessantes. Tive um professor de Corporations (Societário) chamado Michael Wachter. Ele era economista, e, portanto, apresentava uma visão bem diferente. Em uma aula, mencionei o conceito de affectio societatis. A resposta foi fria e direta: “isso é irrelevante, o importante é de quem o bolso dói”. Um colega Italiano, veio em meu socorro, citando Ascarelli e dizendo que eu estava correto. Nada mudou. Meu professor mostrou, com um pragmatismo impressionante, que o nosso precioso conceito era inútil para solucionar as questões jurídicas, que, a rigor, ele causa mais dúvida que certeza, prejudicando a previsibilidade empresarial, o que desestimula o empreendedorismo. Consequencialíssimo e Law & Economics na veia!

Minhas aulas de Complex Litigation (Litígios Complexos) foram sensacionais, tive a oportunidade de debater com um dos maiores processualistas americanos, meu professor Stephen Burbank, além de Arthur Miller (NYU) e outros tantos que vieram ao Seminário no final do curso. Nesse dia, aliás, encontrei o nosso grande professor Antonio Gidi. Foram debates riquíssimos, abertos e sinceros, que me fazem refletir até hoje. Por exemplo, Burbank questionava a nossa falta de Discovery (procedimento do Processo americano que obriga as partes a apresentar documentos). Eu respondia que tínhamos a inversão do ônus da prova; ele respondia: “o importante não é o ônus da prova; mas o ônus da persuasão”).

Finalmente, acho fundamental falar sobre a cadeira de Negociação e Solução de Disputas do professor Stuart Diamond. Logo na primeira aula, Diamond nos perguntou o que persuadia as pessoas. Afoito e cheio de razão, levantei a mão e disse: argumentos! O professor, então, balançou a cabeça e disse: “argumentos não convencem ninguém; argumentos são apenas o colchão que a pessoa se deita, confortavelmente, após a decisão emocional que tomou. A persuasão está no coração, não na razão”.

Ele dizia, também, que as histórias eram altamente persuasivas. Como fundamento, salientava que as ouvimos desde o berço. Por isso, a grande importância de uma boa narrativa, o “Storyteling”. Outro ponto relevante, que aprendi lá por conta própria, foi a construção de argumentos em bloco “block reasoning”. Com isso, o texto fica mais compacto, segue uma estruturação e não fica “indo e voltando”.

Ao retornar dos Estados Unidos, voltei à advocacia, aplicando conceitos que lá aprendi. Enfrentei alguma resistência, mas não desisti. Prossegui no estudo comparado do Direito (EUA e Brasil), mergulhei de cabeça na Economia, e, aos poucos, fui desenvolvendo as ferramentas da narrativa. Hoje, vejo os litígios como duelos de narrativas, que devem ser construídas pelos advogados in-house (advogado interno) – como sou, atualmente – e externos, desde o nascimento da relação jurídica, até a confecção e execução do contrato. Trata-se de atividade estratégica e importantíssima. Arrisco dizer que: quanto melhores as narrativas, inclusive sob o aspecto das justificativas e coerências, menos processos uma empresa terá.

Para terminar, a verdade é que sou um advogado, nada mais. Todavia, isso não significa que só vejo o Direito preto e branco. No exercício de minha profissão, tive que ir além e ter uma visão ampla. Não fosse a literatura, a economia, a filosofia e a persuasão, eu certamente não teria encontrado soluções para alguns dos casos mais complexos que enfrentei em minha vida. Apesar da atratividade mágica do mundo digital, acho que sem a base não seremos aptos a utilizar todos os recursos tecnológicos ao nosso dispor.

Por isso, afirmo, com toda a tranquilidade, nenhuma máquina irá mascarar nossas deficiências de formação. Leiam, leiam, leiam, estudem e escrevam! E, se quiserem estudar fora, não desistam e sigam o seu sonho. Escolham e avaliem as universidades, é muito importante ter uma afinidade. Enfim, essa é a minha mensagem para todos. Vocês não vão se arrepender, e, por certo, ficarão com Churchill, ganhando a vida pela pena e pela língua ferina e afiada, forjada em universidades que fomentam o debate.


*LEONARDO CORRÊA – Advogado. Formado em Direito pela PUC-RJ e LL.M pela University of Pennsylvania


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