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Direito nos EUA e o método socrático

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Luiz Dellore

Luiz Dellore

05/10/2020

Você já ouviu falar como é ou já viu em filme americano uma aula numa faculdade americana? O que se verifica é o chamado “método socrático”. Quer saber mais sobre isso e se isso funciona? Leia o texto do Prof Jordão, que muito bem explicada e destaca as vantagens desse método. Será que isso daria certo no Brasil?

Dellore


por Jordão Violin*

Alunos, incentivos, método, estrutura e professores. Esses cinco elementos formam a essência de um curso de direito. Para conhecer o ensino jurídico de um país, é preciso conhecer cada um desses pilares. Nas semanas anteriores, vimos quem são e como são selecionados os estudantes de direito nos Estados Unidos. Vimos também quais incentivos eles têm para se manter em alta performance ao longo de todo o curso. Hoje, trataremos do método. Como se desenrola uma aula na terra de Tio Sam? O que esperar de alunos e professor? O que é, afinal, o método socrático?

Antes de tudo, um aviso a quem acabou de chegar. Esta não é uma série sobre filosofia. Quem quiser conhecer o método socrático original, na sua pureza, deve recorrer às obras de Platão. Esta série é baseada na experiência pessoal dos autores em terras estrangeiras. A descrição que se segue é fruto da observação em sala de aula, com todas as adaptações, deturpações e modificações que professores implementam, de acordo com seu objetivo.

O método socrático, por definição, é uma forma de argumentação cooperativa. Serve, em grande síntese, para questionar o ponto de vista de um dos participantes, apontando-lhe contradições e inconsistências. O objetivo é fazer o interlocutor rever seus argumentos, adotando outros mais fortes ou mais coerentes. Ou, em último caso, abandonar sua premissa, por considerá-la incorreta. Trata-se, portanto, de um método que busca falsear aquilo que se crê verdadeiro.

Nos Estados Unidos, o método socrático é largamente utilizado em sala de aula. São raras as disciplinas baseadas em aula expositiva. Na imensa maioria dos cursos, o protagonista, em sala, é o aluno. É ele que deve expor os fatos, as teses discutidas, a tese vencedora, os fundamentos pelos quais a Corte adotou um argumento e não o outro. É ele, o aluno, que deve fazer conexões entre casos, apontando se, na sua opinião, a Corte aplicou corretamente o precedente, ou se deveria ter distinguido os fatos do caso A daqueles do caso B. Tudo isso devidamente provocado pelo professor.

A função do professor é quase que a de um entrevistador. Ele deve conduzir o estudante para os pontos fundamentais à matéria. Perguntando, pressionando, encurralando e, obviamente, corrigindo. Aqui, aliás, reside a fagulha de genialidade do método socrático: ele toma o erro do aluno como matéria-prima para que o Professor explique a matéria. Mais importante do que mostrar ao estudante o caminho correto, é deixá-lo errar primeiro, por conta própria, para reconduzi-lo à trilha certa em sala de aula.

Muito bonito na teoria, mas funciona? Pra responder a essa pergunta, é necessário acrescentar outra informação. O método socrático, nos Estados Unidos, dificilmente aparece sozinho. Ele geralmente é combinado com o método de estudo de casos.

Esse segundo método foi desenvolvido no final do século XIX por Christopher Columbus Langdell, então diretor da Harvard Law School. De modo pioneiro, Langdell abandonou as aulas que simplesmente explicavam o que a lei diz. Propôs que, em vez disso, os encontros presenciais fossem dedicados a estudar como a lei se aplica a casos concretos. Assim, exigia que seus alunos lessem decisões judiciais para extrair delas os fatos e as razões determinantes. Hoje, esse é o padrão no ensino do direito nas Universidades norte-americanas.

O método ganhou tanta adesão que, hoje, o material primário para o estudo do direito, nos Estados Unidos, são casebooks: livros com compilações de casos para entender determinada matéria – processo civil, direito constitucional, direito penal. Ao contrário dos nossos manuais, que se empenham em dar ao estudante conclusões, explicações e teorias, casebooks têm pouca – ou nenhuma – explicação.

Resumem-se à transcrição do acórdão (geralmente resumido a seus aspectos essenciais) e à enumeração de questões com o intuito de provocar o estudante a analisar criticamente os casos. Apenas questões, nenhuma resposta. Quando muito, uma ou outra observação do autor.

Como o método socrático interage com o método de estudo de casos? Por recomendação da American Bar Association (ABA), a cada hora em sala de aula acrescentam-se pelo menos duas horas de leitura extraclasse. Em geral, o professor exige da turma a leitura de uma série de casos para o encontro seguinte. Esses casos constam todos do casebook, cuja aquisição é obrigatória. Em sala, um ou mais alunos serão aleatoriamente chamados a explicar os fatos, fundamentos e a analisar criticamente os julgados, comparando-os com outros precedentes.

Tudo isso vale nota. A cada resposta errada, vários braços se levantam, esperando a oportunidade de “roubar” os pontos do colega que não soube responder corretamente. Cabe ao professor decidir se abre a palavra para outro estudante, atribuindo-lhe o ponto pela resposta, ou se insiste no aluno equivocado. Como visto acima, o erro é matéria-prima importante no método socrático. Nem todo erro é punido com a perda de pontos. Às vezes, mais do que esperado, o erro é desejado. É a oportunidade que o professor precisa para esclarecer um ponto obscuro da matéria.

Lembro-me de agendar reuniões semanais com meu orientador em Syracuse, professor Antonio Gidi, munido de uma extensa lista de dúvidas. A maioria sobre aulas passadas, algumas sobre aulas futuras. Assim que eu começava a perguntar sobre casos que ainda seriam discutidos em sala de aula, ele rapidamente me interrompia: “esta pergunta eu não vou lhe responder. Não ainda. Porque eu quero que você vá à aula em dúvida. E você vai errar. Todo mundo erra, todo semestre. Eu quero que você erre para que eu possa explicar esse ponto à sala inteira. Se, depois da aula, a dúvida persistir, volte que eu te respondo”. E, assim, eu percebi que meu pavor de errar uma pergunta em sala de aula poderia ser reduzido a um mero temor. Ainda era medo. Mas um medo menos intenso.

Se o método socrático funciona? Funciona, oras! O medo é um instinto de sobrevivência. Ninguém quer ser chamado e ter que admitir publicamente que não leu o caso – ou que leu superficialmente. Ninguém quer ter seus pontos “roubados” pelos colegas. Mas, acima de tudo, o método socrático parte do pressuposto de que o conhecimento só é retido quando resolve algum problema. Um manual dá inúmeras respostas a perguntas que o estudante nunca se fez. Já um caso fornece inúmeras perguntas, cujas respostas o estudante só conseguirá em sala de aula.

Obviamente, lá, como aqui, há professores bons e ruins. Uma aula baseada em método socrático pode facilmente degenerar em divagação se o professor não se apressar em corrigir rumos. Há também aqueles professores que, preocupados em cumprir o cronograma, passeiam superficialmente pelos casos, transformando a aula em pouco mais que um exame oral: algo como “conte-me os fatos, dê-me os fundamentos e vamos para o próximo precedente”. O mais importante, que é a análise crítica, identificação das fragilidades e comparação com outros casos, é negligenciado. Não existe método perfeito. A aula será tão mais proveitosa quanto o professor for capaz de adaptar o método às exigências da disciplina.

Também o método de estudo de casos tem seus inconvenientes. Embora seja interessante conhecer o contexto que deu origem aos precedentes, a leitura diária de dezenas de acórdãos é extenuante. São horas de análise, inúmeros fatos irrelevantes e dezenas de páginas para chegar a uma conclusão que poderia ser facilmente explicada em duas linhas. A tarefa diária de separar o joio do trigo, os fatos e argumentos relevantes daqueles que nada acrescentam à resolução do caso, é exaustiva.

Há muito mais o que dizer, mas acredito que o texto já vai longo. E o mais importante é, seguindo o espírito do método socrático, convidar à reflexão. O ensino jurídico, no Brasil, seria beneficiado com a adoção, ainda que parcial, dessa metodologia? E do método de estudo de casos? Qual a sua opinião? E quais os percalços para que esses métodos sejam implementados de modo proveitoso? Podemos nos beneficiar da experiência norte-americana?

Até a próxima!

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*JORDÃO VIOLIN – Doutor e mestre em Direito Processual Civil pela UFPR. Tem LL.M. em direito norte-americano pela Syracuse University (EUA). Advogado e professor dos cursos de graduação e pós-graduação da PUC/PR


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