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A eficácia territorial de decisão proferida em ação civil pública

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

AÇÕES COLETIVAS DE CONSUMO

ACPS DE CONSUMO

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

DECISÃO PREFERIDA EM AÇÃO CIVIL

EFICÁCIA TERRITORIAL

TEMA 499 DO STF

Leonardo Roscoe Bessa

Leonardo Roscoe Bessa

21/10/2020

Por Leonardo Roscoe Bessa e Walter José Faiad de Moura*

O Brasil, em que pesem inúmeros esforços, ainda possui destaque negativo em termos de qualidade e eficácia do serviço de prestação jurisdicional. No discurso teórico, diversas técnicas de processo civil se dispõem a dar solução mais rápida para grandes conflitos e tratamento uniforme a questões que se tornam repetitivas. Na prática, nosso jovem sistema de Justiça só tem sido lembrado por contingenciar, anos a fio, sentenças efetivas para lesões aos chamados direitos metaindividuais, particularmente os que afetam milhões de pessoas.

O campo dos acidentes de consumo e das condutas abusivas de fornecedores revela litígios que não escolheram cor, classe nem o local onde nasce o cidadão. Entre cláusulas de obrigações bancárias absurdas, regulação anacrônica de serviços públicos importantes e até acidentes ambientais, o sistema de Justiça, embora lento, ainda é a única garantia de resposta para milhões de brasileiros afastados pela desigualdade socioeconômica. A via jurídica mais conhecida do cidadão são as ações civis públicas(também conhecidas como ações coletivas de consumo — ACPs).

Nesse cenário, destacam-se boas iniciativas alternativas em direção à mediação e conciliação. A legislação e desejável cultura de um novo processo civil apontam para a lógica da uniformidade de entendimentos jurisprudenciais dos tribunais e do tratamento adequado às questões que envolvem os direitos coletivos. A coerência de respostas aos macrolitígios não é um fator exclusivo das cortes de uniformização. A eficácia territorial nacional de algumas sentenças proferidas em ACPs é, desde a década de 1980, uma solução operacional que funciona adequadamente e não deve ser eliminada.

O Superior Tribunal de Justiça, por definição da Corte Especial, pôs fim ao interesse de grandes litigantes (bancos, autores de grandes danos de consumo, entre outros) em restringir as sentenças de ACPs apenas para o foro da comarca (ou seção judiciária) do juiz processante. O STJ pacificou o entendimento de que a decisão proferida na ação coletiva possui alcance nacional, obviamente quando assim a situação concreta exigir. Seguiu-se a doutrina amplamente majoritária que refuta interpretação literal e isolada da redação do artigo 16 da Lei 7.347/85 o qual, com nova redação em 1997, estabelece que a sentença coletiva procedente fará coisa julgada “(…) nos limites da competência territorial do órgão prolator (…)”.

A solução atual dominante prestigia a interpretação sistemática (diálogo das fontes) entre vários diplomas infraconstitucionais, com destaque para a Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) e concluir que é da própria natureza do direito metaindividual (difuso, coletivo, individual homogêneo) o efeito erga omnes, ou seja, a vocação para afetar os beneficiados com a tutela independentemente do local onde estejam ou residam, obviamente para as situações que assim se colocarem.

Entre os inúmeros argumentos conhecidos, destaque-se trecho do voto do ministro Luis Felipe Salomão no julgamento do REsp. 1.243.887/PR , analisado sob a modalidade de recurso repetitivo:

A bem da verdade, o art. 16 da LACP baralha conceitos heterogêneos — como coisa julgada e competência territorial — e induz a interpretação, para os mais apressados, no sentido de que os “efeitos” ou a “eficácia” da sentença podem ser limitados territorialmente, quando se sabe, a mais não poder, que coisa julgada — a despeito da atecnia do art. 467 do CPC — não é “efeito” ou “eficácia” da sentença, mas qualidade que a ela se agrega de modo a torná-la “imutável e indiscutível”. É certo também que a competência territorial limita o exercício da jurisdição e não os efeitos ou a eficácia da sentença, os quais, como é de conhecimento comum, correlacionam-se com os “limites da lide e das questões decididas” (art. 468, CPC) e com as que o poderiam ter sido (art. 474, CPC) — tantum judicatum, quantum disputatum vel disputari debebat. A apontada limitação territorial dos efeitos da sentença não ocorre nem no processo singular, e também, como mais razão, não pode ocorrer no processo coletivo, sob pena de desnaturação desse salutar mecanismo de solução plural das lides. A prosperar tese contrária, um contrato declarado nulo pela justiça estadual de São Paulo, por exemplo, poderia ser considerado válido no Paraná; a sentença que determina a reintegração de posse de um imóvel que se estende a território de mais de uma unidade federativa (art. 107, CPC) não teria eficácia em relação a parte dele; ou uma sentença de divórcio proferida em Brasília poderia não valer para o judiciário mineiro, de modo que ali as partes pudessem ser consideradas ainda casadas, soluções, todas elas, teratológicas.

Diferentemente de outras ações coletivas, as ACPs de consumo, assim como as ambientais, não têm sujeito(s) determinável(s) por relações prévias de associação de trabalhadores ou servidores públicos. Quando algum Ministério Público estadual ou entidade de defesa do consumidor ingressa com ação dessa natureza, ocorre a substituição de todos os afetados pela relação jurídica de base e, caso o(s) demandado(s) tenha causado prejuízos para além de uma única comarca, circunscrição ou seção judiciária, o sistema legal admite que a sentença da ACP ultrapasse tais fronteiras e, a depender do caso, tenha alcance nacional.

Recentemente, a Febraban foi ao Supremo e tentou emplacar a tese de que as limitações do Tema 499 (RE 612.043/RG) se aplicariam a ACPs de consumo. O STF definiu que, em ações coletivas de servidores públicos, por exemplo, relacionadas a aumentos salariais, a sentença da ação coletiva (sob o ordinário) estaria limitada territorialmente e apenas aos associados previamente, atentos à situação de “representação processual”. No entanto, o Plenário deixou evidente que tais limitações não alcançam as ações regidas pela Lei 7.347/85, ao julgar e acolher os embargos declaratório opostos pelo Idec. Nos debates deste julgado, o ministro relator (Marco Aurélio Mello) debateu a questão com os ministros Ricardo Lewandowski e Luiz Fux, fulminando, ao final, a pretensão dos bancos.

A aposta das instituições financeiras é gerar confusão sobre o Tema 499, do STF, tal qual ocorreu no julgamento do REsp 1.719.820/MG. Na tentativa de limitar indevidamente uma ACP ajuizada por entidade civil, o relator do caso, ministro Bellizze (STJ), foi atento ao apontar que “não se aplica ao caso vertente o entendimento sedimentado pelo STF no Re n. 573.232/SC e no RE n. 612.043/PR, pois a tese firmada nos referidos precedentes vinculantes não se aplicam às ações coletivas de consumo”.

Agora, mesmo pacificada a questão sobre a eficácia subjetiva e territorial de decisões proferidas em ação coletiva de consumo, bancos voltam ao STF no Ag. Reg no RE 1.101.937, relatado pelo ministro Alexandres de Moraes. Novamente, Itaú e Caixa insistem na redução ilegal das ACPs de consumo, em feito que será no Plenário Virtual. A seguir a orientação vigente, a segurança jurídica e o legado das ACPs estão mantidos, em um sistema mais coerente e racional. Diante de eventual reversão, corre-se o risco do ministro Alexandre sinalizar para que cada um dos 27 estados, o Distrito Federal e as cinco regiões federais recebam dezenas de milhares de ACPs sobre um mesmo tema. Afinal, em tempos de Brumadinho e Mariana, não é possível que para cada estado que a lama turvar os rios haja uma ACP diferente.

FONTE: CONJUR

*Leonardo Roscoe Bessa é procurador de Justiça do MP-DF, doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e mestre em Direito Público pela Universidade de Brasília (UnB). | Walter José Faiad de Moura é advogado e mestre em Direito.

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