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Questões controvertidas sobre a impugnação de crédito na recuperação judicial

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Questões controvertidas sobre a impugnação de crédito na recuperação judicial

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

CONDENAÇÃO

CPC

CREDOR

DISCUSSÃO REVISIONAL

HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA

IMPUGNAÇÃO

IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO

LEI 11.101/2005

LRF

Andre Vasconcellos Roque

Andre Vasconcellos Roque

21/10/2020

Um dos temas que mais geram dúvidas no cotidiano dos profissionais do Direito que lida com a recuperação judicial é o instituto da impugnação.

Apenas para lembrar, dentro do procedimento estabelecido pela lei 11.101/2005 (“LRF”), a impugnação se volta contra a segunda relação de credores, elaborada pelo Administrador Judicial após a apresentação de habilitações e divergências pelos credores (arts. 7º, § 2º e 8º da LRF).

A impugnação é, essencialmente, um incidente instaurado por iniciativa de qualquer credor, da empresa em recuperação judicial ou seus sócios ou do Ministério Público e dirigido ao juízo da recuperação judicial, para que este promova a inclusão, exclusão, reclassificação ou retifique o valor de qualquer crédito na segunda lista elaborada pelo Administrador Judicial.

Embora simples sua noção básica, trata-se de instituto permeado de discussões sob o ponto de vista processual, em parte devido à insuficiente disciplina promovida pela LRF, em parte como resultado de recentes modificações introduzidas pelo atual Código de Processo Civil e não refletidas na legislação processual. Vamos a elas.

  1. Prazo para a impugnação: dias úteis ou corridos?

A LRF estabelece, de forma expressa, que o prazo para a apresentação de impugnação é de dez dias, contado da publicação da segunda relação de credores (art. 8º).

A questão consiste em saber se referido prazo deve ser computado em dias úteis (por se tratar de prazo processual) ou corridos (por estar contemplado em lei especial).

Como já sustentamos em outra sede, não faz sentido que os prazos para impugnação (tipicamente processuais) sejam contados em dias corridos, na ausência de regra expressa que afaste a aplicação subsidiária do CPC, assegurada pelo art. 189 da LRF[1]. Apesar disso, por ocasião do julgamento do Recurso Especial n.º 1.699.528, a Quarta Turma do STJ concluiu que o prazo máximo do stay period (art. 6.º, § 4.º da LRF) e o prazo de apresentação do plano de recuperação judicial (art. 53 da LRF) devem ser computados em dias corridos, sob o fundamento de que esta forma de contagem “é a que melhor preserva a unidade lógica da recuperação judicial: alcançar, de forma célere, econômica e efetiva, o regime de crise empresarial”.

Os termos em que redigido referido julgado deixam margem para se concluir que outros prazos previstos na LRF possam também ser computados em dias corridos, como a apresentação de impugnação. Como já era de se esperar, a jurisprudência vem oscilando em torno do tema. Tem prevalecido, contudo, a tese de cômputo em dias corridos[2].

Para o juiz, diante da insegurança que reina sobre o tema e da inexistência de qualquer precedente com caráter vinculante, é prudente já indicar na decisão que deferir o processamento da recuperação como serão computados os prazos naquele processo de recuperação judicial (dias úteis ou corridos). Para os advogados que atuarem na área, se omissa a decisão, vale avaliar a conveniência em se embargar de declaração, apontando a omissão quanto à forma de contagem de prazo e pleiteando que isso seja esclarecido, inclusive com base no princípio da cooperação (CPC, art. 6º)[3]. De todo modo, na dúvida, como tenho sempre dito, divergência doutrinária é boa apenas para o prazo nos outros…

Ou seja, não havendo qualquer orientação do Poder Judiciário quanto à forma de contagem do prazo no seu processo, vá pela alternativa mais conservadora: prazo em dias corridos.

  1. Admite-se discussão revisional em sede de impugnação?

Uma outra discussão que se abre sobre a impugnação de créditos na recuperação judicial diz respeito aos limites de cognição do juiz neste incidente.

Em síntese, pode o juiz avaliar eventual abusividade de cláusulas contratuais neste incidente, promovendo a revisão do ajuste, ou deve determinar a quantificação e classificação do crédito simplesmente de acordo com o que ficou pactuado no contrato, devendo eventual pretensão revisional ser deduzida pelas vias ordinárias, em ação autônoma?

Sempre nos pareceu que a segunda alternativa revelava a melhor resposta, uma vez que a impugnação consiste em incidente processual com finalidade bastante específica, qual seja, quantificar e classificar corretamente os créditos incluídos na recuperação judicial. Além disso, uma ação revisional consiste em processo de conhecimento, a ser instaurado perante a vara cível competente, cujo prosseguimento não é obstado pelo deferimento da recuperação judicial (art. 6º, § 1º da LRF).

Dessa forma, eventual discussão de natureza revisional em sede de impugnação de crédito, para além de extrapolar os limites de cognição neste incidente processual, implicaria violação ao princípio do juiz natural, retirando indevidamente a competência do juiz cível para apreciar ações de conhecimento em geral contra empresas em recuperação judicial.

Apesar disso, recentemente a Terceira Turma do STJ decidiu em sentido contrário, no julgamento do Recurso Especial nº 1.799.932, apontando que o “incidente de impugnação de crédito configura procedimento de cognição exauriente, possibilitando o pleno contraditório e a ampla instrução probatória, em rito semelhante ao ordinário”[4]. Concluiu-se, dessa maneira, que a “defesa não encontra restrições, estando autorizada inclusive a defesa material indireta, sendo despiciendo o ajuizamento de ação autônoma”. Admitiu-se, no caso, “como defesa à pretensão do credor de serem acrescidos encargos moratórios ao crédito relacionado, a abusividade das cláusulas dos contratos de financiamento”.

Acredita-se que aludido julgado estimulará a jurisprudência dos tribunais inferiores a admitir pretensões tipicamente revisionais em sede de impugnação de crédito. O argumentos aduzidos pela Terceira Turma do STJ, contudo, não nos convencem, tendo em vista sobretudo a já apontada usurpação de competência do juízo cível.

  1. Condenação em honorários de sucumbência no julgamento da impugnação

Controvertida, por fim, a possibilidade de condenação da parte sucumbente no julgamento da impugnação pelo juiz.

Note-se que, em relação à divergência e habilitação apresentada contra a primeira lista de créditos, tratava-se de mera fase administrativa, desenvolvida perante o Administrador Judicial, o que afasta qualquer possibilidade de condenação em honorários de sucumbência. O mesmo não pode ser dito quanto à impugnação, que é apreciada pelo juízo da recuperação.

Temos que a impugnação possui natureza de incidente processual no processo de recuperação judicial, não formando processo autônomo. Por isso, o provimento que julga a impugnação é recorrível por agravo de instrumento (art. 17 da LRF), uma vez que se trata de decisão interlocutória, que não põe fim a qualquer processo.

O CPC em vigor não contemplou em seu art. 85 a possibilidade de condenação em honorários de sucumbência nos incidentes processuais. Da mesma forma, a LRF é silente a respeito. Apesar disso, tem predominado nos tribunais a possibilidade de condenação da parte sucumbente em honorários advocatícios, quando houver resistência ao pedido formulado na impugnação[5].

Em sentido semelhante, o STJ já apontou que “a orientação pacífica da jurisprudência desta Corte Superior dispõe que é impositiva a fixação de honorários sucumbenciais na habilitação de crédito, no âmbito da recuperação judicial ou da falência, quando apresentada impugnação, o que confere litigiosidade à demanda” (AgInt-EDcl-AgInt-REsp 1.816.967; Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze; DJE 08/09/2020). Curiosamente, entretanto, tais fundamentos são inconsistentes com a orientação do próprio STJ quanto ao arbitramento de honorários de sucumbência no julgamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, em que se concluiu que “não é cabível a condenação em honorários advocatícios em incidente processual, ressalvados os casos excepcionais” e que, diante da “ausência de previsão legal excepcional, (…) irrelevante se apurar quem deu causa ou foi sucumbente no julgamento final do incidente” (STJ, REsp 1.845.536, Rel. p/ Acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, julg. 26.5.2020).

Segundo pensamos, tanto na impugnação quanto no incidente de desconsideração da personalidade jurídica não deveria haver condenação em honorários sucumbenciais, mesmo diante de eventual resistência ao pedido, na medida em que, de acordo com o art. 85, § 1º, do CPC, estes serão devidos apenas na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente. Não há referência à condenação em honorários de advogado nos incidentes processuais. Ainda que se trate de uma demanda incidental, a opção do legislador foi não contemplar o arbitramento de honorários sucumbenciais nos incidentes processuais[6].

De toda sorte, no que tange à impugnação, esse não é o entendimento dos tribunais, que têm admitido a condenação do vencido nos honorários sucumbenciais se: (i) o pedido formulado na impugnação for rejeitado ou (ii) se, apesar da resistência manifestada, for acolhido o pedido veiculado na impugnação.

Por fim, partindo da premissa de que é possível o arbitramento de honorários sucumbenciais no julgamento da impugnação, sua quantificação apenas se pode dar por equidade, na forma do art. 85, § 8º do CPC. Isso porque, mesmo nos casos em que se discute na impugnação apenas o valor do crédito, não há como concluir que esse montante corresponde ao benefício econômico pretendido. Afinal, o pagamento de créditos concursais fica sempre sujeito às condições que forem estabelecidas no plano de recuperação judicial.

Aplica-se ao caso, portanto, a regra do art. 85, § 8º do CPC, uma vez que é inestimável o proveito econômico decorrente do julgamento do incidente.

***

Como se percebe, o instituto da impugnação continua envolvo em diversas controvérsias do ponto de vista processual. Espera-se que o presente artigo sirva como ponto de partida para os profissionais do Direito que atuarem com recuperação judicial para compreenderem as principais questões em discussão.

Até a próxima!

FONTE: MIGALHAS

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LEIA TAMBÉM

__________

[1] ROQUE, Andre Vasconcelos. Comentários ao art. 219 in GAJARDONI, Fernando da Fonseca et al. Teoria Geral do Processo (Parte Geral) – Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2019, p. 710-711.

[2] Computando o prazo em dias corridos: “A forma de contagem do prazo de 10 dias na recuperação judicial que melhor se coaduna com o sistema jurídico vigente é em dias corridos, sendo, portanto, inaplicável a regra dos prazos processuais previstos no CPC/2015, que determina a contagem dos prazos processuais em dias úteis, porque se trata de prazo previsto em Lei Especial o que afasta a regra geral dos prazos em dias úteis, principalmente por se tratar de prazo de natureza material, enquanto que a regra de contagem em dias corridos somente se aplica aos prazos processuais (art. 219, parágrafo único, CPC)” (TJDF; AGI 07041.95-20.2020.8.07.0000; Ac. 127.4369; Terceira Turma Cível; Rel. Des. Gilberto Pereira de Oliveira; Julg. 12/08/2020). No mesmo sentido, TJRJ; AI 0058344-08.2019.8.19.0000; Rio de Janeiro; Quarta Câmara Cível; Rel. Des. Marco Antonio Ibrahim; DORJ 03/06/2020; Pág. 344; TJSP; AI 2235414-80.2019.8.26.0000; Ac. 13338892; São Sebastião da Grama; Primeira Câmara Reservada de Direito Empresarial; Rel. Des. Fortes Barbosa; Julg. 19/02/2020; TJRS; AG 336811-46.2018.8.21.7000; Porto Alegre; Sexta Câmara Cível; Rel. Des. Niwton Carpes da Silva; Julg. 28/03/2019.

[3] DELLORE, Luiz. Prazo de 180 dias de suspensão das demandas na recuperação judicial (stay period): dias úteis ou corridos?, Migalhas, disponível aqui.

[4] Na Quarta Turma do STJ, há precedente no mesmo sentido, em decisão monocrática do Min. Raul Araújo no Ag 1.241.560, julg. 26.5.2017, em que se afirmou: “Uma vez expressamente atacado o crédito quanto à validade das cláusulas pactuadas, era lícito enfrentar os argumentos da defesa, não havendo que se falar em julgamento extra petita. Outrossim, o deferimento do pleito autoral em menor extensão do que o postulado não configura julgamento extra petita, sendo perfeitamente possível o provimento parcial do pedido formulado na inicial”.

5 “Arbitramento de verba honorária que depende da litigiosidade do incidente. Caráter litigioso evidenciado. Princípios da causalidade e da sucumbência. Honorários devidos. Precedentes jurisprudenciais. Fixação por apreciação equitativa. Decisão reformada para fixar os honorários advocatícios em R$ 5.000,00. Recurso parcialmente provido” (TJSP; AI 2151027-98.2020.8.26.0000; Ac. 14011259; São Caetano do Sul; Segunda Câmara Reservada de Direito Empresarial; Rel. Des. Maurício Pessoa). No mesmo sentido, TJAC; AC 0710353-27.2018.8.01.0001; Ac. 22.390; Rio Branco; Primeira Câmara Cível; Relª Desª Denise Bonfim; DJAC 02/10/2020; TJSP; AI 2191502-96.2020.8.26.0000; Ac. 14008359; Franca; Primeira Câmara Reservada de Direito Empresarial; Rel. Des. Cesar Ciampolini; Julg. 29/9/2020.

[6] ROQUE, Andre Vasconcelos. Comentários ao art. 136 in GAJARDONI, Fernando da Fonseca et al. Teoria Geral do Processo (Parte Geral) – Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2019, p. 450-451.

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