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Marcus Abraham

Marcus Abraham

21/10/2020

Já tive oportunidade, em outra ocasião, de afirmar que a ordem jurídica instituída com a promulgação da Constituição Federal de 1988 introduziu significativa evolução em praticamente todos os campos jurídicos, inclusive no Direito Financeiro. Como ocorreu com todos os demais ramos, o Direito Financeiro também sofreu os efeitos benfazejos da irradiação constitucional sobre a disciplina, sendo possível falar em uma constitucionalização do Direito Financeiro.

Afinal, no Estado Democrático de Direito, em que as normas jurídicas derivam do texto constitucional, a atividade financeira encontrará, nesse documento, não apenas seu fundamento de validade, mas também os objetivos a serem atingidos e as formas para a sua realização.

Como professor de Direito Financeiro há vários anos, vejo como uma de minhas missões pessoais levar adiante a mensagem – que nunca me canso de repetir – de desmistificação desta disciplina. Ela não é apenas uma especialidade envolta em números e voltada para um tecnicismo contábil e formalista, em que reina uma primazia do aspecto técnico em detrimento do axiológico, por vezes visto como um domínio reputado exótico e distante pelos juristas em geral.

Vários de seus institutos não somente passam a ser previstos textualmente na Constituição, mas todos eles, onde quer que estejam expressos, tomam forma a partir dos princípios e valores constitucionais (conformação constitucional), deixando claro que o aspecto jurídico-constitucional agora é protagonista, e não mero coadjuvante, das grandes discussões financeiras do cenário nacional.

A temática financeira vem assumindo grande relevância e os questionamentos que dela partem hoje alcançam, frequentemente, a mais alta Corte da nação, tal como nos julgamentos de inconstitucionalidade de normas da LRF (ADI 2.238), de admissibilidade do controle abstrato de constitucionalidade das leis orçamentárias (ADI 5.468), de flexibilização de exigências da LRF durante a pandemia da COVID-19 (ADI 6.357) e do reconhecimento de um “estado de coisas inconstitucional” no sistema penitenciário nacional, determinando-se judicialmente a realização de investimentos públicos para melhorar as condições carcerárias no país (ADPF 347).

Pois bem, apesar deste contexto, ainda faltava um importante princípio das finanças públicas tornar-se expresso e literal na Carta Maior – o da transparência fiscal –, sendo apenas considerado, até então, como um princípio implícito, desdobramento do princípio da publicidade prescrito no artigo 37 da Constituição Federal de 1988.

Felizmente, a recente Emenda Constitucional nº 108, de 26 de agosto de 2020, além de trazer outras alterações na Constituição (em relação à redistribuição de receitas tributárias e quanto ao FUNDEB), introduziu o novo artigo 163-A, a título de “disciplinar a disponibilização de dados contábeis pelos entes federados”, assim estabelecendo:

Art. 163-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disponibilizarão suas informações e dados contábeis, orçamentários e fiscais, conforme periodicidade, formato e sistema estabelecidos pelo órgão central de contabilidade da União, de forma a garantir a rastreabilidade, a comparabilidade e a publicidade dos dados coletados, os quais deverão ser divulgados em meio eletrônico de amplo acesso público.

Inicialmente, é interessante destacar que este dispositivo tem redação bem próxima àquela do artigo 48, § 2º da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), incluído pela Lei Complementar nº 156, de 2016, prevendo que “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disponibilizarão suas informações e dados contábeis, orçamentários e fiscais conforme periodicidade, formato e sistema estabelecidos pelo órgão central de contabilidade da União, os quais deverão ser divulgados em meio eletrônico de amplo acesso público”. Mas, independentemente da similitude, fato é que a inovação na LRF inserida pela LC 156/2016 foi tão bem acolhida que o comando mereceu a atenção do constituinte derivado, ingressando agora no texto constitucional e ganhando ainda mais força.

Nunca é demais recordar que a transparência fiscal é um relevante pilar da LRF para a prestação de contas à sociedade, contemplando a divulgação em veículos de fácil acesso, inclusive pela Internet, das finanças e de atividade financeira estatal, objetivando possibilitar a qualquer cidadão acompanhar diariamente informações atualizadas sobre a execução do orçamento e obter informações sobre recursos públicos transferidos e sua aplicação direta (origens, valores, favorecidos).

No plano infraconstitucional, a LRF já estabelecia regras sobre a disponibilização de dados agora prevista no art. 163-A da Constituição. O art. 48, § 4º, LRF determina que, caso não sejam disponibilizadas e divulgadas tais informações na forma do estabelecido pelo órgão central de contabilidade da União (a Secretaria do Tesouro Nacional, conforme art. 17, inciso I, da Lei 10.180/2001), o ente federado sofrerá as penalidades previstas no § 2º do art. 51. Isto significa que, até que a situação seja regularizada, o ente ficará impedido de receber transferências voluntárias e contratar operações de crédito, exceto as destinadas ao refinanciamento do principal atualizado da dívida mobiliária.

Por sua vez, o § 5º do mesmo artigo estabelece que, caso o ente federado envie seus dados contábeis e fiscais – exigidos pelo art. 163-A da Constituição – ao Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro – SICONFI (gerido pela Secretaria do Tesouro Nacional – STN), seguindo os requisitos exigidos na Portaria STN nº 642/2019, reputa-se que já foi cumprido o dever de dar ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público, dos planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; das prestações de contas e do respectivo parecer prévio; do Relatório Resumido da Execução Orçamentária e do Relatório de Gestão Fiscal; e das versões simplificadas desses documentos. Neste caso, será a própria Secretaria do Tesouro Nacional que, por meio do SICONFI, se encarregará de dar publicidade a esses dados provenientes dos entes federados, sem prejuízo de que cada ente também o faça em seus portais eletrônicos institucionais.

Transparência fiscal e publicidade são duas virtudes imprescindíveis para qualquer Estado de Direito.

Ambas se complementam e potencializam: o princípio da publicidade tecnicamente se refere à ampla divulgação das contas públicas pelos meios oficiais, para garantir a todos o livre acesso ao seu teor, ao passo que o princípio da transparência relaciona-se ao seu conteúdo, para evitar previsões obscuras, despesas camufladas, renúncias fiscais duvidosas que possam ensejar manobras pelos executores para atender a interesses diversos.

A propósito, a transparência fiscal não pode ser vista apenas sob a ótica do acesso à informação e seu conteúdo, mas seu conceito deve ser compreendido de maneira mais abrangente, abarcando outros elementos tais como responsividade, accountability, combate à corrupção, prestação de serviços públicos, confiança, clareza e simplicidade.

A transparência fiscal é fundamental instrumento que possibilita o pleno exercício da cidadania na seara financeira pelos integrantes da sociedade brasileira, tendo na educação fiscal importante política de conscientização dos direitos e deveres de cada um.

A secular complacência com práticas que envolvem a malversação do Erário encontra cada vez mais repulsa pela sociedade brasileira, numa inequívoca aproximação ao ideário republicano no seu viés fiscal. E o Direito Financeiro – com o instrumental da transparência fiscal – passa a constituir uma importante ferramenta de mudança do estado de coisas que vivemos, permitindo o efetivo exercício da cidadania fiscal.

Portanto, saudemos efusivamente o advento do novo artigo 163-A da Constituição Federal, o qual só vem a se somar aos valorosos esforços de fortalecimento do ambiente democrático pátrio.

FONTE: JOTA

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