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Famílias e Sucessões em 2020: um ano de pandemia e de decisões em casos difíceis

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29/12/2020

Chegamos ao final de mais um ano e, como já se tornou tradição, é o momento de resumir e fazer uma retrospectiva do que ocorreu em 2020 nos temas relativos a esta nossa coluna, relacionada ao Direito de Família e das Sucessões. Em poucas palavras, pode-se dizer que 2020 foi o ano da pandemia e de decisões difíceis nesses dois ramos do Direito Privado.

Sobre a pandemia de Covid-19, como tratamos em textos anteriores, a lei 14.010/2020 criou o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET), tendo sido sancionada em 12 de junho. Nunca é demais repetir que a norma tem origem no Projeto de Lei n. 1.179/2020, proposto originalmente pelo Senador Antonio Anastasia, após iniciativa dos Ministros Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, e Antonio Carlos Ferreira, do Superior Tribunal de Justiça. Para o trabalho de sua elaboração foi composta uma comissão de juristas – liderada pelos professores Otavio Luiz Rodrigues Jr. e Rodrigo Xavier Leonardo -, que elaborou o texto e depois fez modificações, contando com minha participação, mediante sugestões enviadas à coordenação dos trabalhos e também ao Senador Rodrigo Pacheco e ao Deputado Vanderlei Macris, na tramitação no Congresso Nacional. Sobre o Direito de Família e das Sucessões, as duas regras que estavam no projeto de lei 1.179/202 foram totalmente mantidas, sem qualquer modificação ou veto.

O art. 15 da lei 14.010/2020 enuncia que, até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia, prevista no art. 528, § 3º, do CPC/2015, deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, e não mais em regime fechado, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações. Seguiu-se, assim, a Recomendação n. 62, de 17 de março de 2020, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que em seu art. 6º orientou os magistrados com competência cível que “considerem a colocação em prisão domiciliar das pessoas presas por dívida alimentícia, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus”.

A atual dúvida a respeito da norma diz respeito à possibilidade de prisão civil em regime fechado do devedor de alimentos após a data de 30 de outubro de 2020, uma vez que, infelizmente, a pandemia ainda não está controlada no Brasil. Entendo que, mantidas as razões fáticas que fundamentaram a elaboração da lei, a prisão não é possível nestes moldes, devendo-se dar preferência à modalidade domiciliar e a outras medidas para a efetivação do recebimento da dívida. Nessa linha, entendendo que a prisão em regime fechado não deve ser aplicada até o fim das medidas de distanciamento social, do Tribunal Paulista: “impetração em face de decisão que decretou a prisão do paciente e a inscrição no cartório de protestos do pronunciamento judicial. Prisão que, por conta da excepcionalidade do momento com a pandemia do COVID-19, deve ser suspensa até o encerramento das medidas de isolamento social. Decisão judicial mantida, quanto ao protesto, não sendo desnecessário pedido da parte (art. 528, § 1º, CPC). Expedição de salvo-conduto determinado. Ordem concedida para esse fim” (TJSP, HC 2213075-93.2020.8.26.0000, Acórdão n. 14190576, Presidente Prudente, Terceira Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Carlos Alberto de Salles, julgado em 28/11/2020, DJESP 04/12/2020, p. 2404). Ou, ainda, na mesma linha: “Ordem de prisão civil do devedor, com cumprimento suspenso enquanto pendentes as medidas de contenção social decorrentes da pandemia de Covid-19. Cabimento” (TJSP, Agravo de instrumento n. 2141712-46.2020.8.26.0000, Acórdão n. 14194762, Monte Alto, Nona Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Galdino Toledo Júnior, julgado em 30/11/2020, DJESP 04/12/2020, p. 2627).

Porém, na própria Corte Paulista há divergência a respeito do tema, podendo ser destacado o seguinte acórdão, que possibilitou a prisão civil em regime fechado do devedor de alimentos, tendo em vista o término do prazo previsto no RJET:

“Cumprimento de sentença. Conversão do regime de prisão do devedor em domiciliar diante da pandemia de Coronavírus. Irresignação. Acolhimento parcial. Fundamentos e natureza jurídica da ordem que impedem, como regra, a prisão domiciliar do devedor de alimentos. Término do prazo estabelecido na lei 14.010/2020 que afasta a imposição legal dessa espécie de prisão. Ordem, ao que consta, ainda pendente. Cabimento do cumprimento do saldo de prisão mediante o encarceramento do executado. Agravo provido em parte” (TJ/SP, Agravo de instrumento n. 2144146-08.2020.8.26.0000, Acórdão n. 14194763, São Paulo, Nona Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Galdino Toledo Júnior, julgado em 30/11/2020, DJESP 04/12/2020, p. 2628).

Eis uma questão que precisa ser pacificada no âmbito dos Tribunais Estaduais e do Superior Tribunal de Justiça no ano de 2021, o que depende, ainda, do controle ou não da pandemia nos próximos meses.

A outra regra da Lei n. 14.010/2020 é o seu art. 16, que prevê a suspensão dos prazos para a instauração e o encerramento dos processos de inventário e da partilha, previstos no art. 611 do CPC/2015. Para as sucessões abertas a partir de 1º de fevereiro de 2020, o termo inicial para a instauração é o dia 30 de outubro de 2020, e não mais dois meses da abertura da sucessão, da morte do falecido, como consta da norma processual. Em complemento, o prazo de doze meses para que seja ultimado o processo de inventário e a partilha, caso iniciado antes de 1º de fevereiro de 2020, ficará suspenso a partir da entrada em vigor da norma – 12 de junho de 2020, quando foi publicada -, até a citada data de 30 de outubro. O meu entendimento doutrinário, aqui já manifestado, é no sentido de que essa suspensão afasta a imposição da multa fiscal prevista pela legislação estadual e distrital das respectivas unidades da federação, sendo esse o fim social da norma, nos termos do art. 5º da LINDB. Veremos também como a jurisprudência analisará essa temática.

Além dessas alterações legislativas, 2020 revelou-se como um ano de decisões de casos difíceis no âmbito da jurisprudência superior. Para constatar essa conclusão, vejamos duas decisões relativas ao Direito de Família, de grande repercussão nos ambientes acadêmicos e profissionais.

De início, destaco o acórdão proferido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça a respeito da possibilidade de quebra do vínculo socioafetivo em havendo engano quanto à prole e posterior distanciamento entre as partes. Nos termos de trecho da ementa, “mesmo quando configurado o erro substancial no registro civil, é relevante investigar a eventual existência de vínculos socioafetivos entre o genitor e a prole, na medida em que a inexistência de vínculo paterno-filial de natureza biológica deve, por vezes, ceder à existência de vínculo paterno-filial de índole socioafetiva”. Porém, no caso concreto, restou evidenciado que, “conquanto tenha havido um longo período de convivência e de relação filial socioafetiva entre as partes, é incontroverso o fato de que, após a realização do exame de DNA, todos os laços mantidos entre pai registral e filhas foram abrupta e definitivamente rompidos, situação que igualmente se mantém pelo longo período de mais de 06 anos, situação em que a manutenção da paternidade registral com todos os seus consectários legais (alimentos, dever de cuidado, criação e educação, guarda, representação judicial ou extrajudicial, etc.) seria um ato unicamente ficcional diante da realidade” (STJ, REsp 1.741.849/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20/10/2020, DJe 26/10/2020).

O acórdão inaugura no STJ a ideia de vínculo socioafetivo ficcional, notadamente quando o engano gera um afastamento posterior entre as partes e a quebra da posse de estado de filhos. Eis um caso de dificílimo julgamento, uma vez que a Corte tinha acórdãos anteriores no sentido de que tal vínculo não poderia ser quebrado. Será necessário aguardar se tal posição colocará em xeque a parentalidade socioafetiva como forma de parentesco civil e em igualdade de tratamento em relação ao parentesco natural ou biológico.

O segundo acórdão a ser destacado, agora no âmbito do Supremo Tribunal Federal, diz respeito ao reconhecimento de vínculos concomitantes de convivência para fins previdenciários, ou seja, de uniões estáveis plúrimas. Em setembro de 2019 iniciou-se a sua análise, em sede do Recurso Extraordinário 1.045.273/SE, que abordava a concomitância de uma união estável homoafetiva com uma heteroafetiva (Tema 529). Foi ele encerrado neste mês de dezembro de 2020, com apertada maioria, de 6 a 5, pela impossibilidade de se reconhecer um segundo vínculo familiar.

Os ministros Alexandre de Moraes (Relator), Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Luiz Fux e Nunes Marques entenderam, assim, pela inviabilidade jurídica de se atribuir quaisquer efeitos previdenciários nas uniões estáveis concomitantes, diante do princípio da monogamia, que se aplica plenamente à união estável, assim como ocorre com o casamento. Como decorrência, apenas o primeiro vínculo de união estável deve ser admitido. A tese final fixada, para os fins de repercussão geral, foi a seguinte: “a preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, parágrafo 1º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro”.

A única exceção feita, portanto, diz respeito à hipótese de o falecido estar separado de fato. Como se pode perceber, a tese final também abarca a concomitância de casamento com um segundo relacionamento, que ainda pende de julgamento específico pela Corte em outro processo de repercussão geral (Recurso Extraordinário 883.168/SC – Tema 526).

Em sentido contrário, seguindo o voto do ministro Luiz Edson Fachin, os Ministros Marco Aurélio e Rosa Maria Weber julgaram pela possibilidade de efeitos previdenciários para atingir companheiros de boa-fé nas uniões estáveis plúrimas, aplicando-se por analogia o art. 1.561 do Código Civil, que trata do casamento putativo, conclusão que é por mim compartilhada. Os ministros Barroso e Carmen Lúcia votaram também pelo reconhecimento desses efeitos, mas sem a necessidade da boa-fé, pois prevaleceria a equidade que deve guiar o Direito Previdenciário. Apesar dessa ressalva, concordaram com o voto do ministro Fachin.

A conclusão do Supremo Tribunal Federal, como tem sido comum nos últimos anos, gerou muitas manifestações contrárias e favoráveis, com argumentos jurídicos fortes nos dois sentidos, o que demonstra toda a divergência que existe sobre o tema. Há quem entenda que a conclusão deve ficar adstrita ao campo previdenciário. De toda sorte, parece-me que o julgamento fecha a possibilidade de se admitir as uniões estáveis plúrimas, para os fins de gerarem efeitos para o Direito de Família e das Sucessões. Aguardemos, de todo modo, novos posicionamentos das nossas Cortes, a respeito da extensão dos efeitos do decisum.

Todo esse cenário, de dificuldades e de grandes divergências, demonstra como foi duro e complicado o ano de 2020, especialmente por conta da pandemia de Covid-19. Mesmo assim, procurei cumprir o meu papel, de informação e de análise técnica dos principais temas relacionados ao Direito de Família e das Sucessões.

Fonte: Migalhas

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