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A corrupção e seus efeitos: o caso brasileiro

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Maria Fernanda Dias Mergulhão

Maria Fernanda Dias Mergulhão

08/01/2021

Breve Intróito:

A história da civilização brasileira é rica em dados para justificar o fenômeno da corrupção em alta escala no Brasil. Conhecer a história dessa rica nação, entretanto, por si só, não se apresentará suficiente para entender o grave fenômeno sem as perspectivas sociológica, econômica e jurídica. Conhecer a raiz da corrupção brasileira faz exsurgir a cultura e identidade de seu povo.

Revisitando a História

É fato comprovado que a colonização do Brasil foi a colonização de exploração. Desde o primeiro momento em que o Brasil foi descoberto pelos portugueses, o propósito foi claro e bem definido: explorar as riquezas naturais abundantes encontradas em um imenso solo fértil e tropical. Os ciclos econômicos foram bem destacados- extração do pau-brasil, da cana de açúcar e criação de gado, café, minérios e, também, o tráfico humano consistente no intenso comércio de negros africanos, que aqui foram escravizados por mais de trezentos anos.

O Brasil foi dividido em imensas glebas territoriais denominadas capitanias hereditárias, que foram “doadas” a donatários eleitos dentre integrantes da baixa nobreza lusitana. Em verdade havia um empréstimo sui generis porque a propriedade permanecia em favor da Coroa, mas assistia aos donatários o direito de transmiti-las por herança. Foram 15 glebas divididas entre 12 donatários, seguindo o modelo anteriormente testado por Portugal por ocasião da colonização das Ilha da Madeira, Cabo Verde e Açores. O que talvez não tenha sido sopesado devidamente, à época, é  que esse modelo não poderia ter sido adotado na sua integralidade face a distância expressiva que separava a colônia brasileira e sua metrópole, assim como incomparável o tamanho do Brasil com as pequenas terras colonizadas pelos portugueses.

Erraram também em não terem previsto que apesar dos atrativos deferidos aos donatários com glebas enormes de terras, abundantemente produtivas, considerando a terra o maior produto econômico daquele período histórico e o pagamento de, apenas, 10% à Metrópole do que ali fosse extraído, o ambiente era inóspito diante dos constantes ataques indígenas, das intempéries do clima tropical para o nativo europeu e, principalmente, da completa ausência de serviços públicos essenciais, que deveriam  ter sido implementados por Portugal. Daí defluí que o interesse era obter proveito econômico a custo zero, lançando a sorte os aventureiros que poderiam ser vencedores, ou não, no propósito exploratório. Não havia um plano de povoamento, de incentivo ao crescimento humano. Muito pelo contrário: houve um ataque abissal aos índios nativos, ora suprimindo-lhes a vida, ora a liberdade, além da forçosa catequização  pelos jesuítas com  a imposição da cultura branca europeia, uma miscigenação abrupta e forçada, um modus vivendi novo, dentro da suposta hierarquia racial exitosa pela força, pelo poder. Portugal não optou em distribuir terras entre pequenos agricultores, de modo a torná-las produtivas, fomentando o crescimento do país. Efetivamente, o propósito não foi a colonização de povoamento.

Como já havia de se esperar, o projeto audacioso relegando a, apenas, 12 donatários o poder-dever de explorar o Brasil nas 15 grandes glebas territoriais não foi bem sucedido. Vários abandonaram a terra por constantes saques indígenas, falta de estrutura absoluta, e alguns sequer se deslocaram efetivamente para as terras brasileiras, a exceção das capitanias hereditárias de São Vicente e de Pernambuco, consideradas exitosas. Implantou-se o Governo-Geral com o objetivo de dar seguimento ao propósito exploratório fomentando o que já tivera sido admitido entre os donatários, que era o desmembramento de suas terras em faixas menores, a título de arrendamento, como forma de aumentar o interesse pela região face o lucro com a terra.

Em verdade, dar destinação econômica a terra era um “pedido lacônico” porque flagrantes eram as terras ociosas e improdutivas mantidas por donatários e sesmeiros. A metrópole sabia, e não resistia porque, de certa forma, administrar a distância, arrecadar produtos amplamente comercializáveis no mercado internacional, a custo zero, se apresentava um ambiente cômodo e seguro.

De outra feita, em nenhum momento se procurou identificar as qualidades pessoais dos “outros chefes”, já que, como ressaltado, ter uma terra era a maior riqueza, naquele período do Brasil agrário. Assim, era indiferente para a metrópole quem era o sesmeiro, desde que o entendimento direto com o donatário ou governador-geral fosse realizado, respeitados os repasses percentuais necessários e o pagamento de impostos. Tentou, no entanto, limitar a extensão territorial das sesmarias sem estabelecer controle hábil,  se afigurando rizível a determinação diante do flagrante descumprimento das normas.

Quando tudo começou?

Por mais de 30 anos não houve nenhuma iniciativa concreta de Portugal quanto ao início de uma organização territorial. A esse período alguns historiadores denominam pré-colonização. A dificuldade de obter topógrafos e os custos com a medição em um território vasto, como o brasileiro, era dificuldade permanente, somado ao dispêndio econômico, que não interessava a Metrópole, e a distância, que dificultava, ainda mais, a fiscalização e controle.

As Sesmarias

Os sesmeiros se multiplicaram- arrendamentos onerosos e em larga escala foram percebidos principalmente ao fim do século XVI no Brasil. Cada pedaço de terra, com um novo chefe, com um novo “dono da casa grande”, com um novo “senhor do engenho”. Em cada território, regras de justiça, de economia, de habitação completamente centralizados nas ordens do sesmeiro, que, no período republicano passou a ser conhecido como “coronel”. Assim, donatário, sesmeiro, dono da casa grande, senhor de engenho, coronel, oligarca são expressões sinônimas que identificam o mesmo personagem em períodos distintos da história brasileira: todos tinham amplos poderem no âmbito de sua faixa territorial, com poderes de polícia, justiça, economia e, não raro, de vida e morte aos habitantes que viviam sob sua dependência.

A Dependência

A dependência é um importante tema a ser abordado na temática da corrupção, já que no período colonial a quase totalidade da população era dependente dos Senhores da Terra. Através deles, conseguiam segurança, respeito, prestígio, alimento, ainda que retribuindo-os financeiramente, com parte de seus lucros. Tratava-se de uma população miserável, iletrada, não raro faminta, que não sobreviveria se entregues à própria sorte. A terra monopolizada, amplamente concentrada nas mãos de poucos, era o locus em que viviam o chefe do clã (senhores das casas grande), sua família direta, escravos de lavoura e domésticos, clero e uma ampla camada de dependentes (artesãos, prestadores de serviços, pequenos agricultores, dentre outros).

A Rede Clientelar

Nesse sistema de trocas- proteção e alimento-, principalmente, são constantes e consideradas imprescindíveis à própria sobrevivência. Nesse contexto, o paternalismo ou patriarcalismo nasceu. Não havia qualquer interesse na emancipação dessas pessoas porque, tal qual a comodidade da Metrópole em de longe assistir a tudo, também era cômoda e amplamente satisfatória a posição do dono da Casa grande.

Por quanto tempo?

Por mais de trezentos anos o Brasil incorporou, no âmago de sua cultura, a relação de dependentes e, consequentemente, a relação clientelar, em que as trocas são ínsitas nessa relação bilateral. A mudança passa a acontecer com a chegada da família real, em 1808, por força da invasão napoleônica na península Ibérica. Com a fixação definitiva da Corte e de funcionários do primeiro escalão imperial, o Brasil passa a evoluir em sua estrutura sócio-política, até então predominantemente agrário.

O Impacto na Cultura Brasileira

Assim como a escravidão em longo período produziu traumas na sociedade brasileira, ressentidos até os dias atuais, apesar do esforço do ordenamento jurídico em conter práticas antiraciais, não temos como problema de Estado essa delicada questão, a exemplo de nações prósperas.

Não de forma diferente, entretanto, considere-se que uma estrutura clientelista, cuja dependência é a tônica, ativa por mais de três séculos, indubitavelmente ingressará na cultura de uma sociedade face os hábitos e práticas reiterados serem transmitidos de geração a geração. Uma aprovação de texto normativo, do dia para noite, a manu militari, não tem o condão de modificar esse fato histórico, e a corrupção encontra um de seus pontos principais nessa questão: a rede clientelar.

A Chegada da Família Real

O projeto exploratório evidenciado nos três primeiros séculos desenvolvido por Portugal em terras brasileiras, a partir desse marco, passa a mudar. Afinal, a mudança de domicílio real e não temporário do Imperador, família e membros do primeiro escalão produz mudanças significativas no Brasil. A estrutura básica de um Estado passa a ser efetivamente implementada. A independência de Portugal ocorre em 1889 com a República e nos 80 anos anteriores a ela, a família real manteve-se no poder tentando coibir os abusos dos senhores da terra, não raro se omitindo, ou mesmo se unindo, diante dos propósitos comuns.

Corrupção em Período Colonial e não republicano?

Muitos são contrários a hipótese de corrupção nesse período porque em período colonial- Monarquia ou o Império-, o patrimonialismo imperava, ou seja, não havia o conceito de res publica, quiçá cidadania, já que todas as terras eram régias. Público e privado se confundiam em favor do imperador e do monarca, ambos pertencentes à família real. Corrupção, nessa concepção, passa a ser admitida apenas em período republicano. Discordamos.

Já nas Ordenações Filipinas havia previsão do crime de lesa majestade quando cometido em desfavor do erário. Observe-se que não se conhecia o termo corrupção, mas seu significado é o mesmo atribuído ao crime de lesa majestade quanto à tutela do erário público. Portanto, independentemente do patrimonialismo ser ínsito aos regimes monárquico e imperial, onde não se conceberia crime de lesa majestade praticado pelo monarca ou imperador, nada impediria que os demais integrantes da população o praticassem, como de fato houve em muito denunciado pelo padre Antônio Vieira, pelos sonetos, músicas, panfletos denunciados à época.

O Período Republicano

Os donos das casas grandes e os senhores de engenho, figuras proeminentes no período colonial (quase 400 anos de história), passam a ser chamados de coronéis ou oligarcas. Mudam-se os nomenclaturas, mas as estruturas são, essencialmente, idênticas. Agora, os elos de dependência permanecem, em maior ou menor grau, face à incapacidade do Poder Público atender as necessidades essenciais em um vasto território, mas, a “moeda de troca” principal passa a ser o voto. Afinal, muitos oligarcas, detentores de poderio econômico, também têm aspirações políticas. Uma pretensão, não raro, retroalimenta a outra. Daí as frequentes fraudes eleitorais, a simples assinatura de um nome para não se auto-proclamar analfabeto a fim de contar como mais um número votante em favor do oligarca (Constituição Imperial de 1891 vedava o voto dos analfabetos), sem olvidar para o denominado voto de “cabresto”, tamanho o poder de influência eleitoral em face dos dependentes.

Conhecer a Identidade

Conhecer a própria história propicia conhecer a identidade para, a partir daí realizar, ou não, o processo de mudança. A história brasileira deve ser divulgada, debatida e ter sobre ela o olhar sociológico nas rotas do passado para novos rumos serem traçados nos presente e futuro.

E a corrupção?

Em todo o momento histórico no Brasil ela aparece. As trocas constantes dos setores econômicos com setores políticos, dos setores políticos entre si, amplamente voltados a si próprios, é uma linha horizontal na cultura e história brasileiras. Não foi o partido político “x” ou “y”, quiçá as denominadas esquerda, direita ou centrão que inovaram apresentando o germe corrosivo da corrupção.

O Direito

O Ordenamento jurídico eficaz é aquele que, a par da eficácia jurídica alcançada pela imperatividade da norma, também possui eficácia social. Ingressar no ordenamento social modificando a realidade cultural, consideramos ser essa a maior funcionalidade do Direito.

O Compliance- advindo da cultura norte-americana, nos termos da Lei n.12.846, de 01/08/13, regulamentada pelo Decreto n. 8420, de 18/03/15, tem por objetivo prevenir a corrupção no meio privado, nas empresas, já que graves consequências patrimoniais e administrativas podem reverter contra a empresa.

E o Compliance do setor público? Afinal esse é o primeiro a dar o exemplo…

O Pacote Anticrime- a Lei n.13.964/19

Oportunidade não faltou para erigir a patamar hediondo os crimes de corrupção passiva e ativa, além do crime de concussão. Não ingressou nesse rol que, em última análise, impõe regras mais rígidas na execução penal, principalmente quanto ao livramento condicional e progressão de regime.

Como se não bastasse, também não foi aprovado na Câmara dos Deputados Federais o regime de pena mais gravoso, o regime fechado, para ditos crimes. Outro retrocesso.

O que o Brasil perde com a corrupção?

O Brasil perde muito, muito mais do que possamos imaginar, uma vez que a corrupção é considerada um dos pontos que afasta investidores internacionais em solo nacional, militando contra os crescimentos industrial, agrário, tecnológico, principalmente, além do incomensurável prejuízo no desenvolvimento das políticas públicas em favor de toda uma sociedade. Todos perdem!

Fora a corrupção, outra grave mazela brasileira é a desigualdade social e ambos fatores se associam diretamente. Importante recordar que quanto ao ranking da desigualdade social o Brasil teve a posição 7ª, o sétimo país mais desigual do mundo.

No quesito sobre a corrupção a posição brasileira só tem piorado: no ano 2001- 46ª posição, no ano 2009, a  69ª posição, em 2017, a 96ª posição e, em 2019, a terrível 106ª posição. No quesito do IDH- índice de desenvolvimento humano- a posição  79ª  e no quesito quanto ao PIB- produto interno bruto – a posição  8ª, a oitava potência econômica mundial! Registre-se que quanto a esses dois últimos- IDH e PIB-, não há de estranhar boas colocações já que não se traduzem em qualidade de vida da população: são dados numéricos extraídos de uma faixa territorial ou de cifras numéricas da produção da indústria e do comércio, ou seja, extraídos por quem produz e detém a riqueza, muito distantes da grande maioria da população brasileira.

Uma Reflexão

Nem tudo que é contra a ética é corrupção, motivo pelo qual equivocado o entendimento segundo alguns desvios de condutas como “furar” ou estacionamento seriam gradações ou a própria corrupção. Não é verdade, embora indesejáveis no plano de ordem em uma sociedade evoluída.

A história do Brasil, na temática da corrupção, merece ser relembrada para que possa ser entendido como tudo começou e se desenvolveu. A partir daí poderemos cortar o elo cultural, sobretudo, de “naturalizar “ condutas indesejáveis no plano da corrupção, apesar dos esforços hercúleo da Justiça e do ordenamento jurídico em quebrar esse famigerado ciclo vicioso.

Todos devemos estar engajados na luta contra a corrupção: ordenamento jurídico, justiça operante, educação em todos os níveis e grandes canais que diretamente atuam na cultura popular: novelas, esporte e música.

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