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Direito fundamental à vida: prévio e absoluto

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Direito fundamental à vida: prévio e absoluto

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12/01/2021

Antes de mais nada, é de bom alvitre sublinhar que, no âmbito de um Direito Penal comprometido com o modelo de Estado democrático de Direito, suas previsões legais devem estar submetidas de modo absoluto aos postulados dos direitos fundamentais, e da dignidade humana, como seu fundamento comum (artigos 1º e 5º, CF). Por isso, o Direito Penal há de promover a secularização, e evitar determinadas concepções puramente morais, políticas ou ideológicas.

O direito à vida, primeiro direito fundamental, é objeto de proteção constitucional expressa em data um tanto recente[1], haja vista os acontecimentos relativos às duas Conflagrações Mundiais.

Apresenta-se como direito fundamental primário (bene-fine primario)[2], que se inscreve na categoria dos direitos inerentes à pessoa humana, e tem natureza de suporte físico, de conditio sine qua non, de todos os demais bens jurídicos.[3] Então, o direito à vida constitui a base fundante de outros direitos igualmente assegurados. É, assim, direito pressuposto, lógica e ontologicamente antecedente a todos os demais direitos fundamentais constantes da Constituição Federal. Bem assim que cabe ao Estado o dever primordial de garanti-lo de modo eficaz e amplamente.

Além disso, é bem jurídico igualmente valioso para todos os seres humanos, cuja titularidade lhes pertence independentemente de cor, crença religiosa, convicção política, nacionalidade, etc.

Direito à vida significa também o direito ao existir como indivíduo, como pessoa. Isso quer dizer o “direito de estar vivo, de lutar pelo viver, de defender a própria vida, de permanecer vivo. É o direito de não ter interrompido o processo vital senão pela morte espontânea e inevitável. Existir é o movimento contrário ao estado de morte”.[4]

Nesse âmbito, assevera-se, com propriedade, que todo ser dotado de vida é um indivíduo, o que não pode ser dividido. O homem é um indivíduo, mas é algo mais que isso, é uma pessoa. Além dos caracteres biológicos, tem unidade, identidade e continuidade substanciais. “Ser pessoa é assumir a suprema manifestação do real”.[5]

O termo indivíduo compreende duas acepções: uma, com significado de atributo da indivisibilidade, e outra, como realidade individual, diferente de qualquer outra. Ao se referir à pessoa humana, emprega-se a palavra indivíduo não só no primeiro sentido, mas sobretudo no segundo, vale dizer, como significado de algo singular, peculiar, único e exclusivo.[6]

De consequência, convém, em princípio, refutar toda e qualquer consideração ética de ordem relativista ou subjetivista, e as suas correntes (neoutilitarista, neocontratualista, etc.), que têm em comum “a exclusão de toda tentativa de transcender a materialidade contingente do real”; e se acolhe uma direção personalista, de cunho objetivo, em que o bem não resulta da opção arbitrária do homem, “não é construído, mas sim reconhecido”. A razão humana é capaz de discernir entre o que contribui para o bem da pessoa e o que pode prejudicá-la. Desta forma, há ações intrinsecamente negativas, malignas ou nocivas, especialmente aquelas que atentam contra os valores essenciais da pessoa.[7]

Ainda, há outro aspecto próprio do direito à vida: seu caráter de irreversibilidade, visto que a toda violação deste último, segue o desaparecimento do seu titular. Por isso, impõe-se ao Estado não só o dever de se abster de lesar a vida humana (v.g., abolição da pena de morte) como também o de salvaguardá-la eficazmente contra a agressão de outro, de terceiro. Destarte, considerado em sentido amplo, envolve o direito à integridade física (físico-corporal) e moral (psíquico-espiritual) da pessoa humana.

As constituições brasileiras passam a tratá-lo de modo expresso tão-somente a partir da Constituição de 1946, art. 141, caput, que dispõe:  “A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade (…)”. As seguintes, Constituições de 1967 (art.150) e de 1969 (art.153) contém texto similar. De sua vez, Constituição Federal 1988, em vigor, reza no art. 153, caput, que: “Todos os brasileiros são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (…)”.

Na legislação constitucional comparada, a matéria vem disciplinada de modo explícito ou não, como, por exemplo, na Constituição italiana (1947), art. 2. “A República reconhece e garante os direitos invioláveis do homem, quer como ser individual, quer nas formações sociais onde se desenvolve a sua personalidade, e requer o cumprimento dos deveres inderrogáveis de solidariedade política, econômica e social”; na Constituição alemã (1949), art. 2. (2). “Todos têm o direito à vida e à integridade física. A liberdade da pessoa é inviolável. Estes direitos só podem ser restringidos em virtude de Lei”; na Constituição espanhola (1978), art.15. “Todos tienen derecho a la vida y a la integridad física y moral, sin que, en ningún caso, puedan ser sometidos a tortura ni a penas o tratos inhumanos o degradantes. Queda abolida la pena de muerte, salvo lo que puedan disponer las leyes penales militares para tiempos de guerra”; na Constituição portuguesa (1976), art.24.1. “A vida humana é inviolável.2.Em caso algum haverá pena de morte”, e a “integridade moral e física das pessoas é inviolável” (art.25,1.); e na Constituição suíça (1999), art.10. “Todo ser humano tem direito à vida. A pena de morte está proibida”.

Em França, o reconhecimento constitucional do direito à vida decorre de interpretação dada pelo Conselho Constitucional, ao Preâmbulo da Constituição francesa de 1946, pela qual se erige a salvaguarda da dignidade da pessoa humana à condição de princípio de valor constitucional. É considerado princípio matriz dos direitos fundamentais, e assim se estabelece liame direto entre a dignidade da pessoa humana e o respeito à vida.[8] Faz-se menção ainda à Lei de 17.01.1975 (art.1º), que determina: “A lei garante o respeito a todo ser humano desde o começo da vida”.

No que tange às declarações de direitos, convém salientar importantes documentos, tais, como, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU-1948), art. 3 “Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”; a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (1950), art. 2.1. O direito de qualquer pessoa à vida é protegido pela lei. Ninguém poderá ser intencionalmente privado da vida, salvo em execução de uma sentença capital pronunciada por um tribunal, no caso de o crime ser punido com esta pena pela lei”; e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), art. 6.1. “O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida”.

A proteção jurídica à vida se estende à integridade física e moral do ser humano, é-lhe parte inerente. Daí ser da mesma forma considerado bem vital, revelador de um direito individual tutelado constitucionalmente.

Na inviolabilidade do direito à vida, consagra-se a inviolabilidade de sua integridade, como parte indissociável (art.5º, caput, CF).

Ainda que de grau inferior à vida, a incolumidade individual constitui um bem primário, relacionado à incindibilidade da pessoa humana (ser único, indivisível e irrepetível) no seu significado global, como integridade física e psíquica, e à sua variabilidade de pessoa a pessoa, como condição ótima de funcionalidade psicofísica e estética individual.[9]

Diante de tão essencial direito fundamental – verdadeira alma mater –, o recurso às normas penais incriminadoras se revela como indispensável. Neste sentido, e como não poderia deixar de ser, o Código Penal tutela de forma direta e contundente a vida e a integridade, física e moral, da pessoa humana no primeiro título da Parte Especial (Tit.I – Dos crimes contra a pessoa -, art. 121 e ss.).

Ainda, sobreleva nessa tarefa o papel do Estado, detentor único do jus puniendi, com todo o aparato judicial e policial, a serviço de sua garantia efetiva. No Estado democrático de Direito vigora a obrigação maior de não só abster-se de lesionar o direito à vida em todas as suas dimensões como também assegurar firmemente sua eficácia tanto no plano das leis penais como da segurança pública, particularmente da segurança cidadã.

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[1] Em relação aos textos clássicos, a única exceção é a cláusula do due processo of law, emendas 5ª e 14ª da Constituição Norte-Americana (1787), segundo a qual não se pode privar a ninguém da “vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal”.

[2]  Assim, Mantovani, F. Diritto Penale, P.S., I, p. 143.

[3] Nesse sentido, trata-se de bem-pressuposto da Constituição (o autor se reporta à Constituição italiana), e é reconstruído em toda a sua centralidade e plenitude de significado por três dados: a) ordenamento personalíssimo e solidário, cujo centro é ocupado pela pessoa humana na sua unidade físico-psíquica e na dimensão individual e social; b) o reconhecimento e a tutela do direito à vida são pressuposto e suporte da manifestação e do desenvolvimento da personalidade humana; c) a própria hierarquização entre bens-fins e bens-meios corresponde um sentido que postula a tutela da vida como o bem supremo (Mantovani, F. Op. cit., p. 144).

[4] Silva, J.A. da. Direito Constitucional positivo, p. 200.

[5] Recasens Siches, L. Vida humana, sociedad y derecho, p. 254-255.

[6] Ibidem, p. 257.

[7] Adorno, R. La bioéthique et la dignité de la personne, p. 15-20.

[8] Cf. Mathieu, B. La vie en Droit Constitutionnel Comparé. Éléments de réflexions sur un droit incertain. Revue Internationale de Droit Comparé, 50-4, 1998, p. 1036.

[9]   Cf. Mantovani, F. Diritto Penale. P.S., I, p.144.

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