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As Epidemias no Cenário Político Brasileiro – uma reflexão necessária

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As Epidemias no Cenário Político Brasileiro – uma reflexão necessária

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Maria Fernanda Dias Mergulhão

Maria Fernanda Dias Mergulhão

21/01/2021

O mundo mudou ou o mundo não será mais o mesmo, são as frases mais propagadas nos tempos atuais.  Indagar-se-ia: será?

Com a dor, repensamos valores, condutas, modo de vida, relações profissionais e afetivas. Através da doença, na mesma linha, fazemos as mesmas indagações. Felizes são os que procuram dialogar consigo formulando tais questionamentos sem obter respostas imediatistas ou furtivas. Tratam-se de provações do corpo e da alma para uma transformação daquele que padece com o sofrimento ou/e das pessoas que estão em seu entorno.

Sem impingir conotação religiosa, não é difícil chegar a essa conclusão numa simples análise empírica de casos distintos em locais e momentos históricos diversos.

Quais são os desafios dos novos tempos? Não nos é dado o poder da adivinhação e dos vários mistérios que circundam o ser humano quanto aos fenômenos vida e morte, mas nos é dado o poder de ter discernimento, ainda que mediano, do que seja certo ou errado. Afinal, direitos humanos, conquistas positivadas em texto magno, que aqui denominamos Constituição da República, a superação do período das Trevas, onde a Antiguidade nos provou, através de inúmeros relatos da História, Literatura Artes e Filosofia que aquela forma de vida adotada não era satisfatória para a grande maioria da população, alijada dos mínimos bens de consumo e relegada à escravidão. O sofrimento era a marca daquela raça humana abatida por constantes guerras e às intempéries de seus Imperadores.

O momento histórico em que a teocracia levava a crença da grande massa humana- os súditos- de que o Imperador deveria ser respeitado, ilimitadamente, por se tratar de um enviado de Deus com poder de vida e morte sobre todos. A ignorância era tática afinal, desafiar pelo intelecto, os poucos que ousaram, acabaram sendo taxados de feiticeiros ou mortos em grandes fogueiras. O espetáculo merecia muitos espectadores, já que a “festa” tinha, sobretudo, o efeito subliminar de incutir medo, temor para que condutas daquela espécie não voltassem a ocorrer. O “Soberano” reafirmava seu poder, intangível, centralizador, onipotente e onipresente, como se propunha, para se reafirmar naquele agrupamento social. Desse período histórico, o mundo moderno não tem qualquer saudosismo.

As Epidemias

Apesar das classificações que a ciência apresenta para distinguir epidemia de pandemia, conforme sua extensão territorial, não nos atentaremos a essa distinção porque ainda que no mesmo cenário territorial, tudo que se apresentar, nesse trabalho, quanto às críticas no cenário político para uma hipótese, da mesma forma, se aplicará a outra.

Da mesma forma, fugirá o escopo desse trabalho identificar qual país iniciou a propagação de uma epidemia ou qual hospedeiro do vírus ou bactéria foi o seu causador.

Nessa linha, há relatos de surtos epidêmicos no Brasil de expressiva gravidade, sendo a mais reportada, historicamente,a  epidemia da “Gripe Espanhola”, no auge do ano 1918.

Sem desconsiderar o efeito devastador que foi essa epidemia, existiram outras de igual ou maior gravidade, a exemplo das epidemias de Febre Amarela, Cólera, Varíola e a Peste Negra (ou bubônica).

Alguns marcos na história merecem destaque: o surto de febre amarela ocorreu no ano 1849, o de cólera , no ano 1855, e ambas atingiram o Rio de Janeiro, a então capital do Império Brasileiro, e algumas cidades do litoral, motivando a criação da “Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro”, em 1829 e, sucessivamente, a Academia Imperial de Medicina (1935) e a “Academia nacional de Medicina (1889).[1]

Após esses dois surtos epidêmicos que dizimou muitos brasileiros, surgiu o surto da varíola já no limiar do século XX.  Oswaldo Cruz, nosso grande infectologista e sanitarista, se envolveu muito na luta contra a propagação da doença ao ponto da sociedade civil se revoltar com a imposição da vacina, episódio histórico conhecido como a “Revolta da Vacina”, em 1904.

Ainda nessa sucessão, 14 anos após, em 1918, durante o furor da 1ª Guerra Mundial, eclodiu, em território brasileiro, a Gripe Espanhola, que nunca teve origem comprovada em território europeu, quicá na Espanha.

O que todas essas epidemias têm em comum até aqui? Todas tiveram amplo lastro endêmico, foram causa de muitos óbitos diretamente relacionados à doença, além de doenças periféricas, também causadas pela doença, principalmente porque não se conhecia a cura, não se conhecia remédio ou terapêutica eficaz, não havia vacina e muito menos antibióticos.

Além da ausência de conhecimento científico hábil ao tratamento e cura das enfermidades, também em comum a todas as epidemias mencionadas fora a imposição do isolamento social como forma mais eficaz de controlar a propagação entre os integrantes daquela sociedade, e também a ocorrência do que hoje se denomina “subnotificação”, já que as paróquias registravam os óbitos e a organização administrativa era obsoleta, a toda evidência, comparada a era da informatização em massa.

A Epidemia do Século XXI- a Covid-19

A história se repete? Diversos fatos, no ano 2020, se repetem, apesar de tantos avanços tecnológicos e no campo dos mais diversos saberes. É razoável reputarmos coerentes determinados comportamentos e aquiescermos a condutas, verdadeiramente abomináveis, ao argumento de que todos se encontraram desprevinidos, de que a ciência não conhece a cura, e que tudo, fundamentalmente, deve ser analisado caso a caso?

Definitivamente não!

Nas várias epidemias, em tempos remotos, criticou-se a postura governamental ao destacar vigia da Côrte Real para que, na casa de um infectado, o isolamento fosse absoluto, impondo-se, também, o isolamento às outras pessoas que habitavam na mesma casa.

Após 100 anos, no mínimo, o isolamento nos hospitais com absoluto desrespeito a familiares e mesmo aos doentes é menos ou mais nocivo do que fora anteriormente implementado? A dor das pessoas que levaram seus familiares ao necessário e vital socorro médico e, no descortinar de uma internação, a verdadeira “cortina de ferro” que impunha uma separação física e uma grave ferida emocional, de intensa agonia com as parcas ou nenhuma informação sobre o paciente de Covid 19. Com todos os meios tecnológicos, de custo baixíssimo, razoável essa postura?

Há relatos históricos, principalmente na obra de Daniel Defoe[2], dos traumas provocados com a epidemia da Peste Negra, em Londres, e boa parte da Europa, em 1665, quando grandes valas eram abertas para enterrar os corpos das várias vítimas fatais. Foram relatados 20.000 óbitos por semana nesse fatídico ano.

No Brasil, com uma imensidão territorial, um país que é conhecido pelos países vizinhos da América Latina como o país “gigante”, não teria condições de espaço para propiciar aos seus filhos, os filhos da nação brasileira, condição digna para os familiares assistirem, minimamente, ritual de despedida mais condizente com os direitos humanísticos?

Auxílios financeiros emergenciais também foram concedidos naquele período, na Europa, como o Brasil Império e Republicano e não há relato de desvios e desmandos, quiçá da ordem que fomos obrigados a, dolorosamente, conhecer, a exemplo de pessoas que flagrantemente não se incluíam no rol dos mais vulneráveis, a exemplo de vários Estados da Federação, por seus Chefes dos Executivos, desviarem dinheiro público para a construção de Hospitais de Campanha, superfaturarem respiradores , tomógrafos e insumos de primeira necessidade para os pacientes de Covid 19. Repito: Não há relato histórico de nada parecido com essas atrocidades; essa verdadeira prática genocida.

Ética e corrupção

Diante degradação moral, não há como deixar de sublinhar temas atinentes a ética e corrupção.  O estudo da moral e ética são balizas necessárias ao entendimento da corrupção. Entender os limites e a definição do que uma sociedade admita por comportamento corrupto, em qualquer ordem progressista que se encontrar, perpassará pelo exame prévio da moral e ética.

Aqui serão apresentados conceitos necessários para distinguir Moral, Ética e Corrupção frisando, desde já que, independentemente da tipificação penal, essa temática está intrinsicamente relacionada a valoração cultural de uma sociedade, mutante no tempo e espaço.

A ética, moral e costumes na configuração da corrupção

Costumes, ética e moral sempre estarão interligados porque imanentes à cultura de um povo e, portanto, imanentes à civilização humana de uma sociedade.

Como os costumes e práticas sociais são extremamente dinâmicos e podem variar, ou mesmo se sedimentarem em determinado agrupamento humano, a moral e a ética acompanharão a valoração de práticas sociais e costumes. Portanto, a valoração atribuída àquela sociedade acerca do que ocorre em seu interior, constituirá objeto de análise pela moral e ética.

Nesse contexto, a mesma sociedade deve atribuir valor às suas práticas e costumes, o que constituirá atribuir valor moral e ético nas condutas ali verificadas. Há de se considerar os valores culturais e a dimensão da própria cultura.

A corrupção, nesse primeiro ponto de análise, se apresenta como a antítese da moral e ética, a violação ética e moral, segundo valoração cultural de uma sociedade, considerando ética como a “ciência da moral, ou como a disciplina filosófica, que busca formular as regras do atuar moral. Não pode haver contradição, de tal modo que as ações positivamente morais, que correspondem a deveres e obrigações moralmente bem cumpridos, serão também éticas.” (PITCHON.2010.p.51)

Filósofos da antiguidade nos legaram valiosos estudos acerca da ética, conforme sintetiza COMPARATO:

O contraste com a filosofia antiga é nem marcado. Para Platão e Aristóteles, como vimos, a reflexão ética examinava os objetos das ações humanas, sejam eles reflexos dos arquétipos eternos (Platão) ou realidades imanentes ao mundo (Aristóteles). Para Kant, ao contrário, o pensamento ético tem por objeto a descoberta dos princípios ou leis objetivas do agir humano (COMPARATO. 2016. p.293).

Entretanto, ética e moral se distinguem já que

os problemas éticos caracterizam-se pela sua generalidade e isto os distingue dos problemas morais da vida cotidiana, que são os que se nos apresentam nas situações concretas. Mas, desde que a solução dada aos primeiros influi na moral vivida- sobretudo quando se trata de uma ética absolutista, apriorística ou puramente especulativa-, a ética pode contribuir para fundamentar ou justificar certa forma de comportamento moral. Assim, por exemplo, se a ética revela uma relação entre o comportamento moral e as necessidades e os interesses sociais, ela nos ajudará a situar no devido lugar a moral efetiva, real, de um grupo social que tem a pretensão de que seus princípios e suas normas tenham validade universal, sem levar em conta necessidades e interesses concretos. Por outro lado, se a ética,quando trata de definir o que é bom, recusa reduzi-lo àquilo que satisfaz meu interesse pessoal, exclusivo, evidentemente influirá na prática moral ao rejeitar um comportamento egoísta, como moralmente válido. Por causa de seu caráter prático, enquanto disciplina teórica, tentou-se ver na ética uma disciplina  normativa, cuja função fundamental seria a de indicar o melhor comportamento do ponto de vista moral. Mas essa caracterização da ética como disciplina normativa pode levar- e, no passado, frequentemente levou- a esquecer seu caráter propriamente teórico(…) O ético transforma-se, assim, numa espécie de legislador do comportamento moral dos indivíduos ou da comunidade. Mas a função fundamental da ética é a mesma de toda a teoria: explicar.

De tantas práticas corruptivas praticadas desde o Brasil colonial, a priori , imagina-se uma população conivente a essas práticas, contudo, Schawartz, aponta razões para que essa premissa seja afastada:

A aquisição de uma fonte de renda independente, entretanto, diminuía a força das motivações profissionais e das restrições burocráticas. Um magistrado que fizesse fortuna no Brasil podia perder o interesse numa eventual promoção. O suborno criava seu próprio círculo fechado.(…)Os brasileiros raramente se queixavam do fato de os juízes adquirirem terras ou acumularem riqueza, pois os padrões da sociedade não eram os mesmos da burocracia. Muitos colonos tinham ido para o Brasil em busca de fortuna e não reprovavam os magistrados por fazerem o mesmo. O que preocupava os colonos, entretanto, era o inequívoco mau uso do cargo em proveito pessoal, a subversão da justiça por meio de propinas e favoritismo e o abuso egoísta de poder. Tais atividades eram injustas, tanto pelos padrões coloniais como pelos burocráticos.(…)Suborno e má conduta provocavam censura tanto da colônia como do rei, mas tais atividades não eram a única forma de comportamento magistrático que violava o código burocrático de desempenho (SCHWARCZ. 2011, p. 268-270).

Atos antiéticos, imorais/amorais e corrupção

Moral e ética são inerentes a comportamentos humanos e sempre aferíveis em uma vida em sociedade. O comportamento do outro impõe a concepção de valores morais e éticos, segundo os quais podem ser aceitos, ou não, por aquele agrupamento humano.

Assim, de valoração aberta porque mutável no tempo e espaço, segundo as concepções da sociedade que pretende adotar determinado padrão de conduta, não há padrões prévios de certeza, muito menos concepções generalizantes de acertos ou erros. Há de ser analisada a moralidade imperante naquele momento histórico para determinada sociedade que a concebeu previamente. Para Durkheim a,

moral, portanto, deve ser uma questão de bem-estar e progresso da sociedade considerada como um ser que tem vida e personalidade próprias. O conjunto, como já vimos, é maior que a soma de suas partes, e a moral é uma questão do todo. Nessas circunstâncias o sacrifício é significativo e atraente. Para que alguém tenha o direito de pedir a uma pessoa para subordinar seus fins pessoais aos de outros, esses fins têm de ser de uma ordem superior, como sucede com os fins coletivos. Se o indivíduo não tem papel primário na moral, é por ser pequeno demais para fazer diferença: o que significa para o mundo o seu sofrimento ou prazer? É uma gota d água no oceano da vida. Um ser efêmero, ele só vive no presente (DURKHEIM. 2016, p.65-66).

Ao ser analisada a moral e ética adotada por uma sociedade uma conduta pode ser considerada antiética, imoral ou amoral, mas não ser considerada corrupta. O inverso, no entanto, não ocorre: não há condutas corruptas sem serem consideradas, consequentemente, contrárias à ética e à moral.

Percebe-se que comumente há confusão conceitual quanto à identificação da corrupção e das denominadas “vantagens”, indesejadas no plano ideal de uma sociedade. Não raro concluir que determinada sociedade inclinada às práticas para obtenção de “vantagens” estaria inclinada, também, a práticas de corrupção. Factível, e possível, esse entendimento porque estaria sendo concebida uma gradação de condutas em que a corrupção seria considerada a mais gravosa, mas tal conclusão está longe de ser uma premissa impassível de erros.

Guardada a preocupação constante para não incorrer em erro interpretativo quanto à análise de regimes políticos diversos- momento atual e período colonial-, insta salientar que havia ordenamento jurídico e punições estabelecidas em normas regulares para punir os atos considerados de corrupção ou, na acepção utilizada à época, os decorrentes do verbo delinquir. Nessa linha, citando-se as Ordenações Afonsinas, livro III, título 128:

Sobre tais práticas, consideradas espúrias e delituosas, condenadas socialmente e que suscitavam a indignação moral, recaía uma legislação rigorosa: conforme diz Bluteau, “segundo as Ordenações do Reino, peita, prometida, aceitada, e não recebida, basta para fazer perder o ofício, e demais, paga-se o tresdobro para a Coroa.” Também conforme as leis da mesma ordenação, “o julgador, que receber peita perde para a Coroa todos os seus bens, e o ofício que del Rei tiver passando a peita de cruzado, ou sua valia, além das sobreditas penas, é condenado a perpétuo degredo para o Brasil; e sendo a peita de valia de dous marcos de prata, tem pena de morte.” (ROMEIRO.2016.p.25)

Ao que consta, o verbo delinquir era empregado, também, para designar atos de corrupção, extraindo-se daí a reprovação social, já que referido verbo, como até os dias atuais, refere-se a prática de delitos, genericamente, quaisquer delitos.

Apesar de guardar concepções distintas, segundo a sociedade, e cultura a elas ínsitas, moral e ética são amplamente dinâmicas e valoradas[3] segundo as concepções coletivas do agrupamento humano. Há, no entanto, algumas valorações universalizantes, a exemplo do ideal de ética pública. Nessa linha, Pitchon, faz importante abordagem sobre ética pública:

A política como virtude civil, impregnada de senso ético e coletivo- condição valorativa de sua validade- deve respeito às exigências da sociedade e aos comandos da lei. Da mesma forma, tem o dever de dar qualidade à gestão do Estado, mediante a implantação de instrumentos eficientes de execução de gastos públicos e o aprimoramento dos mecanismos de ação conjugada dos órgãos de controle. Fazer melhor e da melhor maneira possível é fazer com ética, nunca desertando da responsabilidade e do interesse público. È esta autoridade moral que legitima o comportamento da pessoa pública, cuja manifestação deve-se por em acordo com essa exigência superior da sociedade. Sem ela a sua própria condição se dilui (Pitchon. 2010, p. X).

Vistas essas questões prefaciais acerca da ética e moral, impões-se apresentar a identificação do termo Corrupção[4] que, invariavelmente, transmite a noção de suborno, de violação, e transgressão de alguma norma preestabelecida, em qualquer campo da vida em sociedade. Adita Romeiro:

O primeiro passo, então, consiste em buscar as acepções da palavra em seu próprio tempo, indagando a realidade que ela recobria. Derivada do latim corruptione, que significa putrefação, decomposição e adulteração, a palavra conservou nas línguas vernáculas a acepção original latina, como mostra, por exemplo, Raphael Bluteau, em seu Vocabulário portuguez e latino, de 1728, que a define como “suspensão do concurso conservativo, e introdução de qualidades alterantes, e destrutivas.” A esse caráter físico ele acrescenta outro, metafórico, aludindo à corrupção dos costumes, à corrupção do juiz ou da justiça; e à corrupção de palavras. Décadas depois, Antonio de Moraes Silva, em seu Dicionário da língua portugueza, de 1789, sintetiza tais acepções- “o estado da coisa corrupta ou corrompida” ou “alteração do que é reto ou bom, em mau e depravado”- associando-a, porém, ao ato de perverter, subornar, peitar”. Na verdade, o uso da palavra num sentido metafórico, aplicada ao campo da moral, da justiça e dos costumes, encontra-se disseminado nos tratados políticos e morais da época, remontando a um período muito anterior, como se pode observar nas ordenações afonsinas; uma Lei de 1314, por exemplo, estabelecia as penas aos que tentavam influenciar o julgamento das causas, recorrendo às peitas, “para corromper e impedir o andamento legal do pleito (ROMEIRO.2017. p.19 até 21).

Até o final do século XVIII, o emprego da palavra em sua acepção física ou biológica, dividiu espaço com a sua acepção política, como se observa na obra Agricultor instruído, de 1730[5], destinada a oferecer conselhos práticos sobre a agricultura, discorrendo sobre “as virtudes das sementes, e de como se preservarão da corrupção.” (ROMEIRO.2017.p.20).

Há que se destacar que, em certo período de história, foi atribuído ao termo corrupção conotação religiosa, como na obra de Diogo do Couto- O soldado prático-, em fins do século XVI.  Adriana Romeiro faz destacar:

Para Diogo do Couto, o governo justo é, por definição, o governo cristão, e o príncipe justo é aquele que se orienta pelas virtudes cristãs. Quando o príncipe da justiça não é respeitado, tem lugar o processo de corrupção, o que, por sua vez, configura uma tirania, que é uma forma de injustiça (ROMEIRO. 2017. p. 23).

O que deve ser ressaltado é que não podem ser confundidos atos corruptos com atos imorais ou antiéticos, posto que a moralidade[6] e a ética por serem amplas, podem valorar determinadas condutas humanas como corruptas, mas outras como imorais ou antiéticas sem, no entanto, reconhecer a corrupção.

O controle social na tipificação de atos corruptos

Há atos corruptos que não estão afetos ao controle social na sua tipificação, isto é, na categorização destes ao gênero infração penal, inseridos nas espécies crime, contravenção penal ou ato de pequeno potencial lesivo. A inclusão de atos corruptos no Código Penal,[7] ou na legislação penal, para que sejam aplicadas sanções mais rígidas, principalmente quanto à possibilidade de restrição ao direito à liberdade, se constitui em uma das formas de controle social.

Os atos de corrupção considerados infrações penais passam por uma valoração mais rígida quando erigidos a essa categoria. Através desse mecanismo, em Estados Democráticos, cuja sociedade pressupõe a legalidade como parâmetro de Justiça, as infrações penais relacionadas à corrupção passam a ter a resposta estatal imposta por uma coerção. Resta refletir se o ordenamento jurídico brasileiro desde o período colonial, até os tempos atuais, realiza o controle social idealizado pela sociedade que o concebeu.

CONCLUSÃO

A propósito da gravidade por que todos estamos atravessando nesses tormentosos tempos, ao enfrentamento da Covid 19, no Brasil e no Mundo, não há como passar a largo e deixar de registrar que a Sociedade Civil é a efetiva dona do Poder que, “em seu nome deve ser exercido”.

A tecnologia, os vários campos dos saberes se sofisticaram, a ciência nos legou indeléveis progressos, a exemplo do microscópio, das diversas vacinas, do antibiótico. Não somos mais um país agrário, já que a industrialização aqui também  presente. Temos a robótica e estamos inseridos num mundo globalizado em que a comunicação pode ser realizada em tempo reali em qualquer parte do mundo!!!

Avançamos nos valores éticos e humanos? A resposta só pode ser apresentada quando a tormenta se apresentar, quando a dor e o sofrimento se instaurarem, conforme o momento atual, da epidemia por Covid 19.

Por tudo que expomos, sem qualquer conotação pessimista, já que partimos de uma análise realística, não houve avanço. O individualismo está cada vez mais presente, estamos no ranking dos países mais corruptos do mundo, mais desiguais do mundo, a par de ser um país com um dos maiores PIBs do mundo…

A concentração de renda não é sinal de “ordem e progresso”, já que um país deve ser considerado forte quando a classe de maior expressão for a classe média e forem assegurados o que denominamos “mínimo existencial” para as classes menos favorecidas.

Discutir ética e corrupção nos remonta a procurar enfrentar, mesmo na dor, qual é a identidade brasileira nos aspectos nocivos do exercício do poder. Qualquer  processo de mudança deve partir da análise individual, social, de um agrupamento maior, da política. Só se muda o que se conhece. Queremos, verdadeiramente, mudar? O mundo, o Brasil, será outro após a epidemia de Covid 19? O Brasil conhece sua identidade?

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____________  A Tolice da Inteligência Brasileira. Rio de Janeiro: Ed. Leya, 2015.

___________   Subcidadania Brasileira. Rio de Janeiro: Editora Leya,  ano 2018.

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LEIA TAMBÉM


[1][1] Decreto Imperial n.. 6406, de 13/12/1876, Decreto n. 8387, de 19/01/1882, Decreto n. 9554, de 03/02/1886.

[2] DEFOE, Daniel. Diário do ano da Peste.São Paulo:Ed.Artes. 2002.

[3] É o homem- como ser histórico-social e com sua atividade prática- que cria os valores e os bens nos quais se encarnam, independentemente dos quais só existem como projetos ou objetos ideais. Os valores são, pois, criações humanas, e só existem e se realizam no homem e pelo homem. (VÁSQUEZ, 2014. p.146-147)

[4] Segundo o Dicionário Aurélio Buarque de Holanda Ferreira: Corrupção: 1.Ato ou ou efeito de corromper-se. Decomposição. 2. Devassidão, depravação. 3. Suborno; peita. Corromper: 1. Deteriorar, decompor. 2. Alterar. 3. Perverter. 4. Induzir a realizar ato contrário ao dever à ética. 5. Apodrecer, adulterar-se, deteriorar-se. 6. Perverter-se. Subornar: Dar dinheiro ou outros valores para conseguir coisa ilícita ou imoral; peitar.

[5] MARIA, Theobaldo de Jesus. Lisboa. 1730. O termo corrupção foi encontrado em obra do século XVIII que se refere à agricultura no século XVIII.  Segundo o autor o “Agricultor instruido com a prevençoens necessárias para annos futuros, recupilado de graves autores e dividido em três partes, na primeira se trata das sementeiras, virtudes das sementes , e de como se prezervarão da corrupção; na segunda dos arvoredos, e vinhas; Breve tratado da cultura dos jardins; na terceira de todo o gado maior; e menor; e mais animaes deomésticos, suas virtudes, e cura de suas infermidades, e das colméas etc.”

[6] A função social da moral consiste na regulamentação das relações entre os homens (entre os indivíduos e entre o indivíduo e a comunidade) para contribuir assim no sentido de manter e garantir uma determinada ordem social. É certo que esta função também se cumpre por outras vias mais diretas e imediatas e até comm resultados mais concretos, como, por exemplo, pela via do direito. Graças ao direito, cujas normas, para assegurar o seu cumprimento, contam com o dispositivo coercitivo do estado, consegue-se que os indivíduos aceitem- voluntária ou involuntariamente- a ordem social que é juridicamente formulada e, dessa maneira, fiquem submetidos e integrados no estatuto social em vigor. Mas isto não é considerado suficiente. Busca-se uma integração mais profunda e não somente uma manifesta adesão exterior. Procura-se que os indivíduos aceitem, também, íntima e livremente, por convicção pessoal, os fins, princípios, valores e interesses dominantes numa determinada sociedade. Desta maneira, sem recorrer à força ou à imposição coercitiva mais do que quando é necessário, pretende-se que os indivíduos aceitem livre e conscientemente a ordem social estabelecida. Tal é a função social que a moral deve cumprir (VÁSQUEZ, .p. 146-147).

[7] Encontram-se previstos como corrupção no Código Penal: art..218 do Código Penal, o crime de corrupção de menores, que tipifica a conduta de induzir alguém menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de outrem. O art. 271 do Código Penal o crime de corrupção ou poluição de água potável. Esse crime prevê a conduta de corromper ou poluir água potável, de uso comum ou particular, tornando-a imprópria para consumo ou nociva à saúde. Os arts. 272 e 273 do Código Penal preveem, respectivamente, os crimes de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios, assim como de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais.Corrupção passiva“Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:Pena – reclusão, de 2 a 12 anos, e multa. Corrupção ativa“Art. 333 – Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:Pena – reclusão, de 2 a 12 anos, e multa.. Corrupção ativa em transação comercial internacional“Art. 337-B – Prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a funcionário público estrangeiro, ou a terceira pessoa, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício relacionado à transação comercial internacional:Pena – reclusão, de 1 a 8 anos, e multa.”.

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