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Estrangeiro estudar Direito no Brasil? Indo além dos preconceitos

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Luiz Dellore

Luiz Dellore

04/02/2021

O Professor Rui Costa fez algo que foge do padão da sequência de textos sobre estudar fora: ele VEIO ao Brasil para estudar Direito.

Pois é. Muitas vezes não sabemos ou não valorizamos, mas há uma série de estrangeiros que procuram o Brasil como destino para seus estudos. Inclusive no Direito.

Saiba mais sobre isso lendo o ótimo e agradável texto do advogado e professor português que escolheu nosso país para completar seus estudos. E que isso ajude a nós melhorarmos nosso país.

Boa leitura!

Dellore


por Rui Matos da Costa*

Quando vim fazer intercâmbio para o Brasil, em 2008, era um jovem estudante português da Faculdade de Direito da Universidade do Porto – FDUP. Hoje, mais de dez anos depois, sou um (ainda) jovem (problema que o tempo irá resolver) advogado luso-brasileiro. Mas este texto começa com um sincero ato de contrição: o Brasil não era a minha primeira opção.

Desde o início da faculdade de direito estava certo e seguro de que o intercâmbio era uma experiência essencial, e tinha tudo pronto e planejado para ir fazer intercâmbio na Alemanha.

Para ser mais claro ainda, tinha uma absoluta desconfiança em relação ao Brasil. Não podia estar mais equivocado. Estava completamente errado.

Apesar de ter família no Brasil, apenas o descobri em 2007, quando vim ao Rio de Janeiro num curto período de férias. Essa experiência foi essencial para mim.

Li um comentário do Sebastian Vettel (exatamente, o piloto de fórmula 1), feita numa entrevista à imprensa1, sobre a sua admiração ao aterrar pela primeira vez em São Paulo: “É uma cidade muito grandiosa. Todos os anos parece ficar ainda maior, maior. No começo, talvez eu era jovem demais para vir aqui. Fiquei com medo por causa do tamanho da cidade, 20 milhões de pessoas, isso é um pouco assustador. Venho de um lugar com 25 mil habitantes, e eu já achava que era uma grande cidade.”

Eu cheguei ao Rio, mas também tive essa mesma sensação. Prossegue o piloto: “Talvez eu tenha ficado um pouco perdido no início, mas agora descubro diferentes partes da cidade a cada vez, (…) – comentou o tetracampeão mundial”. Também aqui, entendo o que ele quis dizer, e concordo. Para um europeu (não apenas um português…) a escala do Brasil é fenomenal.

Faço questão de referir isto, pois o “complexo de vira-lata” às vezes parece não deixar que os brasileiros vejam isso com clareza. O Brasil é uma enorme oportunidade, não apenas de futuro, mas também de presente.

I – Preparação do intercâmbio: preconceitos sobre o Brasil

Mas acho apenas que, no meu caso, esse sentimento foi ainda mais poderoso. Por ser português, falar a mesma língua e ter, em decorrência, evidentes afinidades culturais com o Brasil.

Como já referi, fazer intercâmbio ou estudar no estrangeiro é, na minha opinião, um elemento essencial para a formação de todos os estudantes e acadêmicos (havendo, como é óbvio, recursos financeiros para tanto). Isso sempre foi óbvio para mim, e quando lecionei tentei incutir isso nos alunos.

Recordo, no entanto, que não era algo óbvio para muitos dos meus colegas. Fazer intercâmbio no Brasil, então, parecia loucura.

Se já era comum haver desconfiança pelo intercâmbio no curso de direito, essa desconfiança se multiplicou quando referia que vinha fazer intercâmbio no Brasil, no Rio de Janeiro.

Ouvi piadas sobre isso. E essas piadas, baseadas em preconceitos errados, estão completamente equivocadas.

Qualquer boa experiência de intercâmbio deve ser precedida de alguma preparação. O passo prévio inicial e fundamental é fazer uma pesquisa acerca das melhores faculdades para estudar, já que o nível pode ser distinto em cada instituição. Eu fiz essa pesquisa em relação ao Brasil e ao Rio de Janeiro e, sem desprimor para as demais, fui aconselhado a escolher a Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.

Outros elementos essenciais da preparação, para evitar problemas e/ou desilusões, é tentar conhecer um pouco da cidade onde se pretende estudar; quais os problemas; os custos, entre tantos outros aspectos.

Acho que no Brasil, pela triste e incrível desigualdade reinante, esses aspectos adquirem uma importância ainda maior.

Estes mesmos conselhos valem para quem desejar fazer pesquisa e/ou trabalhar no Brasil. A preparação é essencial, especialmente como ferramenta para derrubar ideias pré-concebidas.

II – Análise: estudar no Brasil

Não sou hipócrita, e por isso tenho de me confessar. Fazer um novo ato de contrição.

Como já referi, sou licenciado pela FDUP, que fica sediada no centro do Porto, num lindo edifício neoclássico. Quando entrei, no início de agosto de 2008, no edifício da UERJ (onde, meses antes, havia ocorrido um incêndio de respeitáveis proporções2) o choque foi inevitável, e a pergunta também: “o que fui fazer à minha vida?”.

A resposta: um bem tremendo! As dificuldades físicas e financeiras da UERJ são públicas, e vêm se acentuando ao longo dos anos. Apesar disso, hoje como em 2008, o mérito acadêmico do seu pessoal (corpo docente e discente) é incrível. Leva a que as questões materiais não prejudiquem o incrível nível de ensino. Que é excelente.

II. A – Ponto negativo

De resto, e começando a análise, acho que esse é o principal ponto negativo de estudar e pesquisar no Brasil: as condições físicas e materiais das instituições precisam de ser melhorados urgentemente.

Conheci bem a UERJ e a Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, e as suas diferenças físicas para a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP e para as Escolas de Direito do Rio de Janeiro e de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas – FGV são gritantes.

Isso apesar dos enormes avanços experimentados pelas universidades públicas nos últimos anos (especialmente as federais).

A situação da UERJ é pública e sobejamente conhecida. Infelizmente, e globalmente, não tem parado de piorar; embora as condições mínimas no 7º andar, o da faculdade de direito, se mantenham minimamente razoáveis.

No caso da UFRJ os docentes e discentes têm acesso ao básico (ex. data show). Mas creio que um edifício histórico, que já serviu de Senado Federal do Brasil, deveria estar mais bem tratado (como acontece, por exemplo no caso da USP).

II.B – Pontos positivos

Se esse é o ponto negativo, os pontos positivos são muitos mais. Por serem mais, inclusive, vou tratá-los individualmente.

Solidez acadêmica do corpo docente

Um dos preconceitos que via (observação empírica) nos meus colegas era a de que o Brasil estava mais atrasado do que Portugal na pesquisa acadêmica.

Preconceito perfeitamente errado. Na minha experiência, o nível acadêmico do direito no Brasil é muito alto.

O nível de solidez teórica dos professores é excelente. Posso dar as melhores referências dos professores com quem tive aula na graduação: Prof. Tepedino, Profa. Heloísa Helena Barboza, Profa. Marilda Rosado e Profa. Carolina Mello, entre outros.

Também na pós-graduação o nível dos professores é excelente: posso referir todo o corpo docente de direito internacional (salientando o brilhantismo da Profa. Carmen Tibúrcio), do Prof. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro (que fomentava discussões excelentes na sala de aula) e a Profa. Bethânia Assy (absolutamente brilhante nas suas aulas).

Na Escola de Direito da FGV pude também encontrar grandes professores: Prof. Yazbek, Prof. Quiroga, Profa. Luciana Dias, Prof. Ivo Waisberg, Prof. Vettori e Prof. Rubinstein.

Os destaques feitos são sem desprimor para todos os outros docentes com quem tive a oportunidade de aprender. O meu convite aos leitores, é para que pesquisem os nomes referidos e vejam a qualidade da formação das pessoas referidas. Creio que esse curriculum, académico e profissional, fala por si. Esse é um preconceito muito fácil de desconstruir.

Abrangência das disciplinas

Outro aspecto surpreendente e de destacar foi a importância que novos ramos do direito têm no currículo da UERJ. Isso porque existe um currículo geral, com as disciplinas comuns (direito penal, civil, processual). Mas, adicionalmente, os alunos devem integrar a sua formação com disciplinas eletivas, com temáticas muito mais específicas.

Nessas eletivas os alunos têm acesso a formação específica em temas tão diversos como arbitragem, direito do petróleo, direito dos investimentos, entre outros. Essas disciplinas são geralmente oferecidas por alunos da pós-graduação, onde o estágio docente integra o currículo de formação.

Naturalmente, na pós-graduação (mestrado e especialização), a discussão de temas atuais é permanente. Aliás, a FGV desempenha um papel fundamental nesse campo.

Integração prática da faculdade

A faculdade tem, também, um lado prático bem interessante. De duas formas.

Em primeiro lugar, o currículo da faculdade inclui o estágio profissional obrigatório: realizado durante o curso. Ao contrário de Portugal, e de vários países Europeus, onde o estágio ocorre após a conclusão do curso.

Uma crítica pode ser feita a este aspecto: dependendo das necessidades do aluno, e uma vez que o estágio é (corretamente) pago, ele pode priorizar a vida prática em detrimento da sua formação teórica. Vi isso com muita clareza, durante a minha experiência de docência.

Por outro lado, auxilia na integração profissional do aluno; e oferece um “mundo real” ao que é estudado na faculdade. No fim de contas, creio que é um aspecto mais positivo do que negativo.

Em segundo lugar, é muito comum que todos os professores tenham atividade profissional paralela à docência. Mais uma vez, isso pode trazer problemas, se a prática profissional prejudicar o exercício da docência; mas traz também benefícios, se o professor conseguir trazer atualizações constantes da vida prática para a sala de aula. A minha experiência diz-me que a segunda situação ocorre com mais frequência do que a primeira.

A faculdade beneficia do dinamismo de uma das economias mais desenvolvidas do mundo. Desconstrói-se mais um preconceito sobre um eventual atraso econômico do Brasil.

Relacionamento pessoal

O Brasil é um país de relações pessoais extremamente humanas (no que isso tem de bom e de mau). Como aluno habituado a uma rigidez quase militar na sala de aula; e como docente vindo de outra cultura, confesso que nunca me acostumei completamente à fluidez das relações e interações dentro da sala de aula.

É importante compreender que isso faz parte da cultura vigente, e que não é falta de respeito (pelo menos em regra. Exceções há sempre…). Traz, inclusive, mais oportunidades do que prejuízos: foi assim, por exemplo, que numa fila do bar do sétimo andar da UERJ conheci o prof. e ministro Luís Roberto Barroso (que, inadvertidamente e absolutamente sem querer, furou duas vezes a fila, e me passou à frente duas vezes: uma na fila do caixa, e outra na fila para receber o produto. Ele estava distraindo, trabalhando ao telefone, e foi simpaticíssimo quando percebeu o seu erro.).

Essa abertura é muito boa, e dá acesso aprofundamento das matérias junto aos professores. Algo fundamental para qualquer aluno interessado.

Ganhei bons amigos nos locais onde estudei (UERJ e FGV), amizades que mantenho até hoje. Devo ainda confessar um evidente conflito de interesses quanto a este ponto: foi na UERJ que conheci a minha esposa. A minha opinião está decisivamente inquinada nesta matéria, reconheço.

Talvez neste último aspecto se confirme um dos preconceitos existentes em relação ao Brasil: a informalidade (no bom sentido) das relações humanas.

Voltando ao início, não sei como poderia ter sido fazer intercâmbio na Alemanha. Seria com certeza diferente; mas não estou certo que melhor. Acredito ter tido muita sorte como aluno de graduação, pós-graduação, especialização e até nas minhas duas experiências como docente: a minha experiência ao final de 9 anos foi absolutamente enriquecedora.

E apenas inclui as experiências acadêmicas! Muito mais haveria a dizer, em relação às experiências profissionais. Quem sabe não as conto no futuro, noutra oportunidade?

Recomendo vivamente que se relativizem as dificuldades materiais (principal aspecto negativo). Aqueles que desejarem experimentar, venham de coração aberto. Não acreditem em preconceitos. Preparem-se corretamente, e procurem aproveitar ao máximo todas as oportunidades que são oferecidas.

Estudar e pesquisar no Brasil é uma oportunidade única de aprender e melhorar (acadêmica, profissional e pessoalmente). Especialmente, mas não apenas, para alunos de nacionalidade lusófona.

Quanto a mim, e neste momento em que volto à minha outra casa para completar (espero) os estudos de doutorado, não tenham dúvidas que deixo aqui uma parte substancial do meu (coração).

Fica o meu testemunho e profundo agradecimento a todos com quem tive oportunidade de aprender.

—————————

*RUI MATOS DA COSTA – Doutorando pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Advogado


1Acesso em: 11 de março 2019. Disponível em: http://globoesporte.globo.com/motor/formula-1/noticia/2015/11/animado-com-festa-brasileira-vettel-sente-falta-de-heroi-local-no-podio.html

2https://emais.estadao.com.br/noticias/geral,incendio-atinge-seis-andares-do-predio-da-reitoria-da-uerj,58669

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