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Saiba mais sobre a suposta crise dos contratos

CONTRATO

CRISE DOS CONTRATOS

DIREITO CIVIL

DIREITO PRIVADO

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E CONTRATOS EM ESPÉCIE

Flávio Tartuce

Flávio Tartuce

09/02/2021

Como projeção natural da vontade e do consenso, o contrato é inerente à própria subsistência da sociedade moderna. Caio Mário da Silva Pereira chega a afirmar que “o mundo moderno é o mundo do contrato”, eis que “a vida moderna o é também, e, em tal alta escala que, se se fizesse abstração por um momento do fenômeno contratual na civilização de nosso tempo, a consequência seria a estagnação da vida social. O ‘homo aeconomicus’ estancaria as suas atividades. É o contrato que proporciona a subsistência de toda a gente. Sem ele, a vida individual regrediria e a atividade do homem limitar-se-ia aos momentos primários” (Instituições…, 1990, p. 9).

Apesar do respeito e da atenção que merecem os demais institutos civis, é de se concordar com as palavras transcritas, podendo-se afirmar que o contrato é o instituto mais importante de todo o Direito Civil e do próprio Direito Privado.

Mas, há tempos está em voga no Direito Comparado, e mesmo no Brasil, afirmar sobre a crise dos contratos, chegando Savatier a profetizar que o contrato tende a desaparecer, surgindo outro instituto em seu lugar. Luiz Gastão Paes de Barros Leães comenta tal crise, ao elucidar que “há alguns anos, a decadência do Direito contratual é apregoada num tom fúnebre, que anuncia iminente desenlace. Há inclusive quem já tenha lavrado a sua certidão de óbito. Grant Gilmore, em 1974, publicou um livro com título provocador – ‘The Death of Contract’ (Columbus, Ohio) – onde assinalou a ação demolidora dos novos tempos no edifício conceitual do contrato. O fenômeno da padronização das transações, decorrente de uma economia de ‘mass production’, teria subvertido inteiramente o princípio da liberdade contratual, transformando o ‘contrato’ numa norma unilateral imposta pela empresa situada numa posição dominante. Teria ocorrido assim um retorno ao ‘status’” (Prefácio, in STRENGER, Irineu. Contratos…, 1999, p. 17).

Sobre tal profetização, Fernando Noronha comenta que “para Gilmore, professor da Yale Law School, ‘contract is being reabsort into the mainstream of ‘tort’ A teoria clássica do contrato poderia bem ser descrita como uma tentativa para instituir um enclave dentro do domínio geral da responsabilidade civil (‘tort’). Os diques foram erguidos para proteger o enclave, está bastante claro, têm vindo a derrocar a uma velocidade cada vez mais rápida” (O direito…, 1994, p. 9).

Pela leitura do trabalho do Direito Comparado aludido, é forçoso deduzir que o contrato está sujeito a todas as variações possíveis pelas quais passa a sociedade, decorrentes da interpretação da lei no campo prático. Em verdade, superada a análise da obra de Grant Gilmore, tida como clássica no Direito Norte-Americano, entendo que a palavra crise significa mais mudança de estrutura do que possibilidade de extinção. E é realmente isso que está ocorrendo quanto ao contrato, uma intensa e convulsiva transformação, uma renovação dos pressupostos e princípios da Teoria Geral dos Contratos, que tem por função redimensionar seus limites, e não os extinguir.

A Professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka também captou que não se pode falar em crise propriamente dita, no sentido de derrocada, mas em alteração de estrutura e de função, saudável para o Direito Privado. São suas palavras:

“Confundindo-se, muitas vezes, liberdade de contratar com liberdade contratual, o diagnóstico foi sempre muito pessimista, a respeito da sobrevida institucional do contrato. Mas, como o ‘sonho de John Lennon’, o contrato não morreu. Nem declinou, nem encolheu, nem perdeu espaço, nem poder. Rui de Alarcão escreveu, e com toda a razão, que tal pessimismo foi claramente desmentido, a significar que o alarde foi exagerado e que a pós-modernidade prescreve a necessidade de novos modelos de realização do direito, estando entre eles, certamente, os novos modelos contratuais que todos os dias se multiplicam, indicando uma fertilidade inesgotável desses paradigmas e o seu verdadeiro e sempre renovado papel de organizador e autorregulamentador dos interesses privados. Ora mais publicizado, ora mais socializado, ora mais poroso à intervenção estatal, ora mais limitado quanto ao seu conteúdo específico, ora mais funcionalizado, não importa. Todas essas faces são as faces do contrato que se transmuda e evolui sempre, como a própria transmudação e evolução da pessoa humana e das relações que estabelece com os demais. A dinâmica própria da vida dos homens e a realidade jurídica subjacente conseguem explicar e justificar essa mobilidade, traçando-a naturalmente, conforme convém, e imprimindo o devido grau de certeza acerca da necessidade e urgência desta releitura contratual. Construção e crítica se alternaram [desde o início do anterior século], produzindo um movimento de edificação de uma teoria [geral do direito privado] tão sólida quanto volátil. Esse movimento é absolutamente saudável, rejuvenescedor e revigorante para as instituições privadas, mesmo porque, dizendo respeito a relações de natureza intersubjetiva, quer dizer, dos sujeitos entre si, essas instituições se renovam com o próprio uso, e o seu eventual desuso é que pode acarretar sua morte, por inércia. O contrato não caiu em desuso nunca e, por isso, permanece vivo; sua força revela sua indispensabilidade no trato das relações jurídicas e da mantença da segurança” (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Contrato…, Disponível em: <www.flaviotartuce.adv.br>. Acesso em: 10 jan. 2006).

Como não poderia ser diferente, concorda-se integralmente com a Professora Giselda Hironaka, uma vez que o contrato definitivamente não está em decadência, mas sim em seu apogeu como instituto emergente e central do Direito Privado.

Nesse sentido, cumpre observar que uma das principais alterações em matéria contratual se refere à autonomia da vontade das partes na avença. Discute-se cada vez mais a possibilidade da revisão do contrato, a liberdade de extinguir o pacto e de se decidir pela conclusão da relação entre as partes. A grande problemática do contrato, sem dúvida, está relacionada com os seus efeitos no tempo e no espaço, ou seja, às consequências jurídicas que dele advém após a sua celebração, inclusive na questão de sua eficácia perante terceiros estranhos à relação contratual.

Nesse contexto, aduz-se que haverá uma crescente falta de certeza e segurança com essa alteração de estrutura, o maior desafio a ser encarado pelo civilista contemporâneo.

A Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019) – originária da Medida Provisória 881, e que teve a minha atuação no Congresso Nacional quando da sua conversão em norma jurídica –, contribui sobremaneira para intensificar esse debate, diante de uma tendência de volta do liberalismo, como tem sido comum em todo o início de século, não só no Brasil como em todo o mundo. Procurando declarar os chamados direitos de liberdade econômica, esse diploma traz em seu art. 2.º os seguintes princípios norteadores: a) a liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas; b) a boa-fé do particular perante o poder público; c) a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas; e d) o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado.

Mesmo com o surgimento dessa última norma, continua sendo um grave equívoco aceitar e compreender o contrato com sua estrutura clássica, concebido sob a égide do pacta sunt servanda puro e simples, com a impossibilidade da revisão das cláusulas e do seu conteúdo. Estão concretizados no nosso sistema privatista os princípios sociais contratuais como a boa-fé objetiva e a função social dos contratos, sendo a justiça contratual e a equivalência material desdobramentos do último. Diante de um campo minado negocial, em que muitas empresas cometem abusos no exercício da autonomia privada, tais princípios mitigam sobremaneira a força obrigatória do contrato, em prol de uma interpretação mais justa, baseada na lei e nos fatos sociais. Os princípios sociais funcionam como um controle do abuso contratual, tão comum em nosso País.

Assim, é de se repudiar a ideia de crise de contratos, conforme construída por alguns autores do direito alienígena. O melhor caminho é acreditar em um novo conceito de contrato, dentro de uma nova realidade. Acatam-se as antigas, mas sempre atuais palavras de Manuel Inácio Carvalho de Mendonça, pelas quais “os contratos hão de ser sempre a fonte mais fecunda, mais comum e mais natural dos direitos de crédito” (Contratos…, 1957, p. 7).

Concluindo, não se pode falar em extinção do contrato, mas no renascimento de um novo instituto, como uma verdadeira Fênix que surge das cinzas e das trevas. Uma importante revolução atingiu os direitos pessoais puros e as relações privadas, devendo tais institutos ser interpretados de acordo com a sistemática lógica do meio social. Em suma, sou adepto de uma posição otimista na análise do Direito Privado, acreditando na emergência e na efetividade de novos institutos jurídicos, renovando todo o direito, afastando-se dos cientistas que afirmam estar ocorrendo uma verdadeira crise do Direito Privado. Superado esse ponto de pessimismo sombrio, parte-se para a análise de uma das mais festejadas e atuais teses quanto aos contratos: o diálogo das fontes.

Gostou deste trecho do livro Direito Civil – Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie – Vol. 3? Clique aqui para saber mais sobre a obra!

“Tartuce se dedicou ao estudo dos contratos desde seu mestrado na PUCSP, sob a orientação de Maria Helena Diniz: A função social dos contratos. Assim sendo, além de profunda abordagem sobre a teoria geral dos contratos, o autor cuida de maneira rica e completa de cada uma das espécies de contrato civil ou empresarial disciplinadas pelo Código Civil, mantendo o marco teórico do Direito Civil Constitucional.

A obra, inicialmente pensada para o público dedicado à preparação para concursos públicos, desde o início transbordou em informações e conteúdo, o que fez dela obra de referência em cursos de graduação e de pós­-graduação.

A linguagem escorreita e de fácil compreensão logo conquistou o mercado editorial brasileiro, estando o livro sempre na lista dos mais vendidos por bastante tempo.”

José Fernando Simão

“A forma extremamente didática de apresentação da matéria aliada à constante atualização dos temas de Direito Contratual são aspectos que me levam à indicação do livro Direito Civil – Teoria geral dos contratos e contratos em espécie (Vol. 3), do Prof. Flávio Tartuce, para todos os meus alunos da graduação.”

Rodrigo Azevedo Toscano de Brito – Professor da Faculdade de Direito da Universidade da Paraíba


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