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Atuação defensiva na verificação da integridade da cadeia de custódia

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Franklyn Roger

Franklyn Roger

03/05/2021

Durante a segunda metade do ano de 2019, houve intenso debate no parlamento brasileiro a respeito do projeto de lei “anticrime”, apresentado como mecanismo de aperfeiçoamento das normas penais e processuais penais diante do clima de insatisfação social com a corrupção que assola o país.

O avanço do projeto legislativo deu ensejo à aprovação da Lei nº 13.964/2019 que trouxe diversas alterações a Código Penal, Código de Processo Penal, Lei de Execução Penal e demais normas criminais extravagantes.

No Brasil, poucos são os questionamentos realizados no processo penal a respeito dos métodos empregados na produção da prova pericial, e esse fator é ainda agravado quando levamos em conta que a prova é produzida ainda na fase de investigação sem qualquer tipo de controle por parte do órgão jurisdicional e sem participação da defesa técnica.

O fato de o sistema processual penal brasileiro adotar um modelo público de prova pericial não significa que haja presunção absoluta de que o método empregado na prova pericial é o de maior confiabilidade e, por conta dessa presunção, ser despicienda uma regulamentação sobre as etapas de realização da prova pericial.

Enquanto o processo civil se moderniza diuturnamente, exigindo que a prova pericial descreva o objeto da perícia e sua respectiva análise pelo perito, com a indicação do método utilizado e a ressalva de se esclarecer e demonstrar que esse é aceito pelos especialistas da área de conhecimento (artigo 473 do CPC), o processo penal precariza sua atividade técnica sem uma disciplina adequada sobre o método científico.

Como bem destaca Geraldo Prado em sua obra sobre prova penal e sistemas de controles epistêmicos: “Um dos aspectos mais delicados na temática da aquisição de fontes de prova consiste em preservar a idoneidade de todo o trabalho que tende a ser realizado sigilosamente, em um ambiente de reserva que, se não for respeitado, compromete o conjunto de informações que eventualmente venham a ser obtidas dessa forma”[1].

Talvez de forma a minimizar o efeito nocivo que uma prova pericial possa trazer a um processo judicial quando não há a observância de uma metodologia e de etapas de preservação bem delineadas é que o legislador introduziu um novo capítulo em tema de provas no código.

O recém-incorporado artigo 158-A do CPP dispõe que a cadeia de custódia é o conjunto de procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte.

A preservação da cadeia de custódia consiste em acumular um conhecimento técnico que foge ao campo da área jurídica e avança em outras áreas do saber, tornado legítima e fiável o vestígio que será objeto de prova.

Não se pode negar que muito da nova disciplina do Código de Processo Penal já estava positivada na Portaria nº 84/2014 da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), vinculada ao Ministério da Justiça.

De acordo com o §1º do artigo 158-A, considera-se o início da cadeia de custódia a partir da preservação do local do crime, ou a partir da iniciativa da autoridade policial e dos peritos na adoção de procedimentos, diante da localização de possível vestígio.

Esse dispositivo deve ser lido em conjunto com o artigo 6º, I, do código quando determina à autoridade policial que, logo conhecendo da ocorrência de prática de infração penal, dirige-se ao local e providencia os meios para que não se alterem o estado e a conservação das coisas. Essa etapa de isolamento, conduzida pela autoridade policial, possui caráter amplo, bloqueando todo o local da ocorrência criminosa, até a chegada dos peritos, a que competirá realizar um segundo isolamento, agora específico às áreas de interesse da diligência técnica.

O disposto no artigo 158-B do CPP é talvez o núcleo mais importante da disciplina do Código de Processo Penal. A norma define todas as etapas da cadeia de custódia desde o momento do rastreamento do vestígio.

O legislador definiu dez etapas muito bem delineadas, assim compreendidas como: reconhecimento, isolamento, fixação, coleta, acondicionamento, transporte, recebimento, processamento, armazenamento e descarte. Apesar de algumas dessas etapas seguirem uma ordem lógica, nem todas são estanques e algumas podem anteceder ou suceder as outras.

As etapas da cadeia de custódia podem ser divididas em quatro momentos bem definidos, assim por nós classificados como:

1) fase de arrecadação, que compreenderá os atos de reconhecimento, isolamento, fixação, coleta, acondicionamento e transporte;

2) fase de processamento, que compreenderá o recebimento e processamento;

3) fase de preservação, que compreenderá o ato de armazenamento; e

4) fase de inutilização, que compreenderá o descarte propriamente dito. Importante destacar que a Portaria nº 82/2014 da Senasp traz os conceitos de fase externa e interna, a primeira concernente à preservação do local do crime até o transporte no órgão pericial, enquanto que a fase interna corresponde às demais etapas até a conclusão da prova pericial.

Debate interessante gira em torno das consequências advindas da quebra da cadeia de custódia. Geraldo Prado defende que: “qualquer interrupção na cadeia de custódia pode causar a inadmissibilidade da evidência. Mesmo se admitida, uma interrupção pode enfraquecer ou destruir seu valor probatório” [2]. O mesmo pensamento é compartilhado por Daniel Diamantaras e Denis Sampaio quando observam: “Se as etapas estão previstas em normas legais e constituem o próprio conteúdo da prova material, a quebra da cadeia de custódia gera o efeito da ilicitude da prova, na medida em que haverá a aplicabilidade do artigo 157 do CPP quando aponta que são provas ilícitas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais” [3].

Renato Brasileiro caminha em sentido oposto, estabelecendo que a quebra da cadeia não necessariamente representa a nulidade da prova, posto que: “Com efeito, a finalidade desse detalhamento procedimental é para conferir maior fidedignidade ao contexto geral da prova, mas não se apresenta como essencial à própria validade em si do elemento probatório, que será valorado ulteriormente pelo julgador”[4]. Igual posicionamento é defendido por Rogerio Sanches Cunha quando aduz que “nossa posição é a de que a prova permanece legítima e lícita, podendo ser questionada a sua autenticidade. Seu valor será maior ou menor quanto o mais ou menos se respeitou o procedimento da cadeia de custódia” [5].

O Superior Tribunal de Justiça dedicou seu olhar à cadeia de custódia por ocasião do julgamento do HC 160.662-RJ. Nesse julgado, o Tribunal da Cidadania entendeu que a preservação da cadeia de custódia é essencial para a assegurar o contraditório e ampla defesa. No citado caso, houve a realização de interceptação telefônica, ocorrendo o extravio de parte do conteúdo dos registros de áudios telefônicos. Como não foi preservada a integralidade do conteúdo das gravações, o STJ entendeu que houve a quebra na cadeia de custódia e o conteúdo remanescente se tornaria ilícito.

A regulamentação normativa sobre a cadeia de custódia servirá de verdadeiro estímulo a participação defensiva na construção da prova técnica. A partir da leitura do artigo 3º-B, XVI (levando-se em conta o restabelecimento de seus efeitos), com a consequente revogação tácita do artigo 159, §4º, do código, o assistente técnico a acompanha a produção da perícia, o que implicar admitir a sua participação na fase de processamento a fim de tecer considerações posteriores sobre a elaboração do laudo e suas conclusões.

Com a presença da autoridade de polícia judiciária e científica, inicia-se a atuação do assistente técnico da equipe investigativa defensiva, a quem caberá analisar como os órgãos de investigação realizarão as etapas de coleta e acondicionamento, de modo a observar a preservação dos vestígios.

Apesar de ser de difícil exercício na prática, seria conveniente que o assistente técnico da equipe defensiva participasse das etapas de transporte e acondicionamento, trazendo maior segurança à validação defensiva dos vestígios arrecadados. Sabemos, no entanto, que, sem previsão normativa correspondente, pouco provável que os órgãos de investigação tolerem a presença de um profissional de viés defensivo nessa fase.

Note que o inciso IX do artigo 158-B, quando menciona a etapa de armazenamento, dirige-se à defesa técnica e sua equipe auxiliar quando estabelece procedimento referente à guarda, em condições adequadas, do material a ser processado, guardado para realização de contraperícia, descartado ou transportado, com vinculação ao número do laudo correspondente.

O artigo 158-C, §2º, do CPP parece confirmar a regra que se propõe no sentido de interpretar o atuar defensivo. Entende-se por fraude processual a conduta de ingressar em locais “isolados”, bem como remover vestígios do local do crime “antes da liberação por parte do perito responsável”.

Nos casos em que a defesa chega ao local do crime antes dos órgãos oficiais, é ela própria quem isola o local, o que afasta a premissa inicial do dispositivo. Do mesmo modo, uma vez isolado e com atividades periciais em andamento, é plenamente possível ajustar, mediante autorização do responsável pela diligência, que a equipe defensiva possa acompanhar os trabalhos, mediante observância das cautelas necessárias.

Certamente o espírito corporativo de determinados setores do sistema de Justiça não receberá com bons olhos a intervenção mais proativa da defesa nos estágios iniciais da investigação.

O preconceito enraizado e a crença de que a atividade defensiva se pauta na má-fé e na manipulação precisa ser superado. A presença da defesa com contribuições para elucidação do fato criminoso apenas potencializa e eleva o standard probatório. Afinal de contas, inexiste a dita “investigação do suspeito”, mas, sim, investigação defensiva!

FONTE: CONJUR

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LEIA TAMBÉM


[1] PRADO, Geraldo. Prova penal e sistema de controles epistêmicos. São Paulo: Marcial Pons, 2014. P. 77

[2] PRADO, Geraldo. Prova penal e sistema de controles epistêmicos. São Paulo: Marcial Pons, 2014. P. 81.

[3] FIGUEIREDO, Daniel Diamantaras de; SAMPAIO, Denis. Cadeia de custódia da prova. In SILVA, Franklyn Roger Alves (Org.). O processo penal contemporâneo e a perspectiva da Defensoria Pública. Belo Horizonte: Editora CEI, 2020. P. 345.

[4] LIMA, Renato Brasileiro de. Pacote anticrime. Salvador: Juspodivm, 2020. P. 257

[5] CUNHA, Rogério Sanches. Pacote anticrime. Salvador: Juspodivm, 2020. P. 180.

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