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A formação dos contratos do agronegócio por meios digitais e sua validade jurídica: o Contrato por WhatsApp

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A formação dos contratos do agronegócio por meios digitais e sua validade jurídica: o Contrato por WhatsApp

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Marcus Vinícius de Carvalho Rezende Reis

Marcus Vinícius de Carvalho Rezende Reis

06/05/2021

Renan Fabro Monteiro e Marcus Reis*

Toda e qualquer empresa se mantém ativa e em funcionamento através da realização de negócios dos mais variados tipos, sendo que estes em quase 100% das vezes são formalizados por contratos. No agronegócio não é diferente.

Diante desse quadro, as novas tecnologias surgiram para colaborar com as negociações e apresentar instrumentos que facilitam o dia a dia empresarial, desde dispositivos que realizam reuniões à distância até aqueles que promovem a assinatura digital sem necessidade de impressão dos documentos.

Esse auxílio tecnológico restou ainda mais acentuado com o advento da pandemia de COVID-19, pois, em razão das particularidades do vírus, os contatos presenciais foram substituídos em grande parte por contratos realizados por meio digital.

O agronegócio não foge à regra. As atividades do setor são formalizadas através dos mais diversos contratos, a exemplo da CPR, do contrato de fornecimento de produto agrícola ou demais operações mais complexas como o Barter.

No entanto, o setor merece um cuidado maior em relação aos demais devido a uma peculiaridade: o predomínio da informalidade, onde a maioria dos produtores rurais são pessoas simples e que estão no ramo há vários anos, tocando o negócio junto à sua família.

Logo, um grande número dos negócios é feito de maneira informal, baseados na confiança, o que é típico de municípios menores, onde a interação pessoal é grande e as pessoas conhecem umas às outras, situação esta que auxilia na formação dos contratos e ao mesmo tempo dispensa maiores cuidados ou formalidades.

Em tempos de pandemia, esse comportamento ficou ainda mais evidente dada a impossibilidade de negociação pessoal para realização dos contratos. Assim tornou-se necessário, tanto para empresas do setor quanto para os produtores, valerem-se dos chamados avanços tecnológicos para promover seus negócios, em especial os aplicativos de mensagens e reuniões online, tais como WhatsApp, e-mails, Zoom, Google Meet, dentre outros.

Diante desse quadro, cumpre-nos uma indagação que corresponde ao cerne do presente estudo: um contrato ou ajuste agrícola, inclusive aquele que implica em negociação futura com “trava” de preço e que foi negociado por via tecnológica sem formalização posterior em documento escrito, pode ser considerado juridicamente válido?

Para se obter essa resposta é preciso antes desenvolver um raciocínio simples partindo-se do conceito de contrato, o qual pode ser definido como um negócio jurídico bilateral, ajustado por vontade humana livremente externada e com viés a constituir, modificar ou extinguir direitos e deveres com cunho patrimonial.

Assim o contrato nada mais é do que o ajuste realizado entre as partes, uma convergência de vontades e interesses com viés patrimonial, implicando direitos e deveres para ambas, sendo que seu aperfeiçoamento pode ocorrer com o simples acordo ou entrega do seu objeto.

Definido o conceito, percebe-se que existem diversos elementos que permitem verificar de forma objetiva a existência de vínculo contratual, além da sua validade e possibilidade de exigência. Assim, é preciso examinar cada caso de forma individualizada de modo a verificar se o negócio é existente, válido e eficaz.

Neste ponto, apresenta-se uma importante lição da doutrina brasileira acerca da estrutura dos negócios jurídicos, cognominada como “escada ponteana”, muito bem-criada por Pontes de Miranda.

Esta lição determina que os negócios jurídicos devem ser avaliados segundo elementos essenciais e acidentais distribuídos em planos. Flávio Tartuce comenta o tema:

“A partir dessa genial construção, o negócio jurídico tem três planos, a seguir demonstrados:

– plano da existência; plano da validade; plano da eficácia.

Sobre os três planos, ensina Pontes de Miranda que “existir, valer e ser eficaz são conceitos tão inconfundíveis que o fato jurídico pode ser, valer e não ser eficaz, ou ser, não valer e ser eficaz.”

Assim para identificar um negócio jurídico perfeito e acabado, ou seja, entender se ele é existente, válido e eficaz, deve ser feito o exame dos três planos de eficácia da escada ponteana mencionados acima.

No primeiro plano, verifica-se a sua existência, que é composta pelos seguintes elementos:

1) Partes ou agentes; 2) Vontade; 3) Objeto e 4) Forma.

Na ausência de qualquer um destes elementos o negócio será inexistente. Apesar de não tratado especificamente no Código Civil, este plano é amplamente aceito pela doutrina civilista pátria, além de aplicado rotineiramente em julgamentos de processos judiciais.

Ultrapassado o primeiro plano, cumpre analisar os elementos do segundo, qual seja, validade:

1) Partes ou agentes capazes;

2) Vontade, livre e sem vícios;

3) Objeto lícito, possível, determinado ou determinável e

4) Forma prescrita ou não defesa em lei.

Este plano é expressamente tratado no artigo 104 do Código Civil.

Por fim, chega-se ao terceiro plano: o plano da eficácia. Este plano não possuí elementos fixos tais como os anteriores, mas segue uma lógica simples: se uma disposição contratual está sujeita a um determinado evento ou obrigação, essa situação está delimitada no plano da eficácia. À título de exemplo: condição, termo, encargo, registro, regime de bens no casamento, direito de resolução, regras relativas à inadimplência, etc.

O objetivo do presente artigo não é esgotar os detalhes dos planos, mas apenas apresentá-los para que se saiba quais são os principais elementos do negócio perfeito e acabado. Ou seja, demonstrar o necessário para que ele seja existente, válido e eficaz.

Assim, vale dizer que tais elementos podem ser construídos pelos mais diversos meios de negociação, inclusive os digitais.

Desta forma, admitindo-se que a negociação se faz possível por meios eletrônicos, resta necessário verificar se o ajuste contratual foi perfeitamente realizado entre as partes e se as propostas apresentadas fazem vínculo entre os contratantes.

Neste ponto vale apontar para as regras de formação dos contratos trazidas pelo nosso CC nos artigos 427 a 435, os quais cuidam especificamente das negociações feitas pelas partes e respectivos detalhes.

Nos contratos de agronegócio é comum que o produtor ou empresário rural dê início às tratativas com as empresas do ramo, seja buscando insumos para a safra ou acesso ao mercado para promover a venda da sua produção.

Portanto, a análise da fase pré-contratual nesses contratos é essencial, em especial aqueles que não foram formalizados por má-fé de algum dos contratantes, pois a configuração e demonstração do vínculo contratual se formará, em muitos casos, neste momento.

E é a partir deste ponto que a presença das novas tecnologias se mostra fundamental, seja em relação à celeridade dos meios digitais, seja em razão da pandemia Covid-19, onde ambos casos levaram a uma maior utilização de meios digitais para formalização de negócios.

Ora, se as partes iniciam suas tratativas através de um aplicativo digital, há de se considerar a validade do que foi entabulado, independente do meio tecnológico utilizado para tanto.

Cabe mencionar que a validade na utilização destas tecnologias é pacificada, pois aplicativos de comunicação não são considerados ilegítimos ou ilícitos para realização de contratos hé tempos.

Por outro lado, há quem entenda ou defenda não ser o formato digital o mais recomendável ou seguro para realização de contratos, dado que a insegurança jurídica ainda é uma constante em nosso país. Logo, a utilização de outros meios, mormente o pessoal, ainda se mostra mais adequado, apesar de o cenário a médio prazo evidenciar mudanças neste aspecto.

Abaixo, dispõe-se um trecho do artigo jurídico de autoria de Patrick França a respeito do tema:

“A jurisprudência dos mais diversos tribunais do Brasil tem fixado o entendimento de que uma negociação realizada por aplicativos de conversas possui força vinculante entre as partes, valendo, portanto, como um “contrato”. Isso porque se reconhece que existe a manifestação de vontade das partes, as quais tem a liberdade de contratar, estando presentes os requisitos da proposta e da aceitação.

Claro que esta não é a forma mais indicada para se realizar um contrato, principalmente quando envolver grandes valores. Apesar de moderna e legítima, não se recomenda a realização de negócios por este meio, haja vista os riscos e a informalidade presentes nesta forma de contratação.

Neste sentido, importante destacar que este tipo de negociação informal não substitui um contrato formal e escrito, com assinatura física ou digital das partes, no qual podem ser estipuladas clausulas específicas, mais completas e com maior clareza, referente aos detalhes do negócio realizado.

Por outro lado, vale lembrar que, diferente dos contratos verbais, também reconhecidos como válidos, na concepção jurídica, onde normalmente as pessoas encontram dificuldades em constituir provas da negociação realizada em eventuais ações judiciais onde se discuta um contrato realizado com o uso de celular, a justiça tem aceito as conversas de aplicativos como provas, inclusive reconhecendo a desnecessidade de produção de ata notarial.”

Assim, vê-se que a realização de tratativas por meio de aplicativos ou outros meios tecnológicos é legítima, cabendo apenas posterior análise no que tange ao conteúdo da negociação à luz dos passos da escada ponteana e da boa-fé objetiva.

A boa-fé objetiva é princípio fundamental de toda e qualquer relação contratual, sendo que sua abrangência vai desde o início das negociações até a finalização da execução contratual.

Assim quando as partes iniciam uma negociação, independente do meio empregado para tanto, deve-se ter em mente que o que está sendo tratado deve ser feito de acordo com a boa-fé, ou seja, não se trata de conversa simples e de conteúdo descartável, mas sim de início de uma negociação formal.

Logo se as partes estabelecerem conteúdo negocial válido e firmarem um compromisso contratual de forma inequívoca, ainda que não assinado um documento formal posterior, tem-se que referido vínculo será validamente reconhecido, em atendimento à boa-fé objetiva e a real intenção da declaração de vontade, ambos positivados em nosso Código Civil nos artigos 112 e 422.

A “real intenção das partes” nada mais é do que uma regra de interpretação trazida pelo Código Civil onde a pacta sunt servanda é levemente relativizada, trazendo a chamada teoria subjetiva de interpretação dos negócios jurídicos. Em linhas simples, deve-se dar mais atenção à real intenção das partes do que o fora manifestado, mesmo em documento formal.

Veja-se que a boa-fé permeia os contratos em todos os seus mais variados aspectos, indo desde a forma de realização da negociação, até regras de interpretação, englobando inclusive deveres anexos aos contratantes, citando como exemplo o dever de transparência, o de colaboração, o de informação etc.

Por abranger de forma cabal todas as fases contratuais, eventual descumprimento da boa-fé ou atuação em forma contrária caracterizará ato ilícito por abuso de direito, trazido pelo artigo 187 do CC, o que vale também para os deveres anexos. Os Enunciados aprovados pelo CJF nas jornadas de Direito Civil não deixam dúvida a este respeito:

I Jornada de Direito Civil – Enunciado 24

Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa.

I Jornada de Direito Civil – Enunciado 25

O art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação pelo julgador do princípio da boa-fé nas fases pré-contratual e pós-contratual.

III Jornada de Direito Civil – Enunciado 170

A boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato.

Assim, conclui-se que, desde que as negociações sejam feitas com total boa-fé e respeitando os elementos estruturais da escada ponteana, não há por que se considerar inválido um contrato de agronegócio firmado por meio eletrônico, mesmo porque estes meios são considerados legítimos e já estão firmados no cotidiano de todos, sendo, inclusive, reconhecidos como válidos pela jurisprudência.

Outro ponto a ser levado em consideração nesta análise trata-se do costume, ou seja, se a negociação entre as partes ocorre da mesma maneira, se sempre se negociou por celular ou e-mail, baseando-se na confiança, a despeito de maiores formalidades, a tendência é que as negociações se mantenham assim. Logo, se as partes elegeram determinado meio para suas tratativas, não havendo nada que o invalide, não há razão para considera-lo inválido.

Por fim, entende-se que a falta de assinatura em documento formal não é requisito suficiente para invalidação do ajuste, pois o que caracteriza o contrato de fato é o ajuste perfeito e acabado. Desta forma, se referido ajuste foi realizado por meio eletrônico, a assinatura posterior somente tem o condão de dar formalismo ao que fora negociado, sendo que a sua falta somente implicará em abuso de direito por parte daquele que se recusar a firmá-lo por quebra do dever de boa-fé.

Os avanços tecnológicos são cada vez mais frequentes e a atualização legislativa não caminha na mesma velocidade. Assim, cabe aos operadores do direito adequar a realidade jurídica aos avanços tecnológicos, buscando sinergia entre a realidade do direito e a realidade tecnológica do Agronegócio.

BIBLIOGRAFIA

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil Volume único. 5 ed. São Paulo, Método, 2015.

ENUNCIADOS DO CJF – disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/.

ARTIGO: A validade dos Negócios feitos pelo ‘Whatsapp”, disponível em: http://afranca.adv.br/avalidade-dos-negocios-feitos-pelo-whatsapp/.


*Renan Fabro Monteiro, advogado. Graduado em 2011 pela UNIFEOB. Pós-graduado em direito público pela Anhanguera Uniderp em convênio com LFG. Advogado especialista em direito civil-empresarial, com foco em contratos e Compliance.

*Marcus Reis, CEO no Reis Advogados, sócio da Nagro Crédito Agro, Vice-Presidente da Comissão Especial de Direito Agrário e do Agronegócio da OAB Federal, Membro Honorário do Notório Saber da Associação Brasileira de Direito do Agronegócio (ABD-AGRO), Advogado mais admirado do país, segundo Análise Advocacia 2020. Escritor e autor dos livros “Manual Jurídico da CPR – Teoria e Prática da Cédula de Produto Rural” e “Crédito Rural – Teoria e Prática”. MBA em Gestão Empresarial e MBA em Direito Empresarial. Conselheiro a Estadual pela OAB Minas Gerais; Secretário da Comissão Estadual de Direito Agrario e do Agronegócio da OAB Minas Gerais. Palestrante nos principais eventos voltados ao Direito do Agronegócio e atualmente um dos maiores especialistas da área no país.

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