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Atividade financeira, poder de tributar e manutenção do Estado

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Atividade financeira, poder de tributar e manutenção do Estado

ATIVIDADE FINANCEIRA

DIREITO FINANCEIRO

FINANÇAS PÚBLICAS

TRIBUTAÇÃO

Tathiane Piscitelli

Tathiane Piscitelli

21/05/2021

As finanças públicas estão no centro do debate relativo à manutenção do Estado. Não por outra razão, desde o Império, verifica-se a existência de conflitos acerca da titularidade das receitas e, assim, debates relativos à efetiva existência de autonomia nos diversos níveis do governo. Nesse sentido, o objeto principal de disputa é o tributo: sendo a receita tributária aquela que mais contribui para o caixa da Administração, é evidente que a detenção da competência tributária para onerar este ou aquele fato econômico revela-se como medida de poder para o ente tributante.

Note-se, ademais, que o papel central da tributação e do uso das receitas públicas na vida e constituição do Estado não está limitado à realidade brasileira. Os limites do poder de tributar têm sido o foco de contendas políticas relevantes ao longo da história. Richard Murphy apresenta esse argumento de forma exemplar28, começando na promulgação da Carta Magna, em 1215, passando pela independência dos Estados Unidos da América e terminando com o movimento sufragista, para concluir, ao final:

[…] a história do tributo é pouco menos do que a história do Estado em si. Afinal, são os tributos que definem em grande parte o que um Estado pensa que pode fazer. E é o consentimento do povo a esse processo de tributação que, em contrapartida, limita ou empodera a capacidade do Estado agir.

O poder de tributar é fundamental para a existência do Estado tal qual conhecemos. A receita tributária, objeto de intensa disputa de poder ao longo da história, é o elemento financeiro central que viabiliza a existência do Estado, do ponto de vista material, mas, também, e na mesma medida, permite a concretização dos valores e objetivos eleitos como fundamentais por esse mesmo Estado.

As diversas teorias sobre a formação do Estado moderno partem de uma premissa comum: a autoridade estatal decorre de um conjunto de regras jurídicas cuja motivação é o desejo coordenado de uma coletividade de constituir uma autoridade que a governe e possua instituições para representá-la.

Somada a isso, há outra premissa básica para que o Estado se constitua como instituição: trata-se da existência (ou possibilidade de obtenção) de recursos que o sustentem. Sem receitas públicas que sejam capazes de manter e assegurar a autoridade das instituições jurídicas que moldam o Estado do ponto de vista formal, sua existência material e consequente garantia dos direitos por ele assegurados restam comprometidas.

Tomando-se como referência os Estados modernos e ocidentais, tais recursos são providos, em grande parte, pela tributação. Os tributos e o sistema de regras constitutivos da atividade tributária – ou, em um sentido mais amplo, da atividade financeira do Estado, são os fatos institucionais que possibilitam a existência material do Estado.

Portanto, se, de um lado, a vontade de organização coletiva formalizada na concessão de autoridade jurídica a determinadas instituições constitui o arcabouço formal do Estado, o pleno exercício da competência tributária é responsável por sustentar materialmente essas mesmas instituições.

Com isso não se pretende entrar em debates sobre a precedência de um sobre o outro, mas sim afirmar que o direito tributário é parte integrante do Estado e, nesse sentido, compõe o sistema de regras que constituem a realidade institucional que é o Estado. Não há, portanto, precedência, porém concomitância do direito ao Estado e deste em relação às regras tributárias.

Esse argumento foi amplamente debatido por Liam Murphy e Thomas Nagel, que defendem a inexistência de direito à propriedade antes da tributação. Para os autores, a renda, a propriedade ou qualquer direito pre-tax é um mito, pois é exatamente a possibilidade de o Estado exercer o poder de tributar e, assim, acumular receitas para o financiamento das necessidades públicas, viabilizando a existência de direitos: sem tributos que financiem o Estado, não há instituições capazes de protegê-los. Portanto, sua existência é dependente e posterior aos tributos e ao exercício da tributação em si.

O trecho abaixo é ilustrativo dessa postura:

[…] não existem direitos de propriedade antecedentes à estrutura tributária. Direitos de propriedade são o produto de um conjunto de leis e convenções, do qual o sistema tributário forma uma parte. […] Todas as questões normativas sobre quais tributos são justificados e quais tributos não o são devem ser interpretadas como questões sobre como o sistema deve definir esses direitos de propriedade que emergem através de várias transações – emprego, herança, contrato, investimento, compra e venda – que são sujeitas à tributação.

Considerando essa perspectiva, é bastante lógico afirmar que o modelo de Estado adotado limita e informa a estrutura necessária do sistema tributário que, por sua vez, provê os recursos materiais. Desse modo, mesmo que a função inicial e constitutiva do direito tributário seja o financiamento da estrutura administrativa e, de forma geral, a garantia da ordem interna e a segurança nacional, pela existência de meios financeiros para tanto, o desenho institucional do Estado confere à tributação um papel adicional e conectado ao primeiro: o de realizar os próprios objetivos do Estado, em sentido amplo.

Em outras palavras: sendo o sistema de regras que introduz a tributação um elemento formador, constitutivo do Estado, é evidente que o modelo de Estado influi nas formas e justificativas de atribuição de ônus aos particulares e, assim, na concepção do sistema tributário, que deve refletir os valores e o modelo daquele Estado que a receita tributária viabiliza do ponto de vista material. Portanto, a depender da forma de constituição do Estado e dos elementos institucionais que ele apresentar (liberal, intervencionista, social), haverá consequências diretas nos modos e porquês da tributação, e tais justificativas não são elementos externos, pré-jurídicos: fazem parte do Estado e do direito tributário tal como ele existe, normativamente, e, assim, não devem ser ignorados.

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O objetivo deste livro é tratar, de forma didática, dos princípios e das normas aplicáveis ao Direito Financeiro, bem como da jurisprudência sobre o tema. Nesse sentido, a autora, com uma linguagem acessível e agradável, traz os conceitos principais desse ramo do Direito, analisa seus princípios e detalha a atividade financeira do Estado, dividindo-a em dois passos: o estudo do orçamento público e a compreensão da disciplina das receitas e despesas públicas.

Estuda, ainda, a questão do endividamento público e dos precatórios. Ao longo de todo o livro, posiciona o leitor sobre a orientação jurisprudencial dominante acerca de seus mais relevantes debates, especialmente do Supremo Tribunal Federal, fornecendo um olhar abrangente e atual sobre o Direito Financeiro.

O trabalho resulta da experiência da autora como professora dessa disciplina, que, ao lado do Direito Tributário, permite a compreensão da atuação fiscal estatal em sua totalidade. Visto como parte do esquema de viabilização das atividades estatais em sentido lato, o Direito Financeiro mostra-se indissociavelmente ligado a todas as áreas do Direito Público e é fundamental para a compreensão do papel do Estado como um todo.

Nesta edição, o leitor encontrará maior detalhamento da jurisprudência em alguns pontos, o debate em torno da tentativa de tornar o orçamento brasileiro impositivo e a conexão de temas com a situação política atual do Brasil. As razões indicadas como fundamento do impeachment de Dilma Rousseff, bem como a difícil situação financeira de alguns Estados e Municípios, serão igualmente abordadas, ao lado das alterações legislativas mais recentes (Clique e conheça!).


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