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PROCESSO PENAL FEMINISTA

Soraia da Rosa Mendes

Soraia da Rosa Mendes

18/06/2021

Foi pensando sobre interdições no público e no privado, em desigualdades produzidas por poderes jurídicos e extrajurídicos e, fundamentalmente, em direitos fundamentais das mulheres, enquanto balizadores de garantias processuais penais, que este trabalho estruturou-se valendo-se do quarto como uma metáfora que expressa a libertação do pensamento jurídico feminista.

Tal como afirma Michelle Perrot em História do Quartos, por meio da história social da habitação, é possível compreender muito das relações sociais e políticas de uma época, vista tanto na história dos operários desesperados à procura de “um quarto na cidade”, na história carcerária concentrada na cela, ou, enfim, na história das mulheres em busca de um “quarto para si”.

De outro lado, assim como na crítica feita por Virgínia Woolf em Um Teto Todo Seu (WOOLF, 1985), sobre a falta de recursos e de investimento nas mulheres na literatura no começo do século XX, o processo penal brasileiro aparece hoje, quase cem anos após a primeira publicação dessa obra magistral (que ocorreu em 1929), como um campo eminentemente masculino estabelecido em quartos bem definidos ideologicamente, tanto em relação ao pensamento alinhado ao poder estabelecido, quanto ao pensamento crítico. Tais quartos são, em verdade, loci de homens a afirmarem-se e autorreferenciarem-se, sendo muitas vezes – ou na maioria das vezes – reconhecidos como sujeito-suposto-saber em um processo de construção de conhecimento infantilizador.

Um exemplo ilustrativo talvez ajude a compreender essa dimensão.

Vejamos:

Em 2015, foi publicada por uma das maiores editoras jurídicas do país a obra denominada Doutrinas Essenciais Direito Penal e Processo Penal, reunindo artigos escritos por renomados juristas brasileiros e estrangeiros, em uma coleção de oito volumes, com mais de seis mil páginas, composta por 386 textos. Nela, é possível contabilizar que dentre os quase 400 autores somente 57 eram mulheres, sendo que em onze artigos elas figuravam como coautoras em parceria com autores e, em outros seis, como tradutoras de trabalhos estrangeiros (MENDES, 2016).

A tomar esta obra como exemplo, o que nós, mulheres penalistas e processualistas penais, pensamos e falamos sobre direito material e processo gira em torno de 13% do que se considera ser doutrina essencial em nosso país. Contudo, no intuito de apurar um pouco mais a pesquisa, selecionei dois temas específicos: um relacionado às demandas das mulheres por proteção na esfera penal (violência doméstica) e outro de caráter mais geral, mas que demanda um recorte de gênero (Lei de Drogas).

O resultado foi ainda mais espantoso, pois naquele tema para o qual (e pelo qual) muitas pesquisadoras debruçam anos de seus estudos – violência de gênero –, nos artigos publicados, figuravam quatro autores para também quatro autoras. E, no tema mais geral – drogas –, dos seis trabalhos somente dois eram subscritos por juristas mulheres (sendo um deles em coautoria com um penalista homem).

No que tocou à violência de gênero, mais aterrador que o fato de que justamente um tema como esse seja equanimemente “partilhado” com autores homens, foi a constatação de que o tratamento a ele dispensado era insípido, como se em nada dissesse com o gênero e pudesse ser analisado sob a perspectiva puramente constitucional, penal ou processual penal (MENDES, 2016).

Quanto à política de drogas, tema sobre o qual muitas pesquisadoras feministas têm acúmulo, surpreendeu o fato de que em momento algum houvesse referência à especificidade de gênero em um país como o nosso, no qual a população carcerária composta por mulheres cresce 10,7% ao mês, sendo 62% do encarceramento feminino em decorrência do envolvimento com o tráfico de drogas, segundo os dados consolidados no Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen Mulheres (2018).

O que se pode perceber com esse singelo exemplo é que nossas vozes continuam a ser silenciadas nas obras e, como veremos adiante, na academia e nos eventos jurídicos. Ou seja, o espaço que nos é reservado é o de uma minúscula escrivaninha posta em algum canto dos quartos dos homens.

Gostou deste trecho do livro Processo Penal Feminista? Então clique aqui para saber mais sobre a obra!

O processo penal sob a visão de uma mulher: para (re)pensar teoria e prática e assinalar as vivências do gênero feminino perante a lei. Com profundas reflexões proporcionadas por Soraia da Rosa MendesProcesso Penal Feminista apresenta teses inovadoras.

Este livro é paradigmático na teoria e na prática do processo penal brasileiro. Destinado a contribuir no dia a dia dos atores e das atrizes do sistema de justiça criminal brasileiro, a autora debate sobre o reconhecimento das experiências das mulheres como produtoras de saber e também como sujeitos que vivenciam as marcas do “ser mulher” como vítima, ré ou condenada.

Além disso, este livro aborda, como ponto alto, a produção e a valoração da prova em crimes sexuais no que toca ao depoimento especial da mulher; à admissibilidade do exame de corpo de delito psicológico; e ao reconhecimento do caráter unitário das narrativas das vítimas – a vítima coletiva – em casos de crimes sexuais cometidos por autoridades profissionais ou religiosas.

Também são abordadas questões relativas:

  • ao papel da assistência à vítima como um sujeito processual sui generis;
  • à prisão cautelar e à audiência de custódia em face da credibilidade da palavra da mulher e à obrigatoriedade de conversão de prisão preventiva em prisão domiciliar de mulheres gestantes e/ou mães de filhos(as) menores de 12 anos;
  • ao inquérito policial, ponto no qual é apresentado o conceito de feminicídio de Estado, cunhado pela autora para a definição das mortes de mulheres em decorrência de violência obstétrica e de violência política;
  • ao direito à construção da narrativa de vida como elemento do direito de defesa em casos de criminalização de mulheres, em particular pelo tráfico de drogas

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