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USO MEDICINAL DA CANNABIS

Mara Gabrilli
Mara Gabrilli

21/06/2021

Como nos versos de Cazuza, inúmeros pacientes brasileiros “sonham acordado, um jeito de não sentir dor”. Não apenas dor, para aqueles que sofrem de dores crônicas e neuropáticas, mas também obter melhoras do bem-estar e da saúde para pacientes com epilepsia, câncer, doenças neurológicas degenerativas, autismo, doenças raras, transtornos pós-traumáticos e tantos outros quadros que, dia após dia, evidências científicas comprovam a eficiência do uso medicinal da Cannabis.

Lamentavelmente, no atual panorama da legislação brasileira, o acesso terapêutico de medicamentos à base de cannabis se dá ou (i) pela importação da matéria prima ou do medicamento, conforme as regras da Resolução da Diretoria Colegiada n. 327/2019 da ANVISA, mediante valores que inviabilizam a produção nacional e o acesso ao tratamento a muitas famílias, ou (ii) por autorização judicial para o cultivo artesanal para extração de CBD, ou ainda (iii) por meio das poucas associações que dispõem de autorização judicial para tanto. Isso porque o cultivo da Cannabis para fins medicinais é indevidamente enquadrado como crime pela Lei de Drogas – um paradigma desatualizado com as melhores práticas de saúde pública que diversos países adotaram, como Alemanha, Austrália, Canadá, Chile, Colômbia, Holanda, Israel, Jamaica, Reino Unido, República Tcheca, Uruguai e Estados Unidos em alguns dos estados federados.

Muito embora a RDC 327 autorize a importação do CBD para a produção de medicamento, a exclusiva possibilidade de acesso apenas pelo mercado estrangeiro deixa pacientes e mercado interno à mercê do câmbio e dos interesses do mercado internacional. E já aprendemos duramente com a pandemia o quão vulneráveis ficamos quando não privilegiamos a ciência, a tecnologia e o mercado nacional.

A Constituição determina, sem qualquer margem de dúvidas, que “a saúde é direito de todos e dever do Estado” (art. 196). E, para tantos pacientes, orientados pela melhor prática médica da saúde baseada em evidências, esse direito só será possível pelo acesso à cannabis medicinal. Para tanto, tramita hoje, perante o Congresso Nacional, o Projeto de Lei da Câmara 399/2015, que estabelece o marco regulatório da Cannabis spp. no Brasil, para fins exclusivamente medicinais e industriais.

Em 8 de junho de 2021, a Comissão Especial da Câmara dos Deputados, criada especialmente para a análise e debate do PLC 399/2015, aprovou o seu texto final. Com isso, o Projeto de Lei pode, finalmente, ir à votação no Senado Federal, onde também contamos com a sua aprovação. Isso, claro, se não houver recurso de ao menos 1/10 dos membros da Câmara para que o Projeto de Lei seja apreciado pelo seu Plenário.

Infelizmente, mesmo que diante de um debate inadiável e urgente, por ser uma questão de saúde, diversos congressistas tem se manifestado contrário ao Projeto de Lei. Dentre os argumentos vazios de fundamentos, afirmam que não há evidências científicas, e que irá liberar a maconha no Brasil, estimulando jovens a consumirem achando que estão usando remédio, dentre outros devaneios.

Trata-se, na verdade, de ignorância ou pura falta de empatia aos milhares de pacientes que necessitam de tratamento à base de cannabis. Primeiro, porque as evidências não apenas são fartas, com estudos sérios produzidos em grandes centros médicos, como os protocolos para os diversos diagnósticos são conhecidos, ensinados e seguidos mundo afora. Segundo, porque não irá liberar a maconha no Brasil, tampouco estimar jovens ao seu consumo. O Projeto de Lei trata exclusivamente do cultivo realizado por pessoas jurídicas com a destinação restrita de produção de medicamentos e fins industriais diversos.

Aliás, é preciso enfatizar que o Projeto de Lei estabelece rigorosos mecanismos de controle da produção, bem como de vigilância sanitária, para garantir que a finalidade do plantio seja exclusivamente medicinal ou industrial, e não recreativo. Além disso, é preciso lembrar que, dentre as variedades de Cannabis, existe o cânhamo, cujo teor de THC é insuficiente para qualquer destinação psicotrópica.

Importa lembrar que a Constituição determina em seu art. 219 que “o mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País”. Ou seja, há uma expressa orientação da Constituição para que o Estado estimule o mercado interno, algo que a atual regulamentação não o faz, e também para que viabilize o bem-estar da população e a autonomia tecnológica. É exatamente o que o Projeto de Lei viabilizará: pacientes terão acesso a tratamentos que lhes propiciam qualidade de vida, num preço acessível e disponível no SUS, e permitirá que o mercado interno se desenvolva adequadamente para atender à demanda que hoje está restrita à importação e dependência do mercado externo.

Portanto, é imperativa a aprovação do PLC 399/2015, possibilitando a produção nacional dos insumos necessários aos tratamentos de inúmeros quadros crônicos com recomendação baseada em evidências científicas. A sua aprovação representa a concretização do direito fundamental à saúde, bem como o de desenvolvimento do mercado interno para viabilizar o bem-estar da população e a autonomia tecnológica nacional.

O tabu e a politização que envolve o tema não podem ser maiores que o direito fundamental à saúde. Cabe, assim, lembrarmos das palavras de Ulysses Guimarães que acompanharam os primeiros exemplares impressos da Constituição pelo Senado Federal: “É a Constituição Coragem. Andou, imaginou, inovou, ousou, ouviu, viu, destroçou tabus, tomou partido dos que só se salvam pela lei”. A regulamentação da Cannabis medicinal no Brasil pela aprovação do PLC 399/2015 é a esperança de pacientes e a coragem necessária neste momento para efetivar o direito fundamental à saúde dos mais vulneráveis, que só se salvam pela lei.

*Artigo originalmente publicado no Jornal O Globo, em 16/06/2021, com o título “Um jeito de não sentir dor”

Mara Gabrilli
Senadora da República.
Membra do Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU.

Henderson Fürst
Presidente da Comissão Especial de Bioética da OAB Nacional. Professor de Direito da PUC-Campinas. Advogado.

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