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A Inteligência Artificial pode ser inventora?

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A Inteligência Artificial pode ser inventora?

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Patrícia Peck Pinheiro

Patrícia Peck Pinheiro

25/06/2021

Muitos têm sido os avanços da Inteligência Artificial (IA) nos últimos anos, o que por um lado desperta fascínio, mas também tem provocado preocupação em todo o mundo, especialmente no tocante às questões éticas e legais relacionadas às suas aplicações, quer seja no sentido de transparência do algoritmo ou até mesmo de responsabilização sobre a tomada de decisão da IA.

Mas há um aspecto jurídico que passou a trazer polêmica em torno do debate sobre a atribuição da proteção da propriedade intelectual de uma criação que tenha sido atribuída a uma inteligência artificial, tendo em vista que há possibilidade do algoritmo aprender e ser capaz de criar, de programar.

Neste sentido, foi dada a entrada na fase nacional do processo PCT (Patent Cooperation Treaty) do primeiro pedido de patente de invenção que teria sido gerada e/ou atribuída criação, exclusivamente, por uma inteligência artificial, chamada DABUS (Número do Processo no INPI BR 11 2021 008931-4). O pedido foi feito, a princípio, perante o Escritório Europeu de Patentes (EPO) e o Escritório de Patentes do Reino Unido (UKIPO) e repercutiu intensamente na mídia.

Alegou-se que a inteligência artificial DABUS teria criado as invenções sem qualquer interferência humana, merecendo, segundo o entendimento do depositante do pedido de patente, a condição de inventora.

As principais legislações de propriedade intelectual, ao redor do mundo, tendem a considerar como inventor, exclusivamente, os seres humanos[1]. Porém, essas legislações foram criadas há muitos anos. Por isso, é essencial entender se esse é um ponto fundamental dentro da legislação de propriedade intelectual ou se um novo olhar sobre às invenções será necessário daqui para frente. Mas, além disso, é necessário elucidar como proporcionar ao desenvolvimento de novas tecnologias os incentivos econômicos da propriedade intelectual quando a invenção independe da intervenção humana.

Tanto EPO quanto UKIPO entenderam por não conceder os pedidos de patente com base nas respectivas legislações e na exigência de que o inventor seja um humano. Contudo, está bem claro que a intenção do titular é discutir, ou pelo menos, colocar o assunto em evidência globalmente, já que os pedidos feitos inicialmente foram estendidos para Estados Unidos, Israel, Taiwan, Japão, Índia, Alemanha e agora também o Brasil, mesmo após seguidas negativas.

Não há dúvidas que inúmeros “produtos” já estão sendo desenvolvidos de forma exclusiva por inteligência artificial, mas estão deixando de ser depositados ante a falta de segurança jurídica sobre o tema. A Siemens reportou, em 2019, que já possuía em seu portfólio várias invenções concebidas por inteligência artificial, mas deixou de fazer os depósitos em razões das incertezas sobre a possibilidade da concessão[2].

A legislação brasileira não é expressa sobre a necessidade do inventor ser um humano. No entanto, há muitos trechos da legislação que indiretamente fazem crer que essa é a regra, por exemplo, o parágrafo 3º do artigo 6º da Lei nº 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial), que faculta ao inventor a divulgação de seu nome, o parágrafo único do artigo 12, que exige uma declaração do inventor acerca da divulgação, e mais especialmente o artigo 5º da Constituição Federal, que garante aos indivíduos privilégio temporário sobre inventos industriais.

Contudo, além dessa perspectiva, a legislação, especificamente, a Lei de Propriedade Industrial trata o inventor, em diversos artigos, como autor e nesse ponto pode estar uma grande armadilha.

Segundo a legislação de direitos autorais, somente merece proteção autoral as criações do espírito humano. Em outras palavras, as criações de animais ou máquinas não seriam passíveis de qualquer proteção. Assim, em sendo aplicada uma interpretação analógica, as invenções criadas por inteligência artificial não seriam passíveis de patente, podendo, dependendo do caso, serem exploradas amplamente.

Por isso, a questão precisa ser debatida e definida, não apenas no Brasil, mas no mundo todo, porque as empresas podem estar deixando de depositar patentes diante do risco de não receberem o retorno dos investimentos feitos, uma vez aceito o entendimento que as invenções criadas por inteligência artificial não merecem proteção.

A tendência do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) é seguir a legislação brasileira e indeferir o pedido, mesmo porque não há como o instituto, órgão da administração pública, desafiar a lei ao arrepio do artigo 37 da Constituição Federal. Contudo, cumpre mencionar, que a partir do indeferimento dos pedidos, resta ao depositante do pedido de patente a possibilidade de judicialização da questão, e é exatamente o que ele tem feito em todos os países até então: levado a discussão do caso para o Judiciário para que tenha que se manifestar sobre a possibilidade ou não de se atribuir à inteligência artificial a autoria da invenção.

O pleito judicial feito pelo depositante do pedido de patente no Reino Unido foi julgado improcedente exatamente pelo que estabelece a legislação de patentes (Patents Act 1977) – apenas um ser humano pode ser inventor. Porém, a decisão tem uma ressalva interessantíssima, a qual pode ser crucial para definir os caminhos das invenções criadas por inteligência artificial.

O juiz ressaltou que a questão sub judice não era se aquele que é proprietário/controlador/desenvolvedor da inteligência artificial pode ser considerado inventor desta, pontuando, inclusive, que acreditava não ser este um argumento impróprio. Entretanto, o requerente declinou-se a avançar sobre o tema, haja vista que estaria levando o crédito por algo que não foi ele que criou.[3]

Nos Estados Unidos, também optou-se por discutir no Poder Judiciário depois de diversas exigências do United States Patent and Trademark Office (USPTO) para a indicação de um inventor que fosse uma pessoa natural e depois de várias petições, solicitando que a inteligência artificial fosse entendida como a inventora, o órgão indeferiu o pedido utilizando em sua decisão os casos Univ. of Utah v Max-Planck-Gesellschafl zur Forderung der Wissenschaflen e. V, 734 F.3d 1315 (Fed. Cir. 2013), razão pela qual optou-se pela discussão perante o Poder Judiciário. A ação foi proposta em 08/06/2020 e ainda não teve uma decisão.

Analisando a origem dos direitos de propriedade intelectual, especialmente, os relacionados à propriedade industrial, é possível vislumbrar que uma alteração nas legislações ao redor do mundo se faz necessária. Segundo Denis Borges Barbosa[4], a criação de ditos direitos ocorreu a partir do momento em que a tecnologia passou a permitir a reprodução em série de produtos comercializados, o que aparenta uma preocupação muito maior com a concorrência do que com o fato de proteger somente a ideia humana. Nesse sentido, o mesmo doutrinador, citando Thomas Jefferson[5], explica que não há qualquer direito natural do homem à proteção por propriedade intelectual. Esse é um movimento de política econômica. A natureza humana é voltada ao livre fluxo de ideias e criações.

Para além disso, ainda que se considere que os direitos de propriedade intelectual tenham fundamento na proteção de um direito fundamental de personalidade, tal qual se observa nos direitos morais do autor, não faria sentido atribuir o título de inventor para alguém envolvido no projeto ou a um desenvolvedor.

No primeiro caso, porque se os próprios desenvolvedores muitas vezes não conseguem explicar como algoritmos alcançaram certos resultados, em razão da “caixa-preta” destes – ninguém sabe exatamente o que acontece dentro e o raciocínio exato por trás do resultado – quiçá alguém envolvido no projeto. Esta é uma questão ainda a ser tratada no âmbito das regulamentações sobre ética da IA e da capacidade do resultado ser explanável, chamado de “explainable AI”.

Por outro lado, não se pode atribuir aos desenvolvedores que são especialistas em programação e, muito provavelmente, não terão nenhum conhecimento técnico. Se pensarmos nessa segunda hipótese, macula até um dos requisitos de patenteabilidade, a atividade inventiva. Como alguém que não é técnico no assunto pode ser criador de algo que não decorra de maneira evidente ou óbvia do estado da técnica, para um técnico no assunto? (conceito de atividade inventiva estabelecido no artigo 13, da Lei nº 9279/96). Assim, se os direitos de propriedade industrial têm relação com direitos fundamentais dos criadores, por que imputar a criação a alguém que não tem mérito por ela?

Logo, o cenário ideal parece ser a atualização das legislações para considerar a inteligência artificial como coinventora, mesmo que atribuindo a necessidade de supervisão humana da atividade, em que tenha que existir a cocriação com humano, para reforçar a segurança jurídica do sistema e a continuação de investimentos das empresas em longo prazo.

FONTE: JOTA


PATRICIA PECK PINHEIRO – Advogada especialista em Direito Digital e Propriedade Intelectual de Pires & Gonçalves Advogados Associados.

MILENA GRADO – Advogada especialista em Direito Digital e Propriedade Intelectual de Pires & Gonçalves Advogados Associados.

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[1] Fonte: https://www.gov.uk/guidance/the-patent-act-1977/section-13-mention-of-inventor#:~:text=(1)%20The%20inventor%20or%20joint,be%20so%20mentioned%20in%20accordance

e https://www.law.cornell.edu/uscode/text/35/102.

[2] Abbott, R. (2020). The Reasonable Robot: Artificial Intelligence and the Law. Cambridge: Cambridge University Press. doi:10.1017/9781108631761

[3] Fonte: https://www.bailii.org/ew/cases/EWHC/Patents/2020/2412.html

[4] BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual, p.15.

[5] BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual, p.88/89.


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