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Loteamento urbano inviabilizado pela legislação local

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Loteamento urbano inviabilizado pela legislação local

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Kiyoshi Harada

Kiyoshi Harada

22/07/2021

Ao longo de 56 anos ininterruptos de advocacia, sendo 20 anos na advocacia pública, deparamos frequentemente com proprietários de loteamentos regularmente aprovados pelo poder público local e devidamente registrados no registro de imóveis competente serem surpreendidos com edição de instrumento normativo municipal implantando no local do loteamento inscrito uma área verde, impossibilitando daí em diante o uso dos lotes conforme destinação prevista no plano de loteamento.

Não há respeito ao direito adquirido nem mesmo ao ato jurídico perfeito, fazendo retroagir a legislação restritiva de uso de propriedade urbana.

Segundo o § 1º do art. 6º da LINDB considera-se ato jurídico perfeito “o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou”.

Logo, o loteamento inscrito no Registro Imobiliário competente configura ato jurídico perfeito, passando a gozar da proteção constitucional do inciso XXXVI, do art. 5º da CF segundo o qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Vale dizer, legislação municipal em sentido contrário àquela vigente à época da aprovação e registro do loteamento não pode ser aplicada. O loteador continuará com o direito de conferir aos lotes a destinação prevista no plano de loteamento.

Por outro lado, a definição de direitos adquiridos está no § 2º do mesmo art. 6º da LINDB segundo o qual “consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer como aqueles cujo começo do exercício tenha por prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem”.

O adquirente do lote tem direito adquirido de edificar prédio residencial no loteamento a que integra. O fato de, por sua  discricionariedade não ter requerido o alvará de construção, em nada prejudica o proprietário do lote adquirido antes da nova lei que impôs restrição de uso.

Difere da mera expectativa de direito que a Constituição não a protege, porque o titular da expectativa não preencheu os requisitos para a aquisição do direito.

Em síntese, o direito adquirido é a faculdade de o titular de exercer o direito que não mais está em vigor porque revogada ou alterada pela legislação superveniente.

As prefeituras, além de desrespeitar os princípios legais e constitucionais do ato jurídico perfeito e do direito adquirido continuam lançando anualmente o IPTU sobre os lotes esvaziados em seu conteúdo econômico, sob a alegação de que pode dar-se a destinação rural, contrariando frontalmente a destinação urbana do loteamento aprovado de conformidade com a lei então vigente.

Levada a questão ao Judiciário infelizmente os juízes passam ao largo das nações de direito adquirido ou do ato jurídico perfeito influenciados pela jurisprudência do STF em matéria previdenciária, onde as noções de direito adquirido e de ato jurídico perfeito vêm sendo sacrificadas em nome de consequencialismo jurídico para manter a saúde financeiras do sistema previdenciário sempre às voltas com déficits.

Outrossim, o Judiciário confunde frequentemente as restrições urbanísticas que atingem apenas parcialmente o direito de uso da propriedade – recuo frontal; gabarito de construção; proibição de prédios industriais ou comerciais em zonas estritamente residencial – com restrições ambientais que na maioria das vezes implica interdição do uso da propriedade, hipótese em que se caracteriza a desapropriação indireta.

De fato, se o proprietário de um lote padrão de 250m² for impedido de construir o prédio residencial não há como dar outra destinação ao lote. Desenvolver atividade rural em uma área tão diminuta, como aventado em algumas decisões judiciais, é uma utopia.

Na verdade, decisões da espécie são contraditórias, porque, se partem da premissa de que ao lote deva ser dada destinação rural para preservar o seu conteúdo econômico legitimador do lançamento tributário, por óbvio, está se reconhecendo a impropriedade de lançar o IPTU.

Para contornar as incompreensões do Executivo e do Judiciário resta ao adquirente de lote espezinhado em seus direitos fundamentais o recurso da renúncia de propriedade prevista no inciso II, do art. 1.275 do CC:

“Art. 1.275. Além das causas consideradas neste Código, perde-se a propriedade:

[…]

II – pela renúncia”.

Assim o proprietário do lote prejudicado pode renunciar à propriedade lançando-a no rol de res pública livrando-se da obrigação de arcar com o IPTU de natureza confiscatória.

Essa renúncia deve ser feita por escritura pública ao teor do art. 108 do CC:

“Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à construção, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país”.

A existência de eventual débito do IPTU não é impeditiva da faculdade de exercer o direito de renúncia à propriedade que decorre exatamente da perda de conteúdo econômico da propriedade que legitima a sua tributação.

Não é razoável supor que o proprietário interditado no uso do lote tenha que vender parte de seu patrimônio para continuar pagando o IPTU incidente sobre o lote que ele não pode usufruir. Não há que se falar em direito de proprietário sem a presença simultânea das faculdades de usar, gozar e de fruir de suas utilidades e de dispor da propriedade.

SP, 19-7-2021.

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