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Reforma na tributação do IR, sustentabilidade financeira e algumas obviedades

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Reforma na tributação do IR, sustentabilidade financeira e algumas obviedades

MARCUS ABRAHAM

REFORMA NA TRIBUTAÇÃO DO IR

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SUSTENTABILIDADE FINANCEIRA

TRIBUTÁRIO

Marcus Abraham

Marcus Abraham

28/07/2021

Poucas nações possuem fonte de recursos próprios suficientes para não dependerem integralmente da tributação e do endividamento.

Qualquer nação do mundo que pretenda oferecer minimamente bens e serviços públicos aos seus cidadãos, a fim de que tenham uma vida digna, depende de recursos financeiros elevados para fazer frente aos gastos públicos fundamentais.

Até hoje, nenhuma experiência histórica concreta de sociedade foi capaz de afastar por completo o imperativo de contribuição tributária por parte da coletividade. Além disso, sempre que se verificou uma acentuada distinção na sua cobrança entre membros de uma mesma sociedade, sobretudo no que se refere ao quantum de carga tributária a ser suportada, isto era causa de insurreições e revoluções por violar o ideal de justiça na partição dos deveres sociais.

Nos dias de hoje, poucas nações possuem uma fonte de recursos próprios suficientes para não dependerem integralmente da tributação e do endividamento, como é o caso de alguns países do Oriente Médio que detêm em abundância petróleo, riqueza natural que custeia boa parte da sua atividade pública. Entretanto, na maior parte de nosso planeta, o financiamento do gasto público se dá, essencialmente, pela arrecadação tributária e por algumas fontes secundárias (receitas patrimoniais), sendo complementado pelo empréstimo público (endividamento).

Merece registro a clássica obra do português Vítor Faveiro (O Estatuto do Contribuinte, editora Coimbra, 2002), ensinando-nos que a pessoa humana, por ser um ente com vocação natural à sociabilidade, possui um dever inato de contribuir para a sociedade em que está inserida. Esta seria a contraparte necessária da consagração da pessoa humana como ponto fulcral do ordenamento jurídico, assumindo, na esfera tributária, o contorno de cidadão-contribuinte. Daí decorre que o dever de contribuir configura-se como um pressuposto componente da própria ordem constitucional. Mais tarde, o mesmo raciocínio foi intitulado “dever fundamental de pagar impostos” na obra do também lusitano José Casalta Nabais.

Nunca é demais repetir que a fórmula básica – e inequívoca, para não se dizer óbvia – para a sustentabilidade e o equilíbrio financeiro estatal vem de uma arrecadação justa somada a um gasto eficiente. Tributar menos de mais pessoas e empresas, ampliando-se a base de incidência fiscal, e gastar melhor com menos recursos, de maneira competente através de uma gestão pública responsável, sem que se permitam desvios, corrupção, superfaturamentos, falta de planejamento e outras mazelas nas finanças públicas, é a equação ideal.

Ademais, a sustentabilidade financeira, além de estar intimamente ligada à noção de equilíbrio orçamentário, também incorpora uma dimensão de projeção temporal: não só se busca um equilíbrio das contas públicas na relação entre despesas e receitas, mas se almeja alcançar resultados eficientes que permitam a protração no tempo deste equilíbrio de modo estável ou sustentável para as presentes e futuras gerações, numa noção de solidariedade e equidade intergeracional fiscal.

Considerando a continental dimensão de nosso país e a consequente disparidade econômica e social entre as regiões, revelada por uma infeliz realidade de insuficiência na oferta de serviços públicos essenciais e fundamentais nos três níveis federativos – como saúde, saneamento básico, educação e segurança pública, dentre alguns –, que não atendem aos anseios da população, uma das diretrizes para se alcançar o equilíbrio orçamentário entre arrecadação e gastos está no polo ou lado da receita pública: o aumento da tributação pela instituição de novos tributos ou a majoração dos já existentes, aliado à redução dos benefícios e renúncias fiscais concedidos.

Em geral, essa via é restrita e costuma ser evitada pela impopularidade social e pela pressão que coloca sobre os contribuintes, o que muitas das vezes chega a afetar a saúde da economia nacional. Mas este é o caminho que se aventa no momento com a recente proposta de “Reforma do Imposto de Renda” encaminhada pelo Governo Federal ao Congresso Nacional (PL nº 2.337/2021).

Percebe-se que a pretensão inicial de realizar uma ampla e verdadeira reforma tributária se limitou, neste momento, à alteração em alguns aspectos da legislação do Imposto de Renda de pessoas físicas e jurídicas, deixando-se outras mudanças na área fiscal – especialmente a tão propagada “Contribuição sobre Bens e Serviços – CBS” – para um momento posterior. No presente projeto de lei, identificamos os seguintes tópicos basilares: a redução da carga fiscal para contribuintes de menor renda e para empresas em geral; a criação ou o aumento da carga fiscal em algumas bases de incidência que hoje não são tributadas; e a revogação de benefícios fiscais. Noutras palavras, certa elevação da carga tributária de incidência direta.

Assim, além de pretender alterar as faixas de tributação sobre a renda de pessoa física, alargando a faixa de isenção, e de limitar o desconto padrão das declarações simplificadas, revoga-se a isenção do IR sobre a distribuição de dividendos e se exclui a possibilidade de dedutibilidade do pagamento de Juros sobre Capital Próprio (JCP) para as empresas (IRPJ e CSLL). Além disso, propõe-se a alteração da alíquota do IRPJ (reduzindo-o), cria-se uma nova tributação incidente na atualização do valor dos imóveis com alíquota favorecida e se estabelece a tributação sobre operações financeiras no mercado de capitais, incluindo aplicações em títulos ou valores mobiliários, fundos de investimento, bolsa de valores e de mercadorias e futuros.

Aqui destacamos dois aspectos positivos que identificamos no PL e que, a nosso ver, dão efetividade à justiça fiscal: ao alargar a faixa de isenção do IR, beneficia-se o contribuinte de menor renda; da mesma forma, ao passar a tributar os dividendos, o ônus fiscal recai sobre contribuintes de maior renda.

Ainda na seara positiva, os debates que vêm sendo travados hoje na Casa Legislativa para reduzir a alíquota do IRPJ, que hoje é de 25%, para 12,5%, e não apenas ficar com a queda de 5% ao longo de dois anos (de 25% para 20%), traz alívio ao setor empresarial, mas não podemos nos esquecer de que esta conta terá que fechar.

Por outro lado, restringir o desconto padrão da declaração simplificada do IR de pessoas físicas atingirá com aumento de carga fiscal um grande número de contribuintes pessoas físicas integrantes da classe média que se beneficiavam do modelo. Além disso, a tributação de dividendos (isentos desde 1995) e a indedutibilidade de JCP pode afugentar investidores, que podem migrar seus investimentos para outro país ou ampliar seus planejamentos fiscais para esquivarem-se da incidência.

Temas envolvendo a parcela adequada de tributação nunca são simples de serem equacionados, pois se situam exatamente no entrechoque, por um lado, da infinitude das necessidades e desejos humanos e, por outro, da limitação das possibilidades materiais estatais em atendê-los e de cobrar tributos para tal custeio.

Em todas as épocas, esse foi sempre um tenso equilíbrio, mas sobretudo agora nos ambientes democráticos contemporâneos, marcados pela complexidade das forças sociais e dos mecanismos de tomada de decisões, em que não basta a simples vontade do governante isolado para resolver a questão. O Estado, submetido a imperativos de direitos fundamentais no trato com o cidadão-contribuinte, deve ser um verdadeiro “equilibrista” em meio a um multiforme conflito de interesses – este é o desafio da fiscalidade de nossos tempos.

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