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O uso do cheque visado

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O uso do cheque visado

CHEQUE VISADO

MÁRIO BRAGA HENRIQUES

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REVISTA FORENSE 143

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06/08/2021

REVISTA FORENSE – VOLUME 143
SETEMBRO-OUTUBRO DE 1952
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto

Abreviaturas e siglas usadas
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Revista Forense 143

CRÔNICA

DOUTRINA

PARECERES

NOTAS E COMENTÁRIOS

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

SUMÁRIO: Opiniões doutrinárias. A elaboração da lei nº 2.951. Jurisprudência contrária à aceitação do cheque visado. Preferência em favor do cheque marcado. Conclusões.

NOTAS E COMENTÁRIOS

O uso do cheque visado

* Vem de longe a discussão que – é possível afirmar – nasceu, entre nós, com a adoção do instituto, pela lei nº 2.591, de 7 de agôsto de 1912, e, até hoje, ainda perdura e se considera questão aberta: tem, ou não; foros de juridicidade o chamado cheque visado?

Eis o tema sôbre que terei a honra de dissertar, não para proferir, pròpriamente, uma conferência, mas singela, e despretensiosa palestra, para a qual impetro a benevolência do douto auditório.

As opiniões divergem, situando-se em campos diametralmente opostos. Compulsando-se escritores especialistas da matéria comercial, em geral, e do cheque, em particular, encontram-se duas correntes nitidamente inconciliáveis. Assim, escolhamos, ao acaso, na bibliografia mercantil pátria, que já se vai tornando das mais ricas no concêrto da literatura universal, um compêndio dos mais novos, de autoria do desembargador EDGAR RIBAS CARNEIRO, professor de direito e magistrado, e leiamos, à pág. 268, o seguinte:

“Vamos agora tratar de um assunto que deve ficar bem aclarado aos estudantes, prevenindo-os de um êrro grosseiro sôbre o cheque, é o do cheque visado. É hábito, no comércio, o portador do cheque, em vez de receber, pedir ao Banco – sacado que lance o “visto”, convencendo-se o portador que o tal cheque visado se reveste de maior valor, correndo a frase “cheque visado é dinheiro em caixa”. Essa prática é uma extravagância. A lei nº 2.591, de 1912, dando ao cheque uma natureza eminentemente formal, não previu, de modo algum, o visto no cheque, pelo que aquela prática nem pode ser reconhecida como uso mercantil, pois não há uso mercantil referente a lançamento em títulos formais não determinados em lei”.

No mesmo sentido já se manifestara o saudoso conterrâneo HERCULANO MARCOS INGLÊS DE SOUSA, nas suas festejadas “Preleções de Direito Comercial”, cujas edições sucessivas – o que é raro, entre nós, relativamente a publicações didáticas – são bem o índice de sua aceitação por parte dos estudiosos dêsse ramo do direito, nos seguintes e concisos interrogatórios:

“O fato de o sacado pôr o visto no cheque constituirá um título de obrigação de pagamento? Absolutamente não, porque isto desnaturaria o título. O sacado não tem obrigação de pagar o cheque, porque, sendo êste um instrumento de conta-corrente, não pode ficar alheio à “índole do contrato de conta-corrente”. Se, antes de ser visado o cheque, o sacador tivesse emitido outro, ainda não apresentado, qual teria a preferência? O abuso seria, sempre, possível” (pág. 243).

O laureado JOSÉ XAVIER CARVALHO DE MENDONÇA fulminou a questão, nos têrmos que resumirei:

“A lei nº 2.591, de 1912, não se referiu ao visto dos cheques, sendo manifesto que o repelira. O amor à discussão tem prolongado o debate sob o domínio dessa lei. O projeto governamental dispunha que “o visto, carimbo ou marca do sacado assegurava ao cheque a prioridade sôbre outros do mesmo sacador, que fôssem apresentados em data posterior”. “Foi êsse artigo riscado do projeto em virtude de considerações valiosas. A lei, portanto, condenou o visto nos cheques e o fêz porque o visto procura substituir o aceite, que êsse título não comporta. Para certificar a existência da provisão basta a assinatura do emissor, o qual incorre em pena se emitir cheque sem fundos em poder do sacado” (“Tratado de Direito Comercial Brasileiro”, vol. V, parte II, pág. 582).

Aí temos três respeitáveis episódios que reprovam, categòricamente, a prática do cheque visado, negando-lhe existência tutelada legalmente.

Mas, se volvermos os olhos para outras prateleiras das estantes pejadas de volumes dedicados ao direito mercantil, poderemos, fàcilmente, destacar, igualmente, três expoentes dessa especialização jurídica, que contrabalançarão, com ensinamentos, a doutrina professada pelos mestres citados.

O eminente PAULO MARIA DE LACERDA, num dos mais completos trabalhos sôbre o cheque, que existem na bibliografia nacional, externa seu modo de ver o assunto, in verbis:

“Recebendo a interpelação do beneficiário, o sacado pode visar o cheque. A lei não se refere, expressamente, a esta formalidade; mas, seria êrro concluir, do silêncio, que ela o haja abolido. Não se trata de uma formalidade que careça de reconhecimento e disciplina especial da lei, muito embora melhor fôra que ela assim fizesse para evitar quaisquer dúvidas. É uma formalidade consagrada pelo uso geral do comércio bancário do país e indicativa do cumprimento de um ato ordenado pela lei, a apresentação do cheque ao sacado, e, pois, de autorização implícita na própria lei. E porque o visto é formalidade que prova a apresentação do título e a afirmação da existência da provisão, significa a concretização do direito do beneficiário a ser pago pela provisão e, assim, autoriza, ou, antes, obriga o sacado, sempre na sua qualidade de adjectus do emitente-credor da provisão, a reservar a necessária para o pagamento do cheque, de preferência a qualquer outro posteriormente apresentado. Mas, não se pode cogitar do efeito de obrigar o visador a pagar ao beneficiário contra a vontade do emitente; para isto falta apoio na lei, muito mais quando ela outorga êsse efeito à marcação, que é um visto qualificado, exonerado, porém, a todos os outros obrigados, inclusive e principalmente o emitente” (“O cheque”, pág. 75).

O jurisconsulto RODRIGO OTÁVIO, que foi delegado plenipotenciário do Brasil na Conferência Internacional de Haia, de 1912, para unificação do direito cambial, na sua preciosa monografia “Do cheque, sua origem, função econômica e regulamentação”, grafou êstes comentários:

“É lamentável que, havendo o Brasil defendido na Conferência de Haia a instituição do cheque visado, em nome da prática freqüente em suas praças comerciais, a lei brasileira, que a êsse tempo estava sendo elaborada e foi promulgada uma quinzena depois do encerramento da Conferência, houvesse pôsto inteiramente de lado tal instituição. Na prática, essa omissão será de funestas conseqüências, porque, estando agora a matéria de cheque regulada entre nós de modo completo, não se podem buscar soluções ou práticas fora da lei e ela não define quais sejam os efeitos do visto apôsto num cheque”.

Para completar um trio antagônico dos que negam aspecto jurídico-legal ao cheque visado, ouçamos a voz do maior comercialista contemporâneo vivo, o insigne professor VALDEMAR MARTINS FERREIRA. No 2º vol. das “Instituições de Direito Comercial”, pág. 376, no seu inconfundível estilo, destarte doutrina:

“É freqüente, nas escrituras públicas de compra e venda, ou de hipoteca, mencionar-se o pagamento ou entrega da quantia mutuada em cheque visado por tal ou qual banco. Evita-se, de um lado, o transporte do dinheiro para cartório, suprimindo-se os riscos naturais disso. Comprova-se, de outro lado, e irrefragàvelmente, o pagamento. Prefere-se esta forma de pagar, por sua utilidade, desde que o banco, pelo “visto”, assume a responsabilidade daquele.

“É que, visando o cheque, o banco, desde logo, faz o devido lançamento na conta-corrente do sacador, separando a respectiva importância para seu pagamento. Dá-se, então, o que os franceses chamam de affectation d’une somme au payement, ou seja, a destinação da soma ao pagamento do cheque visado. Em primeiro lugar, o “visto” confirma a existência de fundos bastantes. Em segundo, obriga o banco ao pagamento, da soma nêle referida, ao portador. Equivale ao aceite. Em terceiro lugar, existindo outros responsáveis, todos desoneram-se”

Eis que – para não fatigar, em demasia, quantos concedem a mercê de me ouvir, não prosseguirei na recordação das citações, que são conhecidas de todos os presentes, de vultos que pontificam na ciência jurídico-mercantil brasileira – os que se dedicam ao estudo da interessante matéria se encontram na bifurcação de estrada, onde duas setas, ambas luminosas e sedutoras, convidam a trilhar êste, ou aquêle rumo.

Qual merecerá a preferência? Procuraremos objetivar a questão.

Em recentíssima publicação do Boletim do Conselho Técnico de Economia e Finanças”, nº 125, de maio p. findo, o Exmo. desembargador MAURÍCIO DE MEDEIROS FURTADO, membro efetivo do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em magnífico parecer, nos dá notícia de haver o Sindicato dos Bancos do Rio de Janeiro requerido ao Sr. ministro do Trabalho, Indústria e Comércio mandasse proceder, pelo Departamento Nacional de Indústria e Comércio, ao assentamento do cheque visado, nos têrmos que sugere em justificação; assim concebida:

“1º) o sacado poderá, a pedido do sacador ou do favorecido (portador), apor o seu visto ao cheque nominativo, ao invés do pagamento imediato.

“2º) apôsto o “visto” pelo sacado, ficará êle com direito de debitar a importância respectiva na conta do sacador, e, tê-la ou bloqueá-la a fim de efetuar o pagamento do cheque visado, mesmo que posteriormente à sua apresentação sejam apresentados cheques comuns e isto na hipótese “‘de não haver fundos suficientes para atender a tôdas as apresentações”.

Após brilhantes considerações, conclui que “o uso, cujo assento pleiteia o Sindicato dos Bancos do Rio de Janeiro, analisado à luz da legislação, da doutrina e da jurisprudência, não deixa dúvida quanto à sua legitimidade. É norma que, desde muito, deveria ter sido incorporada ao nosso direito positivo. O uso do cheque visado é perfeitamente legítimo, porque não contraria a lei: supre uma deficiência legislativa; visa às necessidades sociais e serve aos anseios de nosso comércio, que sempre se mostrou alérgico ao uso das inovações do cheque marcado para certo dia”.

Data vênia, ouso discordar da conclusão do notável jurista. Tenho, para mim, escudado na valia indiscutível de ases do Direito Comercial, que clareiam com sua luminosidade solar as trevas de minha ignorância, que a admissão do uso, ou costume, do cheque visado, através de assentamento, no Departamento Nacional de Indústria e Comércio, como ora se pretende, contraria a sistemática da legislação vigente e, como tal, não pode ser aceito. Aliás, é preciso notar ser esta a segunda tentativa. A primeira frustrou-se. Só a Junta Comercial do Estado de São Paulo foi que admitiu o assentamento do uso. Porque, daqui não há fugir: a lei recusou aceitar o cheque visado. Logo, o uso ou costume, que sòmente poderá ter aplicação na ausência do texto legal, não poderá prevalecer. De outra feita, teríamos flagrante infração da norma constitucional que apregoa não ser alguém obrigado a fazer, ou a deixar de fazer, alguma coisa senão em virtude de lei. E, boa, ou má, legem habemus. O uso, nesta hipótese, viria contrariar a lei, seria impotente para ser impôsto erga omnes através de sua inscrição na repartição, que hoje, dêste ou daquele modo, substitui o antigo Tribunal do Comércio.

A lei nº 2.591 negou aceitação ao cheque visado. E fato fora de qualquer cogitação, em que pêse aos defensores da tese oposta. “Ubi lex voluit, dicit; ubi tacuit, noluit”, ensinavam nossos maiores. E fácil demonstrar que seu silêncio, quanto ao cheque visado, foi propositado, consciente, deliberado.

Elaborada em 1912, por iniciativa do senador LEOPOLDO DE BULHÕES, ministroda Fazenda, no govêrno RODRIGUES ALVES, e que, como êle próprio declarou, no Senado, em discurso publicado no “Jornal do Comércio”, de 27 de julho daquele ano, decalcou o projeto no trabalho da lavra de UBALDINO DO AMARAL, então na presidência do Banco do Brasil, foi sancionada e uma quinzena depois do encerramento da Conferência de Haia, que se limitara a facultar a aceitação do cheque visado, ou certificado, pelas legislações dos Estados e por cuja legitimidade, tão brilhante, quão ardorosamente, se batera o preclaro representante do Brasil, ministro RODRIGO OTÁVIO, não obstante ter, primeiramente, defendido tese contrária, do que se penitenciou posteriormente, a exemplo do grande CESARE VIVANTE, que, após 30 anos lutar, como um dos seus vanguardeiros, pela causa da unidade do Direito Privado, bateu no peito a “mea culpa” e passou a ser dos maiores sustentáculos da corrente que defende o princípio da dicotomia daquele direito.

Seria fazer injúria aos legisladores de 1912 atribuir-lhes desconhecimento do magno problema, pôsto em equação no memorável Congresso Internacional, onde foi, larga e eruditamente, debatido, para, afinal, ser aprovada a proposição de tão-sòmente facultar-se aos Estados a admissão do cheque visado em suas legislações, o que mereceu o voto dos representantes das nações que dela participaram, contra apenas o da Bélgica e Sião, e com abstenção da Inglaterra.

Assim ficou redigida a 2ª alínea daquela resolução:

“Le chèque ne peut pas être accepté. Une mention d’acceptation portée sur lhe chèque est reputée non écrite. Est reserveé aux Etats contratants la faculté d’admettre 1’acceptation, le certificat ou le visa d’un chèque et d’en régler les effets”.

Ora, justamente por essa ocasião foi que percorreu os cadinhos das discussões, no Congresso Legislativo, o projeto da lei do cheque, que fazia, originalmente, no art. 11, êste dispositivo:

“O visto, carimbo ou marca do sacado assegura ao cheque a prioridade sôbre outros do mesmo sacador, que forem apresentados em data posterior”.

LEOPOLDO DE BULHÕES, no discurso que proferiu perante a Associação Comercial do Rio de Janeiro, assim se manifestou: “O visto desnatura o título. Para a formação do cheque concorrem, apenas, duas pessoas: o sacador e o portador. Com o “visto”, surge uma terceira pessoa, o que prejudica a circulação do cheque. O sacado só intervém para o efeito do pagamento. Até êste momento, nem sabe da existência do cheque” (“Jornal do Comércio”, de 23 de março de 1915); e JUSTINIANO DE SERPA, que, entre os inúmeros títulos enaltecedores de sua personalidade, conta o de ter sabido honrar uma das cátedras da Faculdade de Direito do Estado do Pará, em judicioso estudo publicado na “Rev. Geral de Direito, Legislação e Jurisprudência”, apreciou, exaustivamente, a questão do cheque visado, batendo-se pela doutrina adotada pela lei nº 2.591, no sentido de que esta não no consagrara.

Posteriormente, em 1931, a Conferência Internacional de Genebra assistiu à renovação de acalorados e eruditos debates no assunto. Alguns delegados chegaram a sugerir que a Lei Uniforme disciplinasse, expressamente, o instituto dos cheques certificados ou visados. Mas, a opinião contrária, já esposada em Haia, foi vitoriosa. O cheque certificado foi pôsto à margem da Lei Uniforme, deixando-se aos legisladores nacionais o encargo de lhe regular os efeitos, quando os Estados signatários decidissem incorporar o cheque certificado às suas respectivas legislações. São da maior importância o estudo e a análise dos debates travados durante as sessões da Conferência de Genebra, porque elucidam a extensão e a natureza das dificuldades que, constantemente, assaltam os legisladores. Antes de mais nada, cumpre ressaltar que todos os delegados, cujas vozes se fizeram ouvir no plenário, foram positivos em sustentar a tese de que os cheques não podem ser aceitos. A noção cambiária do aceite, tão clara na vida da letra de câmbio, foi considerada incompatível com a natureza econômica do cheque – di-lo uma das maiores autoridades hodiernas na matéria, EGBERTO LACERDA TEIXEIRA, premiado pela Faculdade de Direito de São Paulo e “Master of Laws”, pela Faculdade de Direito da Universidade de Michigan, no livro que publicou, em 1947, sob o título “Do cheque no direito, comparado interamericano”, e que VALDEMAR. FERREIRA, no preâmbulo que lhe concedeu, vaticinou tornar-se obra clássica na matéria, no direito brasileiro e em tôdas as Américas.

Eis aí demonstrado, à saciedade, que a mens legis foi contrária à aceitação do cheque visado, fazendo-o e não poderia ser de outro modo – de caso pensado, meditado, ponderado, maduramente refletido. E a jurisprudência, conquanto poucas vêzes chamada a pronunciar-se sôbre tão importante tema, ainda assim, não obstante a divergência de julgados, natural conseqüência da discordância doutrinária, tem, pela voz de seu mais alto Tribunal, reconhecido e proclamado que o cheque visado nada mais é que um cheque comum, em face da omissão da lei e, como tal, sujeito à contra-ordem sem têrmo. Veja-se, verbi gratia, o acórdão do Supremo Tribunal Federal, de 18 de janeiro de 1945, in “Arq. Judiciário”, nº 75, pág. 117, de que foi relator o eminente ministro ANÍBAL FREIRE, cujo magistral voto vencedor procurarei resumir: “ressalta do feito a questão da irrevogabilidade do cheque visado. Questão controvertida, que a omissão da lei torna ainda mais tormentosa. A matéria suscitou, nos nossos meios jurídicos, relevantes debates e autoridades do porte de FILADELFO AZEVEDO e PEREIRA BRAGA defenderam no Instituto dos Advogados Brasileiros, ponto de vista favorável ao conceito de que o cheque visado se debita, imediatamente, na conta do sacador e tem os mesmos efeitos do cheque marcado. Mas, sem embargo de tão valiosas autoridades, a maioria dos autores propugna a solução adotada pelo acórdão recorrido, que decidiu ser a reserva de provisão feita pelo sacado como mero adjectus solutiones causa e disso decorre que, subsistindo, ainda, nada obstante a apresentação, as relações jurídicas nascidas da emissão entre emitente e tomador, às quais é alheio o sacado, não pode êste deixar de atender à contra-ordem, cumprindo, em tal caso, exigir a soma do emitente se a retratação da ordem de pagamento expressa no cheque foi ilegal. Temos, assim, antes de tudo, que a legislação reguladora da matéria não dispõe, expressamente, sôbre o caso. Sendo a lei omissa, não parece justo fazer recair sôbre estabelecimento bancário as conseqüências de um fato imputável ao emissor do cheque. São relevantes os argumentos aduzidos pelos juristas brasileiros que sustentaram a irrevogabilidade dos cheques simplesmente visados. Inspiram-se em razões teleológicas de pragmatismo jurídico. Constituem roteiro para o futuro legislador, mas não servem de base definitiva para o julgador, chamado a definir e atribuir responsabilidades por ato ilícito”.

O provecto ministro CASTRO NUNES, sem deixar de reconhecer que o banco teve sua responsabilidade comprometida no que lhe aprouve chamar, textualmente, de conto do vigário, de que foi vítima o recorrente, de outro ângulo não pôde deixar de reconhecer que só o cheque, com dia marcado pelo sacado, vincula a responsabilidade dêste e que o cheque visado atesta sòmente a provisão de fundos, mas não tira ao emitente, ou sacador, o direito de contra-ordenar o pagamento, direito que se teria negado se dissesse que, para efeito do visto, o banco sacado estaria obrigado a não atender à contra-ordem.

Assim se tem manifestado o mais alto Colégio Judiciário do país, colocando-se ao lado dos que negam efeito de retenção, em poder do sacado, da quantia representada no cheque prèviamente submetido ao visto.

Não deixa de ser circunstância digna de observação atenta a de contar, já, cêrca de oito lustros de vigência, e não se ter alterado a lei nº 2.591, exceto no que tange à maneira de datar o cheque e prazos para sua apresentação (decs. ns. 22.393, de 25-1-1933, e 22.924, de 12-7-1933, respectivamente).

Enquanto com relação a outros institutos, como a falência e sociedade por ações, as leis se sucedem, provocadas pelos reclamos incessantes dos interessados, tivemos, até agora, sòmente tentativas para reforma da lei sôbre cheque, como a do anteprojeto elaborado pela Associação Bancária do Rio de Janeiro, como disse alguém “sob o influxo das mais contraditórias influências”, e que, entre as emendas propostas, receber um substitutivo oferecido por êste nobre sodalício, representado pelos eminentes juristas Prof. HAHNEMANN GUIMARÃES, relator, EDUARDO THEILER e TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE (“Jornal do Comércio”, de 21-9-1946).

É certo que, inspirado nesse substitutivo, o bem feito “Esbôço de Código Comercial”, da autoria do douto Prof. Des. FLORÊNCIO DE ABREU, deu abrigo ao “visto” no cheque, depois de lhe negar aceitação, mas, a redação dada ao parág. único do art. 678 vem, de certo modo, modificar a atual concepção do visto, por isso que o equipara à marcação, quando determina que “o visto, ou qualquer declaração equivalente, lançada ao título e assinada pelo sacado, prova a existência de fundos disponíveis e impede que o emitente possa retirá-los, antes de se vencer o prazo da apresentação”. Havendo o prazo para apresentação, não é, mutatis mutandis, dar ao cheque visado o mesmo efeito do cheque marcado, previsto e aceito pela lei nº 2.591?

Face ao exposto, que deduzir daí? Impõe-se a ilação: nossa índole e formação jurídica quanto ao instituto do cheque são infensas à adoção da observância, que sòmente a mentalidade bancária, forçando-lhe o uso, teima em manter. E, com essa praxe, que não deixa de ser anômala, vai-se negando, tàcitamente, aceitação ao cheque marcado, como coisa obsoleta, ou retrógrada, quando, sendo êste admitido, expressamente, por lei, oferece e proporciona o remédio adequado à solução do caso.

Por que insistir no cheque visado e não preferir o cheque marcado para o dia de sua apresentação? Enquanto não vier a nova lei, em vez da solicitação do visto, que não encontra apoio legal, promova-se a marcação, plenamente aceita, pelo diploma legislativo em vigor. Com o cheque marcado, tem o portador a certeza de que o pagamento se efetuará, exceto em caso de insolvência do sacado – hipótese a que se não forrará, muito menos ainda, o portador do cheque visado. O sacado tem, na lei, a justificativa de não efetuar o pagamento de outros cheques, emitidos antes ou depois daquele e apresentados posteriormente, porque a lei, destarte, o autoriza.

Já no caso do cheque visado, não há razão para se não efetuar o pagamento de cheques apresentados posteriormente. A negativa, ali, é fundada em lei. Aqui, em mera arbitrariedade. O sacado, a seu bel talante, simplesmente porque declarou, confessou ter o sacador fundos em seu poder, e o fêz em forma de visto, que apôs num determinado cheque, entende estar exonerado do dever de pagar outros cheques, que se lhe apresentem após aquêle, não obstante. anteriormente, datados e dentro da provisão que o sacador possui, e foi absolvida pelo cheque visado. Isto é, Srs., sem apóio em lei, o mesmo que fazer justiça por suas próprias mãos, o que constitui – verdade cediça! – a suprema negação da justiça. Seria admitir a prevalência de simples praxe sôbre texto legal, conceber o absurdo do pro consuetudocontra legem.

Dir-se-á que a procedência do que acabo de afirmar viria estimular a fraude e fomentar a má-fé. Não. Tanto num, como noutro caso, é admissível a manifestação da maldade humana. Após marcar o cheque, o sacador poderia emitir outros e entregá-los a terceiros, quando os fundos disponíveis estivessem esgotados por aquêle. Com abuso não se argumenta. A lei, prevendo as hipóteses de emissão de cheques sem data, com data falsa, sem suficiente provisão de fundos, a contra-ordem sem motivo legal para frustrar o pagamento, cominou penas pecuniárias, sem prejuízo das impostas pelo Cód. Penal, quando conceitua a figura delituosa. Se tais sanções são brandas, há o recurso de agravá-las. O que, entretanto, não é aconselhável é relegar uma instituição legal, pretendendo substituir-se por uso que a contraria, como se, neste, residisse a almejada chave para decifração do problema:

Srs.: FOUSTEL DE COULANGES dizia que anos de análise são precisos para minutos de síntese. Muito há, ainda, para respigar sôbre o assunto. Não tendo, porém, a virtude apregoada pelo excelso escritor de Cité Antique”, devo terminar, que muito delongado já vou neste discretear. Perdoai ter tomado vossa atenção, quando podíeis ter aproveitado êsse tempo, deleitando vosso espírito de maneira útil e agradável. Salve-se, todavia, a boa intenção, mercê da qual, dizia o imortal autor da “Légende des Siècles”, “il est permis, même au plus faible, d’avoir une bonne intention et de la dire“.

Mário Braga Henriques

________________

Notas:

* Dissertação feita no Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros. Rio, 1952.

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