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Pensão alimentícia: existe justificativa para o inadimplemento?

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Pensão alimentícia: existe justificativa para o inadimplemento?

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Tatiane Donizetti

Tatiane Donizetti

16/08/2021

Neste espaço abordaremos algumas das justificativas apresentadas por devedores de alimentos para o inadimplemento da obrigação alimentar, com o respectivo posicionamento da jurisprudência. Embora alguns casos não estejam necessariamente vinculados à pandemia, as motivações expostas são reiteradamente utilizadas e apreciadas por nossos tribunais, dentro e fora do contexto atual.

Para iniciar a abordagem estabelecemos a seguinte premissa: toda justificativa precisa ser analisada a partir do caso concreto. O trinômio necessidade-possibilidade-razoabilidade é extremamente variável, comportando uma análise pormenorizada pelo julgador, de modo a não prejudicar o mínimo existencial e a dignidade do credor e, por outro lado, não onerar demasiadamente o devedor a ponto de comprometer a sua própria subsistência.

Na legislação processual civil, a existência de justificativa que impossibilita, em caráter absoluto, o cumprimento da obrigação alimentar, poderá acarretar a revogação da prisão civil, mas isso não quer dizer que o devedor ficará isento de pagar os alimentos vencidos e vindouros. Até mesmo para afastar a prisão, o posicionamento da jurisprudência vem se mostrando bastante restritivo. O desemprego, a constituição de nova família, o nascimento de outros filhos e o pagamento parcial, por exemplo, já foram considerados insuficientes para afastar o decreto prisional (STJ, HC 401.903/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 27.02.2018; HC 439.973/MG, 4ª Turma, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, j. 16.08.2018). De toda forma, a?justificativa?eventualmente acolhida afasta temporariamente a prisão, não impedindo, porém, que a execução prossiga em sua forma tradicional, com a expropriação de bens.

Em razão da qualidade especial do direito aos alimentos, é certo que os tribunais não podem acolher justificativas desprovidas de qualquer comprovação. Igualmente, não há como afastar a proteção máxima da dignidade da pessoa humana a partir de explanações que inviabilizem apenas parcialmente o pagamento da obrigação. Se o alimentante está desempregado, essa condição, por si só, não lhe garante a suspensão do encargo, pois é possível a manutenção do encargo por outras fontes de renda.

Outro argumento costumeiramente adotado para afastar a obrigação alimentar é a existência de ação revisional proposta pelo devedor. Ora, se não houver decisão judicial, ainda que interlocutória, admitindo a suspensão dos pagamentos ou a sua redução, o simples ajuizamento da ação se mostra insuficiente para demonstrar a incapacidade financeira para o cumprimento da obrigação. Ademais, se a ação revisional de alimentos tiver sido proposta após o pedido de execução, ou seja, quando já constituída a obrigação por título judicial (sentença) ou extrajudicial, não terá o condão de eliminar a dívida já contraída, pois a decisão a ser proferida nos autos da ação revisional retroage tão somente à data da citação. Nesse sentido:

CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL. HABEAS CORPUS. PEDIDO DE REVOGAÇÃO DE PRISÃO CIVIL. DÍVIDA DE ALIMENTOS. ALEGADA AUSÊNCIA DE CONDIÇÕES FINANCEIRAS. AJUIZAMENTO DA AÇÃO REVISIONAL. MONTANTE DO DÉBITO. ORDEM DENEGADA. 1. Se o valor do débito exequendo alcança elevado patamar, denota-se que o alimentante, ora paciente, passou longo período sem pagar a integralidade do valor que tinha assumido, por conta própria, como pensão alimentícia em favor de seu filho, não se tratando de inadimplemento circunstancial ou esporádico. 2. Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, será decretada sua prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses, conforme autoriza o § 3º do art. 528 do CPC. 3. O ajuizamento da ação revisional de alimentos não tem o condão de eliminar a dívida já contraída nos autos da ação de execução de alimentos, pois a decisão a ser proferida naqueles autos retroage tão somente à data da citação, não havendo qualquer ilegalidade ou abuso de poder na manutenção do decreto prisional. 4. Ordem denegada. (TJ-DF 0705576-63.2020.8.07.0000, Relator: Josapha Francisco dos Santos, Data de Julgamento: 08/07/2020, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: 18/07/2020).

Agora imaginem que o alimentante é preso por decisão proferida na esfera criminal. Nesse caso, é possível utilizar a prisão como motivação apta a afastar, temporariamente, a obrigação de pagar alimentos? Há um precedente do STJ que admitiu essa justificativa. Confira:

HABEAS CORPUS ALIMENTOS. PRISÃO. ORDEM INDEFERIDA EM OUTRO HABEAS CORPUS. IMPOSSIBILIDADE DO PAGAMENTO. JUSTIFICATIVA APTA. ORDEM CONCEDIDA. 1. Em regra, não é cabível habeas corpus como sucedâneo do recurso próprio. 2. Hipótese, todavia, em que a justificativa da impossibilidade de pagamento dos alimentos durante o período de reclusão do paciente caracteriza a excepcionalidade que permite a apreciação do habeas corpus. 3. No caso, foi demonstrado que o período da inadimplência dos alimentos coincide com o tempo em que o paciente, autônomo, ficou preso em decorrência de sentença penal condenatória, tendo voltado a pagar a pensão a partir do mês posterior à progressão de regime penal, e, ainda que, antes disso, o compromisso alimentar foi honrado por mais de 6 anos, o que indica ser verdadeira a alegação de ausência de recursos para adimplir a obrigação ao tempo da reclusão. 3. Habeas corpus conhecido. Ordem concedida. (STJ, HC 381095/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Data de Julgamento: 20/08/2019, Quarta Turma, DJe 26/08/2019)

A decisão acima foi proferida pela Quarta Turma do STJ. Por outro lado, há decisão recente da Terceira Turma do mesmo Tribunal, que a partir da ideia de finalidade social e existencial da obrigação alimentar, afastou a alegação do devedor por considerar possível o exercício de trabalho remunerado intramuros:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ALIMENTOS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. ALIMENTANTE PRESO. CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO INFLUENCIA NO DIREITO FUNDAMENTAL À PERCEPÇÃO DE ALIMENTOS. PECULIARIDADE A SER APRECIADA NA FIXAÇÃO DO VALOR DA PENSÃO. POSSIBILIDADE DE O INTERNO EXERCER ATIVIDADE REMUNERADA. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

  1. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional.
  2. O direito aos alimentos é um direito social previsto na CRFB/1988, intimamente ligado à concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. Assim, a finalidade social e existencial da obrigação alimentícia a torna um instrumento para concretização da vida digna e a submete a um regime jurídico diferenciado, orientado por normas de ordem pública.
  3. Os alimentos devidos pelos pais aos filhos menores decorrem do poder familiar, de modo que o nascimento do filho faz surgir para os pais o dever degarantir a subsistência de sua prole, cuidando-se de uma obrigação personalíssima.
  4. Não se pode afastar o direito fundamental do menor à percepção dos alimentos ao argumento de que o alimentante não teria condições de arcar com a dívida, sendo ônus exclusivo do devedor comprovar a insuficiência de recursos financeiros. Ademais, ainda que de forma mais restrita, o fato de o alimentante estar preso não impede que ele exerça atividade remunerada.
  5. O reconhecimento da obrigação alimentar do genitor é necessário até mesmo para que haja uma futura e eventual condenação de outros parentes ao pagamento da verba, com base no princípio da solidariedade social e familiar, haja vista a existência de uma ordem vocativa obrigatória.
  6. Recurso especial desprovido.

(REsp 1886554/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/11/2020, DJe 03/12/2020).

Para analisarmos melhor essa decisão precisamos nos socorrer da Lei de Execução Penal (LEP).

Conforme dispõe o art. 31 da Lei 7.210/1984, o condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho, na medida de suas aptidões e capacidade. Ou seja, para o preso definitivo há obrigatoriedade no que tange ao trabalho. Para o preso provisório o trabalho não é obrigatório, mas poderá ser realizado, com a possibilidade de remição da pena que eventualmente vier a ser aplicada.

Ao exercer o trabalho, o preso recebe uma quantia denominada de pecúlio. “Trata-se de reserva monetária, que tem como finalidade precípua auxiliar o apenado, quando posto em liberdade, no processo de readaptação à sociedade, garantindo-lhe a subsistência temporária, evitando, assim, que seja eventualmente tentado a retornar à prática delitiva pela falta de dinheiro nos primeiros momentos em que solto”?(Execução Penal, Editora Método, 5ª Edição).?A forma de remuneração do preso está prevista no art. 29 da LEP:

Art. 29.?O trabalho do preso será remunerado, mediante prévia tabela, não podendo ser inferior a 3/4 (três quartos) do salário mínimo.

1° O produto da remuneração pelo trabalho deverá atender:

  1. a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios;
  2. b) à assistência à família;
  3. c) a pequenas despesas pessoais;
  4. d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores.

2º Ressalvadas outras aplicações legais, será depositada a parte restante para constituição do pecúlio, em Caderneta de Poupança, que será entregue ao condenado quando posto em liberdade.

A assistência à família certamente compreende as despesas relacionadas, por exemplo, aos filhos menores. Assim, se o preso trabalha e recebe o pecúlio, não há como isentá-lo de pagar os alimentos. É claro que essa constatação não pode se dar de forma absoluta, sem que se analise o caso concreto, até porque a hiperpopulação carcerária impede que todos os presos exerçam atividade remunerada. Além disso, o próprio STJ já entendeu que o trabalho desenvolvido pela pessoa encarcerada nem sempre será remunerado, pois a prática também gera benefícios como a remição da pena. “Assim, se os serviços foram prestados de forma voluntária, com a finalidade exclusiva de remir a pena, não havendo repercussão econômica, não há direito à contraprestação pecuniária” (STJ, REsp 1156327/DF, Relator: Ministro Herman Benjamin, Data de Julgamento: 16/03/2017, Segunda Turma, Data de Publicação: 27/04/2017).

Ainda dentro do aspecto interdisciplinar – de essencial conhecimento para o(a) advogado(a) –, destaca-se recente posicionamento do Supremo Tribunal Federal que considerou válida a verba prevista no?caput?do art. 29 da LEP, mesmo que inferior a um salário mínimo. Em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 336), ajuizada pela Procuradoria-Geral da República, afirmou-se que a norma violava os princípios constitucionais da isonomia e da dignidade da pessoa humana, além da garantia de ao menos um salário mínimo a todos os trabalhadores urbanos e rurais. O STF, por maioria, considerou válida a previsão. Destacam-se a seguir os argumentos?do voto vencedor, do Min. Luiz Fux:

–?Nos termos dos artigos 28, caput , 31 e 39, V, da Lei de Execução Penal, o trabalho do condenado constitui um dever, obrigatório na medida de suas aptidões e capacidade, e possui finalidades educativa e produtiva, em contraste com a liberdade para trabalhar e prover o seu sustento garantida aos que não cumprem pena prisional pelo artigo 6º da Constituição. Em suma, o trabalho do preso segue lo?gica econômica distinta da mão-de-obra em geral;

– Considerando as peculiaridades da situação do preso, que constituem prováveis barreiras a? sua inserção no mercado de trabalho, e? razoável que o legislador reduza o valor mínimo de remuneração pela sua mão-de-obra com o intuito de promover as chances da sua contratação.

– O salário mínimo visa satisfazer as necessidades vitais básicas do trabalhador e as de sua família “com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”. Ocorre que o preso, conforme previsão legal, ja? deve ter atendidas pelo Estado boa parte das necessidades vitais básicas que o salário mínimo objetiva atender.

– A disciplina do trabalho do preso no Brasil esta? em conformidade com as normas internacionais que regem o tema. A Regra de Mandela n. 103.1, prevê que: “Sera? estabelecido sistema justo de remuneração do trabalho dos presos”. Não ha? exigência, portanto, de que o sistema de remuneração dos presos seja idêntico ao dos trabalhadores livres, mas apenas de que seja minimamente equitativo.

Vemos, então, que há normativa suficientemente apta a afastar o precedente da Quarta Turma do STJ. No entanto, conforme ressaltado em linhas anteriores, o caso concreto é que possibilitará ao juiz dimensionar e eventualmente limitar a verba alimentar.

Fonte: Elpídio Donizetti

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