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Razões para conferir exclusivamente aos tabeliães de protesto a nova atribuição de ‘agente de execução’: simetria e pertinência temática

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Razões para conferir exclusivamente aos tabeliães de protesto a nova atribuição de ‘agente de execução’: simetria e pertinência temática

AGENTES DE EXECUÇÃO

CARTORÍO

PL 6.204/19

PROTESTO

TABELIÃES DE PROTESTO

Joel Dias Figueira Júnior

Joel Dias Figueira Júnior

28/09/2021

[1] Sumário: 1. Notas introdutivas; 2 Por que não estender aos demais delegatários as atribuições de “agente de execução”?; 2.1. Réplica ao principais fundamentos que agasalham a tese da extensão das atribuições de “agente de execução” aos demais delegatários; 2.2 Simetria, pertinência temática e especialização; 2.3 Razões que desaconselham a prática dos atos de “agente de execução” por outros delegatários; 2.3.1. Do protesto e as afinidades com as atribuições de “agente de execução”; 2.3.2 Dos Tabeliães de Notas; 2.3.3 Registro Civil de Pessoas Naturais e Pessoas Jurídicas; 2.3.4 Registro de Imóveis; 2.3.5. Registro de Títulos e Documentos; 3. Poder Judiciário e observância da pertinência temática na prática de atos pelos delegatários; 4. Conclusão

 Joel Dias Figueira Júnior[2]

Notas introdutivas

Extrai-se da “Justificação” do PL 6.204/19 que “a delegação é o regime jurídico sugerido para que a desjudicialização da execução seja colocada em prática no Brasil, nos termos do artigo 236 da Constituição Federal. Dentre os agentes delegados existentes no ordenamento jurídico, sugere-se que o tabelião de protesto tenha sua atribuição alargada, para que assuma também a realização das atividades executivas, uma vez que afeito aos títulos de crédito.

Além disso, propõe-se a valorização do protesto como eficiente medida para o cabal cumprimento das obrigações. Assim, confere-se ao tabelião de protesto a tarefa de verificação dos pressupostos da execução, bem como da realização de citação, penhora, alienação, recebimento do pagamento e extinção do procedimento executivo extrajudicial, reservando-se ao juiz estatal a eventual resolução de litígios, quando provocado pelo agente de execução ou por qualquer das partes ou terceiros.”

Percebe-se, com facilidade, que o legislador foi criterioso, técnico e preciso ao orientar-se pela simetria que se faz mister observar entre as funções já exercidas pelos tabeliães de protesto – sabidamente os únicos delegatórios ligados, por especialização, aos títulos executivos – e as novas atribuições que lhes são conferidas como “agentes de execução” no PL em voga, segundo se infere do art. 31, que dá nova redação ao art. 3º da Lei de Regência (9.492/97).

Aliás, não se tem a menor dúvida em afirmar que a crise da prestação da tutela jurisdicional estatal encontra-se instalada e agrava-se, a cada ano, de maneira patológica com o aumento das demandas executivas denominadas pelo Conselho Nacional de Justiça em seu anuário “Justiça em Números” de “gargalo” do Poder Judiciário.

De fato, aproximadamente 54% das ações em tramitação são execuções (civis e fiscais), o que faz absorver o tempo de atuação do Estado-juiz e serventuários em prol da administração deste acervo de processos que se apresenta como uma espécie de “balcão inoperante de cobranças”, capaz de absorver o tempo e as atenções dos magistrados para prestar a verdadeira jurisdição à resolução de conflitos.

É o modelo que se desconfigura e desintegra a cada instante, fazendo avolumar a “tragédia da Justiça”[3], em que a falência do modelo jurisdicional estatal se evidencia por meio do processo de execução, há muito carcomido por princípios retrógrados e práticas inoperantes fundadas numa pseudo “segurança jurídica”.

Por que não estender aos demais delegatários as atribuições de “agente de execução”?

Procuraremos demonstrar neste breve estudo as razões que justificam a escolha acertada do legislador no PL 6.204/19 pelos tabeliães de protesto para exercerem as atribuições de “agente de execução” e os fortes motivos que obstam e desaconselham a ampliação deste novo mister aos demais delegatários.

Réplica aos principais fundamentos que agasalham a tese da extensão das atribuições de “agente de execução” aos demais delegatários

Entendimentos têm surgido em defesa da ampliação das atribuições de agente de execução para outras serventias extrajudiciais distintas dos tabelionatos de protesto[4], tomando por base três fundamentos:

a) o ingresso na atividade notarial e registral se verifica por meio de concurso público para o exercício com competência geral (salvo exceção de São Paulo);

b) o número total de cartórios (13.627) distribuídos entre os 5.570 municípios é muito superior aos que exercem atribuições (cumulativas ou privativas) atinentes ao protestos de títulos (3.779), o que importa em melhor e mais rápida prestação de serviços por todos os delegatários;

c) tanto não estão capacitados os tabeliães de protesto para o exercício desse novo mister que o art. 22 do PL prevê a realização de cursos com este fim, e, por consectário lógico, todos os demais delegatários poderiam ser capacitados também e, assim, atuar como agentes de execução.

Com todas as vênias, os argumentos são pífios e não se sustentam, assim como as premissas em que se fundam as conclusões são equivocadas e quiçá tendenciosas, conforme demonstraremos a seguir:

a) Da equiparação do ingresso na titularidade da atividade delegada:

O ponto que merece destaque não é a prestação de concurso público em condições de igualdade, mas os desdobramentos deste fato como consectário do exercício da delegação, especialização e eficiência da prestação dos serviços.

Não resta a menor dúvida de que, com exceção do Estado de São Paulo, todos os demais oferecem concursos de provas e títulos para o ingresso na atividade delegada com competência plena. Por seu turno, o preenchimento das vagas existentes nos respectivos cartórios obedecerá sempre e rigorosamente o critério de ordem de aprovação nos exame, de maneira que os primeiros colocados passam a escolher os melhores cartórios, lá permanecendo indefinidamente, ressalvada a hipótese restrita de pedido de remoção para outro cartório de idêntica ou distinta competência, a depender de disponibilidade de vaga e aprovação em concurso interno.

Em outras palavras, os candidatos aprovados em concurso de ingresso na titularidade da atividade notarial e registral serão declarados habilitados em observância a ordem de classificação, escolherão as delegações vagas que constavam do respectivo edital,  receberão a outorga e investidura na delegação e, na sequência, entrarão no exercício da atividade em determinada serventia na qual permanecerão por tempo indeterminado e sem possibilidade de mudança de competência, ressalvada a hipótese já indicada de remoção para outra serventia.

Há de se esclarecer ainda que nos termos do art. 16 da Lei 8.935/94 “as vagas serão preenchidas alternadamente, duas terças partes por concurso público de provas e títulos e uma terça parte por meio de remoção…” E mais: somente serão admitidos ao concurso de remoção os titulares que exerçam a atividade por mais de dois anos, segundo disposição contida no art. 17 da Lei dos Cartórios.

A matéria em exame encontra-se integralmente versada na Resolução 81 de 9 de junho de 2009, baixada pelo então Presidente do Conselho Nacional de Justiça, Ministro Gilmar Mendes, que regulamenta o ingresso, por provimento ou remoção na titularidade dos serviços notariais e de registros declarados vagos, que se dará somente por meio de concurso de provas e títulos realizado pelo Poder Judiciário, nos termos do art. 236, § 3º da Constituição Federal (art. 1º).

Em conclusão, nada obstante o candidato prestar concurso de provas e títulos acerca de conhecimentos gerais e específicos atinentes às atividades notariais e registrais, definida a escolha da serventia, que exercerá o seu mister de acordo com a sua classificação no concurso público, a permanência do delegatário em determinado cartório dará ensejo ao aprofundamento dos seus conhecimentos em sintonia com a competência que lhe é conferida por lei, donde exsurge, com o passar do tempo, a natural especialização, a melhora na prestação dos serviços (qualificação) e a maior eficiência.

A regra é a não acumulação dos serviços de notas, protestos e registros, encontrando-se a exceção em municípios que não comportam, em razão do volume dos serviços ou receita, a instalação de mais de um cartório (Lei 8.935/94, art. 5º c/c art. 26).

Apenas para argumentar, se prevalecer o entendimento daqueles que defendem a prática da desjudicialização da execução civil por meio de atuação de todos os delegatários, estaremos impondo, por exemplo, a um oficial de registro imobiliário ou civil que por anos ou décadas  sempre observou a especialização de seu mister, doravante a realizar análise e qualificação de um título de crédito, das partes, localizar o executado e demais atos procedimentais, com resultados evidentemente negativos para os jurisdicionados.

O retrocesso será evidente e coloca-se na contramão da história da especialização… só não enxerga quem não quer.

b) Do número de serventias

O segundo argumento que sustenta o entendimento da ampliação das atribuições de agente de execução para todos os demais delegatários toma por base o confronto entre o número de serventias que exercem atividades de protesto (com competência específica ou cumulativa = 3.779) com o número total de cartórios detentores de competência registral ou notarial (com competência específica ou cumulativa = 13.627).

Esse entendimento, além de desconsiderar a especialização que norteia a prestação dos serviços extrajudiciais em prol da eficiência, são argumentos tendenciosos e destituídos de qualquer elemento capaz de indicar que os 3.779, cartórios que atualmente realizam de maneira exclusiva ou com competência cumulativa o protesto de títulos, sejam insuficientes para atender às novas demandas de execução extrajudicial.

A eficiência não se consubstancia na pulverização de atribuições específicas para outros delegatários, pois a questão principal é a qualificação da prestação dos serviços que se perfaz por meio de especialização, administração e padronização, valendo frisar que o protesto é a atribuição mais padronizada, segundo exsurge da Lei 13.775/18, que instituiu o art. 41-A na Lei 9.492/97.

Observamos ainda que o número de cartórios com competência para protesto de títulos, por si só, é muito superior ao número de unidades jurisdicionais com competência cível para execução e juizados especiais que, segundo dados do “Justiça em Números 2020” totaliza em 2.801 varas, sendo que essas unidades cumulam competência de todas as outras ações de conhecimento.

Significa dizer que só a diferença verificada entre o número de varas cíveis com competência cumulativa para a execução de título judicial e extrajudicial e os tabelionatos de protesto é de 978 cartórios a mais.

Soma-se ainda o fato de que todos os titulares de cartório possuem um substituto, o que faz dobrar esse efetivo para 7.558 serventuários extrajudiciais, enquanto, sabidamente, cada unidade jurisdicional é dotada apenas de um juiz, salvo raríssimas exceções que também são temporárias.[5]

Destacamos também que os 5.570 municípios são atendidos pelos tabeliães de protesto pois, dependendo da lei local, alguns cartórios aglutinam dois ou mais municípios, o que representa cobertura nacional dos serviços prestados, seguindo a mesma lógica do que ocorre com a jurisdição estatal.

E mais: o tabelião de protesto – e somente este delegatário – sempre esteve ligado de forma direta com o processo judicial de execução, o que se tornou ainda mais forte com o advento do Código de 2015 (arts. 517, 528, §§ 1º e 3º).

Assim, afina-se neste ponto o PL 6.204/19 com o disposto no art. 517 do CPC, que, nos dizeres do Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Humberto Martins e do Juiz Auxiliar da Presidência, Alexandre Chini, em estudo recentemente publicado, trata-se de regra desjudicializante, em que o protesto extrajudicial aparece, modernamente, “como o autêntico veículo oficial de recuperação de crédito no Brasil ao prevenir a instauração de litígios em larga escala e propiciar a satisfação de direitos em tempo reduzido”[6]

Mais adiante prosseguem: “Quando de nossa passagem pela Corregedoria Nacional de Justiça, ao apresentarmos as metas e as diretrizes estratégicas que iriam nortear a atuação de todas as corregedorias do Poder Judiciário brasileiro ao longo do ano de 2020, em especial no que se refere às serventias extrajudiciais, tivemos a oportunidade de propor, como diretriz estratégica, a regulamentação do protesto extrajudicial das decisões transitadas em julgado e o incentivo à sua utilização (Justiça Estadual, Justiça Federal e Justiça do Trabalho).

A diretriz guarda relação de estrita aderência com o macrodesafio da adoção de soluções alternativas de conflito e visa aumentar a efetividade das decisões judiciais e desafogar o Poder Judiciário em todo o território nacional.”[7]

Destarte, o protesto de sentenças judiciais é providência inibitória da recalcitrância do devedor e, por conseguinte, de redução de demandas executivas (cumprimentos de sentença) tornando-se política nacional encapada pelo Poder Judiciário em prol da rápida satisfação do crédito perseguido pelo vencedor de demanda de conhecimento, que não obteve espontaneamente do sucumbente o que lhe era devido.

Neste ponto, o PL 6.204/19 está também afinadíssimo com as políticas judiciárias, que há muito vêm incentivando o protesto de decisões judiciais; trata-se de verdadeira meta nacional fixada pelo Colégio Permanente de Corregedores-Gerais de Justiça do Brasil – CCOGE, estabelecida durante o encontro em Belo Horizonte, de 28 a 30 de junho de 2017, durante o 75º ENCOGE. Deliberou-se, naquela ocasião, a partir das Corregedorias, do Planejamento Estratégico e da Gestão na Justiça de Primeira Instância “incentivar a adoção do protesto extrajudicial de sentença para a satisfação rápida, eficaz e econômica de obrigações reconhecidas judicialmente, visando à redução do acevo processual de execução.

Extraímos também das conclusões aprovadas durante o II Fórum Nacional das Corregedorias (FONACOR), realizado em 09/10/2019, subscrita pelo Corregedor Nacional de Justiça, pelo Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho, pelo Corregedor-Geral da Justiça Militar e pelo Presidente do Colégio Permanente de Corregedores-Gerais dos Tribunais de Justiça do Brasil (“Carta de Brasília”), a incumbência das Corregedorias-Gerais de todos os Tribunais do País de “(…) 7) incentivar a adoção do protesto extrajudicial de sentença”.

Por seu turno, conforme já assentado, a Corregedoria Nacional de Justiça sob a batuta do Ministro Humberto Martins, estabeleceu as metas e diretrizes estratégicas que deveriam nortear a atuação de todas as corregedorias do Poder Judiciário brasileiro ao longo do ano de 2020. As propostas foram divulgadas em 26/11/2019, durante o painel setorial que reuniu os corregedores e representantes de corregedorias no XIII Encontro Nacional do Poder Judiciário, em Maceió (AL).

Não foi por menos que o art. 6º do PL 6.204/19 prevê o protesto prévio necessário voltado à obtenção de dúplice resultado positivo, a saber: a redução sensível do número de demandas executivas (em torno de 68%) e a recuperação rápida e eficiente do crédito perseguido extrajudicialmente.

Também não levam em conta os defensores da extensão das atribuições de agentes de execução para outros delegatários o fato de que não haverá redistribuição plena dos processos executivos em curso, como bem dispõe o art. 25 do PL 6.204/19, in verbis: “As execuções pendentes quando da entrada em vigor desta Lei observarão o procedimento originalmente previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil, não sendo admitida a redistribuição dos processos para os agentes de execução, salvo se requerido pelo credor. Parágrafo Único: As Corregedorias Gerais dos Tribunais de Justiça dos Estados, em conjunto com os tabelionatos de protestos locais, estabelecerão as regras para redistribuição das execuções aos agentes de execução.”

Durante a vacatio legis os tabeliães de protesto, seus prepostos e os serventuários da justiça, que atuarão em varas cíveis com competência residual para execuções, realizarão cursos de aperfeiçoamento a serem oferecidos pelo CNJ e os tribunais, em conjunto com a entidade representativa de âmbito nacional dos extrajudiciais (PL 6.204/19, art. 22), assim como os tribunais por meio de suas corregedorias estarão atentos à eventual necessidade de abertura de concursos públicos para o preenchimento de novas serventias, que se fizerem necessárias ao bom e cabal exercício deste novo mister.

Cioso pela eficiência dos serviços a serem prestados pelos agentes de execução, o Poder Judiciário estará também fiscalizando e orientando os tabeliães de protesto para o cumprimento exitoso do novel diploma, por meio de atuação do Conselho Nacional de Justiça e dos tribunais locais (PL 6.204/19, art. 27).

c) Da capacitação

A terceira “razão” – não menos deficiente – para estender as atribuições das funções de agente de execução para todos os demais delegatários baseia-se na regra insculpida no art. 22 do PL 6.204/19, que preconiza a importância da “capacitação” dos tabeliães de protesto e de seus prepostos para o exercício do novo mister.

Percebe-se com nitidez o equívoco desta interpretação; o que o art. 22 trouxe a lume foi, exatamente, manter em sintonia finíssima as orientações do Conselho Nacional de Justiça com o aprimoramento da prestação dos serviços dos delegatários já especializados com os títulos de créditos e documentos afins, no sentido de atualiza-los com os novos procedimentos previstos no PL em exame.

Aliás, os cursos de capacitação são o mote da excelência dos serviços prestados tanto pelas serventias extrajudiciais como judiciais, seguindo a mesma linha os trabalhos realizados com os Magistrados, membros do Ministério Públicos, dentre outros.

Portanto, a “capacitação” a que se refere o art. 22 do PL 6.204/19 não está inserida como espécie de “nova formação” dos tabeliães de protesto, mas de aprendizado voltado ao refinamento do conhecimento e prática daquilo que já é em tudo e por tudo absorvido em seus conhecimentos colocados no exercício diuturno de suas atribuições.

No mínimo é jocoso ou ingênuo pensar que, doravante, um Oficial de Registro de Imóveis ou de Registro Civil, realize um “curso de capacitação” e passe a realizar todas as atribuições de agente de execução…

Com todas as vênias, a intensão do legislador ao apontar o art. 22 foi especializar ainda mais quem já detém conhecimento amplo, profundo e específico sobre títulos de créditos e que diariamente exercem este complexo mister.

Em outros termos, o substantivo “capacitação” não foi empregado no art. 22 do PL 6.204/19 para indicar ausência de habilitação dos tabeliães de protesto ou equipara-los aos demais delegatários, mas reforçar a impressão de que não só os tabeliães de protesto, mas também seus prepostos e todos os serventuários do Poder Judiciário (aqueles que atuam com a execução civil) venham a atualizar-se (=capacitação) de maneira a absorverem e bem implementarem na prática o novo procedimento delineado no PL 6.204/109, em sintonia com  o Código de Processo Civil.

Simetria, pertinência temática e especialização

Primeiramente, não se pode olvidar de que, por definição legal, os serviços atinentes ao protesto de títulos são de competência privativa dos tabeliães de protesto, segundo se infere do disposto nos arts. 2º e 3º da Lei 9.492/97.

Em segundo lugar, a Lei 8.935/94, que regulamenta o art. 236 da Constituição Federal e dispõe sobre os serviços notariais e de registro (conhecida como “Lei dos Cartórios”), deixa patente no art. 11 a competência privativa dos tabeliães de protesto, cujas atribuições[8] estão umbilicalmente ligadas, por pertinência temática, às de agente de execução, o que por si só afasta qualquer possibilidade de absorção desta nova competência por outros delegatários.

Frisa-se ainda que a Lei dos Cartórios é precisa na manutenção da especialização dos delegatários, definindo como regra a não acumulação de competências, salvo nos casos em que os municípios não comportarem, em razão do volume de atribuições ou de receita, a instalação de mais de um dos serviços (art. 26)

A especialização dos delegatários com suas competências bem definidas é, antes de tudo, consectário lógico e legal que tem por escopo melhor atender os consumidores dos serviço notariais e registrais; aliás, o século XXI já se iniciou com a chancela do conhecimento específico, ou seja, a era da especialização em que o destaque profissional se verifica pelo saber profundo sobre temas restritos, o que faz elevar a qualidade profissional e a colheita de melhores frutos.

A  esse respeito, merece relevo três excelentes estudos contemporâneos que muito nos servem, entre outros: o autor é Richard Susskind, e a obra é Tomorrow’s Lawyers (Oxford University Press, 2017, 2ª ed.; Online Courts and the future of Justice (Oxford University Press, 2019; e, com seu filho Daniel Susskind, The Future of the Professions. Os estudos são abrangentes, com riqueza extraordinária de dados. A obra Tomorrow’s Lawyers foi reputada pela ABA, a American Bar Association como sendo disparadamente a melhor obra do mundo. Como nortes principais a serem perseguidos estão o enquadramento ao que se entende a respeito das modificações do mundo moderno; a primeira realidade gravita em torno a divisão do trabalho com a afetação de tarefas a outros que se colocaram como satélites do agente principal; de outra parte, propugna-se que tem de haver um esforço imenso para se obter eficiência, utilizando-se das expressões em inglês more for less  (obter mais por menos = eficiência).[9]

Seguindo essa linha, é irrefutável que a eficiência está intimamente ligada com a expertise dos profissionais prestadores de serviços, o que se define como especialização – o norte dos novos tempos.

Não percamos também de vista que os tabeliães de protesto são os únicos delegatários a ostentar nos dias atuais atribuições padronizadas nacionalmente; estamos falando da primeira central de dados compartilhados para prestação de serviços, conforme disposto no art. 41-A da Lei 9.492/97, sendo que a adesão de todos à CENPROT é obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional (art. 41-A, § 2º).

Nenhuma outra atribuição notarial ou registral se apresenta com essas configurações, que tanto vão ao encontro daquilo que está previsto no PL 6.204/19 para os tabeliães de protesto.[10] Vejamos um exemplo: se quisermos fazer uma busca de um registro de nascimento, óbito ou casamento, a central do registro civil de pessoas naturais só fornecerá os dados de Pernambuco e São Paulo, por não existir nem uniformização nacional, nem obrigatoriedade de adesão; mas se quisermos hoje saber com base em CNPJ ou CPF de qualquer pessoa jurídica ou física se existe algum protesto em todo o Brasil encontraremos a resposta em poucos segundos, porque a alimentação desses dados é obrigatória para todos o tabeliães de protesto, sem exceção.

Segundo dados fornecidos pelo “Cartório em Números” passaram em 2020 pela  CENPROT nada menos do que 1.595.470 títulos, o que corresponde em média 132.955 mil títulos processados por mês por todos os cartórios de protesto do País e representa elevada capacidade profissional e autogestão e, neste cenário, os dados apontam para uma recuperação de crédito de R$ 21 bi, o que impactará positivamente quando da implementação do protesto prévio necessário.

Razões que desaconselham a prática dos atos de “agente de execução” por outros delegatários

Alguns argumentos de ordem técnica, jurídica e prática merecem ser destacados para bem demonstrar a falta de lógica e de fundamento legal a respeito do entendimento daqueles que defendem a ampliação das atribuições da competência agente de execução para tabeliães de notas e registradores.

Para tanto, mister se faz tecer algumas considerações e distinções breves acerca da competência especial dos demais delegatários para demonstrar a dissintonia de suas atribuições bem definidas na Lei dos Cartórios (Lei 8.935/94), com aquelas previstas para os tabeliães de protesto enquanto “agentes de execução” no PL 6.204/19.

Do protesto e as afinidades com as atribuições de “agente de execução”:

  1. aderência com o tema principal das atribuições exercidas pelos tabeliães de protesto: recuperação do crédito;
  2. o procedimento administrativo da execução extrajudicial não se afasta das atribuições já exercidas atualmente pelos tabeliães de protesto, uma vez que eles estão afetos à verificação da qualificação e regularidade formal dos títulos que lhes chegam ao conhecimento;[11]
  3. identificam credores e devedores;
  4. envidam todos os esforços para a localização do devedor;
  5. efetuam a intimação do devedor – pessoal ou por meio de editais eletrônicos;
  6. assentam o pagamento e a sustação judicial;
  7. realizam comunicação estreita e constante com o Poder Judiciário;
  8. concedem publicidade à dívida inadimplida;
  9. são imparciais e zelam constante e fielmente pelos direitos e garantias envolvidas nas transações a eles apresentadas;
  10. possuem estruturas física e tecnológica bem montadas, modernas e condizentes com a nova atribuição de agente de execução que o PL 6.204/19 lhes confere;
  11. ostentam capilaridade nacional e contam com a única Central Nacional de Serviços Eletrônicos Compartilhados (CENPROT), criada pela Lei 13.775/18 para dar publicidade e suporte eletrônico a todas as operações, estando a prática definida pelo Provimento 87/19 da CNJ, que dispõe sobre as normas gerais de procedimentos para o protesto extrajudicial de títulos e outros documentos de dívida, além de regular a implantação da aludida “Central”;
  12. Atuam na recuperação de crédito com índices relevantes de eficiência (aprox. 68%) – acima de qualquer outro meio de cobrança – verificando-se o pagamento antes do registro propriamente dito do protesto e, com isso, exercem relevante função socioeconômica atinente à recuperação oficial dos créditos, terminando por fomentar a circulação de bens e riquezas.

Dos Tabeliães de Notas:

A competência dos tabeliães de notas está definida nos arts. 6º e 7º da Lei de Regência, sendo fácil constatar que eles não praticam atos condizentes com as execuções, assim como não estão familiarizados com os títulos de crédito e não praticam atos de intimação.

Destarte, já estão envolvidos com uma gama de atos que lhes exige grandes equipes e responsabilidades, somando-se ao fato do elevado número de pessoas que frequentam os cartórios de notas diariamente buscando autenticações, reconhecimento de firmas, escrituras, atas notariais etc.

Há de se levar em conta também que, em breve, novas atribuições serão incorporadas na competência dos tabeliães de notas, como por exemplo, a prática de despejo extrajudicial para locação residencial e comercial nos casos de desfazimento do contrato por falta de pagamento, prevista no PL 3.999/19, de autoria do Deputado Hugo Leal.

Percebemos ainda que se fosse estendida as atribuições de agente de execução aos tabeliães de notas eles estariam suspeitos em diversas situações para processar a execução por terem lavrado o instrumento público que deu forma ao negócio que, mais adiante, deixou de ser adimplido e transformou-se em título executivo extrajudicial.

Registro Civil de Pessoas Naturais e Pessoas Jurídicas

Nos termos do art. 12 da Lei 8.935/94 esses registradores possuem a competência para a prática de atos relacionados aos registros públicos por definição legal, acerca dos quais são incumbidos independentemente de prévia distribuição, nada obstante estarem sujeitos às normas, que estabelecem as respectivas circunscrições geográficas.

Dessas práticas normatizadas inferimos, sem dificuldades, que nenhuma delas guarda qualquer semelhança ou pertinência temática com o processo e o procedimento executivo extrajudicial delineado no PL 6.204/19 ou cobrança de títulos.

Registro de Imóveis

Também conforme disposição contida no art. 12 da Lei dos Cartórios e art. 167 da Lei dos Registros Públicos, os atos praticados pelos registradores de imóveis não guardam qualquer pertinência com os títulos de crédito e, muito menos, com o processo e procedimento estampado no PL da desjudicialização da execução civil.

Os registradores de imóveis possuem ainda elevada gama de atribuições legais, incorporando-se a elas a prática da usucapião extrajudicial e da retificação de área, dentre outras, além de estudos que estão sendo realizados objetivando esboçar anteprojetos de lei que versarão sobre desjudicialização daadjudicação compulsória e cobrança de dívidas oriundas de obrigações “propter rem”.[12]

Registro de Títulos e Documentos

Segundo a linha do art. 12 da Lei dos Cartórios e a Lei dos Registros Públicos, infere-se que a competência dos registradores de títulos e documentos destina-se à prática de atos específicos sem pertinência com os títulos de crédito e respectiva execução.

Registram documentos em geral para fins de conservação e publicidade e não para obtenção de recuperação de crédito; portanto, sem qualquer pertinência procedimental ou operacional com as atribuições atuais exercidas pelos tabeliães de protesto e, muito menos no futuro, como agentes de execução.

Assim como nos demais casos já analisados, haveria também aqui uma confusão de competências e a inaceitável invasão de atribuições, uma vez que o protesto, a publicidade de dívidas, intimação de devedores, recuperação de créditos (sua principal função social) etc., são atos privativos assim definidos por lei como sendo de competência própria e exclusiva dos tabeliães de protesto.

Poder Judiciário e observância da pertinência temática na prática de atos pelos delegatários

O Poder Judiciário, a começar pelos atos normativos editados pelo Conselho Nacional de Justiça e, em particular, no que concerne às serventias extrajudiciais, pela Corregedoria Nacional de Justiça, tem sido cioso na observância da simetria ditada pelas leis de regência das atividades notariais e registrais[13], de maneira a harmonizar as suas disposições com a especialização dos respectivos cartórios.

Diversos são os atos normativos que seguem criteriosamente a linha das atribuições conferidas em pertinência temática com a especialização dos delegatários, destacando-se alguns para bem demonstrar o excepcional cuidado com que o Conselho Nacional de Justiça trata da matéria, como verdadeiro cânone, cujo eixo central é a busca constante do aprimoramento e eficiência dos serviços prestados.

Vejamos então alguns atos normativos baixados pelo Conselho Nacional de Justiça, em especial pela Corregedoria Nacional de Justiça:

a) Provimento n. 63/17 (alterado pelo Provimento 83/19) que dispõe sobre o reconhecimento de filiação socioafetiva a ser realizado unicamente perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais;

b) Provimento 65/2017 que estabelece as diretrizes para o procedimento da usucapião extrajudicial nos serviços notariais e de registro de imóveis. Neste caso, destacou-se bem os atos praticados pelos tabeliães de notas (atas notariais) e pelos registradores de imóveis (o processamento propriamente da usucapião extraordinária);

c)Provimento 66/2018 que dispõe sobre a prestação de serviços pelos oficiais de registro civil das pessoas naturais mediante convênio, credenciamento e matrícula com órgãos e entidades governamentais e privadas.

Com precisão cirúrgica, o ato normativo observa, fielmente, a simetria que deve ser seguida quando dispõe no art. 2º, que as serventias de registro civil das pessoas naturais, mediante convênio, prestarão serviços públicos relacionados à identificação dos cidadãos visando auxiliar a emissão de documentos pelos órgãos responsáveis. E mais: assenta no parágrafo único, que “os serviços públicos referentes à identificação dos cidadãos são aqueles inerentes à atividade registral, que tenham por objetivo a identificação do conjunto de atributos de uma pessoa, tais como biometria, fotografia, cadastro de pessoa física e passaporte”;

d) Provimento n. 67/2018 dispõe sobre os procedimentos de conciliação e de mediação nos serviços notariais e de registro e ressalta no art. 9º, p. único que “notários e registradores poderão prestar serviços profissionais relacionados com as suas atribuições às partes envolvias, em sessão de conciliação e mediação de sua responsabilidade”.

e) Provimento n. 72/2018 trata das medidas de incentivo à quitação ou à renegociação de dívidas protestadas nos tabelionatos de protesto;

f) Provimento n. 86/2019, que dispõe sobre a possibilidade de pagamento postergado de emolumentos, acréscimos legais e demais despesas, devidos pela apresentação de títulos ou outros documentos de dívida para protesto, tudo a ser realizado exclusivamente perante o cartório competente;

g) Provimento 88/2019 que dispõe sobre a política, os procedimentos e os controles a serem adotados pelos notários e registradores visando a prevenção dos crimes de lavagem de dinheiro, previstos na Lei 9.613/98 e do financiamento do terrorismo, previsto na Lei 13.260/16. Aqui também vemos a estrita simetria entre os atos praticados de acordo com as respectivas atribuições, tanto que o Provimento é dirigido aos tabeliães de notas, oficiais de registro de contratos marítimos, tabeliães de protesto de títulos, oficiais de registro de imóveis, oficiais de registro de títulos e documentos e civis de pessoas jurídicas (art. 2º);

h) Provimento 119/21 altera o Provimento nº 62, de 14 de novembro de 2017 e revoga o Provimento nº 106, de 17 de junho de 2020 e baseia-se na Resolução CNJ 228, de 22 de junho de 2016 (alterada pela Resolução CNJ 392/21) que, por seu turno, regulamenta a aplicação, no âmbito do Poder Judiciário, da Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros, celebrada na Haia, em 5 de outubro de 1961 (“Convenção da Apostila”), ampliou a prática do apostilamento para todos os titulares dos serviços extrajudiciais.

A ampliação do apostilamento eletrônico a ser realizado por todos os cartórios extrajudiciais afigura-se uma boa providência tomada pelo Conselho Nacional de Justiça, na exata medida em que a prática da chancela de documentos produzidos em território nacional para atender os fins definidos na denominada “Convenção da Apostila” pois aumenta sensivelmente o espectro de abrangência dos serviços prestados, sem que importe em violação ou inobservância do princípio da especialização de competências dos tabeliães e registradores, tornando mais fácil o acesso e mais célere o resultado buscado pelos consumidores desses serviços.

Isso porque o apostilamento de documentos não requer conhecimento específico por parte dos notários e registradores para os fins a que se destinam, tornando-se despiciente a observância de pertinência temática do objeto do apostilamento com a competência dos delegatários. Ademais, o apostilamento não é ato de ofício dos delegatários, mas atribuição que lhes confere o Conselho Nacional de Justiça mediante a expedição de Provimentos que regulamentam a atuação das autoridades apostilantes.

Destarte, a prática do apostilamento passa pela observância de exigências legais que são atendidas, necessariamente, por todos os delegatários, assim consideradas a organização técnica e administrativa voltadas a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, dotados de fé pública e prestadores de serviços com adequação e eficiência (arts. 1º, 3º e 4º da Lei 8.935/94).

Ao alterar o Provimento 62/17, o Provimento 119/21 observou a importância da capacitação dos delegatários e escreventes para a prática do apostilamento, a ser oferecida por suas entidades de classe, sob supervisão do Conselho Nacional de Justiça (art. 4º), fazendo-se mister a aprovação em curso.

Conclusão:

A Lei 8.935/94 ao regulamentar o art. 236 da Constituição Federal, que dispõe sobre os serviços notariais e registrais foi exemplar ao observar a simetria que deve ser seguida pelos delegatários na pratica de atos atinentes as suas respectivas competências, cônscio o legislador de que a pertinência temática é o vetor da excelência dos serviços por eles prestados aos consumidores do direito (qualidade satisfatória, eficiência, rapidez  e segurança – arts. 1º e 4º c/c arts. 30, II e 38).

Seguindo a lógica legislativa, o Projeto de Lei que trata da desjudicialização da execução civil, confere tão somente aos tabeliães de protesto as novas atribuições de “agente de execução”, justamente, por serem eles os únicos delegatários com conhecimento profundo sobre títulos de créditos e documentos afins e com competência privativa para a prática de atos definidos no art. 11 da Lei de Regência.

Da mesma forma, as leis extravagantes, que trataram de temas diversos afeitos à desjudicialização, observaram também, atentamente, a simetria das atribuições que foram conferidas aos delegatários com aquelas inerentes às respectivas competências privativas.[14]

Como não poderia deixar de ser, a mesma linha da pertinência temática vem sendo observada em Resoluções do Conselho Nacional de Justiça e nos Provimentos da Corregedoria Nacional de Justiça.

Viola não só o bom senso, mas toda a lógica contida de maneira robusta no sistema normativo, a começar pela própria Lei dos Cartórios, o entendimento equivocado que pretende estender para outros delegatários as atribuições conferidas ao tabelião de protestos no PL 6.204/19.

Com todas as vênias, tudo converge cada vez mais em pleno século XXI para a especialização das atividades prestadas em todos os ramos do conhecimento, não sendo diferente na seara do Direito, do Poder Judiciário e de seus delegatários.

É inegável a perfeita simetria verificada entre a competência definida por lei aos tabeliães de protesto (Lei 8.935/94, art. 11; Lei 9.492/97, art. 3º) com a nova atribuição conferida em proposta legislativa (PL 6.204/19 arts. 3º e 4º) assim como é inconteste a pertinência temática do protesto com o procedimento da execução civil desjudicializada, somando-se ao fato de que somente este delegatário – e mais ninguém – é afeito aos títulos de crédito e documentos afins com atribuição privativa, definida por lei, para o exercício deste mister.[15]

De outra banda, os 3.779 cartórios, que prestam serviço especializado de protesto, estão capilarizados por todo o território nacional e atendem os 5.570 municípios, em número mais do que suficiente para absorver a nova atribuição de “agente de execução”.

Estamos certos de que a delegação das atividades executivas civis atinentes aos títulos extrajudiciais e judiciais condenatórios de quantia certa contra devedor solvente, conferida no PL 6.204/2019 aos tabeliães de protesto significa, nada mais, nada menos, do que um enorme avanço legislativo em prol segurança jurídica e eficiência dos serviços prestados em favor dos jurisdicionados, em sintonia fina com os desígnios da Agenda 2030/ONU-ODS e do Poder Público, sem descurar da presença indispensável dos advogados em todos os atos do procedimento desjudicializado.

Se violarmos o princípio da especialização, que norteia a prestação dos serviços extrajudiciais, estaremos subvertendo a ordem legal rumo ao retrocesso indesejado com o fim das competências privativas dos notários e registradores, em detrimento da qualidade e da eficiência dos serviços prestados por todos os delegatários.

A desjudicialização da execução civil somente conseguirá atingir os elevados fins a que se destina – e que todos esperam – em sintonia com a chamada “Justiça 4.0”, se for colocada em prática por intermédio da atuação firme e qualificada dos tabeliães de protesto, sob pena de colocar em risco o sucesso da própria Meta 9 do Poder Judiciário.

Estender o novo mister para outros delegatários além dos tabeliães de protesto é colocar em xeque o êxito tão esperado da desjudicialização da execução civil, em prenúncio sombrio do fim das especializações dos serviços prestados pelas serventias extrajudiciais que, ao fim e ao cabo, todos sairão perdendo, sobremaneira os jurisdicionados.

Artigo publicado no Migalhas, de 15 de setembro de 2021.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVIM, Arruda; FIGUEIRA JR. Joel Dias. “O fenômeno global da desjudicialização, o PL 6.204/19 e a Agenda 2030/ONU-ODS”, Migalhas n. 4.979, de 16 de novembro de 2020.

___________________________“Razões para atribuir as funções de agente de execução aos tabeliães de protesto: reflexões sobre a desjudicialização da execução civil (PL 6.204/19)”. Migalhas de 1º de fevereiro de 2021.

ARAÚJO, Luciano Vianna; DOTTI, Rogéria; LUCON, Paulo. “Desjudicialização da execução civil: a quem atribuir as funções de agente de execução?” Conjur de 10/12/20.

CHINI, Alexandre; MARTINS, Humberto. “Os efeitos desjudicializantes do art. 517 do Novo Código de Processo Civil”. O CPC de 2015 visto pelo STJ  (Coord. Teresa Alvim, Sérgio Kukina et al.). São Paulo: Editora RT, 2021.

CANTÍDIO, Cristiana C. do Amaral. Dissertação de Mestrado. Universidade de Marília-SP, 2021. “Notários e Oficiais de Registro como Agentes de Execução Civil Extrajudicial: Sugestões para o Projeto de Lei n. 6.204, de 2019”.

CORTEZ, Renata; RIBEIRO, Flávia Pereira. “Reflexões sobre o parecer do Conselho Federal da OAB sobre o PL 6.204;19 – Porque a função de agentes de execução deve ser delegada aos tabeliães de protesto, nos termos do PL 6.204/19 – Parte I”. Migalhas 21/9/20; “Reflexões sobre o parecer do Conselho Federal da OAB sobre o PL 6.204/19.  Porque a função de agentes de execução não deve ser realizada por advogados, nos termos do projeto de lei 6.204/19 – Parte II”. Migalhas, 14/10/20.

FARIA, Márcio Carvalho. “Primeiras impressões sobre o Projeto de Lei n.º 6.204/2019: críticas e sugestões acerca da tentativa de se desjudicializar a execução civil brasileira”. São Paulo: Revista de Processo vols. 313/317. 2021

FIGUEIRA JR. Joel Dias. Arbitragem. Rio de Janeiro: Forense, ed. 3ª, 2019.

_____________________ “Da constitucionalidade da execução civil extrajudicial – Análise dogmática do PL 6.204/2019”. Reflexões sobre a desjudicialização da execução civil” (coletânea de estudos, coord. Elias Medeiros Neto e Flávia Ribeiro). Curitiba: Juruá Editora, 2020.

HILL, Flávia Pereira.  “Desjudicialização da Execução Civil: reflexões sobre o Projeto de Lei nº 6.204/2019”. Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Rio de Janeiro: Ano 14. Volume 21. Número 3. Set/Dez de 2020.

WOLKART, Erik Navarro. Análise econômica do processo Civil – Como a economia, o direito e a psicologia podem vencer a “tragédia da Justiça”. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ed. 2ª, 2020.


NOTAS

[1] Dedico este modesto estudo ao eterno Mestre e Amigo Arruda Alvim, jurisconsulto de escola que esteve sempre com sabedoria e humildade, avante de seu tempo, um visionário que não se conformava em pensar e escrever as novas linhas da ciência do Direito, transformando-as em prática cotidiana. Talvez uma das últimas e maiores lições do Mestre tenha sido a desjudicialização, e, com isso, o reforço ao desfazimento do mito de que a Justiça deva ser administrada somente pelos seus juízes. A prova do que afirmo – se é que precisa – está em sua doutrina sobre a jurisdição privada, no apoio incondicional ao PL 6.204/19 e nas atuações firmes, por mais de uma década, junto ao Supremo Tribunal Federal, no que concerne a defesa da constitucionalidade da execução hipotecária e da alienação fiduciária de imóveis. Tempus fugit…

[2] Pós-doutor pela Università degli Studi di Firenze, Doutor e Mestre pela PUC/SP. Membro da Academia Brasileira de Direito Civil e do IBDP; Professor de Cursos de Pós-graduação do CESUSC; foi Presidente da Comissão de Juristas que elaborou o anteprojeto de lei que deu origem ao PL 6.204/19; integrou a Comissão Especial de Assessoria da Relatoria-Geral  do Código Civil na Câmara dos Deputados. Membro do Comitê Brasileiro de Arbitragem-CBAr. Desembargador aposentado do TJSC. Advogado, Consultor Jurídico e Parecerista.

[3] V. Erik Wolkart. Analise Econômica do Processo Civil, pp. 657 e ss. 2020.

Há muito a prestação da tutela jurisdicional estatal, em razão elevado do volume de demandas, deixou de ser prestada de fato pelos seus juízes… o número sempre crescente de processos em desproporção ao de magistrados, somado ao perverso sistema recursal e meios de impugnação infindáveis e inçados de dificuldades, ocasionam o surgimento de uma espécie perversa “dependência do staf” com a qual convivemos há décadas, e como “Alice no País das Maravilhas”, precisamos crer que a jurisdição estatal é forjada pelos juízes.

[4] Neste sentido v.: Cristiana C. do Amaral Cantídio. Dissertação de Mestrado – Universidade de Marília, 2021. “Notários e Oficiais de Registro como Agentes de Execução Civil Extrajudicial: Sugestões para o Projeto de Lei n. 6.204, de 2019”; Flávia Hill. “Desjudicialização da Execução Civil: reflexões sobre o Projeto de Lei nº 6.204/2019; Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Rio de Janeiro. Ano 14. Volume 21; Marcio Faria. “Primeiras impressões sobre o Projeto de Lei n.º 6.204/2019: críticas e sugestões acerca da tentativa de se desjudicializar a execução civil brasileira”. São Paulo: Revista de Processo vols. 313/317. 2021. Também defendem esse entendimento no GT-CNJ criado para diagnosticar, avaliar e apresentar medidas voltadas à modernização e efetividade de atuação do Poder Judiciário, os seguintes integrantes: Candice Jobim, Antônio A. Aguiar Bastos, Marcelo Abelha Rodrigues e Heitor Sica.

[5]  Vejamos, por exemplo, uma comparação entre o número de varas cíveis em São Paulo Capital (em torno de 70 unidades) e o número de cartórios de protestos (10 unidades). Numa breve análise superficial exploratória, no confronto com os últimos dados divulgados no “Justiça em Números”, na Justiça Estadual em média 6% das ações são execuções de títulos executivos extrajudiciais. Apenas para argumentar, se todas as execuções tramitassem nas 70 varas cíveis (o que não ocorre em face das especializações) e dividíssemos o percentual de demandas executivas pelo número de varas chegaríamos a um resultado de 4,2unidades; em outros termos, para atender o acervo atual de todas as ações de execução de títulos executivos extrajudiciais seriam suficientes apenas 4,2 cartórios de protesto, isto ainda sem considerarmos que não haverá redistribuição de todas as ações em curso.

[6] “Os efeitos desjudicializantes do art. 517 do Novo Código de Processo Civil”. O CPC de 2015 visto pelo STJ  (Coord. Teresa Alvim, Sérgio Kukina et al.) São Paulo: Editora RT, 2021.

[7] Idem, ibidem.

[8] “Art. 11. Aos tabeliães de protesto de título compete privativamente: I – protocolar de imediato os documentos de dívida, para prova do descumprimento da obrigação; II – intimar os devedores dos títulos para aceitá-los, devolvê-los ou pagá-los, sob pena de protesto; III – receber o pagamento dos títulos protocolizados, dando quitação; IV – lavrar o protesto, registrando o ato em livro próprio, em microfilme ou sob outra forma de documentação; V – acatar o pedido de desistência do protesto formulado pelo apresentante; VI – averbar: a) o cancelamento do protesto; b) as alterações necessárias para atualização dos registros efetuados; VII – expedir certidões de atos e documentos que constem de seus registros e papéis. Parágrafo único. Havendo mais de um tabelião de protestos na mesma localidade, será obrigatória a prévia distribuição dos títulos.”

[9] Cf. Arruda Alvim & Joel Figueira Jr., “O fenômeno global da desjudicialização, o PL 6.204/19 e a Agenda 2030/ONU-ODS”, Migalhas n. 4.979, de 16 de novembro de 2020.

[10] Conforme disposto no Provimento 87/19 da CNJ, art. 16, incumbe aos tabeliães a autogestão da atividade, correção de prazos de procedimentos, excessos de prazos etc. e funcionam como órgão de colaboração com a Corregedoria-Nacional de Justiça e Corregedorias locais.

[11] Vale lembrar que o art. 11 da Lei 8.935/94 dispõe, inverbis: “Art. 11. Aos tabeliães de protesto de título compete privativamente: I – protocolar de imediato os documentos de dívida, para prova do descumprimento da obrigação; II – intimar os devedores dos títulos para aceitá-los, devolvê-los ou pagá-los, sob pena de protesto; III – receber o pagamento dos títulos protocolizados, dando quitação; IV – lavrar o protesto, registrando o ato em livro próprio, em microfilme ou sob outra forma de documentação; V – acatar o pedido de desistência do protesto formulado pelo apresentante; VI – averbar: a) o cancelamento do protesto; b) as alterações necessárias para atualização dos registros efetuados; VII – expedir certidões de atos e documentos que constem de seus registros e papéis.”

[12] Tenho a honra de integrar o seleto Grupo de Estudos sobre desjudicialização imobiliária, coordenado pela Dra. Patrícia Ferraz, com a participação dos Drs. Flávio Tartuce, Fredie Didier Jr., Melhim Chalub, Marcio Faria, Pedro Cortez, Olivar Vitale Jr., André Villaverde e Bernardo Chezzi.

[13] Lei 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos); Lei 8.935/94 (Lei dos Cartórios que regulamenta o art. 236 da CF); Lei 9.492/97 (Lei dos Tabeliães de Protesto).

[14]V.g. retificação do registro imobiliário – Lei nº 10.931/2004; inventário, da separação e do divórcio – Lei nº 11.441/2007; retificação de registro civil – Lei nº 13.484/2017; usucapião extrajudicial instituída pelo Código de Processo Civil (art. 1.071 – LRP, art. 216-A).

[15] Lei 8.935/94, art. 11.

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