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Os direitos fundamentais nos 35 anos da Constituição (parte 2)

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24/11/2021

REVISTA FORENSE – VOLUME 145
JANEIRO-FEVEREIRO DE 1953
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto

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SUMÁRIO: A Constituição como lei suprema – Palavras de MARSHALL – Veto presidencial – Doutrina norte-americana – Opinião de GABINO FRAGA – Conclusões.

Autores

Antônio Carrillo Flores, professor de Direito Administrativo da Escola Nacional de Jurisprudência do México.

O Executivo e as leis inconstitucionais

 A Constituição como lei suprema

*O problema de saber se a autoridade administrativa está habilitada a não aplicar uma lei no sentido formal e material, porque a julgue contrária a um preceito constitucional, é um dos mais importantes que já surgiram em nosso meio jurídico e o projeto do ministro GABINO FRAGA, recém-publicado pela “Revista de la Escuela Nacional de Jurisprudencia”, é o melhor esfôrço que, para abordá-lo e resolvê-lo, se levou a cabo até hoje no seio da Suprema Côrte. O Tribunal Fiscal da Federação realizou, há certo tempo, um estudo talvez tão sério como o do ministro FRAGA, apesar da menor autoridade dêsse órgão, estudo cuja transcendência motiva o presente comentário e cuja aprovação, em definitivo, pela Sala Administrativa, não poderá ser posta em comparação com o esfôrço intrinsecamente tão valioso dos magistrados VASQUEZ, AZUELA e MAYORAL.

Quem êste escreve teve ocasião de ocupar-se, antes, do assunto. Hoje, como das vêzes anteriores, pode oferecer mais que uma solução às dúvidas dirigidas contra qualquer das duas teses radicais que pretendem resolver, em um sentido ou outro, a questão.

Se a Constituição é, de tôdas as leis, a suprema, parece óbvio, e o é, que uma lei secundária não pode, sem subverter todo o nosso ordenamento jurídico, pretender modificar textos de norma superior. Uma vez que a oposição ficou estabelecida, o dever de um organismo qualquer da autoridade, para obedecer aos textos constitucionais e afastar-se de lei secundária que a enfraqueça, é indubitável.

Palavras de MARSHALL

As palavras de MARSHALL hoje, como em 1803, continuam com o seu valor, apesar de que, como se verá a seguir, êle as tenha dirigido especialmente aos tribunais e aos órgãos legislativos e só, acidentalmente, às autoridades administrativas:

“Nenhuma pessoa, diz a Constituição, poderá ser condenada por traição, a menos que existam duas testemunhas ou faça uma confissão em audiência judicial pública. Aqui, se dirige a Constituição especialmente aos tribunais. Prescreve, diretamente para êles, uma regra de valorização da prova a que hão de sujeitar-se. Se a legislatura trocasse esta regra para declarar que um testemunho ou uma confissão extrajudicial baste para a condenação, deve o princípio constitucional ceder ante o mandamento legislativo? Desta, assim como de muitas outras citas que se poderiam fazer, fica claro que os autores da Constituição olharam êsse instrumento como uma regra para govêrno dos tribunais em igual forma que para o da legislatura. Como se não, se obriga os juízes a jurar sua obediência? Êste juramento certamente que rege, de maneira especial, sua conduta oficial. Que imoral seria, do contrário, impor-se-lhes se os próprios tribunais são para ser usados como instrumentos e, sobretudo, instrumentos conscientes, para violar o que juraram apoiar. O juramento do cargo impôsto pela legislatura é também demonstrativo da opinião dos legisladores sôbre o assunto. Está êle concebido nos seguintes têrmos: “Juro solenemente que administrarei a justiça sem distinção de pessoas, que reconhecerei iguais direitos, ao pobre e ao rico e que cumprirei sincera e imparcialmente todos com todos os deveres que me competem, até o limite do meu entendimento e de minha capacidade, de acôrdo com a Constituição e as leis dos Estados Unidos”. Porque jura um juiz cumprir e desempenhar seus deveres de acôrdo com a Constituição dos Estados Unidos, se essa Constituição não é para êle uma regra que o governe, se ela está cerrada e não lhe é acessível? Se tal fôsse o estado real da coisa, seria pior que uma burla. Obrigar a prestar um juramento em tais condições, seria igualmente um crime”.

À parte central do seu raciocínio, como se observa, MARSHALL a liga especialmente com os deveres dos juízes, porém, na parte final de sua opinião, ainda que sem desenvolver o conceito, emprega uma fórmula que pode ser vàlidamente invocada pelos partidários da tese que hoje sustenta o ministro FRAGA. Diz o ilustre presidente:

“Em conseqüência, a fraseologia particular da Constituição dos Estados Unidos da América confirma e fortalece o princípio, concedido como essencial em tôdas as Constituições escritas, de que uma lei contrária à Constituição é nula e que os tribunais, como todos os departamentos, estão ligados por êsse instrumento”.

Refere-se MARSHALL a todos os departamentos, inclusive, pois, o Executivo, e, se se recorda que antes alude ao que chamamos “protesto constitucional” e que êle, de acôrdo com o texto americano citado em nosso art. 128, obriga também os funcionários administrativos, não pode com firmeza negar-se que, no pensamento de MARSHALL, também os órgãos da administração estão obrigados a preferir, no caso de oposição, o texto constitucional ao de uma lei secundária.

Infelizmente, MARSHALL não teve ocasião de desenvolver êste aspecto dos princípios que êle recolheu no caso de Marbury contra Madison. Mais ainda, certos fatos posteriores, que foram postos a pêlo por quem êste tema investigou no país vizinho, revelam que há razões inclusive para pensar que, meses depois de haver pronunciado a célebre executória, MARSHALL já duvidou do alcance dêsses mesmos princípios ao endereçá-los, não à autoridade administrativa, mas à própria autoridade judicial.

Tratava-se de determinar se o magistrado CRASE, da Côrte Suprema, podia ser indiciado por suas interpretações constitucionais e MARSHALL propôs, como solução, para não se chegar a tal extremo, que, depois de emitida uma declaratória de inconstitucionalidade, a legislatura reconsiderasse a lei tida como espúria e que, se a confirmasse, a mesma passaria a ser obrigatória, inclusive para os juízes. “Penso”, diz textualmente em carta datada de Richmond, a 23 de janeiro de 1804, “que a doutrina da responsabilidade (impeachment) deve ser sustentada pela que reconheça uma jurisdição de apelação ha legislatura. Uma revogação de decisões judiciais, que parecessem incorretas na legislatura, harmonizaria melhor com a suavidade do nosso caráter que a remoção do juiz…” (BEVERAGE, “Life of John Marshall”, volume III, ed. 1919, pág. 176). Em outras palavras, ainda quando MARSHALL fixou, com um vigor ainda não superado até hoje, o direito dos juízes de desobedecer às leis do Congresso por motivos de inconstitucionalidade, parece que subordinou, em definitivo, êste direito (ou pelo menos propôs que, sem tocar na Constituição, se subordinasse êste direito) a um exame constitucionalmente para as relações entre o Executivo e o Legislativo.

O mecanismo não chegou a ser acolhido; êle, em câmbio, existe constitucionalmente para as relações entre o Executivo e o Legislativo. Uma lei vetada pelo Executivo pode ser confirmada pelas Câmaras e, para esta suposição, a Constituição é expressa: “o projeto será lei e voltará ao Executivo para a sua promulgação” (art. 72, inciso c). Que significação, que alcance deve dar-se a tão categórico preceito?

Veto presidencial

É certo que a Constituição mexicana não especifica as razões em que deva fundar-se o veto presidencial; todavia os antecedentes do art. 72 da Constituição revelam, com clareza, que as observações do Executivo a um projeto de lei sòmente podem apoiar-se ou na anticonstitucionalidade do mesmo ou na sua inoportunidade, isto é, ou em considerações jurídicas ou de conveniência pública. Nos Estados Unidos, os §§ 2° e 3º da seção sétima do art. 1° da Constituição estabelecem, em. essência, o mesmo regime para o veto do presidente, que os diversos incisos do nosso art. 72. Dizem, em sua primeira parte, tais parágrafos: “Todo projeto que haja sido aprovado na Câmara dos Representantes e no Senado, antes de converter-se em lei, será apresentado ao presidente dos Estados Unidos; se êle o aprovar, o assinará, mas, se não o fizer, o devolverá, com suas objeções, à Câmara de que haja vindo, que reconsiderará o projeto. Se, depois dessa reconsideração, duas têrças partes da Câmara convenham em aprovar o projeto, será enviado, junto com as objeções, à outra Câmara, pela qual será reconsiderado de igual maneira, e, se fôr aprovado por duas têrças partes dessa Câmara, o projeto será lei”.

CORWIN comenta êste poder da seguinte maneira: “… o veto presidencial derivou da convicção geral, nos autores da Constituição, de que, sem essa defesa contra a legislatura, o Executivo breve se fundiria em nada. Que forma, porém, ia assumir o veto: ia ser absoluto ou qualificado, e, neste último extremo, por que voto iam ficar capacitadas as Câmaras do Congresso para apreciá-lo; ia o presidente exercê-lo só ou associado com um Conselho de Revisão de que tomasse parte um número conveniente de juízes nacionais”? Ao passo que a primeira pergunta foi ràpidamente contestada, a Convenção vacilou, quase até o dia do seu encerramento, entre as duas têrças ou as três quartas partes de voto, em ambas as Câmaras, para apreciar um veto, e só uma minoria menos pertinaz sustentou a proposta do Conselho de Revisão. A recusa final desta idéia, deixando o presidente como o único árbitro no exercício dêste poder, foi uma decisão de suma importância”.

“Naturalmente que o veto não escapou à perspicácia dos americanos para dar corpo às limitações constitucionais. O veto era apenas uma arma defensiva do presidente, era o meio que se lhe outorgava para cumprir com o seu juramento de preservar, proteger e defender a Constituição e não deveria usá-lo para qualquer outro propósito e nem estendê-lo às leis de ingresso, dado que o rei da Inglaterra nunca o havia usado a respeito delas, nem deveria usá-lo em assuntos “insignificantes e triviais”, como os decretos de pensões; nunca se entendeu outorgado apenas para satisfazer aos desejos presidenciais, mas que seu uso deveria repousar em considerações de grande valor e assim sucessivamente. Apesar dos esforços que se fizeram para limitar o poder, esforços que derivavam em uma clara, ainda que especiosa, correção da raridade do veto na história da Inglaterra, fracassaram êles desde o princípio. WASHINGTON exerceu o poder duas vêzes: uma, fundado em considerações constitucionais, e outra, em razões de expedição. Nem ADAMS nem JEFFERSON exerceram êste poder em caso algum. Dos seis vetos propostos por MADISON, quatro apresentavam objeções constitucionais às leis atacadas e dois objeções de política. Ao resumir a história do veto no primeiro século sob a Constituição, a primeira autoridade (EDWARD G. MASON) disse: “Desde a administração de JACKSON até a Guerra Civil, os vetos fundados em considerações de eficácia foram mais freqüentes, mas foram, no entanto, minoria. Desde a Guerra Civil, os argumentos constitucionais nas mensagens do veto hão sido quase desconhecidos” (“The President Office and Powers”, 1941, páginas 283 e 284).

Constituição panamenha de 13 de fevereiro de 1904 parece haver acolhido a proposta, recusada na Constituinte norte-americana, de ligar o exercício do veto com uma verificação judicial da constitucionalidade da lei: “Em seu art. 105 expressa que, se o Poder Executivo objetar um projeto por anticonstitucional e a Assembléia insistir em sua adoção, o passará à Suprema Côrte de Justiça para que, dentro de seis dias, decida sôbre a sua exeqüibilidade. A decisão afirmativa da Côrte obriga o Poder Executivo a sancionar ou promulgar a lei. Se ela fôr negativa, arquivar-se-á o projeto” (J. JORGE ALVARADO, “El recurso contra a constitucionalidade das leis”, Madri, 1920, pág. 40).

Não parece, pois, duvidoso que o inciso c do art. 72 da Constituição vigore, inclusive quando o veto se funda em considerações de constitucionalidade.

Pois bem, se a lei confirmada pelo Congresso deve ser promulgada pelo presidente, não se afigura anômalo e contrário à parte I do art. 89 da Constituição pretender que essa lei seja promulgada, mas não cumprida?

O ministro FRAGA sustenta, em seu projeto que, ao redigir-se a parte I do artigo 89, não pôde estar no pensamento dos seus autores outra possibilidade que a das leis constitucionais; que êles, portanto, não podiam prever que se daria ocaso de que o presidente devesse enfrentar o problema das leis inconstitucionais.

Tal argumento não me convence. O fenômeno da inconstitucionalidade não é insólito ou extraordinário, mas uma suposição comum em numerosos preceitos de nossa Lei Suprema. O veto, já dissemos antes, foi concedido ao presidente como medida de defesa da Constituição contra as “usurpações” do Congresso; o art. 133, da Constituição, tantas vêzes citado quando. se aborda êste problema, admite também a legislação inconstitucional e, para não fazer senão mais uma citação, o art. 103, relativo ao amparo, se refere, em suas três partes, às leis inconstitucionais.

Não parece exato, pois, que a Constituição pretenda que tôdas as leis se ajustarão a ela, mas, ao contrário, bem sabe que se pode infringi-la. Prevê, inclusive, em seu art. 136, o caso de seu total abandono. Isto admitido, não me parece jurídico interpretar o inciso c do art. 72 independentemente da parte I do artigo 89; se o primeiro manda o presidente promulgar inclusive as leis que êle haja objetado como inconstitucionais, e o segundo o manda indiscriminadamente cumprir as leis que haja promulgado, creio que se há de aceitar, como conclusão forçada, que a regra constitucional é que o Executivo está obrigado a cumprir as leis do Congresso, inclusive se êle pensa que são inconstitucionais. (Se o veto não foi apôsto nos têrmos do inciso b do art. 72, o projeto de lei “reputa aprovado” pelo Executivo, e, se foi aprovado em tão importante ocasião, não é senão natural que tôda dúvida posterior careça de significado e transcendência. Admitir o contrário levaria a dotar o presidente de um poder indefinido e ilimitado ali onde a Constituição quis que só gozasse dêle por 10 dias.)

Doutrina norte-americana

Creio que seja esta, também a doutrina americana:

“Ninguém duvida que o presidente possua prerrogativas que o Congresso não pode constitucionalmente invadir, mas ninguém tampouco duvida que êle está na obrigação de cuidar que as leis sejam corretamente executadas. Está dotado pela Constituição de um veto qualificado sôbre as leis do Congresso, com a idéia, entre outras, de que possa assim, proteger suas prerrogativas de invasões por parte da legislatura, mas, uma vez que êste poder foi exercitado, sua autoridade de defesa própria terminou, e se a lei foi devidamente aprovada, seja com seu protesto, seja com sua aprovação, deve promover o seu cumprimento com todos os poderes que estão constitucionalmente às suas ordens, até que pelo menos tal cumprimento esteja impedido por um processo judicial regular. Seu juramento constitucional, longe de minorar esta obrigação, a reforça” (CORWIN, ob. cit., pág. 152).

Em idêntico sentido o atual presidente da Côrte, HARLAN F. STONE, diz: “Deve-se recordar que o poder de declarar inconstitucional a legislação é de caráter puramente judicial” (“Law and its Administration”, 1915, pág. 138).

Por último, esta é também a opinião do procurador, conselheiro jurídico do governo, que deixou exposta PALMER e que recolheu depois HOMER CUMMINGS: “Ordinàriamente, não está dentro da órbita do procurador geral declarar inconstitucional uma lei do Congresso; como departamento executivo que é, seu dever é cumpri-la enquanto não fôr declarada inconstitucional pelos tribunais” (“Federal Justice”, 1937, pág. 516).

É a regra absolutamente geral e não admite exceção em caso algum? Não chego, tampouco, a, tal extremo. Penso que, quando um preceito constitucional outorga diretamente uma faculdade ou impõe uma obrigação a um órgão do poder e assinala o conteúdo concreto da faculdade ou do dever (que é precisamente o exemplo apresentado por MARSHALL para ilustrar a sua tese), dito órgão, em virtude do protesto constitucional outorgado nos termos do art. 128, está obrigado a acatar o preceito de hierarquia superior; mas há de tratar-se, como já se indicou, de um preceito constitucional de conteúdo concreto e que esteja, ademais, recomendado em sua execução e, conseguintemente, sua interpretação, ao presidente ou aos órgãos que dêle dependem e não ao Congresso.

Vários exemplos desta espécie podem ser assinalados. Diz o art. 8 ° que “a tôda petição deverá corresponder um acôrdo escrito de autoridade a quem se haja dirigido”; uma lei que manda não contestar as petições, notòriamente poderia e deveria ser desobedecida, não só pelo presidente da República, mas também por qualquer autoridade. O art. 19, em relação com a parte XII do art. 107 da Constituição, estabelece que os alcaides e os carcereiros, que não recebam cópia autorizada do auto de formal prisão de um detido, dentro das 72 horas, contadas daquela em que esteja à disposição de ser juiz, deverão chamar a atenção dêste sôbre dito assunto, e se não recebem a confirmação mencionada dentro das três horas seguintes, o porão em liberdade. De acôrdo com êste preceito, um carcereiro não sòmente pode, mas deve desobedecer a qualquer disposição contida em um Código de processos penais que autorize uma detenção por mais de 72 horas, sob qualquer pretexto ou fundamento. Diz o art. 21 que a autoridade administrativa, ao castigar, infrações a regulamentos governativos, ùnicamente poderá impor multa ou prisão até por 36 horas; se uma lei assinala outra sanção e fixa um prazo maior para a prisão, pode e deve ser desobedecida. Uma lei que, em regime normal de garantias, impusesse o registro de correspondência que circule sob proteção de estafetas, poderia e deveria ser desobedecida, não sòmente pelo presidente da República, mas também pelo mais modesto empregado dos Correios, para cumprir o art. 25. Uma lei que limitasse a faculdade do Executivo para fazer abandonar o território nacional, imediatamente e sem necessidade de julgamento prévio, um estrangeiro cuja permanência julgue inconveniente, poderia e deveria ser desobedecida com apoio no art. 33. Uma lei que limitasse o direito do presidente de nomear e remover os secretários do Despacho, o procurador da República e os governadores dos Territórios, poderia e deveria ser desobedecida, etc.

Infelizmente, os casos são suscitados, no problema, objeto dêste comentário, não são dêste caráter nem têm esta qualidade. Isto o sabem muito bem os teóricos do sistema que nos serviu de modêlo.

“Desde 189, aproximadamente”, diz o Prof. EDWARD S. CORWIN, “três coisas ocorreram na supervisão constitucional das leis do Congresso pela Côrte: esta, em primeiro lugar, vem-se baseando, cada vez mais, em doutrinas de conteúdo vago e variável, tal como a moderna teoria do “devido processo legal” e do “duplo federalismo”; em segundo lugar, “sua invocação destas doutrinas contra as leis do Congresso tomou, conseqüentemente, a aparência do “exercício de um poder político mais bem que a do pronunciamento de um juiz legal”; por último, houve um progressivo abandono do princípio da stare decisis no campo constitucional. Em suma a Côrte se tem convertido cada vez mais em uma espécie de superlegislatura e suas decisões constitucionais têm vindo a recolher, cada vez mais, pontos de vista de natureza controvertida” (ob. cit., pág. 295). E qualquer que seja a doutrina que se aceite, com respeito ao que é uma Constituição, e apesar de que é indubitável, a meu juízo, que o maior valor desta não é jurídico, mas político, quando ela consagra as bases para a reprodução da ordem legal, tem que empregar fórmulas de uma grande generalidade que permitem normalmente as mais variadas interpretações (que é “equitativo” em matéria tributária?, quem realiza trabalho “prejudicial à sociedade”?, que é “interêsse público” que justifica a expropriação?). Daí resulta que é muito raro que os problemas de inconstitucionalidade se apresentem como problemas de incompatibilidade lógica entre dois textos de conteúdo contraditório; geralmente surgem depois que de um texto constitucional se fêz uma interpretação que se confronta com aquela que sustenta a norma secundária cuja validade se examina. Em outras palavras, os problemas de inconstitucionalidade são, na maioria dos casos, controvérsias oriundas, não da incompatibilidade dos textos, mas do propósito de que sôbre a interpretação do legislador prevaleça a do julgador. Por isto, CARL SCHMIDT, com grande acêrto, disse que: “Tôda instância que põe fora de dúvida e resolve autênticamente o conteúdo duvidoso de uma lei, realiza, de maneira efetiva, uma missão de legislador. E se resolve de modo indubitável o conteúdo duvidoso de uma lei formulada na Constituição, procede como legislador constitucional” (“La Defensa de la Constitución”, edição espanhola de 1931, pág. 60).

Pois bem, teria estado no propósito dos constituintes mexicanos fazer do presidente da República e dos órgãos a êle subordinados legisladores constitucionais? Dar-lhes tal caráter implica um progresso nas formas constitucionais ou uma regressão?

Opinião de GABINO FRAGA

O ministro FRAGA diz que aceita o contrôle da constitucionalidade por autoridade não judicial, com várias limitações:

a) Se não existe “controvérsia constitucional” com o restrito sentido que se dá a estas palavras;

b) Se, finalmente, “a interpretação tem sempre a possibilidade legal de ser revisada”.

Como o eminente magistrado entende por controvérsia constitucional a que se inicia com o pedido de amparo e é claro que o Executivo não pode efetuar julgamentos de amparo, não tem a primeira limitação maior importância; só é de interêsse, ao contrário, examinar as duas outras suposições.

O Legislativo, com a, intervenção constitucional que corresponde ao Executivo, dita uma lei. Posteriormente, êste nega obediência à norma por considerá-la Inconstitucional. Cabe perguntar:

a) Não regula indiretamente a ação do Legislativo, dado que, se êste quer que um aspecto determinado da vida social fique submetido à regra jurídica, deve derrogar a anterior e ditar uma nova, de acôrdo com o critério do único poder que dispõe dos meios para assegurar sua vigência? E distinto o alcance que têm as sentenças da Suprema Côrte? Ela tampouco faz mais que deter, e por certo só em casos concretos, a aplicação das normas que reputa inconstitucionais; não manda o Legislativo que dite regras diferentes. É esta uma conseqüência indireta da sentença, como o seria das decisões presidenciais de resolver em definitivo, com a amplitude que lhe dá, a tese do mestre FRAGA;

b) Que caminho da Constituição seguir para revisar decisão do presidente que negue obediência a uma lei do Congresso quando com essa decisão não se ofendam interêsses de particulares, nem se invada a “soberania” dos Estados?

Suponha-se que o presidente da República ordene que ás autoridades não cumpram uma lei fiscal que o Executivo. entende inequitativa ou desproporcionada. Como poderia a Suprema Côrte revisar o caso?

Quando apresentado por um particular o problema da inconstitucionalidade, as autoridades administrativas sustentam a validade da lei, que é a única suposição implícita na tese do ministro GABINO FRAGA – se existe a possibilidade de uma intervenção ulterior e definitiva da Suprema Côrte, mas, para construir uma teoria válida, é preciso analisar o problema em sua; integridade e não deter-se só numa das suposições. A doutrina americana parece haver considerado também a possibilidade de que o assunto chegue em definitivo aos tribunais e ainda que avêsso, como já se viu, em reconhecer à autoridade executiva o direito de desobedecer, uma lei por motivos de inconstitucionalidade, admite êsse poder quando “único caminho para que o caso chegue à resolução judicial sôbre a validade da lei ou acêrca da negativa do agente administrativo para cumpri-la” (WESTEL W. WILLOUGHBY, “Principles of the Constitutional Law of the United States”, 2ª ed., 1935, pág. 21).

Para terminar, reconheço que a tese do ministro FRAGA é, como construção lógica, sólida, apesar de que, isoladamente, possam não sê-lo alguns argumentos em que a sustenta. Como, com efeito, negar em absoluto que uma lei contrária a textos da Constituição seja obedecida com infração das supremas normas do país? Lògicamente, uma coisa não pode ser ao mesmo tempo falsa e verdadeira; em direito, ao contrário, uma lei pode ser se não ao mesmo tempo, em momentos muito próximos – constitucional ou inconstitucional, segundo o voto de um juiz em um tribunal supremo dividido ou que se renova; por isso MAX RADIN disse, com grande verdade, a meu parecer, que “averiguar o sentido de um texto legal (e conseqüentemente de um texto constitucional), antes de que fale o juiz é para adivinhação”.

Conclusões

O Poer Judicial – que é o mais sereno dos três – normalmente está limitado, na missão de declarar o direito e de fazê-lo cumprir, pelas dificuldades que resultam da imperfeição inevitável da técnicas que maneja, ainda que, por infelicidade, algumas vêzes sejam também considerações extrajurídicas as determinantes de suas sentenças. A história do mais respeitável dos tribunais de contrôle constitucional do mundo oferece muitos exemplos dêste tipo. Inclusive se tem afirmado que a executória de Marbury contra Madison foi obra não só do gênio jurídico de MARSHALL, senão também, e talvez mais, de sua habilidade política, o qual, ao apressar-se a desacatar uma lei que lhe obrigava a ditar um mandato contra JEFFERSON, frustrou os propósitos dêste de desobedecer à sentença do Tribunal Supremo no caso em que tal sentença pretendesse forçá-lo a expedir os despachos dos chamados “juízes da meia-noite” (SMITH W. BROOKHART, depoimento perante o Comitê Judicial do Senado, S. 1932, vol. 6, pág. 1.638). Em época mais próxima, foi com pura habilidade política que HUGHES frustrou, mediante oportunas trocas de jurisprudência, a investida de ROOSEVELT contra a Suprema Côrte, em 1937, segundo o revelou um membro atual dêsse órgão (ROBERT H. JACKSON, “The Struggle for Judicial Supremacy”, 1941, págs. 197 e segs.).

Em qu grau pesariam estas considerações extrajurídicas no campo menos sereno, mas premido pela política, do Executivo? Por isto, o empenho de obrigar os órgãos do govêrno a exercer ainda contra a vontade dêles mesmos a delicada função de examinar a constitucionalidade das leis, capacitando-os, assim, para desobedecê-las, quando precisamente a sua principal tarefa deve ser de acatá-las, me recorda a deliciosa moça de uma bela novela de aventuras que se entretinha em fazer andar para trás o seu relógio, “rindo-se das pecinhas que cumpriam com o seu dever equivocado”. Só que os frutos que mui provàvelmente se lograriam conceder ao Executivo, de modo geral, a exorbitante autoridade de não cumprir com as leis quando as julgasse inconstitucional, talvez não provocassem risos, porém lamentos.

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LEIA TAMBÉM:


NOTA:

*Traduzido por FRANCISCO KLORS WERNECK, advogado no Distrito Federal, do tomo IV, nº 15, da “Rev. de la Escuela Nacional de Jurisprudencia”, do México.

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