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Encargos do Ministério Público no ramo civil

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Encargos do Ministério Público no ramo civil

DEFESA

DIREITO DE RECORRER

MINISTÉRIO PÚBLICO

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25/11/2021

REVISTA FORENSE – VOLUME 145
JANEIRO-FEVEREIRO DE 1953
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto

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SUMÁRIO: Importância social do Ministério Público. Questões civis. Proteção dos fracos e dos incapazes. Direito de recorrer. Art. 814 do Cód.de Proc. Civil. Conclusões.

Autores

H. da Silva Lima, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Encargos do Ministério Público no ramo civil

 Importância social do Ministério Público

*Para salientar a importância social e política do Ministério Público, é mister perfilhar os exageros daqueles que pretendem elevá-lo à categoria de um poder de Estado, a ser acrescido à tríplice divisão imaginada por MONTESQUIEU, pondo, de parelha com o poder que legisla, com o que governa e com o que julga, o poder que defende a sociedade. Ainda conceituado apenas como uma função, é êle uma das culminantes instituições sociais e políticas do regime, pelos benefícios que sempre trouxe ao Estado e à sociedade, assim no ramo criminal como no civil, e que, com o andar do tempo e o seu aperfeiçoamento, mais se dilataram.

“É maravilhoso” – exclamam PISANELLI, SCIALOJA, MANCINI e GALDI, nos seus eruditos comentários ao Cód. de Proc. Civil italiano, – “que o conceito desta instituição tenha saído de uma idade irregular e bárbara, quase gerado na desordem. Mas a natureza produz, de quando em quando, homens de gênio que resplandecem como luz inesperada na escuridão do seu tempo e projetam largo facho nas que sucedem. Tais homens valem uma época. Não há quem ignore o que a civilização moderna deve a Carlos Magno”.

“Entre as leis que nos regem” – diz JULES COUMOUL – “umas disciplinam as relações dos particulares, que lhes devem reclamar a aplicação, outras têm como objeto a ordem, a paz, a moralidade ou simplesmente a utilidade pública, mas tôdas são revestidas de sanções, que não podem e não devem aparecer como vãs ameaças. Numa palavra, é um direito sancionador que a sociedade deve pôr em movimento através de um dos seus órgãos. Êste órgão é o Ministério Público, ao qual pertence, conforme a expressão consagrada, pôr a ação pública em movimento. De outra forma, quando a Justiça decidiu, mister se faz que suas decisões não se tornem letra morta: se os indivíduos recusam obediência, o Ministério Público tem o dever de requisitar a fôrça armada para assegurar a execução, seja a pedido dos interessados, seja de ofício, quando as decisões envolvem a proteção ou a utilidade geral”.

Os seus representantes sempre tiveram no processo criminal a sua mais saliente atribuição. O promotor era o dominus da ação penal, o acusador público, temido pelos criminosos, e cuja eloqüência ou dialética podia jogá-los impiedosamente numa penitenciária, anos seguidos: No tempo em que os debates do júri ainda não haviam sofrido limitação, os promotores públicos tinham na tribuna do plenário popular o seu mais seguro caminho da glória ou do fracasso, podendo sair para postos mais elevados ou apodrecer na mediocridade dos ambientes estreitos do interior. Ainda hoje, ressalta essa posição, em face da moderna concepção do processo penal, de caráter público, de forma contraditória, indisponível, irretratável, autoritário, marchando contra a vontade do réu movido inexoràvelmente por uma decisão oficial incontrastável.

As Ordenações, as leis do Império, o Cód. de Proc. Criminal de 1830 assinalaram essa feição precípua do promotor público, ao qual pertencia, pelo art. 37 daquele Código, denunciar os crimes públicos, acusar os delinqüentes, solicitar a prisão e punição dos criminosos e promover a execução das sentenças e mandados judiciais. Na França, pátria do Ministério Público, dizia CIARRAUD que sua função principal era a de pesquisar e processar os autores de crimes, desempenhando o papel de acusador no processo penal. “C’est en effet” – escreveu JULES COUMOUL, que tão bem se ocupou do Poder Judiciário – “c’est en effet, dans l’exercice de la repression qu’apparait le plus lumière son caractère d’homme de la loi et de defenseur des interêts généraux de la société” (J. COUMOUL, “Traité du Pouvoir Judiciaire”, pág. 386). E um sábio da altitude de CARNELUTTI afirmou também, na atualidade, que “o reino do Ministério Público é o processo penal, que é sempre um processo de ação pública” (“Sistema”, vol. 1, pág. 388).

Questões civis

A evolução social logo reclamou o alargamento da ação do Ministério Público nas questões civis, o que tem sido uma constante na vida dessa benemérita Instituição, qualificada por BUDÉ como “a depositária de todos os interêsses do príncipe e do público, o asilo das leis, a muralha da Justiça e da inocência atacadas”; ou, segundo PORTALIS, “bela e grande instituição que preservou os governos modernos dessa multidão de delatores, que era o mal das famílias e do Estado na antiga Roma” (PAULA PESSOA, “Código de Processo Criminal”, nota 204).

Em rápido exame que fiz sôbre o papel do Ministério Público, ao comentar o Cód. de Proc. Civil brasileiro, encareci-lhe a utilidade nomeio brasileiro com a invocação dos subsídios da elaboração constitucional de 1934. Em apoio de uma das emendas sôbre ele, se disse que, nos povos de espírito comunário, como o nosso, em que o indivíduo é um fator deficiente como defensor dos interêsses abstratos da coletividade, sobe de ponto a missão de alta. inspeção legal e de assistência tutelar atribuída ao Ministério Público (“Código de Processo Civil Brasileiro”, do autor, pág. 150).

Proteção dos fracos e dos incapazes

Essa deficiência cívica do nosso povo, derivada do atraso moral, do analfabetismo, de fatôres históricos e hereditários, do isolamento do indivíduo rural, tornaram o brasileiro incapaz de defender jurìdicamente os seus próprios interêsses pessoais, o que já teve como conseqüência propor-se, há anos, no Congresso Nacional, fôsse a menoridade dos analfabetos elevada a 25 anos. Os que já passaram pelo interior do país, ou aí ainda fazem o trânsito obrigatório de qualquer carreira na vida pública, devem ter observado essa falha do nosso homem, que freqüentemente recorre aos promotores públicos como elemento de proteção ou orientação.

Quando exerci o cargo de promotor público numa dás comarcas do interior de São Paulo, certa ocasião fui procurado por um velho caboclo em luta com um sitiante vizinho por questões de divisas, invocando a interferência. da Promotoria. Fiz-lhe ver que o caso era para constituição de um advogado, que até mesmo seria dado de graça pelo juiz, se êle não dispusesse de recursos. O caboclo queria insistentemente enquadrar a questão nas minhas atribuições e indagou-me então para que servia o meu cargo. Respondi-lhe, numa linguagem simples, que tinha como atribuição tratar dos interêsses de órfãos e pessoas assim equiparadas, ao que interrompeu êle: “Pois é, seu doutor, eu estou com esta idade, mas também sou órfão de pai e mãe”.

Durante muitos anos, foi o promotor público o defensor dos colonos e trabalhadores rurais; como ainda é hoje o defensor público duos operários, vítimas de acidentes de trabalho, significando com isto que, mesmo aos indivíduos maiores e juridicamente capazes, o Estado liberaliza, em razão da sua condição, de fraqueza econômica, uma ação tutelar de funcionários que compõem a organização do Ministério Público. Essa proteção, independente da idade e da aptidão jurídica do indivíduo, corresponde à moderna tendência do direito, que se orienta num sentido de proteção aos fracos, assim do ponto de vista material, como do simples ponto de vista social ou humano. Olha êle com simpatia e piedade para os pobres e humildes, que constituem a maioria, o que magistralmente vem exposto no belo livro de G. RIPERT, “O Regime Democrático e o Direito Civil Moderno” (vêde também, JOSSERAND, “Evolutions et Actualités”, pág. 159).

Larga é, pois, á ação protetora do Estado através do Ministério Público, colocando humildes é miseráveis ao lado dos incapazes, como tais compreendidos os menores, sejam ou não órfãos, os dementes, pródigos, interditos e ausentes, devendo vigiar o Estado para que todos, como seus protegidos, não sejam enganados, de tal arte que venham a cair sob as sopas da caridade pública ou da assistência social. Se a vida social viu a necessidade de criar o advogado para a defesa de interêsses de indivíduos ou de grupos, social é econômicamente prósperos, sentiu também a de instituir a advocacia do Ministério Público a favor dos social e econômicamente fracassados, sem o que se criariam novas causas de conflitos e revoltas.

Aquêle que cumpre dignamente as obrigações do emprêgo de curador geral – observou o velho praxista PEREIRA DE CARVALHO – merece a estima do público e a contemplação do soberano. Se o interêsse obriga muitas vêzes a defender os direitos dos poderosos, só a virtude pode fazer encarregar da defesa dos desvalidos, de quem nada se espera (“Proc. Orfan.”, § 14). A ação fiscalizadora e protetora do Ministério Público foi instituída pelas leis reinícolas como necessidade de vigiar o Estado pelos incapazes, notadamente órfãos, pois a experiência tinha demonstrado que ficavam expostos à vingança dos inimigos de seus pais, dos ambiciosos, aventureiros, sôfregos de riquezas fáceis e rápidas, dos auxiliares corruptos do Juízo, como oficiais de justiça, peritos e avaliadores. Num tempo como o de hoje, em que todos êsses perigos aumentaram enormemente; num tempo cujo caráter, nos grandes centros, é a ambição, o lucro, o desejo do dinheiro e dos bens materiais, em que o número de causas cresce sempre, muitas vêzes sem que as autoridades possam estabelecer contato com os representantes, daqueles protegidos; num tempo dêste, muito mais grave e importante é a tarefa protetora do agente do Ministério Público, ainda que em alguns casos se destaquem cargos especiais de advogados para a assistência judiciária, que é modalidade da assistência social.

O nosso JOÃO MONTEIRO, ainda hoje insuperável como processualista, inspirado em certos autores italianos, propugnara pela redução, senão supressão, das atividades do Ministério Público em matéria civil. Êsse era o pensar de MATTIROLO (“Diritto Giudiziario Civile”, vol. 1, páginas 475 e 476) e assim foi também a conclusão do Congresso Jurídico de Roma, em 1872. Afastado neste ponto das realidades nacionais e das próprias razões históricas, dizia o grande processualista que “já não há quem não clame contra a intervenção do Ministério Público fora do círculo em que a sua ação é reclamada pelos verdadeiros incapazes e indefesos, e a tríplice maneira pela qual se manifesta a sua intervenção, isto é, ou por via de ação, ou por via de requisição, ou por intermédio de certas pessoas físicas ou jurídicas”.

Sem embargo dessa opinião de tamanho prestígio, penso que a ação civil do Ministério Público tende a ampliar-se, pelo menos no ambiente brasileiro, com as suas peculiaridades sociais. Não foi sem uma alta razão de interêsse público que o espírito francês, com a sua sabedoria e o seu atilamento, tendo instituído o Ministério Público, estendeu o seu campo de ação aos negócios civis, conforme lembra o Prof. BELLOT, na exposição de motivos ao Cód. de Proc. Civil do Cantão de Genebra (pág. 38).

Estou de preferência com a opinião do notável GARGIULO, quando afirma: “noi riconosciamo nel pubblico Ministero, non una solitaria opinione personale, non un elemento che arrechi disquilibrio tra le parti, non una indebita intrusione del potere esecutivo, ma un ente, un istituto, il quale costantemente, imperturbabilmente si mantiene nelle elevate sfere dell’interesse sociale e della recta esecuzione della legge. Onde è per noi desiderable che sia alongata di nuovo la sfera del suo intervento nelle cause civili, ed ordinato in maniera che riacquisti l’antico splendore, autorità, prestigio e fiducia” (“Diritto Giudiziario”, pág. 62).

No processo civil brasileiro o órgão do Ministério Público tem intervenção obrigatória nos processos em que há interêsses de incapazes, que, como se disse, abrangem os menores, órfãos ou não, ausentes, dementes, pródigos, interditos, sob pena de nulidade; é citado como as partes, é apregoado nas audiências quando interveio inicialmente e toma parte nos debates, requer inventários, quando haja incapazes, impugna avaliações, opina sôbre testamentos, solicita arrecadações de bens de ausentes e de defuntos, em caso de herança jacente, opina sôbre o registro civil com os seus importantes atos relativos ao, nascimento, ao casamento e ao óbito, requer interdições e a remoção de tutores e curadores, manifesta-se sôbre emancipações e outorga judicial de consentimento, sôbre venda de bens de órfãos e incapazes, vigia pela instituição e existência das fundações, promove a dissolução de sociedade de fins anti-sociais, suscita conflitos de jurisdição, tendo mesmo o encargo de promover a aplicação de certas penas aos juizes, como no caso do art. 228 do Cód. Civil. Pode exigir o cumprimento de doações feitas no interêsse geral, requer a inscrição de hipoteca legal dos incapazes e a favor da Fazenda Pública sôbre os imóveis do delinqüente; pode reclamar medidas contra os próprios pais que abusam do pátrio poder, arruinando os bens dos filhos, pode argüir nulidades do art. 145 do Cód. Civil. Inúmeras outras funções na ordem civil podem ser, e o são, cometidas aos membros do Ministério Público dos Estados, pois que a Constituição federal declara, no artigo 126, parág. único, e art. 201, § 2°, que a lei pode encarregá-los de representar a União nas comarcas do interior.

Larga e benéfica é a influência do Ministério Público na ordem civil e não menos larga na ordem política, notadamente depois do advento da Constituição federal de 1946, pela qual o procurador geral da República ficou investido da grave iniciativa de enquadrar os Estados nos princípios que ela consigna.

Pode-se dizer do Ministério Público, como se disse do próprio direito de que êle é órgão ativo: acompanha o homem, desde antes do seu nascimento; vigiando pelos interêsses do nascituro, até depois de morto, velando pela vontade do testador. Aos seus curadores, com todos êsses poderes de iniciativa e de contrôle no processo civil, não podia a lei processual, sem ser contraditória ou absurda, reduzir ao papel nulo ou apagado, que representariam, com a interpretação de alguns. Cometeria assim o legislador o despropositado ilogismo de dar em teoria uma tal proeminência ao Ministério Público e retirar-lhe na prática os meios de chegar aos fins, quando é sabido, como ensina RUI BARBOSA, que, “em se exercendo um fim, os meios para êle estão autorizados” (“Constituição Federal”, vol. I, pág. 225). Como poderá o representante do Ministério Público exercitar a fiscalização civil que a lei lhe traçou, e a que não pode renunciar, sem recorrer a todos os meios que a lei previu, entre os quais aparece como dos mais importantes o direito de recorrer?

Apegam-se alguns intérpretes ao enunciado do art. 814 do Cód. de Proc. Civil, que só às partes concede aquêle direito, cabível ao Ministério Público apenas quando expresso em lei. Segundo essa exegese, sòmente quando a lei fôr explícita quanto ao recurso do Ministério Público, êste poderá manifestá-lo.

Direito de recorrer

Em primeiro lugar, o Cód. de Processo só contém, salvo equívoco meu, um caso único em que se menciona o direito do Ministério Público recorrer, e é o do artigo 610, aliás inútil, pois o Ministério Público sempre poderá recorrer: de fato pode recorrer, quando promover a interdição e pode recorrer quando não a promover, pois neste caso é o defensor do suposto incapaz (C. Civil, art. 449), de maneira que, afora êste caso e poucos outros de iniciativa do Ministério Público (arts. 30, parág. único, 145, 208, II, 228, parág. único, 394, 840, I, 842, II, 1.180 parág. único, do Cód. Civil), êste não terá recursos, apesar da enorme lista de suas atribuições!

Sempre me insurgi contra essa interpretação, principalmente tendo em vista o disposto no art. 84 do Cód. de Processo Civil, que declara nulos os atos realizados sem a intervenção do órgão dó Ministério Público, intervenção ditada por motivo de ordem pública, mas que singularmente aquêles funcionários jamais poderiam alegar perante a segunda instância, porque não poderiam recorrer!

Na “Rev. das Tribunais” (vol. 169, pág. 209) manifestei essa divergência, em que sempre tenho insistido. Disse então que a lei obrigava o agente do Ministério Público a intervir como fiscal de sua execução e defensor de interêsses de incapazes, sob pena de nulidade; dá-lhe iniciativas para opinar e requerer medidas de interêsse das pessoas a que se estende a sua proteção; não podia, sem ser absurda, tolher-lhe a atividade, precisamente no momento mais grave, aquêle em que já existe uma decisão prejudicial àquelas pessoas, atingindo diretamente interêsses morais e materiais da mais alta relevância. Tais decisões, recorríveis para todos os litigantes ou partes, passariam a ser irrecorríveis para os assistentes das pessoas a quem a lei quis especialmente proteger. Sim, porque, quando um tutor requeresse medida prejudicial e esta fôsse deferida pelo magistrado, o tutor jamais recorreria, e a medida passaria a produzir todos os efeitos sem que o Ministério Público pudesse fazê-la reexaminar pela segunda instância. Chegar-se-ia mesmo à situação de ver-se repelida a própria intervenção do Ministério Público, porque, negada a sua intervenção, parcial ou totalmente, não poderia êle alegá-la em recurso, porque lhe seria defeso recorrer. E ainda que admitida a intervenção, mais tarde não poderia alegar um êrro mais perigoso, o gravame da decisão! Teria assim o Ministério Público uma atitude platônica em primeira instância, uma fiscalização parcial ou pela metade, a bem dizer, inútil, porque só se exerceria quando os representantes dos incapazes ficassem vencidos e recorressem. O Ministério Público, ao recorrer, não o faz como parte, mas como um representante especial do Estado zelando pelos que êste colocou sob sua vigilância e pelo interêsse de acatamento ao direito objetivo.

Disse muito bem o ilustre Sr. desembargador JOÃO SOARES, do Tribunal do Rio Grande do Sul, que, “embora a legislação processual não declare expressamente que ao Ministério Público é lícito interpor qualquer recurso de sentenças prolatadas em feitos em que houver interêsses de incapazes, êsse direito decorre por fôrça de compreensão. Se a sua intervenção é obrigatória, sob pena de nulidade dos atos realizados com preterição dessa formalidade, seria contraditório impor-se ao Ministério Público intervir no processo e, ao mesmo tempo, retirar-lhe os meios legais em defesa dos interêsses que está acautelando, inclusive o de recorrer da sentença, se esta, por acaso, contrariar êsses mesmos interêsses” (“Rev. dos Tribunais”, vol. 160, pág. 804).

Se o simples interêsse privado da parte ou de terceiro pode fundamentar o recurso, como não o poderá o interesse público de que o curador é o fiscal?

Que lógica poderia haver numa lei que nomeasse um funcionário para fiscalizar a ação dos particulares e dos juízes e os mandasse calar, quando precisassem atuar e demonstrar que tais interêsses foram lesados e que a lei fôra violada?

Negada que seja ao Ministério Público a qualidade de parteprincipal, porque não teve iniciativa em reclamar a prestação jurisdicional, será êle parte acidental na lide a que foi necessàriamente chamado e em que discutiu o fato e sustentou o direito, pois para isto o Cód. de Processo lhe concede oportunidades (artigos 21, 80, § 2°, 264, 269 e 294, I).

Como bem acentua CALAMANDREI, o Ministério Público tem perante os juízes a posição de sujeito-agente, estimulador da função judicante, o que no processo é tipicamente próprio das partes. No processo civil, ainda que o Ministério Público seja regulado sob título diverso daquele que estatui sôbre as partes, as suas atribuições, seja por via de ação, seja por via de intervenção, são idênticas às das próprias partes (“Istituzioni di Diritto Processuale Civile”, vol. 2, pág. 278).

O notável GARGIULO já havia assinalado essa condição de parte no Ministério Público, seja como agente da ação, seja intervindo com simples pareceres ou conclusões: “Quanto alle attribuzioni civile, il pubblico Ministero esercita un doppio officio, l’uno di parte “principale”, l’altro di parte “aggiunta”; nel primo casso agisse da attore, qual rappresantente della Società e nel cui nome ed interessi promuive l’azione; nel secondo caso dà il suo parere e conclude” (ob. cit., página 62).

E depois é preciso ter-se em vista que a ingerência do Ministério Público pode trazer argumentos novos de grande valor, pela sua imparcialidade, mas que seriam inteiramente desprezados, permanecendo nos autos como trabalho inútil. No meu fraco entendimento, ainda quando não seja parte, tìpicamente, no processo, o curador funciona como agente do Estado: para velar pela observância das leis, a favor do interêsse público, cabendo-lhe, portanto, o direito de recorrer, tanto mais: que não pleiteia objetivamente por nenhum interêsse de pessoas ou de instituições, mas pelo resguardo de interêsses superiores que se impõem a tudo e a todos.

Recentemente, em processo cuja nulidade foi diligentemente pedida pela Procuradoria Geral da Justiça, por se ter omitido a intervenção do Ministério Público, em primeira instância, manifestei-me apoiando êsse ponto de vista. Mesma tendo o menor representante, essa representação completa-se obrigatòriamente com a presença do órgão da Curadoria, nos têrmos e sob as penas dos arts. 80, § 2º, e 84 do Cód. de Proc. Civil, ladeando-se a nulidade se o resultado fôr favorável ao menor.

A intervenção do Ministério Público não constitui simples recomendação, uma formalidade burocrática, de resultado inócuo, uma superfluidade, destinada a justificar acidentalmente a existência de tais agentes do Poder Público, mas uma necessidade ditada pela ordem pública, a fim de evitar que fiquem irremediàvelmente comprometidos os direitos patrimoniais e morais dos menores, pela velhacaria de seus representantes ou de terceiros, ou mesmo pela boa-fé dos juízes. A experiência, que é fonte de sabedoria, tem ensinado que aquêles direitos correm perigo quando fraqueja ou desaparece a vigilância do Ministério Público. É então que corvejam em tôrno dos bens dos menores o enxame dos abutres, a ronda dos aventureiros impiedosos, ávidos de ganhos fáceis, ainda que ilícitos, arruinando criaturas que devem ser poupadas à miséria e à desgraça. Só o Ministério Público pode amparar, na esfera judicial civil, a sorte de tais pessoas, defendendo também, como diz CALAMANDREI, os direitos subjetivos do Estado, envolvidos com o daquelas pessoas.

Em outros casos forenses assim me manifestei, inclinando-me pela nulidade dos atos feitos com desprêzo da interferência do Ministério Público. Assim também tem sido a melhor jurisprudência (“Rev. dos Tribunais”, vols. 170, pág. 340, 140, pág. 212, 143, pág. 704, 156, página 621, 159, pág. 212, 182, pág. 141, 167, página 173, 179, pág. 640, 171, pág. 187, 172, pág. 180, 173, pág. 692, 177, pág. 678, 183, pág. 709, e 185, pág. 779).

Os ilustres comentadores do Código italiano – PISANELLI, SCIALOJA, MANCINI e GALDI, em que parecem ter-se inspirado alguns opositores nossos, – também entenderam que o Ministério Público não podia recorrer, porque a reforma da sentença devia fazer-se, conforme o Código, por solicitação das partes e, portanto, em seu benefício (“Comentário”, volume 4, pág. 79).

O arguento não procede, porque, ou o Ministério Público tomou a iniciativa e assim pode, como qualquer parte, pleitear a reforma da sentença, ou apareceu na qualidade de agente da lei e terá o interêsse político da sua defesa e boa execução.

O dec.-lei nº 9.608, de 19 de agôsto de 1946, que organizou o Ministério Público Federal, já dispôs, corretamente, que aos procuradores da República cabe interpor e arrazoar os recursos legais de decisões e sentenças proferidas nos processos cíveis ou administrativos em que devam funcionar (art. 11, nº X); e como os promotores públicos têm, nesses processos, as mesmas atribuições, segue-se que podem interpor recursos, independente da posição de parte.

Art. 814 do Cód.de Proc. Civil

O art. 814 do Cód. de Processo deve ser encarado sem ofensa aos princípios expostos, ao bom-senso e à lógica, que, como dizia o Prof. LACERDA DE ALMEIDA, “não pode ser abolida por decreto”. Significa êle apenas que, fora dos casos de intervenção obrigatória, o Ministério Público não terá direito de recorrer, quando apenas quis intervir indevidamente ou quando entrou no processo facultativamente, ad cautelam, a pedido das partes ou sob iniciativa do juiz, ou nos casos em que duvidosamente oficiou. Aí, só em face de texto expresso de lei poderá valer-se do recurso.

À vista do que venho de expor, concluo que a ação fiscalizadora do Ministério Público no ramo civil, como a previu o Cód. de Proc. Civil brasileiro, é da mais alta conveniência pública e indisponível; essa intervenção, por isto mesmo, tem sido alargada, salvo quando o Estado entendeu de destacar funcionários para acudirem, fora da instituição, a interêsses de pessoas humildes, econômicamente fracas ou indefesas, como no caso da justiça gratuita e da assistência social. A ação do Ministério Público, sempre que a lei a reclame, não deve ser coarctada, inutilizada, reduzida, mas equiparada à das partes, e assim tem êle o direito de interpor recursos tôda vez que tiver o dever de intervir.

Não foi sem profundo constrangimento que me aventurei a explanar êste tema, perante juristas de tamanho merecimento, aos quais certamente é êle familiar. A audácia do cometimento foi, porém, intencional, porque se destinou antes a provocar a crítica e os pareceres dos que melhormente podem opinar.

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