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Condenação nº 10: Caso Barbosa de Souza, de 7 de setembro de 2021

FEMINICÍDIO

IDH

MARCIA BARBOSA DE SOUZA

VIOLÊNCIA CONTRA MULHER

Douglas Fischer

Douglas Fischer

30/11/2021

Paradoxalmente (ou não …), na data de comemoração da independência do Brasil, houve a 10ª condenação pela Corte IDH pelo fato de o Brasil não respeitar os direitos humanos, sobretudo das vítimas.

No caso concreto, reconheceu-se que o Estado brasileiro é “responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais, à igualdade perante a lei e à proteção judicial, contidos nos artigos 8.1, 24 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação às obrigações de respeitar e garantir os direitos sem discriminação e ao dever de adotar disposições de direito interno, estabelecidos nos artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento, e em relação às obrigações previstas no artigo 7.b da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em prejuízo de M.B.S. e S.R.S., nos termos dos parágrafos 98 a 151 da presente Sentença”.

Relembre o caso Márcia Barbosa de Souza

Trata-se da (já esperada e por nós anunciada a algum tempo) condenação no caso que resultou da impunidade dos autores do homicídio de Márcia Barbosa de Souza, ocorrido na noite entre os dias 17 e 18 de junho de 1998.

Nesse caso, a investigação começou imediatamente, no dia seguinte aos fatos, em 19 de junho, com a instauração de inquérito policial. Após a coleta de provas testemunhais e periciais, o Delegado de Polícia responsável pela investigação fez um relatório no dia 21.7.1998, em que indicou, pelo menos, a participação central no referido crime de Aécio Pereira de Lima, à época Deputado Estadual no Estado da Paraíba. Entretanto, pelo fato de haver a “prerrogativa de foro”, os autos foram enviados ao Procurador-Geral de Justiça, que apresentou a denúncia criminal em 8.10.1998.

Pelo sistema jurídico vigente na época, era necessária a autorização prévia para processamento de parlamentares (tal como existente no art. 53 da Constituição brasileira, anterior à EC nº 35/2001). O pedido foi negado (na redação atual do § 3º do art. 53, “Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação”).

Ulteriormente, com a perda de prerrogativa de foro do suposto autor por não reeleição, o processo foi enviado novamente a primeiro grau, tendo-se iniciado o processo formalmente em 14.3.2003. Em razão da pronúncia em 27.72005, foi interposto recurso pela defesa no dia 3.8.2005, que foi confirmada em 31.1.2006.

Na (primeira) sessão de julgamento do plenário do Júri, em 25.6.2007, o advogado do réu não compareceu (procedimento “muito comum” para buscar a protelação). Mas em 26.9.2007, quando realizado o julgamento em plenário, Aécio Pereira de Lima foi condenado a 16 anos de prisão pelos crimes de homicídio e ocultação do cadáver de Márcia Barbosa de Souza.

O réu morreu em razão de infarto do miocárdio em 12.2.2008, tendo sido extinta sua punibilidade.

Esses, os fatos centrais do caso em tela.

Considerações da Corte IDH

Uma vez mais atentemos para as considerações da Corte IDH, que reafirmou muitos de seus precedentes anteriores.

Cabe destaque inicial que esse foi o primeiro julgado em que se discutiu a imunidade formal de parlamentar como circunstância que impede um julgamento célere, gerando impunidade ou demora na prestação jurisdicional de forma justa(constou expressamente no § 99 que era a primeira vez que o Tribunal analisou “a aplicação da imunidade parlamentar no âmbito do direito de acesso à justiça e da obrigação reforçada de investigar com devida diligência, a Corte considera pertinente tecer algumas considerações gerais sobre o referido instituto, para então examinar sua aplicação no caso concreto”).

Considerou-se que a impunidade do então deputado estadual foi um ato de tolerância por parte do Estado e especificou que não se refletiu exclusivamente neste caso, mas de forma sistemática” (§94).

Conclusão extretamente relevante para o caso foi o estabelecimento do standart de que, sob nenhuma circunstância, a iimunidade parlamentar pode transformar-se em um mecanismo de impunidade, questão que, caso ocorresse, acabaria destruindo o Estado de Direito, seria contrária à igualdade perante a lei e tornaria ilusório o acesso à justiça das pessoas prejudicadas (§ 100).

Embora reconhecida a importância da independência dos parlamentares por suas imunidades para o exercício de suas funções confiadas pelos eleitores, a aplicação dessas garantias podem ser realizadas diante de casos concretos com o propósito de evitar que uma decisão da casa legislativa seja arbitrária (no caso, não fora concedida a licença, sob nenhuma fundamentação), o que poderia propiciar impunidade. Exatamente por isso se assentou expressamente que “é necessário realizar um exercício cuidadoso de ponderação entre a garantia do exercício do mandato para o qual o parlamentar foi eleito democraticamente, por um lado, e o direito de acesso à justiça, por outro” (§ 109).

Relevantíssimo também foi o reconhecimento pela Corte de Direitos Humanos que a forma como estava regulamentada a imunidade parlamentar na época dos fatos “era contrária ao direito de acesso à justiça” (§ 115).

Mais que isso: “por tratar-se de um caso relativo à morte violenta de uma mulher […], o que evidentemente não está relacionado com o exercício das funções de um deputado, a possibilidade do uso político da ação penal deveria ter sido analisada com ainda mais atenção e cautela, tendo em consideração o dever de devida diligência estrita na investigação e sanção de fatos de violência contra a mulher exigido no regime convencional” (§ 120).

Nesse ponto fazemos uma remissão ao texto de nossa autoria (aqui: https://temasjuridicospdf.com/prerrogativa-de-foro-e-competencia-penal-originaria-doutrina-e-jurisprudencia/), no qual, baseado em texto de nossa autoria publicado no ano de 2013 –  muito antes de o STF “restringir” a aplicabilidade das prerrogativas de foro dos parlamentares federais na Questão de Ordem na AP nº 937 –  já defendíamos que, pelo menos, os crimes não relacionados com o mandato parlamentar não deveriam ser abrigados pela imunidade formal e respectiva prerrogativa de foro.

Infeciácia judicial frente a casos de violência contra mulheres

Prosseguindo no caso concreto, destaca-se o expresso reconhecimento (uma vez mais) de que a “ineficácia judicial frente a casos individuais de violência contra mulheres propicia um ambiente de impunidade que facilita e promove a repetição de fatos de violência em geral e envia uma mensagem segundo a qual a violência contra as mulheres pode ser tolerada e aceita, o que favorece sua perpetuação e a aceitação social do fenômeno, o sentimento e a sensação de insegurança das mulheres, bem como sua persistente desconfiança no sistema de administração de justiça” (§ 125). (Observamos que essa ineficácia também decorre da impunidade em todos os demais delitos violadores de direitos humanos das vítimas).

Sobre as obrigações de investigar e sancionar os eventuais responsáveis (como meio e não resultado – § 128), acentuou-se novamente que a devida diligência depende de o Estado demonstrar que empreendeu “todos os esforços, em um tempo razoável, para permitir a determinação da verdade, a identificação e sanção de todos os responsáveis, sejam estes particulares ou funcionários do Estado” (§ 127). Assim, a investigação deve ser séria, objetiva e efetiva, orientada para a busca da verdade e à persecução, captura e eventual julgamento e sanção dos autores do crime (§ 128).

Sobre essa circunstância relacionada ao dever de (melhor) investigar, houve clara disposição da Corte IDH de que há um alcance adicional dessa obrigação quando se trata de o crime cometido em condições gerais de violência contra mulheres.

De forma expressa ainda a Corte reconheceu que o Brasil não cumpriu com sua obrigação de atuar com a devida diligência para investigar “seriamente e de forma completa” a possível participação de todos os autores do crime que foi vitimada Márcia Barbosa. É que, vez mais, foi assentado que o “direito de acesso à justiça em casos de violações aos direitos humanos deve assegurar, em tempo razoável, o direito das supostas vítimas ou de seus familiares a que se faça todo o necessário para conhecer a verdade sobre o ocorrido e investigar, julgar e, se for o caso, sancionar os eventuais responsáveis” (§ 134).

Assim, pelo fato de terem transcorrido quase 10 anos dos fatos até a sentença criminal (em primeiro grau, do júri), concluiu-se que o Brasil violou o prazo razoável na tramitação processual em tela (§ 137).

Tratando do princípio fundamental de igualdade e não discriminação – que integra o jus cogens (normas que impõem aos Estados obrigações objetivas) -, reafirmou que a “obrigação geral do artigo 1.1 da CADH se refere ao dever do Estado de respeitar e garantir “sem discriminação” os direitos contidos neste tratado, enquanto o artigo 24 protege o direito à “igual proteção da lei”.

Muito importante ter constado de forma bem hialina que garantir os direitos previstos na Convenção Americana acarreta obrigações ao Estado de respeitar e garantir o princípio de igualdade e não discriminação na proteção de outros direitos e em toda a legislação interna que venha a adotar.

Sob a ótica ainda da proteção dos direitos das vítimas e seus familiares, reconheceu-se que, mesmo que condenado em primeiro grau, a “homenagem” prestada em favor do autor do crime de ser velado no Salão Nobre da Assembleia Legislativa da Paraíba “impactou  impactou de forma grave a integridade pessoal dos familiares da senhora Barbosa de Souza, tendo gerado um grave sofrimento”.

E novamente foi enfática ao reconhecer que todos os Estados estão obrigados “a combater a impunidade por todos os meios disponíveis, já que esta propicia a repetição crônica das violações de direitos humanos”. Assim, a ausência de “investigação completa e efetiva sobre os fatos constitui uma fonte de sofrimento e angústia adicional para as vítimas, quem têm o direito a conhecer a verdade sobre o ocorrido (§ 171).

Além de outras disposições, mas com o fim de reparar o dano causado às vítimas e evitar que fatos similares se repitam (infelizmente, são diuturnas repetições …), a Corte IDH ordenou ao Brasil que realize “um ato de reconhecimento de responsabilidade internacional em relação aos fatos do presente caso, no prazo de um ano contado a partir da notificação da presente Sentença”.

Aguardemos as próximas condenações, pois, como já destacamos em inúmeros textos e obras (sobretudo em nosso www.temasjuridicospdf.com), estamos longe de garantirmos um processo efetivamente justo com proteção, em igual medida, dos direitos fundamentais das vítimas.

Fonte: Temas Jurídicos

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