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Acordo de Comércio e Cooperação Econômica (ATEC – “Agreement on Trade and Economic Cooperation”): Uma Revolução no Direito Aduaneiro?

ACORDO BRASIL EUA

ACORDO DE COMÉRCIO E COOPERAÇÃO ECONÔMICA

AGREEMENT ON TRADE AND ECONOMIC COOPERATION

ATEC

DECRETO LEGISLATIVO Nº 34

DIREITO ADUANEIRO

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

PROTOCOLO AO ACORDO DE COMÉRCIO E COOPERAÇÃO ECONÔMICA

REGRAS COMERCIAIS E DE TRANSPARÊNCIA

03/12/2021

No dia 18 de novembro de 2021, foi aprovado pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 34, o Protocolo ao Acordo de Comércio e Cooperação Econômica entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América Relacionado a Regras Comerciais e de Transparência, também chamado Acordo de Comércio e Cooperação Econômica ou ATECAgreement on Trade and Economic Cooperation.

Assim que entrar em vigor, o ATEC proporcionará uma série de avanços na legislação aduaneira brasileira, criando, como observado pelo Ministério das Relações Exteriores, um ambiente regulatório favorável ao comércio exterior como um todo: “A assinatura do pacote comercial insere-se em contexto mais amplo da política de comércio exterior brasileira, cujo principal objetivo tem sido o de criar ambiente econômico favorável aos negócios e à reinserção competitiva do Brasil na economia internacional” (Nota à Imprensa nº 123/2020). Não sem razão, é qualificado pelo Ministério como o “texto é o mais avançado na área negociado pelo Brasil e um dos capítulos sobre facilitação de comércio mais ambiciosos já negociados em âmbito global, indo além dos compromissos celebrados no âmbito do Acordo sobre Facilitação de Comércio da OMC”[1].

Acordo de Comércio e Cooperação Econômica (ATEC)

No Preâmbulo do ATEC, os dois países reafirmaram “os direitos e as obrigações preexistentes de cada parte em relação à outra no Acordo de Marraqueche que cria a Organização Mundial do Comércio, celebrado em Marraqueche, em 15 de abril de 1994 (o ‘Acordo da OMC’)”. Isso significa que, apesar de ser um acordo bilateral, em razão da cláusula da nação mais favorecida (Artigo I do Gatt 1994), os benefícios e as vantagens negociadas pelas partes serão automaticamente estendidos aos demais países integrantes da OMC:

Artigo I

Tratamento Geral de Nação mais Favorecida

1.1 Qualquer vantagem, favor, imunidade ou privilégio concedido por uma parte contratante em relação a um produto originário de ou destinado a qualquer outro país, será imediata e incondicionalmente estendido ao produto similar, originário do território de cada uma das outras partes contratantes ou ao mesmo destinado. Êste dispositivo se refere aos direitos aduaneiros e encargos de tôda a natureza que gravem a importação ou a exportação, ou a elas se relacionem, aos que recaiam sôbre as transferências internacionais de fundos para pagamento de importações e exportações, digam respeito ao método de arrecadação dêsses direitos e encargos ou ao conjunto de regulamentos ou formalidades estabelecidos em conexão com a importação e exportação bem como aos assuntos incluídos nos §§ 1 e 2 do art. III

Destarte, como ressaltado no Curso de Direito Aduaneiro, “de acordo com a cláusula ou princípio da nação mais favorecida, sempre que concederem quaisquer vantagens, favores, imunidades ou privilégios, inclusive tributários, a produtos originários de um país, os Estados-Membros da OMC são obrigados a estendê-los – imediata e incondicionalmente – para similares importados dos demais países membros. A não generalização imediata do benefício – ou sua extensão em caráter condicional – implica a adoção da origem como critério discriminatório, violando o art. 1.1 do Gatt”[2].

Além disso, há outros dispositivos que, apesar de não se enquadrarem nessa disposição, também devem alcançar as relações comerciais com outros países. Isso deverá ocorrer com as regras de implementação indivisível, isto é, que não são passíveis de adoção apenas no comércio bilateral Brasil-Estados Unidos. É o que ocorre, por exemplo, com o Anexo III sobre Anticorrupção. As medidas para prevenir e combater a corrupção nele previstas abrangem uma série de alterações legislativas, normas de conduta e de integridade de servidores públicos que necessariamente devem ser adotadas de maneira uniforme, beneficiando todas as empresas que atuam no comércio internacional. Afinal, seria totalmente irrazoável imaginar que os servidores da área aduaneira estariam vinculados a essas regras apenas na fiscalização das operações de comércio exterior entre Brasil e Estados Unidos, estando dispensando da observância das medidas para prevenir e combater a corrupção nas importações e exportações com outros países.

O mesmo se aplica ao Anexo II, das Boas Práticas Regulatórias. Uma delas prevê abordagens regulatórias que evitem restrições e ônus desnecessários à inovação e à concorrência no mercado (Artigo 4.1.f). Outra a necessidade de basear as regulações em informações confiáveis e de alta qualidade (Artigo 5.1), incluindo informações apropriadas para o contexto em que são utilizadas (Artigo 5.1.b). É simplesmente inconcebível imaginar que essas regras poderiam ser implementadas sem beneficiar todo o comércio exterior.

No presente estudo, interessa destacar especificamente as seguintes disposições do Anexo I, da Facilitação do Comércio e Administração Aduaneira:

Artigo 15: Penalidades

  1. Cada Parte deverá adotar ou manter medidas que permitam a imposição de penalidade por parte da administração aduaneira da Parte pela violação de suas leis aduaneiras, regulamentos ou requerimentos procedimentais, incluindo aqueles que dispõem sobre classificação tarifária, valoração aduaneira, procedimentos de trânsito, país de origem ou reinvidicações de tratamento prioritário. Cada Parte deverá assegurar que tais medidas são administradas uniformemente por todo seu território.
  2. Cada Parte deverá assegurar que uma penalidade imposta por sua administração aduaneira pela violação de suas leis aduaneiras, regulamentos ou requerimentos procedimentais seja imposta apenas à pessoa legalmente responsável pela violação.
  3. Cada Parte deverá assegurar que qualquer penalidade imposta por sua administração aduaneira pela violação de suas leis aduaneiras, regulamentos ou requerimentos procedimentais dependa dos fatos e circunstâncias do caso, incluindo eventuais violações anteriores pela pessoa que recebe a penalidade, e seja proporcional ao grau e severidade da violação.
  4. Cada Parte deverá assegurar que um erro menor em uma transação aduaneira, conforme definido em suas leis, regulamentos ou procedimentos, publicados em conformidade com o Artigo 1 (Publicação pela Internet), poderá ser corrigido sem a determinação de uma penalidade, a menos que o erro seja parte de um padrão consistente de erros por aquela pessoa.

[…]

  1. Cada Parte deverá assegurar que a pessoa possa retificar um erro em uma transação aduaneira que seja uma potencial violação de uma lei aduaneira, regulamento ou requerimento procedimental, excluindo fraudes, previamente à descoberta do erro pela Parte, caso a pessoa o faça em conformidade com as leis, regulamentos ou requerimentos procedimentais da Parte e pague quaisquer tributos, impostos, taxas e encargos aduaneiros devidos, incluindo juros. A retificação deverá incluir a identificação da transação e as circunstâncias do erro. A Parte não poderá utilizar esse erro para determinar uma penalidade pela violação de uma lei aduaneira, regulamento ou requerimento procedimental.

Os Artigos 15:2 e 15:3 assemelham-se aos arts. 3.2[3] e 3.3[4] do Acordo sobre a Facilitação do Comércio, já incorporado ao direito brasileiro (Decreto Legislativo nº 01/2016; Decreto nº 9.326/2018). Porém, ao prever que a penalização deve considerar os fatos e circunstâncias do caso, incluindo eventuais violações anteriores pela pessoa que recebe a penalidade, e seja proporcional ao grau e severidade da violação, acaba convergindo com a Norma 23 do Anexo Específico H da Convenção de Quioto Revisada (Decreto Legislativo n° 56/2019; Decreto n° 10.276/2020)[5]. O curioso é que o Estado brasileiro não aderiu a esse anexo da Convenção, o que motivou uma série de críticas da doutrina especializada. Porém, com o ATEC, essa questão fica inteiramente superada. Tão logo o acordo entre em vigor, será o fim da responsabilidade objetiva em matéria de infrações aduaneiras no direito brasileiro[6].

O Artigo 15:4, por sua vez, estabelece que um erro menor poderá ser corrigido sem a determinação de uma penalidade, salvo quando configure um padrão consistente de erros por aquela pessoa. Isso impactará, sobretudo, a multa por erro na classificação aduaneira (Medida Provisória nº 2.158-35/2001, art. 84), que não poderá ser cominada diretamente, sem que antes se oportunize a prévia regularização.

Por fim, o Artigo 15:7 prevê que, salvo em caso de fraudes, é assegurado o direito de retificação de erros que configurem infração aduaneira, sem penalização, desde que: (i) antes de sua descoberta pela fiscalização; (ii) ocorra a identificação da transação e as circunstâncias do erro pelo interessado; e (iii) o pagamento de quaisquer tributos e encargos aduaneiros devidos, incluindo juros.

Não há dúvidas de que esses dispositivos se aplicam a todas as operações de comércio exterior, e não apenas às originárias dos Estados Unidos. Isso porque, como ressaltado, o Art. 1.1 do Gatt 1994 (cláusula da nação mais favorecida) impede a adoção da origem como critério discriminatório. Um regime sancionatório menos gravoso, como o que decorre do ATEC, enquadra-se no conceito de quaisquer vantagem, favor, imunidade ou privilégio concedido por uma parte contratante em relação a um produto originário de ou destinado a qualquer outro país. Resta acompanhar os desdobramentos do tema e, após o início da vigência do acorda, observar como as autoridades aduaneiras brasileiras devem interpretar a questão.

Quer saber mais? Os acordos e tratados internacionais como fonte do direito aduaneiro, a cláusula da nação mais favorecida e as infrações aduaneiras são estudados com profundidade nos Capítulos I, II e V do nosso Curso de Direito Aduaneiro. Fica o convite para a leitura.

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Acordo de Comércio e Cooperação Econômica (ATEC - “Agreement On Trade and Economic Cooperation”): Uma Revolução no Direito Aduaneiro?

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[1] Disponível em: https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/2020/nota-conjunta-do-ministerio-das-relacoes-exteriores-e-do-ministerio-da-economia-assinatura-de-pacote-comercial-com-os-eua. Acesso: 01/12/2021.

[2] SEHN, Solon. Curso de direito aduaneiro. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 44.

[3] “3.2. Cada Membro assegurará que as penalidades em caso de violação de uma lei, regulamento ou ato normativo procedimental de caráter aduaneiro sejam impostas unicamente sobre os responsáveis pela infração em conformidade com a legislação do Membro”.

[4] “3.3. A penalidade imposta dependerá dos fatos e circunstâncias do caso e serão compatíveis com o grau e gravidade da infração”.

[5] “23. Norma

A severidade e o valor de quaisquer penalidades aplicadas em uma resolução administrativa de uma infração aduaneira dependerão da gravidade ou da importância da infração aduaneira cometida e do histórico da pessoa em questão em suas relações com a Aduana”. Traduzimos do original: “The severity or the amount of any penalties applied in an administrative settlement of a Customs offence shall depend upon the seriousness or importance of the Customs offence committed and the record of the person concerned in his dealings with the Customs.”

[6] Sobre essa questão, cf. SEHN, op. cit., p. 401; e SEHN, Solon. Infrações aduaneiras na Convenção de Quioto Revisada. Disponível em: https://blog.grupogen.com.br/juridico/2021/06/22/infracoes-aduaneiras-convencao-quioto/. Acesso: 01/12/2021.

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