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IGP-M e contratos com previsão de atualização monetária

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Contratos com previsão de atualização monetária – imprevisão, onerosidade excessiva e revisão

CONTRATOS

IGP-DI

IGP-M

IPCA

Luiz Antônio Scavone Júnior

Luiz Antônio Scavone Júnior

13/12/2021

A pandemia de Covid-19, doença causada após a infecção pelo vírus SARS-CoV-2, além da tragédia humana mundial, gerou distorções econômicas de toda sorte.

Essas distorções foram causadas por graves problemas nas cadeias de fornecimento de produtos e serviços escassos e, conseguintemente com alta de preços em razão da demanda aquecida pelos estímulos governamentais ao redor do planeta.

Em suma, despejou-se dinheiro e paralisou-se ou diminuiu-se substancialmente a produção.[2]

Resultado: inflação galopante, que deve durar até o primeiro semestre de 2022.

IGP-M e os contratos

No que interessa aos contratos, sejam eles de locação de imóveis ou de financiamento, pouco importando a modalidade (compromisso de compra e venda, alienação fiduciária, compra e venda e mútuo com pacto adjeto de hipoteca, mútuo simples, crédito em conta corrente, entre outros), notadamente aqueles pactos que utilizam o IGP-M como indexador, observou-se importante e sensível descolamento deste índice (IGP-M – Índice Geral de Preços de Mercado,  calculado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas – FGV/IBRE) em relação aos demais índices que medem a variação relativa de preços no mercado (inflação).

Segundo a Fundação Getúlio Vargas, o IGP-M foi criado “no final dos anos de 1940 para funcionar como medida abrangente do movimento de preços, incorporando no cálculo diferentes atividades e etapas do processo produtivo.[3]

Por ter importante influência do preço das matérias primas e das comodities, é fortemente impactado quando existe variação cambial, o que se afirma na exata medida em que essas são cotadas em dólares americanos e, no período, em razão da escassez gerada pela pandemia, variaram além do dólar[4].

Em outras palavras, no Brasil as comodities foram duplamente impactadas: pelo dólar e pela lei da oferta e da procura.

Vejamos a variação do IGP-M no período crítico de fechamentos da pandemia, entre março de 2020 (início da pandemia no Brasil) e setembro de 2021:

Variação do índice IGP-M – Índ. Geral de Preços do Mercado entre 01-Março-2020 e 30-Setembro-2021

Em percentual: 43,1451%

Observações:

Os valores do índice utilizados neste cálculo foram:
Março-2020 = 1,24%; Abril-2020 = 0,80%; Maio-2020 = 0,28%; Junho-2020 = 1,56%; Julho-2020 = 2,23%; Agosto-2020 = 2,74%; Setembro-2020 = 4,34%; Outubro-2020 = 3,23%; Novembro-2020 = 3,28%; Dezembro-2020 = 0,96%; Janeiro-2021 = 2,58%; Fevereiro-2021 = 2,53%; Março-2021 = 2,94%; Abril-2021 = 1,51%; Maio-2021 = 4,10%; Junho-2021 = 0,60%; Julho-2021 = 0,78%; Agosto-2021 = 0,66%.

IPCA

Adotado o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), índice considerado oficial tendo em vista que é aquele utilizado pelo Banco Central para o sistema de metas de inflação[5], teríamos, no mesmo período:

Variação do índice IPCA – Índ. Preços ao Consumidor Amplo entre 01-Março-2020 e 30-Setembro-2021

Em percentual: 9,9405%

Observações:

Os valores do índice utilizados neste cálculo foram:
Março-2020 = 0,07%; Abril-2020 = -0,31%; Maio-2020 = -0,38%; Junho-2020 = 0,26%; Julho-2020 = 0,36%; Agosto-2020 = 0,24%; Setembro-2020 = 0,64%; Outubro-2020 = 0,86%; Novembro-2020 = 0,89%; Dezembro-2020 = 1,35%; Janeiro-2021 = 0,25%; Fevereiro-2021 = 0,86%; Março-2021 = 0,93%; Abril-2021 = 0,31%; Maio-2021 = 0,83%; Junho-2021 = 0,53%; Julho-2021 = 0,96%; Agosto-2021 = 0,87%.

INPC

Ainda a título de comparação, caso fosse utilizado, no mesmo período, o índice aplicado para atualização de débitos judiciais, o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor)[6], o resultado seria:

Variação do índice INPC – Índ. Nac. de Preços ao Consumidor entre 01-Março-2020 e 30-Setembro-2021

Em percentual: 11,3056%

Observações:

Os valores do índice utilizados neste cálculo foram:
Março-2020 = 0,18%; Abril-2020 = -0,23%; Maio-2020 = -0,25%; Junho-2020 = 0,30%; Julho-2020 = 0,44%; Agosto-2020 = 0,36%; Setembro-2020 = 0,87%; Outubro-2020 = 0,89%; Novembro-2020 = 0,95%; Dezembro-2020 = 1,46%; Janeiro-2021 = 0,27%; Fevereiro-2021 = 0,82%; Março-2021 = 0,86%; Abril-2021 = 0,38%; Maio-2021 = 0,96%; Junho-2021 = 0,60%; Julho-2021 = 1,02%; Agosto-2021 = 0,88%.

A diferença é abissal, de aproximadamente quatro vezes ou quase 300%.

A correção – ou atualização – monetária não é um “plus”, um “algo a mais”, mas simples manutenção do poder de compra da moeda pela aplicação de um percentual que espelha a variação relativa dos preços nominais de produtos e serviços na economia.[7]

No Brasil é tradição que haja sua aplicação aos contratos com algumas regras que pautam a periodicidade dos reajustes que, com algumas exceções, deve ser anual, como é o caso dos aluguéis que sofrem reajustes todos os anos e na maioria dos casos pelo IGP-M largamente utilizado nessa modalidade contratual.

Essa é a inferência que se extrai do art. 28 § 1º da Lei 9.069/95 e arts. 1.º e 2.º e parágrafos da Lei 10.192, de 14.02.2001.[8]

Posteriormente, foi editada a Medida Provisória 2.223, de 04.09.2001 que, no âmbito do mercado imobiliário, fosse o imóvel para entrega futura ou não, liberou a correção mensal por índices de preços, desde que, na aquisição de imóveis – não na locação –  o prazo de pagamento superasse três anos, sem a necessidade de cobrança de resíduos, ou seja, a correção mensal pura por índices setoriais ou gerais.[9]

Pouco tempo depois, entrou em vigor a Lei 10.931/2004, cujo art. 46 apenas repetiu o teor do art. 15 da Medida Provisória 2.223/2001.[10]

Tudo quanto foi até agora tratado não foi alterado pelo Código Civil de 2002, mesmo ante a disposição dos arts. 487 e 316, este assim redigido: “É lícito convencionar o aumento progressivo de prestações sucessivas”, o que se afirma na exata medida em que lei geral posterior não altera e tampouco revoga lei especial anterior, como as que tratamos, que vedam, em regra, a correção com periodicidade inferior a um ano, com as exceções legais.

Retornando ao problema gerado pela pandemia, notadamente, entre nós, o descolamento do IGP-M, previsto como índice de atualização em milhares de contratos, se esse fato notório pode ou não autorizar revisão ou a resolução dos contratos que o preveem como índice de reajuste.

Teoria da imprevisão

Em suma, se questiona a possibilidade de aplicar a teoria da Imprevisão em razão na onerosidade excessiva.

Como se sabe, em razão da imprevisão insculpida nos arts. 317, 421-A, 478 e 479 do Código Civil, abrir-se-iam as possibilidades de revisão do contrato ou da sua resolução (que alguns, impropriamente chamam de “rescisão”):

É preciso lembrar que a revisão do contrato é sempre excepcional e limitada, a teor do art. 421-A do Código Civil.

Pela análise histórica da tramitação do projeto que se transformou na Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) a intenção da lei, que decorreu nitidamente do temor dos diversos planos econômicos da década de 1980 e da primeira metade da década de 1990, era conter a desproporção gerada por questões cambiais extremas e hiperinflação, de tal sorte que as discussões e redações preliminares do dispositivo tratavam de desvalorização da moeda.

E parece que foi exatamente essa a causa do descolamento do IGP-M durante a pandemia de Covid-19, posto que o cálculo do indigitado indexador reflete a variação, no mercado brasileiro, do preço de comodities, cuja cotação é feita em dólar americano que teve valorização substancial no período, superior a 20%, além da própria escassez gerada pelo impacto da pandemia nas cadeias produtivas.

Na verdade, a norma contida no art. 317 sempre foi vista em conjunto e como uma decorrência da imprevisão insculpida no art. 478 do Código Civil.

Posta dessa maneira a questão, a par de oscilações doutrinárias, também no caso da revisão do contrato e não da resolução, a extrema vantagem para uma das partes é requisito sine qua non.

Portanto, diante de:

  1. a) evento imprevisto, imprevisível e irresistível a qualquer esforço, ora tratado como a pandemia de Covid-19 (CC, art. 393);
  2. b) gerador de extrema vantagem para uma das partes, que se beneficia do descolamento e exacerbação do IGP-M (CC, art. 478);

O prejudicado poderá requerer:

  1. a) revisão (CC, art. 317); ou,
  2. b) resolução do contrato (CC, art. 478).

Esse requisito da extrema vantagem em qualquer das soluções (revisão ou resolução) decorre, inclusive, da norma que se extrai do art. 479 do Código Civil, que permite àquele que experimentou vantagem se oferecer para a revisão, evitando a resolução do contrato.

Posta dessa maneira a questão, as premissas que norteiam a justiça contratual, que decorrem da boa-fé objetiva, determinam que o reequilíbrio contratual deve ser aplicado apenas no caso de desequilíbrio que gere excessiva vantagem para uma parte e uma excessiva desvantagem para a outra.

O artigo 478 do Código Civil estabelece, assim, requisitos para a imprevisão:

  1. a) o contrato deve ser de execução continuada ou de execução diferida;
  2. b) deve haver profunda alteração nas condições para o cumprimento da obrigação em razão de fatos imprevisíveis e extraordinários;
  3. c) imprescindível – e insisto muito nesse ponto – que esteja presente a extrema vantagem para a outra parte.

E no caso do contrato prever o IGP-M, que se descolou – e muito – se for comparado com qualquer outro índice de atualização monetária durante a pandemia, pelos fatores já analisados, a prestação se tornará excessivamente onerosa com extrema vantagem para o polo credor do contrato.

De mais a mais, a função social do contrato (CC, art. 421) que extrapola os limites dos interesses individuais dos contratantes, indica a profunda necessidade, neste momento, de manutenção dos pactos, cujo cumprimento determinará a recuperação econômica que será imprescindível para a paz social, objetivo maior do direito.

Decisões sobre o tema

Algumas decisões, para todos os gostos, já se manifestam no foro: algumas negando o direito à revisão – que reputo equivocadas, com todo respeito que merecem, outras revisando os valores e reconhecendo o evidente desequilíbrio, principalmente, como se viu, em contratos de locação.

Sendo assim constatado e voltando à questão central do descolamento do IGP-M dos demais índices e a aplicação da teoria da imprevisão, ilustram a perplexidade com que sempre se deparam os tribunais com questões novas a produzir decisões desencontradas, os seguintes julgados, inicialmente quanto aos contratos de financiamento:

Agravo de instrumento – promessa de compra e venda – “ação de revisão de contrato de financiamento imobiliário” – decisão agravada que indeferiu a tutela de urgência – pretensão de substituição do índice IGP-M pelo IPCA e de consignação do valor incontroverso – art. 300 do CPC/2015 – inexistência do requisito da probabilidade do direito – decisão mantida – recurso desprovido. (TJSP;  Agravo de Instrumento 2207411-47.2021.8.26.0000; Relator (a): Cesar Luiz de Almeida; Órgão Julgador: 28ª Câmara de Direito Privado; Foro de Franco da Rocha – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/09/2021; Data de Registro: 23/09/2021).

Apelação – ação de revisão de contrato de financiamento c.c. Indenização por danos morais – Sentença de improcedência – Correção que é mera reposição da moeda – IGP-M, adotado, que é o geralmente utilizado para transações desse tipo, por não conter variação de materiais de construção e, assim, não repassar indevidamente custos do fornecedor – Desnecessidade de perícia – Ré que apresentou demonstrativo contábil que mostra a aplicação do IGP-M – Ausência de impugnação específica em réplica – Sentença mantida– Recurso desprovido. (TJSP;  Apelação Cível 1016841-97.2019.8.26.0451; Relator (a): Costa Netto; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Piracicaba – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 26/08/2021; Data de Registro: 26/08/2021)

Compromisso de compra e venda – Revisão – O negócio realizado não envolveu a captação de numerário ou obtenção de financiamento em qualquer das instituições que integram o Sistema Financeiro da Habitação, consistindo em autofinanciamento pela vendedora – Correção monetária pelo IGP-M – Legalidade – Capitalização anual de juros permitida pela legislação vigente – Inteligência do art. 4° da Lei de Usura e da súmula 121 do STF – Vedação apenas à capitalização em período inferior ao anual, nos contratos dessa espécie – Remuneração do capital investido pelas vendedoras que é devida – Recurso desprovido. (TJSP;  Apelação Cível 1003845-38.2019.8.26.0299; Relator (a): Alcides Leopoldo; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro de Jandira – 2ª Vara; Data do Julgamento: 16/06/2021; Data de Registro: 16/06/2021)

Em sentido contrário e admitindo a revisão, notadamente em razão de contratos de locação:

Agravo de Instrumento – Ação de revisão contratual – Locação comercial – Decisão de primeiro grau que indeferiu tutela de urgência que visava alteração do índice de correção monetária do contrato de aluguel (IGP-M para IPC, IPCA ou INPC), em razão da alta exorbitante do IGP-M, sob o argumento de que não é possível a concessão da medida sem oitiva da parte contrária – Índice previsto no instrumento de contrato (IGP-M/FGV) com aumento muito superior aos dos demais índices de inflação, no cenário da pandemia do Covid-19 – Aplicação do artigo 317 do Código Civil – Intervenção judicial possível, mesmo em sede de tutela provisória – Requisitos do artigo 300 do CPC preenchidos – Recurso provido para alterar o IGP-M pelo IPC/FIPE, índice substitutivo previsto no contrato. (TJSP;  Agravo de Instrumento 2113243-53.2021.8.26.0000; Relator (a): Mário Daccache; Órgão Julgador: 29ª Câmara de Direito Privado; Foro de Mogi das Cruzes – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 17/09/2021; Data de Registro: 17/09/2021)

Agravo de instrumento ação revisional de aluguel tutela provisória recurso da autora pedido de alteração do índice de reajuste contratual IGP-DI valores exagerados e descolados da realidade mercadológica IPCA índice mais condizente com a finalidade do reajuste precedentes desta c. Câmara Abusividade conjuntural do índice IGP-DI como reajuste de contratos locativos, uma vez que seus fatores econômicos se mostram totalmente dissociados do escopo de mera recomposição do poder aquisitivo, alcançando feição próxima da especulação cambial. Substituição para o IPCA, índice mais adequado racionalmente aos propósitos do reajuste. Precedentes desta C. Câmara. Recurso da autora provido (TJSP; AI 2133731-29.2021.8.26.0000; Relª Desª Maria Lúcia Pizzotti; 30ª Câmara de Direito Privado; j. 28/06/2021).

Processual. Locação comercial. Demanda revisional. Reajuste anual do locativo com base no IGP-M. Alegação de alta inesperada do índice. Tutela antecipada concedida no sentido de adoção do IPCA para reajuste. Insurgência da ré. Descabimento. Modificação do entendimento da Câmara a respeito. Variação notoriamente desproporcional dos índices de inflação divulgados pela FGV (IGP-M e IGP-DI, em especial), se considerados os índices oficiais ou divulgados por outras entidades idôneas, com diferenças da ordem de 500% a 600% nos últimos meses. Hipótese em que ponderável o reconhecimento da quebra da base objetiva do negócio, conquanto não se cogite de nulidade no pacto originário, propriamente dito. Risco, outrossim, se mantido o reajuste dos valores contratuais nesses patamares, de inadimplência da parte da locatária, inclusive de forma a levar à resolução do negócio, o que justifica intervenção imediata destinada a entancar essa possibilidade de dano. Tutela provisória que se tem por cabível não no sentido da substituição desde logo de um indexador por outro, seja pelo momento processual, seja porque não se afigura conveniente revisão nesses moldes no âmbito de mera tutela provisória. Autorização, apenas, para que, a partir da data do ajuizamento, venha a parte devedora a adimplir as parcelas calculadas pela variação do IPCA, não mais do IGP-M (pagamento diretamente à locadora, não por meio de depósito judicial), até que na sentença seja equacionada em termos definitivos a questão. Decisão agravada, que concedeu a tutela de urgência, que se confirma. Agravo de instrumento da ré desprovido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2202906-13.2021.8.26.0000; Relator (a): Fabio Tabosa; Órgão Julgador: 29ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional I – Santana – 7ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/09/2021; Data de Registro: 29/09/2021).

Neste último aresto, consignou-se: “Com efeito, não se pode afirmar seja a cláusula elegendo o IGP-M nula em si mesma, mormente pelas condições ao tempo da contratação. Não há, em contrapartida, como ignorar a clara desproporção verificada, em tempos mais recentes, na variação de índices de preços divulgados pela FGV (em especial, IGP-M e IGP-DI), confrontados com índices oficiais ou divulgados por entidades idôneas, com diferenças que chegam a alcançar a casa de 500% ou 600%. Semelhante distorção permite, em princípio, vislumbrar com razoável dose de verossimilhança hipótese de quebra na base objetiva do contrato, fundamento para a respectiva revisão, de modo a proporcionar o reequilíbrio das prestações recíprocas. Não seria o caso de se determinar desde logo, em sede provisória e sumária, a substituição desde logo de um índice por outro. Mas, por outro lado, a demora na outorga de solução emergencial que possibilite o tratamento da distorção pode levar a dano considerável, criando situação de potencial inadimplemento por parte da locatária e sujeitando-a, inclusive, à resolução do contrato, com consequências indesejáveis. Nesses termos, era mesmo o caso de se outorgar provimento de urgência voltado a autorizar o reajuste anual não mais pelo IGP-M, mas provisoriamente pelo IPCA, até que na r. sentença venha a matéria a ser devidamente equacionada.”

Quanto à prescrição da pretensão de revisar ou resolver o contrato em razão da onerosidade excessiva ou da imprevisão, entendo que o caso é de aplicar a teoria da “actio nata”, prevista no art. 189 do Código Civil, de tal sorte que a cada pagamento desproporcional decorrente de aplicação do índice descolado, surge, para quem adimpliu, a pretensão de se ver ressarcido da diferença, considerando-se a média dos demais índices usuais de preço.

Nesse sentido:

(…) Não ocorrência da prescrição no caso em análise. Aplicação da teoria da “actio nata”. Artigo 189 do CC/2002. Embora a assinatura do contrato tenha ocorrido em 05/09/2014, o efetivo pagamento da taxa questionada ocorreu apenas em 15/12/2016. Ação proposta em 30/01/2018. (…).
(TJSP;  Apelação Cível 1003362-84.2018.8.26.0576; Relator (a): Silvia Maria Facchina Esposito Martinez; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José do Rio Preto – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 04/02/2020; Data de Registro: 14/02/2020)

Nada obstante, numerosas decisões informam que, tendo em vista que a avença firmada entre as partes requer cumprimento em tratos sucessivos, o prazo prescricional tem como termo inicial o vencimento da última parcela devida:

Ação de Revisão Contratual – Contrato Bancário – Mútuo Feneratício – Reconhecimento da prescrição da pretensão do Autor pela incidência do prazo trienal – Insurgência que prospera – Contrato de trato sucessivo – Termo inicial para a incidência do prazo prescricional que deve ser considerado a partir do vencimento da última parcela devida (…) Pretensão revisional – Ação Pessoal – Inexistência de prazo prescricional especificamente previsto para a hipótese – Aplicação do prazo prescricional decenal geral nos termos do artigo 205, do CCB – Precedentes. Sentença cassada. Recurso provido para se afastar o reconhecimento da prescrição intercorrente e determinar o retorno do Feito à Comarca de Origem para prosseguimento em seus ulteriores termos. (TJSP; Apelação Cível 1012222-45.2021.8.26.0196; Relator (a): Penna Machado; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Privado; Foro de Franca – 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/08/2021; Data de Registro: 27/08/2021).

Portanto, adotados os precedentes majoritários, que formam verdadeira jurisprudência, é possível reclamar as diferenças pagas, acatada a tese da imprevisão ou da onerosidade excessiva pela aplicação do IGP-M, no prazo de 10 anos contados da data prevista para pagamento da última parcela do contrato (CC, arts. 189 e 205).

Conclusões

Nessa reflexão sobre a atualização monetária dos valores decorrentes de contratos diante dos efeitos da pandemia, concluo que:

  1. O IGP-M sofreu profunda influência da quebra das cadeias produtivas no mundo todo, em razão da pandemia, o que gerou seu descolamento e desproporção se comparado com outros índices que medem a inflação, notadamente durante o período agudo da pandemia de Covid-19;
  2. Esse descolamento autoriza a revisão ou a resolução do contrato requeridas em razão da imprevisão e/ou da onerosidade excessiva durante o cumprimento do contrato;
  3. O prazo prescricional para requerer revisão ou resolução somente se inicia a partir da data prevista para pagamento da última prestação do devedor e se conta pela regra geral do art. 205 do CC (dez anos).

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REFERÊNCIAS

AMITRANO Claudio; MAGALHÃES Luís Carlos G. de; SILVA Mauro Santos. Medidas de Enfrentamento dos Efeitos Econômicos da Pandemia Covid-19: Panorama Internacional e Análise dos Casos Dos Estados Unidos, do Reino Unido e da Espanha. Texto para discussão / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea. Brasília. Maio-2020.

COSTA Agnes de Souza; FÔRO, Glinda Sâmia da Silva; VIEIRA, Jeferson de Lima. COVID-19 e as cadeias de suprimentos: uma revisão bibliográfica dos principais impactos no Brasil. Revista das Faculdades Integradas Vianna Junior. Juiz de Fora. Jul-Dez-2020.

CALDAS Pedro Frederico. As instituições financeiras e a taxa de juros. Revista de Direito Mercantil, n. 101, p. 76-86.

SCAVONE JUNIOR. Luiz Antonio. Direito Imobiliário. 17ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.

________. Juros no Direito brasileiro. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

________. Do descumprimento das obrigações. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2007.


NOTAS

[1] Advogado, Administrador pela Universidade Mackenzie, Mestre e Doutor em Direito Civil pela PUC-SP, Professor e Coordenador do Curso de pós-graduação em Direito Imobiliário da EPD. Professor Titular do Curso de Mestrado em Direito da EPD, Professor de Direito Civil, Imobiliário e Arbitragem nos cursos de graduação e extensão da Universidade Presbiteriana Mackenzie, autor de diversas obras e, entre elas: Direito Imobiliário – teoria e prática.

[2] Agnes de Souza Costa; Glinda Sâmia da Silva Fôro; Jeferson de Lima Vieira. COVID-19 e as cadeias de suprimentos: uma revisão bibliográfica dos principais impactos no Brasil. Revista das Faculdades Integradas Vianna Junior. Juiz de Fora. Jul-Dez-2020.

Claudio Amitrano Luís Carlos G. de Magalhães Mauro Santos Silva. Medidas de Enfrentamento dos Efeitos Econômicos da Pandemia Covid-19: Panorama Internacional e Análise dos Casos Dos Estados Unidos, do Reino Unido e da Espanha. Texto para discussão / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea. Brasília. Maio-2020.

O Fenômeno é mundial, em amior ou menor grau e, apenas para exemplificar, Os Estados Unidos computaram taxa anualizada de quase 6% em setembro de 2021 (fonte: https://www.theglobaleconomy.com/rankings/cpi/ acesso em 07/11/2021).

[3] Fonte: <https://portal.fgv.br/noticias/igp-m-resultados-2021> Acesso em 12/10/2021.

[4] Deveras, entre março de 2020 e setembro de 2021, o dólar se valorizou em pouco mais de 20%:

Variação do índice Dólar – Taxa de câmbio livre de venda entre 01-Março-2020 e 30-Setembro-2021

Em percentual:    20,9105%

Observações:

Os valores do índice utilizados neste cálculo foram:

01-Março-2020 = 4.4987; 30-Setembro-2021 = 5.4394.

[5] Fonte: <https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/metainflacao> Acesso em 12/10/2021.

[6] INPC do IBGE (de jul/95 em diante). Fonte: < https://www.tjsp.jus.br/Download/Tabelas/TabelaDebitosJudiciais.pdf?d=1634080009528> acesso em 12/10/2021.

[7] O Superior Tribunal de Justiça assentou que: 1. A Corte Especial deste Tribunal Superior, no julgamento do recurso especial n. 1.265.580/RS, firmou o entendimento de que: ‘A correção monetária nada mais é do que um mecanismo de manutenção do poder aquisitivo da moeda, não devendo representar, consequentemente, por si só, nem um plus nem um minus em sua substância. Corrigir o valor nominal da obrigação representa, portanto, manter, no tempo, o seu poder de compra original, alterado pelas oscilações inflacionárias positivas e negativas ocorridas no período” (Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 21/03/2012, DJe 18/04/2012; AgRg no REsp 1393953/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/12/2013, DJe 03/02/2014).

[8]Lei 9.069, de 29.06.1995:

“Art. 28. Nos contratos celebrados ou convertidos em REAL com cláusula de correção monetária por índices de preço ou por índice que reflita a variação ponderada dos custos dos insumos utilizados, a periodicidade de aplicação dessas cláusulas será anual.

  • 1.º É nula de pleno direito e não surtirá nenhum efeito cláusula de correção monetária cuja periodicidade seja inferior a um ano.”

Lei 10.192/2001:

“Art. 1.º As estipulações de pagamento de obrigações pecuniárias exequíveis no território nacional deverão ser feitas em REAL, pelo seu valor nominal.

Parágrafo único. São vedadas, sob pena de nulidade, quaisquer estipulações de:

(…)

II – reajuste ou correção monetária expressas em, ou vinculadas a unidade monetária de conta de qualquer natureza;

III – correção monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados, ressalvado o disposto no artigo seguinte.

Art. 2.º É admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano.

  • 1.º É nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano.
  • 2.º Em caso de revisão contratual, o termo inicial do período de correção monetária ou reajuste, ou de nova revisão, será a data em que a anterior revisão tiver ocorrido.
  • 3.º Ressalvado o disposto no § 7.º do art. 28 da Lei 9.069, de 29 de junho de 1995, e no parágrafo seguinte, são nulos de pleno direito quaisquer expedientes que, na apuração do índice de reajuste, produzam efeitos financeiros equivalentes aos de reajuste de periodicidade inferior à anual.”

[9] “Art. 15. Nos contratos de comercialização de imóveis, de financiamento imobiliário em geral e nos de arrendamento mercantil de imóveis, bem como nos títulos e valores mobiliários por eles originados, com prazo mínimo de trinta e seis meses, é admitida estipulação de cláusula de reajuste, com periodicidade mensal, por índices de preços setoriais ou gerais ou pelo índice de remuneração básica dos depósitos de poupança.”

De nossa parte, entendemos que o índice da poupança só poderá ser utilizado se não coincidir com a Taxa Referencial, como ocorre atualmente. É que a Taxa Referencial não é índice de correção monetária, mas taxa de juros, o que impede sua utilização como mecanismo de correção.

[10] A Medida Provisória 2.223/2001 foi revogada pela Lei 10.931/2004, que manteve a regra já existente nesta medida provisória, do prazo mínimo de 36 (trinta e seis) meses para possibilitar a correção mensal nos contratos de venda e financiamento de imóveis. Neste sentido, o art. 46 da Lei 10.931/2004: “Art. 46. Nos contratos de comercialização de imóveis, de financiamento imobiliário em geral e nos de arrendamento mercantil de imóveis, bem como nos títulos e valores mobiliários por eles originados, com prazo mínimo de trinta e seis meses, é admitida estipulação de cláusula de reajuste, com periodicidade mensal, por índices de preços setoriais ou gerais ou pelo índice de remuneração básica dos depósitos de poupança.”

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