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Sociedade de economia mista – Fábrica nacional de motores – Participação em outra sociedade – Emissão de partes beneficiárias e de debêntures

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PARECERES E JURISPRUDÊNCIA

REVISTA FORENSE

Sociedade de economia mista – Fábrica nacional de motores – Participação em outra sociedade – Emissão de partes beneficiárias e de debêntures

DEBÊNTURES

ECONOMIA MISTA

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 146

SOCIEDADE

Revista Forense

Revista Forense

21/12/2021

REVISTA FORENSE – VOLUME 146
MARÇO-ABRIL DE 1953
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICA

DOUTRINA

PARECERES

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • O regime federativo e a educação – Osvaldo Trigueiro
  • A superintendência da moda e do crédito, os bancos e a Constituição Federal – Abgar Soriano
  • Delito político – Paulo Carneiro Maia
  • Expulsão de estrangeiros – A. Dardeau de Carvalho
  • Os direitos do autor na obra cinematográfica – Hermano Duval
  • A proteção das marcas notoriamente afamadas – Thomas Leonardos
  • Reajustamento pecuário – Contagem de juros – Responsabilidade da União – Edgar Quinet de Andrade

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

  • Jurisprudência Civil e Comercial
  • Jurisprudência Criminal
  • Jurisprudência do Trabalho

LEGISLAÇÃO

Sobre o autor

M. Seabra Fagundes, advogado no Distrito Federal.

PARECERES

Sociedade de economia mista – Fábrica nacional de motores – Participação em outra sociedade – Emissão de partes beneficiárias e de debêntures

– A constituição e a vida de uma sociedade de economia mista se vinculam à lei especial que autoriza a sua formação e à lei geral sôbre as sociedades por ações.

– A participação da Fábrica Nacional de Motores como acionista em segunda sociedade independe de ato legislativo, uma vez que não há disposição de novos fundos do Tesouro Nacional.

– Não havendo a lei que autorizou a constituição da sociedade de economia mista impôsto restrições quanto à emissão de obrigações ao portador ou a criação de partes beneficiárias, aplicar-se-á, neste particular, a lei geral.

I

EXPOSIÇÃO

“1. Em dec.-lei, n° 8.699, de 16 de janeiro de 1946, autorizava o govêrno LINHARES a constituição da Fábrica Nacional de Motores, S.A. Integrava o decreto-lei um projeto de estatutos da sociedade constituenda.

“2. Este decreto-lei permanece inalterado e o projeto de estatutos foi integralmente aprovado em assembléia geral de constituição definitiva, aos 17 de dezembro de 1947, conforme atas publicadas no “Diário Oficial” de 9 de janeiro de 1948 e arquivadas sob o certificado de n° 7.912 no Departamento Nacional de Indústria e Comércio, em 30 de dezembro de 1947.

“3. Do capital de Cr$ 400.000.000,00, estabelecido pelo decreto institucional, a União entrou com 99,6%, assim discriminados: Cr$ 175.000.000,00 em bens (terrenos, construções e equipamentos) constituindo o capital estatal e cêrca de Cr$ 224.000.000,00 em numerário, já integralizado, em virtude da quase absoluta retração do capital privado, sendo o govêrno subscritor forçado do remanescente, por disposição do art. 4° do citado decreto-lei.

“4. Estabeleceu-se, na assembléia constituinte, que a União teria direito a voto com o capital privado que subscreveu compulsòriamente, interpretando, assim, o parág. único do art. 11 dos estatutos, que omitiu discriminação tão necessária.

“5. Por igual, não usou a União da faculdade de ceder, dentro em um ano, pelo seu valor nominal, a brasileiros – pessoas físicas ou jurídicas – o seu capital privado” (art. 4° do dec.-lei número 8.699), não havendo sido cotadas, até hoje, em bôlsa, as ações da Fábrica Nacional de Motores, S.A.

“6. O desinterêsse do capital particular averiguou-se fatal: eram nominativas as ações ordinárias e reservadas a brasileiros, e as preferenciais, faltas de voto, teriam os juros módicos de 6°. Conhecida é a debilidade do nosso capital privado de inversão industrial e a economia estrangeira, revelando intêresse, embora, não encontrara qualquer garantia nos moldes fixados pela lei.

“7. A avaliação dos bens constitutivos do capital estatal foi arbitràriamente prefixada em Cr$ 175.000.000,00, sabidamente inferior ao seu valor real, já quando do decreto-lei de janeiro de 1946, eis que a maquinaria fôra adquirida pelo têrço do seu valor venal por concessão da “Lei de Empréstimo e Arrendamento” e os terrenos, avaliados em cêrca de um milhão, representavam mais de Cr$ 200.000.000,00 com as benfeitorias.

“8. Hoje, uma avaliação real do ativo, alcançaria de evidência, para além do dôbro do capital social, devido, também, às grandes obras de realizações complementares levadas a têrmo nos 45 meses de vida da sociedade anônima.

“9. Enraizaram-se, entretanto, as dificuldades já previstas, desde fins de 1946 (ano antes da constituição da sociedade anônima) e que o govêrno pensou em corrigir através de minuciosos estudos na presidência DUTRA, da lavra dos Ministérios da Viação, Fazenda e Conselho de Segurança Nacional (doc. anexo), com o fim de atrair capitais e técnicos estrangeiros para a sociedade ainda por constituir-se. Tentativas baldadas, porém, decidindo-se, afinal, que a protelação forçada, tendo em vista a necessidade de alterar-se o decreto-lei pelo Congresso Nacional, traria inadmissível estagnação a tão vultoso patrimônio optando-se pela constituição imediata da companhia, embora reconhecendo-lhe os vícios de origem, o que se realizou, afinal, em 17 de dezembro de 1947.

“10. Ao atual programa da Fábrica – construção escalonada de caminhões e tratores, além de recondicionamento da maioria dos motores de aviação comercial e militar, sempre feito com ótimos resultados – afigura-se indispensável a reforma dos estatutos, já que a alteração da lei seria por demais morosa ou mesmo desnecessária, executado que foi o dec.-lei n° 8.699 e preenchido o seu elemento teleológico (ratio juris), facultando poderes à diretoria para cumprir recentíssima orientação traçada à Fábrica, em despacho da presidência da República (doc. anexo)”.

II

Assim exposto o assunto, formulam-se quesitos a seguir transcritos e respondidos.

III

PARECER

Primeiro quesito

“Primeiro quesito: Em face ao decreto-lei n° 8.699, poderá a União mandar ceder parte dos bens que constituíram o seu capital estatal, actions d’apport, para servir como capital de investimento, em sociedade subsidiária, admitindo parte igual de capital estrangeiro?”

Segundo quesito

“Segundo quesito: Em caso negativo, novas ações ordinárias obtidas com a reavaliação do seu ativo (art. 113 da lei n° 2.627) permitiriam à União, com parte do seu capital subscrito, entrar para outras sociedades?”

As sociedades de economia mista, reunindo capitais do Estado e privados, representam uma utilização do mecanismo e dos processos de associação já satisfatòriamente provados na vida comercial (via de regra o sistema de sociedades anônimas), a serviço de empreendimentos de grande vulto e de especial interêsse para a vida coletiva, no domínio da indústria, do crédito e dos serviços de utilidade pública.

Como um instrumento, entre tantos outros, de que se vale o Estado para a consecução dos seus fins, a sua utilização não exigiria, em princípio, desde que a administração pública houvesse por oportuno dêle socorrer-se, ato legislativo especial. Mas, como importa em dispor de dinheiros públicos e dêstes só pode dispor a administração quando lhos credite o Congresso (Constituição federal, art. 65, ns. I, II e V), a formação de sociedades mercantis, com participação da União Federal, se tem feito preceder, sempre, de lei de autorização.

As mais das vêzes a lei de autorização se faz acompanhar dos estatutos da sociedade. Êstes aparecem como um complemento dela. As suas disposições passam a ser umas outras tantas regras obrigatórias para o estruturamento da companhia e o desenrolar das suas atividades. A assembléia de constituição já tem um papel muito mais restrito e constitui ponto delicado a apurar se em assembléia geral é possível modificar o texto estatutário, ainda que em partes não essenciais.

A constituição e a vida de uma sociedade de economia mista se vinculam, dessarte, à lei especial que autoriza a sua formação e à lei geral sôbre as sociedades por ações (TRAJANO DE MIRANDA VALVERDE, “Sociedades Anônimas ou Companhias de Economia Mista”, 1945, páginas 7-8). Aquela, ao mesmo tempo que exterioriza a iniciativa estatal no sentido da formação da companhia, traça algumas normas fundamentais à sua organização, como sejam, as concernentes ao objeto, ao capital social e à participação do Estado e dos particulares na sua integração. Esta rege a sociedade nas providências complementares e formalizadoras da sua constituição (requisitos e publicidade do prospecto, convocação e funcionamento da assembléia de fundação, etc.) e no curso das suas atividades. Aquela cria; esta mantém. Aquela tem uma função estática; esta tem uma função dinâmica. Aquela institui; esta governa.

Cada uma dessas leis tem o seu papel peculiar e a sua oportunidade no que concerne à origem, à vida de rotina e à evolução da sociedade. Cada qual deve ser chamada, a seu tempo e conforme o assunto de que se trate, a disciplinar as situações e relações da vida social.

Não será admissível aplicar os textos da Lei das Sociedades por Ações em pontos resolvidos pela lei de autorização.

Do mesmo modo não será possível vacilar na aplicação da lei comum sôbre as sociedades mercantis, naquilo que fôr omissa a lei especial, pelo só receio de recorrer ao direito privado a propósito de relações em que participa o Estado. Se nada impedia o legislador de ir mais longe ao derrogar a Lei de Sociedades por Ações, caso fôsse intuito seu emprestar à sociedade de capital misto características mais distantes do tipo padrão de sociedade comercial, e êle preferiu restringir-se a umas poucas disposições especiais, há de entender-se que agiu deliberadamente, com o propósito de preservar, ao máximo, a estrutura e o sistema de funcionamento prescrito, pelo direito comum, às sociedades do tipo adotado (ARENA, “Le Società Commerciali Pubbliche”, 1942, páginas 257-258). Êsse sistema tem, portanto, plena oportunidade na regulação da vida social. Tanto mais quanto o apêlo, por parte do Estado, na organização de determinada emprêsa, aos moldes usados nas relações da vida comercial, significa uma eleição dos processos que a regem, porque certamente considerados, na flexibilidade e simplicidade do seu mecanismo, os mais adequados à realização do objetivo que se tem em vista.

Não há, portanto, que considerar a sociedade, no exercício normal das suas atividades, como vinculada a novas manifestações do legislador. Êste, autorizando a sua constituição e assentando-lhe as bases, deixou à administração pública, através dos diretores com que se faça representar na gestão dos negócios sociais, manifestar a vontade do Estado, segundo os preceitos pertinentes à vida de negócios das sociedades comerciais em geral, no que mais possa convir. Não se reservou virtualmente interferir a cada passo, com novos atos, autorizando medidas que qualquer sociedade anônima pratica, por ato próprio (da diretoria ou da assembléia geral). O que, evidentemente, não importa excluir a sua interferência sempre que a tenha por útil. Mas entre ter de interferir e poder fazê-lo, vai uma diferença grande. Enquanto não intervenha, a sociedade age por si, pelos seus órgãos, sem com isto exorbitar do âmbito legítimo da sua ação.

Dntro dêsse critério de articulação de normas especiais e gerais, umas completando as outras e tôdas formando, em conjunto, o regime jurídico da sociedade de capital misto, é que nos parece se devem analisar e resolver os seus problemas.

Transplantando-o ao caso de que se trata, temos que à União não é dado, sem autorização legislativa, utilizar, na integração do capital de outra sociedade, parte dos bens com que concorreu como primeiro subscritor, para a formação do capital da Fábrica Nacional de Motores, S. A. O valor representado por êsses bens (Cr$ 175.000.000,00, correspondentes a 875.000 ações ordinárias de Cr$ 200,00 cada qual, conforme estatuído no decreto-lei n° 8.699, art. 2° afigurou-se ao legislador um dos fatôres econômicos do êxito do empreendimento. Assim sendo, não é possível distrair parte dêle para terceiro empreendimento, ainda que colateral daquele, sem sacrificar o que o legislador considerou a base econômica do negócio. Só êle próprio está habilitado a reconsiderar o critério inicial de aferição das condições e necessidades da emprêsa, reduzindo o montante da participação da União no seu capital.

não ser assim estaria nas mãos do Poder Executivo desvirtuar a iniciativa da Poder Legislativo, e até mesmo frustrá-la com  favorecimento de alguma outra emprêsa.

Mas não só o capital estatal exclui qualquer destinação que importe desfalcar as bases econômicas da sociedade. Também o capital privado, subscrito pela União ou por particulares, constitui, dentro da montante previsto pelo dec.-lei n° 8.699 – 500.000 ações preferenciais e 625.000 ações comuns, do valor de Cr$ 200,00 cada uma – condição essencial de operação da sociedade. Admitir que se lhe dê, em parte maior ou menor, destino à margem do objetivo imediato da companhia, é dar ensejo a que se alterem as vigas mestras da sua estrutura, reduzindo-se-lhe as possibilidades de realização e as condições de êxito, tal como previstas pelo legislador no ato de autorização.

Aumentado, porém, o capital mediante reavaliação do ativo social (Lei de Sociedades por Ações, art. 113), seja pela insuficiência da avaliação inicial, seja pela efetiva valorização do acervo nos anos que mediaram de 1946 até hoje, as novas ações correspondentes a êsse aumento comportam destinação outra, que não a estritamente ligada ao objetivo precípuo da sociedade, como seja, a da formação do capital de sociedade congênere. É que já representam excedentes do capital social básico, segundo as previsões do legislador. Caracterizam-se como expressões econômicas da solidez ou do êxito do empreendimento. Se êste, pelas atividades desenvolvidas, prosperou, ou se, em virtude de insuficiência da estimativa inicial dos bens integrantes do capital social, conta com bases econômicas superiores àquelas que o legislador teve como o mínimo indispensável, surge como uma conseqüência natural dessas circunstâncias a expansão financeira da companhia. E sem lhe pôr em risco a subsistência, mas, ao invés disso, até abrindo novas perspectivas à sua atuação como organismo industrial.

Enquanto o emprêgo do capital social de constituição da sociedade anônima, Fábrica Nacional de Motores, na formação do de uma outra emprêsa, importaria distrai-lo do seu objetivo precípuo e originário – a montagem e o funcionamento da fábrica – pondo em risco ou enfraquecendo o resultado do empreendimento, a utilização do capital estatal ou privado excedente, para a formação de companhia congênere ou subsidiária, representa um desdobramento natural do negócio. Constitui, do ponto de vista jurídico, uma operação como outra qualquer no conjunto das atividades comerciais da sociedade. Significa um emprêgo de fundos, entre outros, considerado vantajoso à condução dos negócios da emprêsa.

E é preciso não esquecer que quando o Estado adere à forma de organização das emprêsas privadas, tem em vista, entre outros objetivos, o de beneficiar-se da eficiência e presteza dos seus processos de organização e funcionamento. Utiliza os seus meios de ação, integra-se no regime de operação comercial das sociedades privadas (ARIAS, “La Sociedad de Economia Mixta”, 1940, pág. 69; BRUNETTI, “Trattato del Diritto delle Società”, 1948, vol. I, págs. 88-89).

Nos estatutos, inspirados pelo próprio legislador que autorizou a constituição da sociedade anônima, se menciona como objeto da mesma a instalação de qualquer outra emprêsa que, direta ou indiretamente, se relacione com as suas atividades iniciais (art. 2°). Ora, se inclui como um dos objetivos sociais a organização de emprêsas subsidiárias, não é possível, sem contradizer êsse propósito, negar os meios de atingi-lo. E entre os meios mais eficazes para a expansão e complementação da Fábrica está o apêlo à organização de companhias subsidiárias ou afins. Convocados capitais, experiência e aptidões de outros setores, criam-se facilidades decisivas para a realização das suas atividades fundamentais.

Nem se opõe ao emprêgo de capital em sociedade congênere o fato dêsse emprêgo importar, ainda que num segundo grau, se assim é possível dizer-se, na participação de capitais do Estado ao lado de capitais privados.

que, conforme já deixamos dito, só uma razão torna indispensável ato legislativo específico para a constituição das sociedades mistas: a necessidade da abertura de crédito correspondente ao capital a ser subscrito pelo Estado.

O que não é desmentido pelo fato de leis especiais concernentes a muitas delas conterem disposições várias, e até, por vêzes, limitarem-se a tais disposições, deixando a abertura dos créditos necessários a leis posteriores. O que há nesses casos é que, ou o legislador chama a si a responsabilidade da formação da companhia, não aguardando a iniciativa do Poder Executivo, ou êste prefere dividir com aquêle as responsabilidades do empreendimento pedindo-lhe uma lei a respeito.

Nos planos estadual e municipal é comum mesmo a formação de sociedades anônimas com participação de capitais estatais, independente de ato legislativo outro que não o da consignação de crédito. Utiliza-se, para a sua constituição e para tudo o mais, a legislação comercial, até porque aos Estados e Municípios falece competência para modificá-la. Já então à pessoa jurídica de direito público não é dado impor estatutos por ato unilateral, nomear diretores ou se reservar o direito de veto às deliberações da assembléia geral, como vem fazendo a União, via de regra, no que concerne às sociedades para cujo capital contribui. Tôda a influência do Estado ou Município há de exercer-se nos têrmos estritos da Lei das Sociedades por Ações, isto é, como decorrência da sua posição de maior acionista.

Uma vez que, para a participação da Fábrica Nacional de Motores como acionista em segunda sociedade, não se faz mister a disposição de novos fundos pelo Tesouro Nacional, a medida independente de ato do Congresso.

Terceiro quesito

“Terceiro quesito: Quais os meios aconselháveis para mobilização de recursos a serem autorizados por assembléia extraordinária? Caução do capital privado da União, para obtenção de empréstimo bancário, e, sendo, porventura necessário, um decreto do Executivo? Instituição de partes beneficiárias cedidas a estrangeiros? Emissão de debêntures, com ou sem hipoteca?”

Afigura-se-nos que, tanto a instituição de partes beneficiárias, como a emissão de debêntures poderá servir ao pretendido levantamento de capital. São meios de que se valem as sociedades anônimas, em geral, para a obtenção de fundos indispensáveis à superação de crises ou à ampliação das suas atividades. A participação do Estado na formação do capital social da Fábrica Nacional de Motores não contra-indica a sua utilização, nem a vincula a formalidades especiais. Mesmo porque uma das razões de ser do apêlo do Estado ao processo, por excelência, de organização das grandes emprêsas, é a utilização da “agilidade dos instrumentos de técnica jurídica elaborados pelo direito privado” (ASCARELLI, “Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado”, 1946, pág. 155).

Se se criassem restrições ao uso, pelas sociedades de economia mista, dos meios de ação das sociedades anônimas de capitais privados, já experimentados na sua eficácia e simplicidade, privar-se-ia o sistema de algumas das suas melhores vantagens.

O capital estatal unir-se-ia ao capital privado, segundo as regras e para os fins previstos no direito mercantil, mas essa coligação de fôrças econômicas perderia a eficiência quando chamada a funcionar, pelo apêgo ao rígido formalismo do direito administrativo.

Da utilização do sistema de sociedade por ações adviria apenas a vantagem, nem sempre expressiva, da coparticipação de capitais particulares. No mais, isto é, no que dissesse respeito aos processos de atuação da emprêsa, atendo-se a sociedade à legislação disciplinadora dos bens e rendas do Estado, emperrar-se-ia, o exercício das suas atividades na dependência do rigorismo formalista a que se circunscreve a gestão do patrimônio público. A emprêsa competiria mal no plano dos negócios, porque adstrita a demoradas previdências para a solução de assuntos prementes, e tenderia antes a fenecer do que a prosperar.

Considere-se que quando o Estado se volta ao exercício de uma atividade de natureza privada, “não faz valer o interêsse público como elemento causal do negócio e renuncia a invocar a disciplina do direito público para modificar ou substituir a de direito privado por que se definiu” (CANTUCCI, “L’Attività di Diritto privato della Pubblica Amministrazione”, 1942, pág. 84). E não há modalidade mais tìpicamente característica do exercício de atividade privada pela administração pública, do que aquela que visa a fins de produção industrial civil e se confia a entidade estruturada nos moldes das sociedades comercias.

É certo que a emissão de debêntures pela Companhia Vale do Rio Doce, S.A., foi autorizada por um decreto-lei – o de n° 6.605, datado de 20 de junho de 1944 (art. 2°).

Mas, em contraposição a êsse precedente há o da Companhia Siderúrgica Nacional, que, em reforma estatutária, independente de autorização legislativa, dispôs sôbre a criação de partes beneficiárias.

Desde que a lei que autorizou a constituição da sociedade mista não pôs quaisquer restrições à criação de partes beneficiárias e à emissão de obrigações ao portador, tais como reguladas na legislação comum aplicável às sociedades anônimas, esta legislação, e tão-sòmente ela, há de reger a posição da companhia a respeito.

Nem mesmo no caso de se pretender emitir debêntures sob hipoteca (o que, aliás, nos parece escusado) haveria mister, a rigor, de autorização legislativa. Porque, se é verdade que só pode hipotecar quem pode alienar e que os bens dominicais ou patrimoniais do Estado só podem ser alienados nos casos e na forma que a lei prescrever (Cód. Civil, art. 67; Reg. Geral de Contabilidade Pública, artigo 804), é igualmente verdade que vindo a ter lugar a execução de hipoteca porventura constituída, a alienação conseqüente se realiza em caso e através de processo prescrito na lei. A participação da União na sociedade vincula-a à Lei de Sociedades Anônimas e, conseqüentemente, ao sistema de comércio que nesta se regula. Êste sistema, por sua vez, conduz à obtenção de fundos por determinadas formas, uma das quais podendo acarretar a execução sôbre bens sociais. A alienação que assim se efetue ocorrerá, portanto, em caso previsto na lei e por forma também nesta prevista. A excentricidade do processo através do qual tenha lugar, não é senão uma decorrência da excentricidade da posição assumida pela União, ao fazer-se acionista de uma sociedade comercial.

As objeções que se opõem a êste ponto de vista nascem de um conceito indiscriminado da inalienabilidade dos bens públicos. Esquecem, entre outras coisas, que a jurisprudência dos nossos tribunais, enquanto não barrada por lei peremptória (dec. n° 22.785, de 31 de maio de 1933, art. 2°), admitiu prescrição aquisitiva de bens públicos.

Nem o conceito de alienabilidade dos bens estatais postos ao serviço de atividades lucrativas de cunho privado carece de amparo na doutrina. A comprovação do asserto basta referir a opinião de SALEMI. O ilustre docente de Pádua, apesar de na Itália ser vigente, em princípio, a inalienabilidade, distingue entre os bens públicos conforme o seu destino, para admitir que sejam alienáveis, penhoráveis, seqüestráveis e prescritíveis, tanto quanto os bens privados, aquêles que o Estado utilize como fontes de renda de natureza privada (“La Giustizia Amministrativa”, 1935, págs. 146-154).

Aliás, não há diferença de substância entre o desfalque do capital social pelo mau êxito em operações de rotina e em conseqüência de insucesso numa operação de vulto. Tanto naquelas como nestas se sacrifica, no ativo da sociedade, capital do Estado.

O empréstimo sob caução ou penhor de ações tomadas pelo Tesouro, parece-nos menos conveniente por importar num apêlo ao crédito da União (pois a caução será feita por esta como proprietária individual das ações), quando a companhia está em condições de valer-se do seu próprio crédito.

E, conquanto a percentagem de ações de propriedade da União, no conjunto do capital social, faça quase confundir-se o patrimônio da sociedade com o seu, não é isso razão suficiente para que a emprêsa insista em depender da tutela econômica do poder público. A tendência natural há de ser (dentro mesmo do espírito do despacho do Sr. presidente da República, que motivou a consulta) para valer-se dos seus próprios meios, vivendo autônomamente do ponto de vista econômico-financeiro, como uma sociedade comercial qualquer.

Quarto quesito

“Quarto quesito: No pressuposto da inalienabilidade do capital estatal, como admitir em sociedade na própria Fábrica Nacional de Motores, S.A., o capital estrangeiro?”

Em face do que deixamos dito respondendo a indagações anteriores, já não há que examinar a pergunta objeto dêste quesito.

Quinto quesito

“Quinto quesito: Quais as alterações aconselháveis ao novo projeto de estatutos, restabelecendo-se, notadamente, a soberania da assembléia geral (art. 16) (docs. anexos: estatutos da Companhia Siderúrgica Nacional, Vale do Rio Doce, Vale do São Francisco)”.

A soberania da assembléia geral é coartada, dentro dos atuais estatutos, pelo direito de veto do diretor-presidente (com recurso para o presidente da República) às suas deliberações, que forem julgadas “contrárias aos interêsses sociais ou ao bem público” (art. 16, n° VI e parágrafo único).

Por essa via se lhe tira o papel de órgão diretor máximo da sociedade. Ela já não é aquêle “poder administrativo por excelência”, de que falava J. X. CARVALHO DE MENDONÇA (“Tratado de Direito Comercial Brasileiro”, 2ª ed., vol. IV, pág. 9). Já não lhe compete a solução, em última instância, dos mais relevantes assuntos sociais.

Para obviar a êsse inconveniente, se nos afigura bem inspirada a fórmula constante do texto anexo à consulta, em que se limita o direito de veto às decisões da diretoria e se estabelece recurso do seu exercício para a assembléia geral, sem mais cogitar de interferência do presidente da República.

Essa, aliás, é a modalidade com que o direito de veto aparece nos estatutos da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (art. 20, n° IV), o que representa um precedente satisfatório.

Na verdade, a forma de devolver a assembléia geral à plenitude natural das suas funções, no mecanismo social, é restringir o direito de veto (comum na estrutura das sociedades de capital misto – ZWAHLEN, “Des Sociétés Commerciales avec Participation de l’Etat”, 1935, página 158), às proporções em que se justifica. É fazê-lo apenas um meio de condicionar certas decisões da diretoria à ratificação do órgão supremo da sociedade. Como neste é a União que detém o maior número de votos, o soa ponto de vista termina por prevalecer. E como nas questões de alta importância o voto da União será naturalmente precedido de auscultação do modo de ver do presidente da República, não se subtrai a êste a influência potencial sôbre as atividades sociais, embora se amolde o processo de funcionamento da companhia ao sistema peculiar às sociedades anônimas.

Sexto quesito

“Sexto quesito: Em síntese e à vista da exposição da Fábrica Nacional de Motores, S.A., à Presidência da República, sôbre propostas de associação com a Cockshutt, como dar cumprimento ao programa traçado pelo governo em resposta aos quesitos formulados naquela exposição? (doc. anexo)”.

A resposta ao primeiro e ao segundo quesitos, quando admite a constituição de uma sociedade congênere, da qual seja acionista a Fábrica Nacional de Motores, S.A., parece-nos antecipar a resposta à presente indagação.

Entretanto, temos que é de advertir, dados os têrmos da terceira solução de que cogita a exposição feita à Presidência da República, ser de reservar à Fábrica pelo menos 51% das ações com direito a voto. Do contrário, mutilar-se-á o contrôle da União sôbre ela, que o dec.-lei n° 8.699 teve como essencial. Porque, desde o momento em que não pode controlar as atividades da sociedade-filha, na verdade a União não estará podendo superintender, em determinado setor, a vida da própria Fábrica Nacional de Motores.

É o que nos parece.

Rio, 16 de outubro de 1951

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