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TRIBUTÁRIO

Equidade não é critério para fixação de honorários devidos pela Fazenda

FAZENDA

HONORÁRIOS

SUCUMBÊNCIA

Hugo de Brito Machado Segundo

Hugo de Brito Machado Segundo

15/02/2022

No artigo desta semana, leitora, peço licença para tratar de um tema que não é especificamente tributário, mas que está invariavelmente presente nas questões fiscais, quando levadas a juízo. Trata-se dos honorários advocatícios de sucumbência devidos nas ações em que a Fazenda for parte.

Código de Processo Civil e a fixação de honorários

Sob a vigência do Código de Processo Civil de 1973, o artigo 20, §4º, estabelecia que, nas causas “de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz…”

Como se sabe, embora o artigo apenas libere o julgador dos percentuais mínimos e máximos de 10% a 20% utilizados na generalidade das demais causas, na prática os tribunais o utilizavam para quantificar honorários, quando vencida a Fazenda, em valores fixos, mas que, se expressos em percentuais, ficariam muito abaixo do piso dos 10%. Havia algum arbítrio, e grande subjetividade, nessa fixação. Causas em que se debatiam cobranças elevadíssimas, que se arrastavam por anos e na qual muito trabalho havia sido desenvolvido, eram concluídas com a fixação de honorários na faixa dos R$ 500 ou dos R$ 1 mil. Mas, se a Fazenda se saísse vencedora, e não vencida, os honorários seriam arbitrados entre 10% e 20%. Ou, se se tratasse de execução fiscal, já vinham — e, indevidamente, ainda vêm — embutidos na CDA pelo percentual de 20% (encargos legais), quando parte a União.

Esse foi um dos pontos que o CPC de 2015 corrigiu, na legislação processual, ou na forma como a jurisprudência a compreendia. No código atual, causas de valor inestimável, ou de pequeno valor, continuam sujeitas à apreciação equitativa, pois não há um valor em disputa que possa ser usado como base ou parâmetro (artigo 85, §8º). Mas as questões que envolvem a Fazenda passaram a contar com critérios próprios, e específicos, em dispositivo apartado. Houve nítida separação, em dois parágrafos, das hipóteses que no código anterior estavam unidas em um só e recebiam o mesmo tratamento.

Causas em que a fazenda é parte

A teor do §3º do artigo 85 do CPC de 2015, nas causas em que a Fazenda for parte — e não mais apenas naquelas em que for vencida, por uma questão de igualdade —, considerando que podem ser numerosas e envolver valores elevados, a escala percentual é regressiva. Evitam-se condenações muito elevadas, de um lado, mas se afastam o arbítrio e a subjetividade de antes, pois se preveem percentuais que vão de 10% a 20%, para causas cujo proveito econômico seja de até 200 salários mínimos, até 1% e 3%, para as causas cujo proveito econômico seja superior a cem mil salários mínimos.

Já o §8º do mesmo artigo, tratando das hipóteses que continuam sujeitas à “apreciação equitativa”, estabelece ser aplicável nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico, ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo. Muito baixo, não muito alto.

Observe-se que a hipótese de incidência da regra constante do artigo 85, §8º, abrange apenas causas de valor inestimável, assim entendido aquele que não se pode economicamente estabelecer, ou as de valor irrisório ou muito baixo. Nesses casos, o juiz fixará por apreciação equitativa. Nos demais, não. Nos demais, quando a Fazenda for parte, os critérios são os do §3º, que indica objetivamente os percentuais a serem aplicados. Salvo se se tratar de causa envolvendo a Fazenda e na qual o valor seja muito baixo, ou inestimável. Nessa hipótese, seria razoável suscitar dúvida entre aplicar o §3º ou o §8º. Mas, se houver um valor, e ele não for irrisório ou muito baixo, não há motivo para se aplicar o §8º. Do contrário, o §3º não teria qualquer razão de ser, notadamente no que tange aos seus incisos II, III, IV e V. Se, em uma causa cujo proveito econômico seja superior a cem mil salários mínimos (mais de R$ 1 bilhão), aplicar-se o §8º do artigo 85, qual o sentido do inciso V do §3º, que se refere, como ponto de partida, justamente a essa importância, para aplicação dos percentuais de 1% a 3%?

Apesar disso, não tem sido raro que Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais ignorem, por completo, tais disposições, e sigam aplicando o artigo 85, §8º, a todas as questões em que a Fazenda for vencida. Só nas que ela for vencida. Como se ainda estivesse em vigor o CPC de 1973, com seu artigo 20, §4º, nos moldes em que — já equivocadamente, mesmo na época — era entendido pela jurisprudência.

Com todas as vênias, essa compreensão é equivocada, e se espera que seja repelida pelo Superior Tribunal de Justiça, pois nega vigência, claramente, a expressa disposição da lei federal. Já existem, inclusive, valiosos e muito bem fundamentados precedentes neste sentido (v.g., AgInt no REsp 1.850.553/PR). Caso não siga o caminho do apontado precedente, e seja complacente com esse entendimento que ressuscita o código revogado naquilo em que o legislador expressamente pretendeu alterar (e alterou), será o caso de o Supremo Tribunal Federal, até por respeito à Súmula Vinculante 10, ao artigo 97 da CF/88 e ao princípio da legalidade e da separação dos poderes, restabelecer a vigência da disposição codificada.

Não se pode, por outro lado, afirmar que os critérios do artigo 85, §3º, do CPC sejam inconstitucionais. Se se considerar irrazoável condenar uma parte perdedora ao pagamento de 1% de honorários, em uma demanda de valor superior a cem mil salários mínimos, qual seria a justificativa para se condenar a parte vencida, em demanda de igual valor havida entre dois particulares, no percentual de 10%, que é aquele aplicado à generalidade das causas? Na verdade, os critérios do §3º são até bem mais brandos, considerando o fato de que as demandas envolvendo a Fazenda podem ser numerosas e seu valor pode eventualmente ser mais alto. Permite-se uma maior justiça, a depender da situação específica (com a escala regressiva), mas sem incorrer, como se incorria, em subjetividade e arbítrio. E, vale ainda refletir: se 5%, 8% ou 10% do valor em disputa conduzem a valores tidos como “absurdos”, só porque pagos pela Fazenda, qual adjetivo reservar aos 100%, que serve de base para o cálculo, e que corresponde ao montante que seria indevidamente subtraído do cidadão, e não o foi em razão do trabalho do advogado?

Nem é o caso, finalmente, de se comentarem os argumentos, que alguns julgadores chegam a usar explicitamente, referentes ao juízo de valor que fazem sobre concordarem ou não com o advogado receber, a título de sucumbência, um valor “tão alto” (se comparado ao recebido pelo próprio julgador), o que os estaria levando a empurrar, a ferro e fogo, o §8º do artigo 85 onde ele claramente não cabe. Fossem tais comparações pertinentes, elas deveriam ser feitas em todas as causas, inclusive naquelas em que a Fazenda não é parte.

Honorários pagos pela Fazenda

Se a remuneração do advogado só incomoda quando é paga pela Fazenda sucumbente, sendo a razão pela qual a questão não se coloca quando são altos os honorários pagos por, v.g., bancos ou operadoras de telefone, suscitam-se duas reflexões. A primeira é a de que talvez se esteja diante de (mais uma) demonstração de que, nas questões de Direito Público, o Judiciário não consegue se dissociar da parte que por ele é julgada (o Fisco), enxergando-se como a mesma pessoa. A segunda é que de, para seguir com a descabida comparação, seria preciso fazê-la considerando o orçamento do tribunal, não o contracheque do julgador. Com efeito, diferentemente do advogado, o julgador não precisa bancar despesas com seus estagiários, assessores, computadores, manutenção do gabinete, energia, internet, telefone etc.

Pondo de lado o fato de que a advocacia está aberta a quem pensa assim, o fato é que tal debate seria pertinente junto ao Congresso Nacional, para embasar uma possível reforma do CPC. Não para atropelar a dicção suficientemente clara dos §§3º e 8º do artigo 85 do CPC. E mesmo no Congresso, uma mudança que submetesse as causas em que a Fazenda fosse vencida a critérios muito diferentes, e mais baixos só em seu benefício, seria não só de validade duvidosa, como serviria de inegável estímulo a que a Fazenda, livre da sucumbência, levasse ou deixasse levar ao Judiciário incontáveis conflitos evitáveis, apenas porque o custo da litigiosidade, para ela, seria pequeno, compensando a prática de ilegalidades que depois o Judiciário repararia sem maiores consequências para quem as cometeu.

Fonte: ConJur

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