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CIVIL

CLÁSSICOS FORENSE

REVISTA FORENSE

Doação – Reserva de usufruto – Fideicomisso

CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE

DIREITO DAS COISAS

DIREITOS REAIS

DOAÇÃO

FIDEICOMISSO

RESERVA DE USUFRUTO

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 149

TESTAMENTO

Revista Forense

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07/03/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 149
SETEMBRO-OUTUBRO DE 1953
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICA

DOUTRINA

PARECERES

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • Autoridade do julgado civil no Juízo Criminal – Fernando de Albuquerque Prado
  • A inseminação artificial em face da moral e do direito – Armando Dias de Azevedo
  • As garantias de reparação de danos no código do ar – Floriano Aguiar Dias
  • Responsabilidade civil pelos meios de transporte – Stefan Luby
  • Cheque com endôsso falso – Edmundo Manuel de Melo Costa
  • Registro de títulos de programas radiofônicos – Aloísio Lopes Pontes
  • Ciência, teoria e doutrina econômica – Oscar Dias Correia
  • Negociação habitual por conta própria ou alheia na rescisão do contrato de trabalho – Evaristo de Morais Filho
  • Irradiação das atividades judiciárias de natureza penal – Jairo Franco

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

Sobre o autor

Paulo Barbosa de Campos Filho, advogado em São Paulo

PARECERES

Doação – Reserva de usufruto – Fideicomisso

– Reserva de usufruto e simples imposição de vínculos não são modos ou encargos.

– Existe sempre um interessado certo na vigência e observância do vínculo e só a êle cabe ação para fazê-lo observar, ou anular os atos que em seu detrimento tenham sido praticados.

Adquirentes de determinado imóvel, certos menores receberam de seus pais, em doação, a quantia necessária à solução do preço. E os doadores se reservaram o usufruto vitalício do bem adquirido, esclarecendo a escritura que, por morte de ambos, passaria o imóvel “à plena propriedade dos filhos do casal existentes nessa época, gravado com as cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade, mesmo em seus frutos e rendimentos, não podendo ser tomados por dívidas, e de incomunicabilidade com os respectivos cônjuges, ficando claro que êsses vínculos serão considerados extintos, depois que o imóvel, cem tôdas as suas acessões, passar à propriedade dos netos do casal interveniente” (casal doador).

Sobrevindo aos doadores dificuldades financeiras – relacionadas, ao que parece, com a conservação do prédio e mantença e educação dos menores – seu pai procurou obter, do juízo em que situado o imóvel e em que tinha domicílio, a necessária autorização para, vendê-lo a terceiros, renunciando êle e mulher ao usufruto e revogando as cláusulas restritivas, que ambos haviam impôsto. Isso, porém, lhe foi por vêzes recusado, ora assentindo, curador e juiz, ùnicamente em alienações parciais, ora exigindo que os vínculos em questão se sub-rogassem noutros bens, adquiridos com o produto da venda.

Mudou-se, entretanto, o pai dos menores para a comarca de S. G., e ali, sem maiores dificuldades, conseguiu obter, do Juízo de Direito, alvará, que o autorizasse a “adquirir, alienar e gravar, se tanto fôsse conveniente, bens adquiridos e a adquirir em nome de seus ditos filhos menores, podendo o suplicante outorgar e assinar escritura, receber e dar quitações… transmitir posse, direitos e ações, representar os menores em juízo e fora dêle…”, etc. E de posse de semelhante autorização, que dizia respeito aos bens de três de seus filhos ainda menores, o mesmo C. S., completos os seus poderes com procurações dos já maiores e de sua mulher, outorgou a R. escritura de venda do imóvel, renunciando, no ato, ao usufruto e também no ato dispensando as cláusulas restritivas, escritura essa regularmente transcrita no registro competente.

Realizada a venda aos 16 de junho de 1934, pretendem agora os filhos de C. S., todos presentemente maiores, e com êles sua mãe D. C., hoje viúva, reivindicar o imóvel aos seus atuais possuidores (adquiridos e compromissários-compradores ), alegando, em resumo, que lhes não saiu do patrimônio, porque nula teria sido, e de pleno direito, a alienação daquele modo promovida por seu finado pai e marido. E nula teria sido dita alienação, porquanto:

a) revogara o doador cláusula restritiva irrevogável;

b) no representar seus filhos, êle, doador, teria contratado consigo mesmo, uma vez não foram os menores, no ato, assistidos de nenhum curador;

c) no representar sua mulher e no renunciar, em nome desta, ao usufruto, não dispunha C. S. de poderes suficientes, que viessem expressos na procuração de que se servira;

d) não ser hábil o alvará expedido pelo Juízo de S. G., que só genericamente o autorizara a vender e administrar bens de seus filhos, sem menção especial do imóvel a ser vendido e do ato a ser praticado;

e) ter sido, afinal, com a dispensa da cláusula de inalienabilidade, violado direito adquirido dos netos do casal doador, aos quais o imóvel, nos têrmos da escritura de doação, teria de passar, livre de vínculos, quando se operasse a prevista, sucessão fideicomissária.

Contestando o pedido, alegaram os réus o seguinte:

a) prescrição da ação quanto aos filhos de C. S., por ser de um ano o prazo de que dispõem os filhos para desobrigar ou reivindicar os imóveis de sua propriedade, alienados ou gravados pelo pai, contado o prazo do dia em que chegarem à maioridade (art. 178, § 6°, n° III, do Cód. Civil), sendo certo que o mais moço dos autores se fizera maior em 1947 e a ação só fôra proposta em setembro de 1950;

b) ainda prescrição relativamente a D. C., por ser de quatro anos o prazo prescricional da ação de anular ou rescindir os contratos, para os quais se não tenha, estabelecido menor prazo, como de expresso se dispõe no § 9°, n° V, do citado artigo do Código, contando-se o referido prazo, na hipótese da letra b, do dia em que se tiver realizado o ato ou o contrato (na espécie, 16 de junho de 1934);

c) que a doação em aprêço não fôra expressamente aceita pelos menores donatários, razão pela qual, em sendo a mesma condicional ou modal, não chegara a aperfeiçoar-se de maneira a se constituírem definitivamente os vínculos, cuja dispensa, pois, não era sequer necessária para que fôsse o imóvel vendido;

d) que, perfeita que houvesse sido a constituição dos vínculos, nada se opunha à sua dispensa pelos próprios doadores, como no caso se fizera e sempre se tem praticado;

e) que D. C., em sua procuração, havia conferido ao marido os mais ilimitados poderes, sendo, pois, estranho que ora lhes alegue a insuficiência;

f) que o alvará, de que se valeu C. S. para agir como representante dos menores, conferia-lhe, também, poderes irrestritos para tudo o que dissesse respeito aos seus bens e interêsses e fôra expedido por juiz competente, qual o da comarca para onde transferira domicílio.

Como se vê, inúmeras são as questões, de fato e de direito, debatidas na ação de reivindicação. Inúmeras e complexas. E o que nos pede uma das partes é o nosso pronunciamento sôbre os seus principais aspectos jurídicos, pronunciamento, aliás, grandemente facilitado por ter sido proferida, nos autos, brilhante e judiciosa sentença, em cuja esteira iremos seguindo, acrescentando apenas aquelas considerações, de apoio ou crítica, que o seu exame nos for sugerindo.

A primeira questão examinada pela sentença era, realmente, a que primeiro se lhe impunha considerar, qual a de saber se a doação feita por C. S e sua mulher a seus filhos fôra uma doação pura e simples, ou se modal, ou com encargos. Pura, não teria sido necessária aceitação expressa por parte dos donatários, como bem observa CLÓVIS, nos seus comentários ao art. 1.170. Modal, ou com encargos, já não seria de se dizer o mesmo e assumiria relêvo a objeção dos réus à aceitação da doação pelos próprios doadores, de sorte a comprometer a constituição dos vínculos.

Semelhante dificuldade, resolveu-a muito bem a sentença. Reserva de usufruto não é, como bem esclareceu, modo ou encargo, como modo ou encargo não o é a simples imposição de vínculos.

Não o é a reserva de usufruto, porque aquêle que faz uma doação com essa reserva o que realmente doa é apenas a nua-propriedade, sendo, pois, pura e simples a doação que assim se faça. Nesse sentido a lição de ASCOLI, no trecho em que diz: “Parimenti si può donare la proprietà communque limitata ed in particolare la nuda proprietà, sia in quanto il donante sia, al momento della donazione, nudo proprietario, sia quando, essendo pleno proprietario, egli riservi in quel momento stesso l’usoffrutto a se od anche ad altri” (“Trattato delle donazioni”, Milão, 1935, pág. 163).

E também a de DUSI, quando, ao tratar dos pactos especiais com que podem ser modificadas as doações, de um lado menciona o de reserva de usufruto e, de outro, aquêles ônus que são capazes de imprimir às doações o caráter de modais (“Istituzioni di Diritto Civile”, 4ª ed., vol. II, pág. 77). Ainda no mesma sentido PLANIOL-RIPERT, quando dizem desnecessária a referência expressa que faz o Cód. Civil francês à validade das doações com reserva de usufruto (artigo 949), porque uma tal doação – assinalam êles – “se ramène à une donation de nude propriété” (“Traité Elémentaire”, vol. III, nº 3.677 da 3ª ed.).

Cláusula de inalienabilidade

E não é também encargo a simples imposição da cláusula de inalienabilidade, por isso que na doação com encargos, como bem pondera a sentença, existe sempre a necessidade de cumprir o donatário determinada prestação para com o doador, ou terceiros, o que não se verifica na simples proibição de alienar, geralmente imposta no interêsse dos próprios donatários, ou legatários. De lembrar-se, aqui, no tocante ao que seja modus, aquilo que escreveu COVIELLO, que o tem por uma figura jurídica própria, a consistir numa declaração acessória de vontade, produzindo sempre uma obrigação, distinta, pela sua causa, da que serve de conteúdo à liberalidade (“Manuale di Diritto Civile”, § 141).

Possível a aceitação tácita e perfeitas as cláusulas restritivas, era natural passasse a examinar a sentença se essas mesmas cláusulas poderiam ter sido dispensadas por ocasião da venda do imóvel e, na afirmativa, se a dispensa se havia processado regularmente, para, só depois, caso concluísse pela irregularidade da revogação dos vínculos, apreciar o alcance da nulidade daí decorrente. Relativa a nulidade, sòmente determinadas pessoas poderiam argüi-la e teriam que fazê-lo dentro de certo prazo, que seria o de prescrição da ação. Absoluta, poderiam em qualquer tempo argüi-la os próprios autores, ainda, que houvessem figurado como vendedores do imóvel, e a todo tempo poderia e deveria, decretá-la o juiz da causa, assim que conhecesse da mesma ou de seus efeitos e nos autos a encontrasse provada (art. 146, parág. único, do Cód. Civil).

A sentença, porém, deixou de trilhar tão longo caminho. É que seu ilustre prolator, atentando para os têrmos da escritura, de doação, para logo observou que as questionadas cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade sòmente começariam de incidir sobre o imóvel quando êste, pela morte de ambos os doadores, passasse à plena propriedade dos donatários; ou ainda, e para, sermos mais precisos, ao se verificar, pela morte dos primeiros, a extinção do usufruto que se haviam reservado (artigo 739, nº I, do Código Civil), consolidando-se, então, a propriedade no patrimônio dos segundos.

E essa conclusão realmente se impõe a quem atente para os têrmos da referida escritura, onde se diz exatamente isso, isto é, que por morte de ambos os doadores passaria o imóvel “à plena propriedade dos filhos do casal existentes nessa época”, gravado, só então, das cláusulas em aprêço, cláusulas essas que se teriam por extintas tanto que o imóvel, com tôdas as suas acessões, passasse à propriedade dos netos do Casal doador.

Ao tempo da alienação, portanto, – foi êsse o raciocínio da sentença – não incidiam ainda sôbre o imóvel os vínculos de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, razão pela qual não se faziam necessários, para a venda, o cancelamento ou revogação de qualquer dêles, não importando apurar-se, portanto, se tinha ou não o pai dos menores poderes bastantes para cancelá-los, ou ainda se o podia fazer da maneira por que o fêz.

Os próprios autores, aliás, foram os primeiros a reconhecer, nos autos, – e a sentença o salienta a certa altura – que para a efetividade do direito real de usufruto não se fazia necessária a cláusula de inalienabilidade, sòmente compreensível no interêsse dos donatários, devendo, pois, começar a vigorar ao se consolidar a propriedade no patrimônio dêstes.

Possível, entretanto, a alienação, sem dependência da revogação das cláusulas (no momento ainda inexistentes), nem por isso a venda se poderia dizer perfeita, se carecesse o outorgante de poderes suficientes daqueles todos que representou, ou se houvesse deixado, no realiza-la, de observar a forma legal.

Ora, se poderes tinha C. S. para representar os filhos maiores, em nome dos quais agiu munido de mandato especial; se poderes tinha êle, também, para representar sua mulher, em nome da qual igualmente agiu como procurador “com todos os poderes em direito permitidos, mesmo aquêles que, exigindo especial menção, aqui pareçam omitidos; se poderes tinha êle, finalmente, e por fôrça do alvará judicial que lhe fôra concedido, para dispor, a qualquer título, doa bens de seus filhos menores; certo é, no entanto, que deixou de ser observada, na alienação, a forma especial estabelecida pelo art. 386 do Cód. Civil, uma vez que o imóvel foi vendido sem a verificação, pelo juízo, da necessidade ou conveniência do ato, e sem a nomeação de curador que, no processo de concessão ou denegação da licença, velasse pelos interêsses dos menores, possivelmente colidentes com os do pai, no exercício do pátrio-poder (artigo 387).

Dessa inobservância de forma, de maneira alguma poderia decorrer, entretanto, a nulidade absoluta da venda. É que o Cód. Civil, depois de haver disposto, no art. 386, que a alienação de bens de menores sòmente se faça mediante prévia autorização judicial e ocorrendo necessidade ou utilidade da prole, e depois de haver editado, no art. 387, que aos menores seria dado curador tôdas as vêzes que os seus interêsses pudessem colidir com os de seus pais, no exercício do pátrio-poder, indicou, no artigo seguinte (388), que pessoas, determinadas, têm o direito de apor as nulidades decorrentes da infração dos artigos antecedentes, mencionando, em remissões, os prazos dentro dos quais êsse mesmo direito prescreve, e isso em relação a cada uma das possíveis argüentes.

Não se trata, pois, evidentemente, de nulidade absoluta, da ordem daquelas que o juiz, encorando provadas, possa e deva, como querem os autores, decretar ou pronunciar em qualquer tempo, haja ou não pedido de pessoa prejudicada. E que é relativa a nulidade, quem o diz é ESTEVÃO DE ALMEIDA, em comentário ao dispositivo:

“Não foi intento do art. 388 declarar nulidade de tais atos. O seu intuito foi, sim, declarar quais aquêles que exclusivamente podem propor a ação declaratória de tal nulidade, como relativa que é, pois que visa à garantia do interêsse exclusivo de pessoa determinada, o menor sob pátrio-poder” (“Direito de Família”, “Manual do Código Civil Brasileiro”, vol. VI, nº 259, pág. 278).

Ora, no caso, já se viu que os autores só intentaram a ação, objeto do presente estudo, muitos anos depois que o último dêles em idade se havia tornado maior, ultrapassado assim, e a tôda evidência, o prazo de prescrição do art. 178, § 6°, nº III, do Cód. Civil, como de resto o reconheceu a sentença em relação àquele dos autores que, por ser maior de 16 anos ao tempo da venda, devera figurar, no ato desta, assistido, e não representado, como o foi por seu pai. Tudo leva a crer, aliás, que essa mesma sentença, se não houvesse concluído logo pela improcedência da ação em relação aos demais autores, teria dado, em relação a todos, pela prescrição alegada pelos réus, de procedência manifesta.

Percorramos, enfim, concluindo êste nosso estudo, o caminho que a sentença se dispensou de trilhar.

Admitamos, por outras palavras, que os questionados vínculos de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade devessem, por qualquer motivo, reputar-se existentes ao tempo em que se deu a alienação do imóvel. Nem por isso, parece-nos, seria melhor, na causa, a posição jurídica dos autores, uma vez que inúmeras decisões dos nossos tribunais têm admitido a possibilidade de se dispensarem os vínculos que gravem os bens, bastando, para isso, que a sua imposição tenha resultado de ato inter vivos e que se verifique acôrdo de todos os interessados (“Rev. dos Tribunais”, vol. 96, página 447, com referência aos vols. 52, página 344, e 61, pág. 75; vejam-se ainda os vols. 81, pág. 442, 98, pág. 138, 166, página 361, e 170, pág. 108).

Dir-se-á que, não se tendo processado a venda em forma regular, como linhas acima deixamos reconhecido, nula teria sido, também, a dispensa de vínculos feita por C. S. e que essa nulidade, assim verificada., sê-lo-ia de pleno direito, dessas que independem de alegação do interessado e que podem e devem ser decretadas pelos juízes, tanto que as encontrem provadas.

Não nos parece, porém, seja essa a boa doutrina, porquanto, sejam quais forem os motivos pelos quais os doadores, ou testadores, imponham vínculos aos bens doados, ou legados, existe sempre um interessado certo na vigência, e observância do vínculo, e a êsse interessado, e só a êle, é que compete ação para fazê-lo observar, ou anular os atos que em seu detrimento tenham sido praticados. Nesse sentido, pelo menos, é a lição de mestres na matéria, notadamente ROQUEBERT e SAIGNAT.

Tratando, com efeito, de quais sejam as pessoas capazes de alegar a nulidade dos atos de alienação consentidos pelos donatário, “au mépris de la prohibitiun d’aliéner”, ROQUEBERT atribui êsse direito unicamente ao doador, ou a seus herdeiros, se instituído o vínculo em doação, ou apenas aos herdeiros do testador, se instituído em testamento. De maneira alguma o reconhece ao donatário que haja consentido na alienação desrespeitando cláusula que o vedasse, por isso que a nulidade resultante da violação da cláusula de inalienabilidade não é – diz êle – “une nullité d’ordre public” (“De la clause d’insaisissabilité inserée dans les dispositions entre vifs et testamentaires”, Paris, 1905, págs. 62-63).

No mesmo sentido SAIGNAT. Admite êle, por sua vez, que os interessados na observância da cláusula, – sejam êles o próprio doador, ou terceiros, ou ainda seus herdeiros, credores, ou cessionários – possam ir a juízo, quer para reclamar perdas e danos, quer para pleitear o desfazimento dos atos praticados em desrespeito à proibição. Mas a êsses se reduz, segundo êle, a lista dos que podem argumentar com a proibição, tanto paia o primeiro como para o segundo fins: “ici s’arrête le liste de ceux qui peuvent se prévaloir de la défense d’aliéner: se sont donc seulement le donateur, l’intéressé et leurs héritiers, créanciers et cessionnaires” (“De la clause portant défense d’aliéner”, Paris, 1896, nº 149, pág. 136).

Não há falar, portanto, em nulidade absoluta, devendo entender-se em têrmos a lição de CLÓVIS, quando ensina dever o juiz pronunciá-la desde que a encontre provada, pois o próprio CLÓVIS, sem sair do trecho, se refere à decretação pedida “por qualquer interessado“, o que mostra competir sempre a argüição a algum prejudicado e só se compreender a decretação ex officio quando se trate de atos, judiciais que tenham irregularmente invalidado ou dispensado a cláusula, como aliás se infere do próprio dispositivo comentado, que a atos judiciais se refere, proibindo-lhes tal coisa (“Código Civil Comentado”, vol. 6°, obs. 4 ao art. 1.676).

Dir-se-á, por fim, que os doadores, do mesmo tempo que se reservaram o usufruto do imóvel, doando a seus filhos a nua-propriedade, instituíram-nos, também, fiduciários do bem doado, para que êste passasse, por morte de todos, aos respectivos filhos, os quais, assim, oportunamente o receberiam corou fideicomissários.

Os autores, porém, são os primeiros a não confiar nesse argumento, tanto assim que não empregam, em tôda a inicial da causa, uma só expressão alusiva a semelhante substituição fideicomissária. Referências à pretendida substituição só aparecem, como bem assinala, a sentença, quando do oferecimento do memorial, já em audiência de instrução e julgamento. E razão tinham os autores para não falar em fideicomisso, quando ajuizaram a ação.

É que se não pode ver, realmente, nos têrmos da escritura de doação, nada que signifique instituição de fideicomisso, pois o que se disse na referida escritura foi apenas que os vínculos de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade (que começariam de incidir sôbre o imóvel quando da morte de ambos os doadores) seriam considerados extintos quando o imóvel passasse, com tôdas as suas acessões, à propriedade dos netos do casal interveniente, fato êsse normal e previsível dentro da urdem da sucessão legítima. A simples alusão a êsse fato, feita para o fim de se marcar um termo à duração das cláusulas restritiva, não pode ser havida – parece-nos – como instituição de fideicomisso. Êste, não há dúvida, independe de fórmulas rígidas ou de palavras sacramentais, como bem observa, nos seus excelentes “Apontamentos”, o ilustrado juiz CORREIA DE MEIRA (“Do fideicomisso”, São Paulo, 1929, pág. 17).

Não pode dispensar, entretanto, expressões que imponham ao herdeiro instituído em primeiro lugar – chamado por isso fiduciário – a obrigação de conservar o bem e de transmiti-lo a, outrem, que será o instituído em segundo, ou, fideicomissário. E nem uma Só expresso, com êsse alcance, se nos depara na escritura de doação, que se limita a estatuir, como dissemos. que os vínculos seriam considerados extintos quando o imóvel, com tôdas as suas acessões, passasse à propriedade dos netos do casal interveniente.

Têrmo extintivo, portanto, das cláusulas restritivas, e não substituição fideicomissária, substituição que só existe quando o disponente tenha imposto, e expressamente, ao pretenso fiduciário a obrigação jurídica de transmitir ao suposto fideicomissário o bem doado ou legado. Nesse sentido o ensinamento de PLANIOL-RIPERT, quando escrevem: “Il est évident qu’il n’y a pas de substitution, lorsque le disposant n’a pas imposé au prétendu grévé l’obligation juridique de transmettre à l’appelé les biens qu’il lui donne ou légue, mais s’est borné à émettre un voeu ou une prière, pour lui faire connaitre son désir à cet égard” (“Traité Elémentaire de Droit Civil”, volume 3, pág. 890 da 3ª ed.). Ensinamento que coincide com o dos nossos civilistas, pois CORREIA TELES também dizia que “a simples proibição de alhear a herança, que o testador faça ao seu herdeiro, ou legatário, sem designar pessoa a quem a herança se deva devolver, reputa-se conselho, e não induz fideicomisso” (“Digesto Português”, tomo III, nº 1.645); o que vinha repetido por GOUVEIA PINTO no seu “Tratado dos Testamentos e Sucessões”, acomodado ao foro por TEIXEIRA DE FREITAS (veja-se o § 229, edição de 1891).

Acrescentam, aliás, os citados tratadistas franceses que têm ido além os tribunais de seu país, interpretando os testamentos como expressão de simples voto tôdas as vêzes que se não encontre expressa, nos mesmos, e em têrmos imperativos, a obrigação de conservar para retransmitir: “mais les tribunaux sont allés plus loin; ils ont interprété systématiquement les testaments comme contenant la simple expression d’un voeu, de façon à les rendre valables, toutes les fois que l’obligation de conserver et de rendre ne s’y trouvait pás écrite expressément en termes impératifs” (ob. e loc. cits., página 1.224). Ora, no caso, não há sequer um voto dos doadores no sentido da retransmissão do imóvel a seus netos, mas apenas a declaração de que os vínculos cessariam quando viessem êstes a herdá-lo.

Tivessem, aliás, os doadores o intento de instituir fideicomisso, e pacífica não seria, por um lado, a possibilidade de o fazerem por ato inter vivos (veja-se “Rev. dos Tribunais”, vol. 112, página 721), como seguros não estariam, por outro, de não incorrer na proibição de usufrutos sucessivos, como de resto assinala a sentença, citando farta jurisprudência. Já decidiu, com efeito, o nosso egrégio Tribunal de Justiça que “não é permitida, no nosso direito, a inalienabilidade, vinculando o bem até que morresse o último dos donatários, reduzidos, assim, à condição de novos usufrutuários, porque impedidos de dispor do imóvel”. Já decidiu, também, aquêle mesmo Tribunal que, morto o usufrutuário, cessa a cláusula de inalienabilidade, sob pena de se instituir usufruto sucessivo, não permitido em lei” (revista citada, vol. 172, pág. 196, com remissão a anterior decisão da 4ª Câmara, de que fôra relator o eminente juiz MEIRELES DOS SANTOS, vol. 154, pág. 698).

Mas a pretensão dos autores esbarra, por fim, numa outra dificuldade, que os próprios réus lhes não opuseram e que não veio, per isso, estudada e dirimida pela sentença.

É que todos êles, como alienantes que foram do imóvel, – a maioria dêles sui juris e representados, na escritura, por seu bastante procurador – não podem, de maneira alguma, reivindicá-lo. Opõe-se a tanto a conhecida exceção rei venditae et traditae, consubstanciada na velha parêmia: “quem de evictione tenet actid eundem agentem repellit exceptio”.

Obrigados, como vendedores, a responder pela evicção do imóvel vendido, não podem, evidentemente, os autores reivindicá-lo, pois isso seria promoverem êles próprios uma evicção por cujos efeitos seriam responsáveis.

De se lembrarem, aqui, palavras de BOGGIO:

“Ed ora poniamo, senza più, la regola fondamentale: tutte le volte che colui il quale deve garantire l’evizione vuol procurarla egli stesso, l’acquirente otterrà vittoria infallibile colle che l’avversario viene contro le proprie obbligazioni. Dimostrato il diritto alla garantia, ne sanà effetto inamediato la condanna di colui che affaccia le turbative, mentre sarebbe suo compito impedirle contro i terzi” (GIUSEPPE BOGGIO, “Delia Evizione”, 2ª ed., Turim, 1894, nº 247, pág. 279).

E agora a razão do princípio:

“E la ragionevolezza della massima è evidente: sarebbe contrario a ragione e a giustizia che colui il quale dovrebbe impedir la evizione se fosse promossa da un straneo, abbia eqli stesso facoltà di provocarla: diffendere ed offendere son due cose contradittorie. Di qui la massima che echeggia così di frequente nelle aule giudiziarie; “quem de evictione tenet actio, eundem agentem reppllit exceptio”, massima che i Francesi riassumono semplicemente nell’altra: “qui doit garantir ne peut évincer” (ob. e loc. cits.).

Nem se diga que essa regra deixe de ter aplicação em se tratando de venda de coisa inalienável. ROQUEBERT, que há pouco citamos, depois de ensinar, como vimos, que a nulidade resultante da violação da cláusula de inalienabilidade não é de ordem pública, não podendo, por isso, ser invocada pelo beneficiário da doação ou do legado, acrescenta que “le gratifié ne peut agir en nullité contre les tiers auxquels il a concédé des droits, puis qu’el ne peut pas évincer ceux-là mêmes vis-à-vis desquels il est tenu à garantie, par application des príncipes généraux sur le vente” (ob. cit., pág. 63). No mesmo sentido SAIGNAT, quando escreve: “D’aprés tout ce que nous venons de dire, on voit que le donataire ne pourra jamais, en aucun cas, exciper de la défense d’aliéner, pour faire annuler les aliénations par lui consenties”. E adiante: “…le donataire, ni ses ayant cause, ne peuvent donc faire tomber les aliénations indûment consenties” (ob. cit., págs. 137 e 139).

Parece-nos, por tudo isso, que a ação foi bem julgada, quando havida por prescrita, em relação a um dos autores e improcedente quanto aos demais. Prescrita, aliás, pudera ter sido julgada em relação a todos êles, não houvesse a sentença julgado logo prejudicadas as demais alegações dos réus, dada a premissa, que bem acolheu, da inexistência de vínculos quando da venda. E às razões de improcedência, que essa mesma decisão seguramente aponta, acrescem as indicadas neste parecer, que é emitido pro veritate e sub censura.

São Paulo, 1953. – Paulo Barbosa de Campos Filho, advogado em São Paulo.

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Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.

Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:

  1. adequação à linha editorial;
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