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Taxa – Conceito na doutrina nacional e na estrangeira – Taxa e imposto

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FINANCEIRO E ECONÔMICO

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TRIBUTÁRIO

Taxa – Conceito na doutrina nacional e na estrangeira – Distinção entre taxa e impôsto

IMPOSTO

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 148

TAXA

Revista Forense

Revista Forense

05/04/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 148
JULHO-AGOSTO DE 1953
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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Revista Forense Volume 148

CRÔNICA
Aspectos da sociologia jurídica de Gurvitch – Henrique Stodieck

DOUTRINA

PARECERES

NOTAS E COMENTÁRIOS

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

Sobre o autor

Aliomar Baleeiro, professor de Finanças nas Universidades da Bahia e do Distrito Federal.

PARECERES

Taxa – Conceito na doutrina nacional e na estrangeira – Distinção entre taxa e impôsto

– Taxa é processo de repartição de despesa pública especial, exclusivamente pelos contribuintes integrados no grupo que se beneficiou com o serviço custeado por essa despesa, ou o provocou por suas atividades.

– A chamada “Taxa de Assistência Social”, instituída pelo Estado do Paraná, para aplicação aos serviços da Fundação do Trabalhador Rural, é, na realidade, simples impôsto com destinação especial e, como tal, infringe o art. 19, § 5°, da Constituição federal.

CONSULTA

“O Estado do Paraná, pelo dec.-lei n° 666, de 5 de julho de 1.947, criou a “Taxa de Assistência Social”, que incide sôbre aguardente e bebidas alcoólicas de qualquer procedência, destinadas ao consumo dentro do Estado, quer a transação se realize por venda, quer por consignação”.

A princípio, a taxa se destinava a atender às despesas da Secretaria de Saúde e Assistência Social, tendo, porém, a lei n° 371, de 18 de julho de 1950, mandado que fôsse posta à disposição do Serviço de Assistência do Servidor Público. Finalmente, com a criação da Fundação de Assistência ao Trabalhador Rural, pela lei n° 691, de 13 de agosto de 1951, a taxa passou a lhe pertencer, como recurso próprio, ex vi do art. 7° daquele diploma.

A Constituição do Estado do Paraná, porém, dispôs, no art. 89, que o produto das taxas será aplicado, exclusivamente, na manutenção, ampliação e modernização dos serviços de que provém, deduzidas as despesas de sua administração.

Diante dêsse preceito da Carta local e dos princípios tributários que devem informar a espécie, consulta-se:

É constitucional a “Taxa de Assistência Social”, cujo produto se destina à aplicação nos serviços da Fundação do Trabalhador Rural, frente ao art. 89 da Constituição do Estado do Paraná?

Considerando-se os princípios legais, doutrinários e jurisprudenciais, que inspiram o direito tributário brasileiro, é admissível que a taxa tenha destinação diversa dos serviços de que provém, ou não constitua contraprestação de serviços prestados pelo poder público ao contribuinte?

PARECER

I. As taxas no Brasil. O art. 30, II, da Constituição diz que

“Compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar:

……………………………………………………………………………………………………………………………………

II) Conceito de taxa

Quando se refere a impostos, o texto diz “decretar” (arts. 15, 19…). Quando quer abranger taxas, impostos e contribuição de melhoria, usa da expressão “tributos” arts. 141, § 34, 28, II, a, e 202).

Cobram-se as taxas quando alguém se utiliza de serviço público especial e indivisível e ainda quando provoca em seu benefício, ou por ato seu, despesa especial para os cofres públicos. Admite-se, em muitos países, taxa quando alguém é colocado em situação jurídica que lhe é particularmente vantajosa: isenção do serviço militar obrigatório, dispensa de impedimentos matrimoniais, etc.

É característico da taxa a especialização do serviço em proveito direto do contribuinte, ao passo que, na aplicação do impôsto, não se procura apurar se há qualquer interêsse direto e imediato por parte de quem o paga: se tem capacidade econômica e está vinculado a determinada comunidade política, nada mais indaga o legislador para que o submeta ao gravame fiscal sob a forma de impôsto (JÈZE, “Cours Elémentaire de Science des Finances et de Législation Financière”, 1931, págs. 353 e 354).

Na taxa, em princípio, há exoneração dêsse gravame se o indivíduo não se utiliza do serviço, não goza de vantagem alguma de determinada situação ou não provocou a despesa por atividade ou ato de sua responsabilidade.

Daí afirmar-se que a taxa é a contraprestação de serviço, de benefício recebido, ou feito, ou custeado pelo Estado.

Se bem que o cameralista VON JUSTI e ADAM SMITH, – êste a propósito de emolumentos de justiça, – já houvessem notado, desde o fim do século XVIII, a diferença entre certos tributos sôbre todos os indivíduos e outros que só atingiam os usuários de determinado serviço, só no meado do século passado a distinção passou a ser assinalada pelos tratadistas, dando-se metòdicamente, pelo menos no campo da doutrina, nomes especiais àqueles dois grupos tributários: Taxa (fee, dos inglêses, Gebühren, dos alemães, taxe, tassa, tasa, respectivamente, dos franceses, italianos e espanhóis).

É de recordar-se que taxa e taxação, como sinônimos de tributo e imposição, estavam desusados de 1831 a 1844 segundo testemunho do velho FERREIRA BORGES, nas duas edições de sua “Sintetologia”, aparecidas nesses anos (2ª ed., notas, pág. 4). Quando retornam essas palavras ao uso da linguagem fiscal, assumem o sentido específico da Constituição e da doutrina.

Todavia, na legislação de vários países, por tradição ou por motivos psicológicos, ainda aparecem com tal denominação verdadeiros impostos ou tributos híbridos dêles e de taxas, pelo excessivo quantitativo em relação ao valor do benefício ou Custo do serviço acaso prestado ou provocado.

O Prof. MONTEIRO DE BARROS FILHO recorda a desconfiança com que LEROY BEAULIEU, em 1899, na 6ª edição de seu tratado, critica como sutis e inseguras as diferenciações entre taxas, impostos e contribuição de melhoria nos estudos de SELIGMAN e de COSSA.

Mas a Constituição brasileira de 1891, nos arts. 7° e 9°, aludia especificamente às taxas e mencionava as de correios e telégrafos. Em 1896, já AMARO CAVALCANTI ponderava que “a palavra taxa, sem embargo de ser igualmente usada como sinônimo geral de impostos, não devia ser assim entendida ou empregada; visto como, na sua acepção própria, ela designa o gênero de contribuição, que os indivíduos pagam por um serviço diretamente recebido. O pagamento das taxas é facultativo. É, por assim dizer, o preço do serviço obtido e na medida que cada um o exige ou dêle tira proveito; tais são, p. ex., as taxas de correio, as de matrícula nos estabelecimentos de instrução, os das repartições públicas (emolumentos por certidões, registros de documentos, etc.)”. “Enquanto pelas taxas o indivíduo procura obter um serviço que lhe é útil pessoalmente, individualmente, o Estado, ao contrário, procura, pelo impôsto, os meios de satisfazer as despesas necessárias da administração, ou indispensáveis ao bem comum. tais como: a manutenção da ordem, as garantias do direito, etc.)” (AMARO CAVALCANTI, “Elementos de Finanças”, 1896. pág. 170).

Nessa época, vacilava ainda a doutrina européia, sobretudo na França e na Inglaterra. Mas, no Brasil, o conceito de taxa não só estava difundido, mas fôra consagrado na primeira Constituição republicana, que, nesse particular, foi religiosamente seguida pelas Cartas de 1934, 1937 e 1946.

Os constitucionalistas e financistas brasileiros, nos últimos 50 a 60 anos, não discrepam na fixação do sentido específico de taxa conforme estabelecemos inicialmente, ou seja, o de contraprestação, e por oposição a impôsto (AMARO CAVALCANTI, ob. e loc. cits.; VEIGA FILHO, “Ciência das Finanças”, 4ª ed., pág. 76, nota 2: RUI BARBOSA, “Questão dos Portos”. págs. 94 e segs., e outros trabalhos: DEODATO, “Finanças, 1ª ed., 1941, página 36, etc.; FRANCISCO CAMPOS, “Direito Constitucional”, 1942, págs. 197 e segs. e 174; TEOTÔNIO M. BARROS, “As taxas e seus principais problemas teóricos”, 1941, pág. 18; TEMÍSTOCLES B. CAVALCANTI, “Constituição Federal Comentada”, vol. I, pág. 376; e outros).

Tipos de taxa

Finalmente, um texto legal firmou três tipos de taxas:

a) tributos exigidos como remuneração de serviços específicos prestados ao contribuinte; ou

b) tributos postos à disposição do contribuinte; ou

c) contribuições destinadas ao custeio de atividades especiais do Estado ou do Município, provocadas por conveniências de caráter geral ou de determinados grupos de pessoas (dec.-lei n° 2.416, de 17 de julho de 1940, art. 1°, § 2°; dec.-lei n° 1.804, de 24 de novembro de 1939).

Mas, em contraste, “a designação de impôsto fica reservada para os tributos destinados a atender indistintamente às necessidades de ordem geral da administração pública” (idem). Não é taxa, pois, para o dec.-lei n° 2.416, tributo que indistintamente cobre despesas com necessidades públicas de ordem geral.

Em que pêse à opinião autorizada do Prof. CARVALHO PINTO (“Discriminação de Rendas”, 1941, pág. 157), não nos parece primorosa a conceituação do art. 1°, § 2°, in fine, do dec.-lei n° 2.416. Mas êsse mesmo escritor paulista adverte que há sempre, nestas imposições, como observa LUTZ, uma combinação de utilidade pública e benefício privado, o que lhe confere interessante aceitação popular (ob. cit., pág. 157).

II. A doutrina estrangeira

ADAM SMITH, apontado como o primeiro ou dos primeiros na distinção das taxas e impostos, não propôs uma denominação especial. Fixou com clareza que, em certos casos, a despesa pública não deve ser suportada por tôda a coletividade, mas apenas pelo grupo de indivíduos que a provocaram ou que com ela se beneficiaram. “Destarte, – diz êle, – as despesas de administração da Justiça poderiam ser pagas convenientemente por uma contribuição particular, seja dum ou doutro, seja destas duas diferentes classes de pessoas (os que litigam sem razão ou os que são restaurados em seus direitos pela Justiça), à medida que a ocasião o exigisse, isto é, por honorários ou custas, pagos no curso do processo. Não se há de recorrer, para isso, a uma contribuição geral de tôda a sociedade, com o fim de serem condenados todos êsses criminosos que, pessoalmente, não possuem bens para cobertura dessas custas” (“Riqueza das Nações”, livro V, § 5°). O mesmo aconselha para as despesas de caráter local, como a polícia e as estradas municipais ou distritais, que, embora aproveitem a tôda a sociedade, interessam “imediata e mais diretamente aos que nelas viajam ou transportam mercadorias”. Não é justo que tôda a sociedade contribua para despesas das quais só em pequena parte recolhe os frutos”. E ainda: Quando os estabelecimentos ou serviços públicos que aproveitam a tôda a sociedade não podem ser mantidos em sua totalidade, ou o não são de fato suportadas pela contribuição daqueles membros particulares dela que usufruem vantagens mais imediatas daqueles serviços, é necessário que o deficit, na maior parte das circunstâncias, seja coberto pela contribuição geral de tôda a coletividade” (idem, idem).

Êsse raciocínio foi o germe da teoria das taxas, no fim do século XVIII. Só na segunda metade do século XIX, divulgar-se-ia, tornando-se um lugar comum de todos os compêndios de finanças.

Então, LUIGI COSSA ensinava, em seu pequeno e claro livro que tanta circulação logrou no Brasil, não só no original, mas também na tradução francesa:

“Nel linguaggio scientifico, dicesi tassa la retrihuzione dei servigi pubblici speciali resi ai privati sopra loro domanda.

Le tasse differiscono quindi dalle imposte:

1°, per l’oggetto, perché le prime riguardano servigi speciali e spontaneamente richiesti, e le seconde servigi generali obbligatoriamente offerti;

2°, per criterio della divisione che per le tasse è la quantità della spesa provocata e per le imposte la quantità delle ricchezze dei contribuenti” (“Primi Elem. di Scienza delle Finanze”, 4ª ed., 1887, página 43).

Forma-se, assim, a noção clássica de taxa como processo de repartição duma despesa pública, para um fim especial, exclusivamente entre aquêles que se beneficiaram dela ou deram motivo a que ela se fizesse. É o que se lê invariavelmente nos autores, não só os clássicos, mas os contemporâneos, que não divergem sôbre êsse ponto fundamental, embora se separem acerca de outros pontos, que adiante examinaremos de passagem.

BILAC PINTO, em erudito parecer, já teve oportunidade de afirmar e provar a tese de que “o característico fundamental da taxa, como estamos vendo da sua definição legal (dec.-lei n° 1.804. de 1939), é o de constituir contraprestação de serviços especiais prestados ou postos à disposição do contribuinte. O benefício especial objetivo, mensurável, é condição essencial para que o tributo seja conceituado como taxa” (“REVISTA FORENSE”, vol. 120, fasc. 545, págs. 55 e seguintes). Citou e transcreveu o ilustre professor da Universidade do Brasil, em apoio dessa tese, a lição de JÈZE, TROTABAS, SELIGMAN, MARCONCINI, GRAZIANI, D’ALBERGO, COSSA, BUEHLER, EHEBERG, MARTINHO SIMÕES, RUZO, AMARO CAVALCANTI, TEOTÔNIO MONTEIRO DE BARROS, VANONI, PUGLIESE.

A essa lista, de si já impressionante, ainda poderiam ser acrescentadas, no mesmo sentido, as lições de ADOLFO WAGNER (“Traité de la Science des Finances”, 1° vol., trad. de VOUTERS, 1909, págs. 23, 113, 118, e, especialmente, 344 e segs., e vol. II, tradução de ROUJAT, páginas 14 e segs.); FRANCESCO NITTI (“Príncipes de Science des Finances”, trad. de S. FREUND, 1928, vol. I, págs. 268 e segs.), FEDERICO FLORA (“Manuale della Scienza delle Finanze”, 6ª ed., 1921, págs. 193 e segs.), VINCENZO TANGORRA (“Trattato di Scienza della Finanza”, 1915, págs. 537 e segs., §§ 429 e segs.), GIOVANNI FASOLIS (“Scienza delle Finanze in relazione ao Principii ed alle Direttive Fasciste”, 1933, págs. 123 e segs.), EDGARD ALLIX (“Traité Elém. de Science des Finances et Lég. Fin.”, 1931, pág. 449), G. RICCA-SALERNO (“Scienza delle Finnanze”, 1890, pág. 137), DINO JARACH (“Principi per l’Applicazione delle Tasse di Registro”, 1937, pág. 14), e vários outros escritores.

Mas, dar-se-á que, com o correr do tempo, tenha variado o conceito da taxa, de sorte que, contemporâneamente, haja perdido o caráter de compensação ou de contraprestação entre o contribuinte e o fisco? Em absoluto, isso não aconteceu, pois não só as recentes reedições de obras de escritores já consagrados entre as duas grandes guerras mantém pacìficamente o caráter de contraprestação, mas êste elemento essencial figura na lição das obras aparecidas depois da última guerra.

Consultem-se, para verificação desta afirmativa, dentre outros financistas e juristas que publicaram ou reviram suas obras recentemente, os seguintes e de incontestável autoridade: A. D. GIANNINI, “Elementi di Diritto Finanziario”, 1945, pág. 69; EMANUELE MORSELLI, “Corso di Scienza della Finanza Pubblica”, 1949, vol. 1°, págs. 109 e segs.; A. GARINO CANINA, “Corso di Scienza delle Finanze”, 1949, págs. 65-66; HENRY LAUFENBURGER, “Traité d’Economie et de Législ. Fin. – Revenu, Capital et Impôt”, 4ª ed., 1950, pág. 131; SALVADOR ORIA, “Finanzas”, 1948, vol. I, págs. 565 e segs.; G. AHUMADA, “Tratado de Finanzas Publicas”, 1948, vol. I, pág. 193; RAYMOND MALÉZIEUX, “Finances Publiques”, 1949, págs. 106 e segs.; WILLIAM J. SCHULTZ, “American Public Finance”, 1942, págs. 606 e segs.; HAROLD GROVES, “Financing Government”, 1947, pág. 393; WILLIAM WITHERS, “Public Finance”, 1948, página 269; HARLEY L. LUTZ, “Public Finance”, 4ª ed., 1947, págs. 226 e 228; LINARES QUINTANA, “El. Poder Impositivo y la Libertad Individual”, 1951, págs. 55 e seguintes; JULIEN LAFERRIÈRE (em colaboração com WALINE), “Traité Elém. de Science et Législat. Financières”, 1952, pág. 232; MC. ANDREOZZI, “Derecho Tributário Argentino”, 1951, vol. 1°, págs. 74 e segs.; RUBENS GOMES DE SOUSA, “Compêndio de Legisl. Tribut.”, 1952, § 46, especialmente pág. 140.

III. O pomo de discórdia

Vários escritores, por descargo de consciência, registram que a teoria das taxas ainda não está inteiramente construída e aludem às perplexidades em que os colocam certos problemas inseparáveis da conceituação dêsse tributo.

Já vimos que é pacífico, na melhor doutrina dos financistas franceses, italianos, belgas, alemães, argentinos, brasileiros e até americanos, acima citados, o conceito de taxa como processo de distribuição do custo de um serviço público especial, divisível e mensurável, de sorte que venha a ser suportado pelos indivíduos que dêle se beneficiam, utilizando-o ou o tendo à sua disposição, ou por aquêles que provocaram certa despesa pública.

Ora, as controvérsias não atingem êsse conceito nem põem em dúvida a diferenciação entre a taxa e impôsto, ainda que se observe, em certos casos, a consociação dum e doutra, ou a absorção duma taxa tradicional por um impôsto, como no de herança ou o de transmissão inter vivos.

As discussões dos autores, em geral, envolvem o problema da classificação científica das receitas públicas: a) a taxa é um tributo, no sentido de ser compulsória sua aplicação? b) como se distingue a taxa do preço? c) como calcular-se o quantum da taxa, tendo-se em vista o custo do serviço e a vantagem do contribuinte?

Êsses debates podem ser colhidos na monografia do Prof. TEOTÔNIO MONTEIRO DE BARROS FILHO, que os resume e dêles participa, classificando as taxas como receita derivada (“As taxas e seus principais problemas teóricos”, 1941, n° 23, pág. 53), mas admitindo que umas são facultativas, outras obrigatórias (idem, pág. 99). Nesse último ponto, aliás, discordamos do ilustre professor da Universidade de São Paulo.

Essas discussões se originam da atitude singular dos pensadores que pretendem reduzir as Finanças à categoria de ciência puramente econômica. Um dêles e dos mais ilustres, VITI DE MARCO, deu à sua obra fundamental o título significativo de “Economia Financeira”, que, contemporâneamente, foi adotado por LAUFENBURGER em seu tratado. EINAUDI, na introdução escrita para a tradução daquele livro de VITI DE MARCO. conta que êste, PANTALEONI e MAZZOLA, dedicando-a às Finanças Públicas, “experimentavam desagrado anti aquela miscelânea de preceitos práticos e digressões filosóficas, ou políticas, de comentários legais e aplicações inexatas de definições e leis econômicas, que, então e ainda hoje, integram em grande parte a Ciência das Finanças”.

Ora, êsses economistas, no propósito de imprimir o cunho de ciência pura às Finanças, isolam e focalizam no fato financeiro, por abstração, apenas o aspecto econômico, desprezando todos os aspectos políticos, morais e jurídicos que o complicam e o acompanham em seu conteúdo sociológico. Destarte, quando tentam uma classificação científica de receitas, devem ser entendidos no exato alcance dos objetivos que os inspiraram: classificação exclusivamente econômica com inteiro e Intencional desconhecimento de categorias jurídicas ou políticas. Êsses últimos aspetos, sustentam êles, cabe à missão bem diversa da Política e do Direito.

Feita essa ressalva, é perfeitamente compreensivo que êsse grupo de sábios, sobretudo italianos, pretenda classificar as receitas como um sistema de preços diferenciais segundo as leis econômicas. Mas, dentro do grupo, não há concordância sôbre a classificação, nem sôbre a terminologia. Para BARONE e PANTALEONI, por exemplo, o impôsto é um preço político e a taxa um preço semipolítico. EINAUDI, nos últimos anos. resolveu eliminar a taxa como categoria de receita. Em trabalho recente, GANGEMI escreveu: “II nostro concetto di prezzo político è diverso da quello expresso dal BARONE, dal PANTALEONI, dallo JANNACCONE e dall’ EINAUDI, ma tiene presente la distinzione fatta da quest’ultimo dei servizi pubblici” (“I prezei in Economia Finanziaria”, na coletânea “Fin. Pub. Contemp.”, em honra a TIVARONI, 1950, pág. 215).

Por outras palavras, para os economistas italianos citados, há que enquadrar nas leis de preços o custo dos serviços públicos. No mundo atual, raramente êsses serviços são pagos segundo os princípios do mercado livre, ou seja, conforme às leis das trocas econômico-privadas. Daí serem escassas as receitas governamentais sob a forma de preços privados ou quase-privados, pois certos elementos monopolísticos, e sobretudo coercitivos, por ato de autoridade, realçam os caracteres de preços públicos e políticos, para os quais se criaram históricamente as técnicas das taxas e impostos.

É necessário, pois, atentar-se no critério especificamente econômico dêsses autores para que não sejam êles responsáveis por confusões que não patrocinaram, pois as classificações que defenderam não visam, antes excluem, os objetivos jurídicos e práticos das categorias financeiras, tais como impostos, taxas e preços.

BILAC PINTO, ao pôr em contraste e em crítica várias classificações de receitas, como a de SELIGMAN e de EINAUDI, teve o cuidado de fazer a advertência, que acabamos de salientar:

“O valor lógico e a eficácia jurídica de uma classificação não se confundem.

“Uma classificação pode ser irrepreensível do ponto de vista lógico e inteiramente ineficaz do ponto de vista jurídico.

“A verdade lógica não constitui necessàriamente uma verdade jurídica ou uma verdade histórica.

“Existindo em cada país civilizado uma classificação constitucional, legal ou jurisprudencial das receitas públicas, que, não obstante seu caráter empírico e seus defeitos lógicos, está incorporada ao respectivo direito objetivo, as classificações teóricas que com ela não coincidam são destituídas de eficácia jurídica” (“As classificações teóricas da receita pública”, na “REVISTA FORENSE”, vol. 144, pág. 530).

Abrimos êsse parêntese para acentuar que os problemas e as controvérsias em tôrno de taxas residem na sua assemelhação aos chamados preços e resultam, em última análise, de critérios de economistas, voluntária e inteiramente indiferentes aos conceitos dos juristas. Para êles, como vimos, até impôsto se enquadra numa das categorias de preços – preços políticos. É, pois, um ponto de vista excêntrico, relativamente à divisão já hoje clássica entre impostos e taxas.

As questões jurídicas mais ásperas, por outro lado, jazem também na delimitação da fronteira entre taxas e preços, já que êstes últimos, do ponto de vista legal, escapam à regra inflexível do art. 141, § 34, da Constituição, matéria que foi amplamente discutida no ruidoso caso das chamadas taxas aeroportuárias (ver parecer do Prof. HAROLDO VALADÃO, consultor geral da República, na “Rev. de Direito Administrativo”, vol. 20, pág. 351).

IV. Importância política da distinção entre impostos e taxas

Para a imensa maioria dos financistas, pois, a distinção entre impôsto e taxa reside em que ambos são processos de repartição de custos, mas, enquanto a última divide a despesa por entre os indivíduos componentes do grupo limitado dos beneficiários (quer usem do serviço ou o provoquem, quer gozem do serviço porque o têm à sua disposição), em contraste, o impôsto opera a divisão dos encargos governamentais por grupos mais dilatados, sem a mínima preocupação de que os indivíduos dêles integrantes sejam ou não beneficiados, ou tenham a mais remota responsabilidade na provocação do serviço assim mantido.

A importância dêsse critério, fundamentalmente jurídico e político, é evidente para um país que, em suas Constituições, vem acentuando a rigidez da discriminação de receitas entre as três órbitas da estrutura federal.

Se o conceito de taxa, expressamente prevista no art. 30, II, da Constituição não fôr racionalmente fixado pelos legisladores e tribunais, arruinar-se-á o sistema de separação de receitas, que o constituinte delineou no propósito de assegurar a autonomia dos Estados e Municípios e também garantir os indivíduos contra as bitributações que infernam a vida dos contribuintes norte-americanos.

São conhecidos dos tribunais vários casos em que legisladores rebeldes à discriminação constitucional de rendas ou infensos à solução lógica de majoração dos tributos da competência local, nos casos de apertura dos cofres públicos, preferem o caminho tortuoso da criação de falsas taxas, como disfarces de impostos de alheia competência ou exigidos acima dos tetos do art. 19, V, e § 6°, da Constituição federal (ver, p. ex., “REVISTA FORENSE”, vol. 97, pág. 363, ou “Rev. dos Tribunais”, vol. 137, pág. 507).

Além disso, severa conceituação das taxas é indispensável à salvaguarda de certos princípios de limitação constitucional ao poder de tributar. O art. 27 da Constituição, p. ex., proíbe tributos interestaduais ou intermunicipais, que limitem o tráfego de qualquer natureza, mas ressalva “a cobrança de taxas, inclusive “pedágios, destinadas exclusivamente à indenização das despesas de construção, conservação e melhoramento de estradas”. O art. 31 V, a, proclama a imunidade recíproca da União, Estados e Municípios vedando o lançamento de impôsto sôbre bens, rendas e serviços uns dos outros. A contrario sensu, cabe evidentemente a cobrança de taxas uns dos outros (ver “Rev. dos Tribunais”, vol. 108, página 104).

Êsses exemplos depõem acêrca da necessidade de fixação nítida do conceito de taxa, num país federal de inflexível discriminação de receitas, como o Brasil.

Note-se que em países unitários, onde êsse problema político não existe, os órgãos jurisdicionais e a doutrina se esmeram na distinção entre impostos e taxas, porque daí decorrem várias conseqüências práticas, como as mencionadas pela Côrte de Cassação de Paris, a propósito da taxa de limpeza, no acórdão de 11 de dezembro de 1950 (na “Gaz Palais”, de 1 e 2 de março de 1951, citados na “Rev. de Science et Législation Financières”, 1951, pág. 38). Comentando êsse julgado, diz o Prof. MÁXIME CHRÉTIEN que êle confirma a jurisprudência sôbre a distinção entre impostos e taxas, acrescentando:

“La jurisprudente de la Cour de Cassation a taujours proclamé la distinction de la laxe et de l’impôt: à la difference de l’impôt, la taxe est, declare-t-elle, la remuneration d’un service (cf. not. Cour de Cass., 25-6-1907, Sirey, 1908, I, 97; 18-2.-1941, “Gaz. Palais”, 1941, 1, 437)” (“Distinction de la taxe et de l’impôt”, crônica do Prof. CHRÉTTEN na “Rev. de Science et Légìslation Financières”, dirigida por JÈZE e LAUFENBURGER, 1951, pág. 381).

Outro testemunho da importância teórica e prática dessa distinção, mesmo fora dos países federais, é n espaço que a ela dedica, enfatizando-a, o Prof. LAFERRIÈRE, em obra recentíssima (WALINE e LAFERRIÈRE, ob. cit., 1952, págs. 232 e segs.).

Não é lícito, portanto, condescender-se com distorsões do conceito da taxa, destas que a deformam, a ponto de confundi-la com impôsto de aplicação ou destinação especial, como se a finalidade específica do tributo fôsse seu característico. A condenável e obsoleta prática de aplicar-se o produto de determinado impôsto à manutenção de certa despesa – o sêlo de Educação, p. ex., – não o desnatura, nem o transforma em taxa. Reportamo-nos ao que escreve doutamente, sôbre isso, o Prof. RUBENS G. DE SOUSA, condenando o art. 1°, § 2°, in fine, do dec.-lei número 2.416 (“Compêndio”, cit., 1952, § 46, especialmente pág. 140).

V. A taxa e a competência legislativa dos Estados. É inovação do constituinte de 1946 a competência do Congresso Nacional para legislar sôbre “normas gerais de direito financeiro” (Constituição, art. 5°, XV, b), embora não ficasse excluída igual competência dos Estados quanto à legislação de caráter supletivo ou complementar (idem, art. 6°).

Qualquer dispositivo que defina a taxa, distinga-a do impôsto, trace diretrizes programáticas aos legisladores estaduais e municipais, ou a limite, é, sem dúvida, “norma geral de direito financeiro”, cabendo, portanto, em princípio, à competência legislativa da União. Mas os Estados podem legislar, suprindo as lacunas da lei federal, sôbre essas normas gerais.

Os Estados podem legislar, ainda, restringindo a aplicação da taxa ou do impôsto, e, destarte, autolimitando suas próprias prerrogativas. Se essa atitude é politicamente objetável, nenhum reproche se lhe poderá fazer do ponto de vista jurídico.

Mas ao legislador estadual, a título de suprir a inexistência de norma geral de direito financeiro da União, ou preencher lacuna da mesma, é defeso ampliar o conceito da taxa, eliminando contornos que implicitamente a Constituição adotou, quando a erigiu em categoria distinta do impôsto e da contribuição de melhoria.

Quando um Estado, em sua Constituição, como Minas Gerais (Constituição de 14 de julho de 1947, art. 169), limita a 20%, ao tempo do aumento, o máximo da elevação de qualquer impôsto estadual ou municipal, essa cláusula é válida como vedação intransponível oposta à Assembléia Legislativa local, embora me pareça inoperante para o Legislativo dos Municípios, por fôrça do art. 28, II, a, da Constituição federal. O Estado pode autolimitar-se, em sua Constituição, já que lhe estão reservados “todos os poderes que, implícita ou explicitamente, não lhes sejam vedados pela Constituição federal” (artigo 18, § 1°, desta). Mas, quando o Estado limita aquilo que a Constituição federal deu ao Município, transpõe a fronteira dos poderes que lhe são reservados e desafia a implícita vedação da Lei Maior.

Um Estado pode definir taxa na constituição ou na lei, restringindo o conceito acaso traçado na lei federal de morenas gerais de direito financeiro. Assim lho permite o citado art. 18, § 1°, da Constituição federal. Mas um Estado não pode ampliar o conceito de taxa, dilatando-o além do que está implícito na Constituição federal, quando distingue três tipos de tributos (art. 30). Êsse conceito de taxa não pode igualmente ser distendido pelo legislador federal no uso da competência de criar as normas gerais de direito financeiro (art. 5°, XV, b). Se o fizesse, direito que da Constituição decorre para os indivíduos.

O art. 1°, § 2°, do dec.-lei n° 2.416, de 17 de julho de 1940, anterior à Constituição de 1946, é compatível com esta quando conceitua como taxa o pagamento “exigido como remuneração de serviços específicos prestados ao contribuinte, ou postos à sua disposição”. Mas se, na ambígua redação da parte final, quando menciona contribuições destinadas ao custeio de atividades especiais do Estado ou Município, provocadas por conveniências de caráter geral ou determinados grupos de pessoas”, pretende considerar taxa o tributo que se cobra dos indivíduos do grupo A para o serviço de assistência ao grupo B, então, em verdade, pôs o nome de taxa no que é apenas impôsto com destinação especial. Se um Estado aplica tributo sôbre a venda de guarda-chuvas e destina o respectivo produto a assistência aos leprosos ou aos órfãos, êle apenas decretou um impôsto e o aplicou a um fim especial, mas não cobra taxa no sentido da Constituição. Não há, nisso, identidade ou nexo qualquer entre o contribuinte e o beneficiário do serviço especial assim custeado. Falta elemento essencial ao conceito da taxa, pois a especialização do serviço por ela custeado é um elemento, porém, não o único nem o fundamental. Êste reside em que, na taxa, o serviço é pago pelo grupo que se aproveitou ou provocou êsse mesmo serviço.

Se admitíssemos outra inteligência, os resultados seriam catastróficos para a estrutura constitucional do país. Teríamos de aceitar que os Estados poderiam cobrar taxas sôbre a importação, o consumo, a renda e a remessa de fundos para o exterior, desde que aplicassem o produto de cada um dêsses tributos a determinado serviço específico. Os Municípios poderiam cobrar taxas sôbre heranças, transmissões inter vivos e vendas ou consignações, desde que destinassem cada uma delas a fim específico, sob a denominação de taxa. O Município exigiria da União e dos Estados impostos com destinação especial, destruindo a imunidade recíproca do art. 31. V, a, da Carta de 1946. A Constituição não destrói a si mesma. Logo, não transige com interpretação que a aniquila.

O Estado do Paraná, no art. 89 da Constituição de 12 de julho de 1947, dispôs:

“O produto das taxas será aplicado exclusivamente na manutenção, ampliação e modernização dos serviços de que provêm, deduzidas apenas as despesas de sua administração”.

Poderia fazê-lo? Evidentemente, sim, porque o legislador estadual supre as lacunas do federal em matéria de normas gerais de direito financeiro (art. 6°, de referência do art. 5°, X, b, da Constituição) e porque ao Estado está reservado todo poder que, expressa ou implicitamente, lhe não foi vedado pela Constituição federal (art. 18, § 1°, desta). Se o Paraná não o houvesse feito, o conceito de taxa ainda assim estaria implícito para o legislador paranaense, no sistema de discriminação de rendas da Constituição federal. Mas êle o fêz e talvez houvesse restringido conceito mais amplo. Mas, incontestàvelmente, pode autolimitar-se.

Se admitirmos, por amor à discussão, que a Constituição federal tolera o conceito do art. 1°, § 2°, in fine, do dec.-lei n° 2.416, para a taxa, isto é, a confusão desta com o impôsto de aplicação especial, não poderemos deixar de reconhecer que, não obstante isso, no Paraná; taxa é apenas aquela que se contém dentro da rígida disciplina do art. 89 da Constituição dêsse Estado.

Se, entretanto, a Constituição dum Estado limita o conceito de taxa, excluindo-a em hipótese que seria de taxa compatível com a Constituição federal, nenhum contribuinte pode opor essa cláusula restritiva ao Município. Êste, a nosso ver, pode exigir taxa, sempre que esta não repugne à Constituição federal, embora com isso contrarie dispositivo da Constituição ou de lei do Estado. Êste não pode diminuir o que a Constituição de 1946, em matéria tributária, concedeu aos Municípios, nem mesmo sob pretexto de exercitar a competência supletiva ou complementar do art. 6° dessa Carta.

VI. A taxa de assistência social do Paraná

O Paraná criou, pelo dec.-lei n° 666, de 5 de julho de 1947, uma taxa de assistência social, que é cobrada sôbre a venda ou consignação de aguardente destinada ao consumo no Estado. Mais tarde, êsse tributo teve sua destinação transferida, por lei de n° 371, de 18 de julho de 1950, para o Serviço de Assistência ao Servidor Público. E, por fim, outra lei, a de n° 691, de 13 de agôsto de 1951, mandou que o produto da arrecadação, sob aquela rubrica, pertencesse à Fundação de Assistência ao Trabalhador Rural.

Ora, em face dêsses diplomas, há destinação especial do tributo a determinado fim ou serviço. Mas não existe o elemento essencial e característico da taxa, no conceito teórico clássico, – o esposado pela Constituição de 1946 – uma repartição do custo do serviço pelo grupo que o provocou, dêle se beneficia ou o tem à sua disposição.

Se certas pessoas possuem automóvel, é perfeita a cobrança da taxa que as atinge para conservação da auto-estrada ou para os serviços de inspeção de freios, máquina e pertences de segurança dos carros, ou, ainda, para a polícia de direção do tráfego. Elas, no primeiro caso, são beneficiárias do serviço, e, no segundo, além de usuárias, são também causadoras duma despesa que o Estado faz para proteção tanto de pedestres quanto dos próprios automobilistas. Se nunca houve incêndio em minha casa, nem por isso deixo de estar beneficiado e servido pelo equipamento de bombeiros, que permanece noite e dia à minha disposição. E as companhias de seguro, muito mais do que eu, se beneficiam com a existência da aparelhagem dos bombeiros em ininterrupta prontidão, desde que isso diminui, para elas, o risco potencial de prejuízos.

Mas não há raciocínio lógico pelo qual se possa afirmar que os fabricantes, negociantes e consumidores de aguardente destinada a consumo no Paraná – enfim, os contribuintes daquela chamada taxa, – gozam, têm à sua disposição, ou provocaram serviços de assistência prestados ao servidor público ou ao trabalhador rural. Dir-se-á que a aguardente é fabricada com cana, cereais ou vegetal outro plantados por trabalhadores rurais. Nesse caso, aceito o argumento para discussão, ficaria logo excluída a mercadoria importada de outro Estado, pois no território dêste é que residem os trabalhadores rurais de cujo esfôrço resultou a matéria-prima. E, ainda mais, a taxa deveria; recair sôbre todos os produtos agrícolas, a fim de que não seja violada a regra de igualdade do art. 141, § 1°, da Constituição federal.

Mas, no Paraná, essa exegese jamais seria aceitável, porque a taxa de aguardente só poderia ser aplicada na manutenção, ampliação e modernização dos serviços de que provém, isto é, os da assistência à produção específica da aguardente ou seus produtores, deduzidas as despesas de administração fiscal para êsse fim exclusivo (Constituição estadual, art. 89). Só isso e mais nada.

Mas, argumentar-se-á que, no exemplo indicado, a taxa mascara, talvez, impôsto de venda e, sendo êste da competência estadual, nada impede que o Estado o arrecade, pois tanto poderia fazê-lo para serviços gerais, quanto para serviços especiais. A isso se opõe, inequivocamente, de início, o rigor do art. 89 da Constituição daquele Estado, mas, em segundo lugar, tal impôsto de venda seria inconstitucional, porque discriminado pelo destino da mercadoria, contra expressa vedação do art. 19, § 5°.

PONTES DE MIRANDA entende, ainda hoje, que não é possível a discriminação do impôsto de vendas pela espécie da mercadoria, (“Comentários à Constituição de 1946”, vol. 1°, pág. 457), o que, tècnicamente, pode ser arranjado por adicionais ou falsas taxas que alcancem algumas dessas mercadorias exonerando outras. Não é essa a nossa opinião, como já a expusemos noutra oportunidade (“Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar”, págs. 137 e segs., n° 48), mas se a taxa, paranaense recai sôbre aguardente destinada a consumo dentro do Estado, existe discriminação inconstitucional por destino, nos têrmos categóricos do art. 19, § 5°, da Carta federal.

VII. A posição da jurisprudência

Os repertórios de decisões documentam a resistência dos governos locais ao conceito clássico da taxa, assim como a vacilação de alguns tribunais a respeito dos problemas suscitados por ela.

Nos últimos anos, entretanto, tende a uniformizar-se a jurisprudência brasileira, de sorte que se firma em todo o país o conceito de que a taxa é espécie do gênero tributo, de sorte que a sua cobrança depende de criação em lei e autorização anual no orçamento, por fôrça do art, 141, § 34, da Constituição (acórdão do Supremo Tribunal Federal, de 13 de dezembro de 1950, no rec. extraordinário n° 16.697, do Distrito Federal, “Diário da Justiça” de 6 de outubro de 1952, pág. 4.604; idem, acórdão de 15 de janeiro de 1951, “Diário da Justiça” de 10 de novembro de 1952, pág. 5.071 – caso da taxa sôbre algodão em pluma), esboçando-se, por outro lado, a distinção entre taxa e preço (caso das taxas aeroportuárias, acórdão do Tribunal Federal de Recursos, no mandado de segurança n° 437. “Diário da Justiça” de 12 e 17 de setembro de 1949. Ver, ainda, “Rev. de Direito Administrativo”, vol. 20, pág. 351).

O próprio problema da parafiscalidade, em sua conexão com o das taxas e do impôsto único, já foi aflorado pelo Tribunal Federal de Recursos, a propósito do ruidoso caso da contribuição de previdência, para o I.A.P.E.T.C., sôbre os carburantes e lubrificantes. Nessa decisão não só os juízes, incidentemente, reconhecem a taxa como espécie do gênero tributo, mas a definem como contraprestação de serviço público utilizado pelo contribuinte (acórdão do Tribunal Federal de Recursos, de 26 de junho de 1952, no rec. de mandado de segurança n° 1.287, “Diário da Justiça” de 23 de setembro de 1952, págs. 4.425 e segs.).

O Tribunal de São Paulo, em decisão unânime, tomada em plenário, já proclamou essa mesma tese:

“Taxa é, porém, remuneração de serviço prestado, tendo sido admitida a sua cobrança para custeio de serviços por conveniência de caráter geral ou de determinados grupos.

“Com relação à taxa de registro e fiscalização, criada pelo ato municipal n° 998, de 9 de janeiro de 1936, nenhuma justificativa existe para a sua manutenção, porquanto lhe falta o elemento essencial caracterizador das taxas: o preço de um serviço prestado, ainda que a sua conveniência seja, apenas, de caráter geral”.

“O serviço a que a taxa criada pelo ato n° 998 liga o seu nome é de utilidade exclusiva da Municipalidade e não dos contribuintes”.

“Se não lhe cabe cobrar taxas para o custeio de serviços inerentes à sua própria organização, o que, porventura, cobrou a êsse título é ilegal, ainda que lhe fôsse permitido cobrá-lo como adicional de um outro tributo” (Tribunal de Justiça de São Paulo, pleno, acórdão unânime de 21 de janeiro de 1943, no agravo n° 35.881, “Rev. dos Tribunais”, vol. 172, fasc. 575, pág. 854. Ver, ainda, na mesma revista vol. 171, pág. 717, e vol, 176, página 737).

A Procuradoria Geral da República, manifestando-se sôbre essa taxa paulista, subscreveu a interpretação do acórdão acima citado:

“Embora irrecusável a competência do Município para decretar taxas sôbre serviços municipais, não pode ser havido como válido o ato n° 998, de 8 de janeiro de 1936, de São Paulo, que criou a taxa de fiscalização e registro para custeio de um serviço de utilidade exclusiva do Município e não dos contribuíntes” (parecer do Dr. PLÍNIO TRAVASSOS, de 18 de setembro de 1952, “Diário da Justiça de 5 de novembro de 1952, pág. 12.301).

Finalmente, o Supremo Tribunal Federal há cêrca de um ano, por unanimidade, fixou o conceito de taxa, nos têrmos do voto seguinte do ministro OROZIMBO NONATO:

“É a taxa, no conceito clássico, “una prestazione obligatoria afinchè l’ente pubblico renda un servizio speciale al singolo che corrisponde” (ROMANO, in “TANGORRA, liv. e loc. cits.).

Mas, consoante ao magistério de PUGLIESE, o que a caracteriza, assim no direito financeiro, que no administrativo, “é a sua função remuneratória, representando uma relação bem definida entre o serviço prestado e aquêle que aproveita dos seus benefícios (v. TEMÍSTOCLES CAVALCANTI, liv. cit., volume cit., pág. 376)” (acórdão do Supremo Tribunal Federal, unânime, de 23 de abril de 1951, no rec. extraordinário, de Alagoas, n° 16.551, “Diário da Justiça” de 29 de dezembro de 1952, pág. 5.729).

Não há dúvida, pois, de que a jurisprudência dos mais reputados tribunais do país, a começar pelo Supremo, está fixada no conceito de que a taxa é processo de repartição de despesa pública especial exclusivamente pelos contribuintes integrados no grupo que se beneficiou com o serviço custeado por essa despesa, ou o provocou por suas atividades.

VIII. Respostas

À primeira pergunta: respondo que é incompatível com o art. 89 da Constituição do Paraná a chamada Taxa de Assistência Social, instituída por êsse Estado, para aplicação aos serviços da Fundação do Trabalhador Rural. Essa taxa, na realidade, é simples impôsto com destinação especial. Ainda como impôsto, coincidindo sua percussão e sua incidência com o fato gerador do impôsto sobre vendas e consignações, viola o art. 19, § 5°, da Constituição federal, desde que discrimina aguardente para consumo naquele Estado, isto é, faz distinção do destino da mercadoria.

À segunda pergunta: respondo que, à luz dos princípios doutrinários universalmente aceitos e implícitos nos arts. 30, alíneas I, II e III, 15, 19, 29 e outros da Constituição federal de 1946, princípios êsses proclamados pela jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal Federal de Recursos, do Tribunal de São Paulo e de outras Côrtes judiciárias, é inadmissível que a taxa tenha destinação diversa daquela consistente no custeio do serviço público específico prestado, ou provocado, ou pôsto à disposição dos contribuintes dessa mesma taxa. A taxa é sempre uma técnica fiscal de repartição da despesa com um serviço público especial e mensurável pelo grupo restrito dos que se aproveitam de tal serviço, ou o provocaram ou o têm ao seu dispor.. Por isso mesmo, juristas que negam a possibilidade de utilização do conceito de causa no direito fiscal abrem exceção para os preços e, ainda, para os tributos estatuídos sob o princípio da equivalência, como a taxa e a contribuição de melhoria (p. ex., ERNST BLUMENSTEIN, em “La causa nel dïritto tributario svizzero” na “Riv. Dir. Finanziario – Scienza delle Mnanze”, 1939, págs. 355 e segs.). A taxa tem, pois, como causa jurídica e fato gerador a prestação efetiva ou potencial dum serviço específico ao contribuinte, ou a compensação dêste à Fazenda Pública, por lhe ter provocado, por ato ou fato seu, uma despesa também especial e mensurável.

Sub censura.

Rio de Janeiro, 19 de fevereiro de 1953. –

*

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