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Lei 14.331: processamento das ações por incapacidade laboral e pagamento de perícias médicas

BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE

INCAPACIDADE LABORAL

LEI 14.331/22

PERÍCIA MÉDICA

Marco Aurélio Serau Junior

Marco Aurélio Serau Junior

06/06/2022

Foi revogado o dispositivo que determinava ao Poder Executivo federal o pagamento dos honorários periciais pelo prazo de dois anos (de 2020 a 2022), qual seja o § 3º, do art. 1º, da lei 13.876/19, que estava assim redigido:

§ 3º A partir de 2020 e no prazo de até 2 (dois) anos após a data de publicação desta lei, o Poder Executivo federal garantirá o pagamento dos honorários periciais referentes a 1 (uma) perícia médica por processo judicial.

A partir disso, o pagamento das perícias médicas recai na perspectiva processual comum de seu ônus recair sobre o sucumbente. Veja-se a redação dada ao art. 1º da lei 13.876/19:

Art. 1º O ônus pelos encargos relativos ao pagamento dos honorários periciais referentes às perícias judiciais realizadas em ações em que o INSS – instituto nacional do seguro social figure como parte e se discuta a concessão de benefícios assistenciais à pessoa com deficiência ou benefícios previdenciários decorrentes de incapacidade laboral ficará a cargo do vencido, nos termos da legislação processual civil, em especial do § 3º do art. 98 da lei 13.105/15 (Código de Processo Civil).

Pagamento das perícias médicas

O pagamento das perícias médicas nas ações mencionadas no art. 1º da lei 13.876/19 passará a obedecer a perspectiva estabelecida como regra no Processo Civil, tornando-se incumbência na parte vencida na demanda.

O próprio dispositivo transcrito acima já aponta a ressalva do art. 98, § 3º, do CPC, que menciona que os ônus de sucumbência se aplicam em relação aos beneficiários da justiça gratuita, situação bastante recorrente nas ações previdenciárias:

Art. 98. (…)
§ 3º Vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.

O art. 1º, § 4º, da lei 13.876/19 passou a estabelecer que:

§ 4º. O pagamento dos honorários periciais limita-se a 1 (uma) perícia médica por processo judicial, e, excepcionalmente, caso determinado por instâncias superiores do Poder Judiciário, outra perícia poderá ser realizada.

A regra é que apenas uma perícia médica será realizada em cada ação previdenciária; porém, por determinação de “instâncias superiores do Poder Judiciário”, outra perícia poderá ser realizada.

A dúvida hermenêutica nesse ponto reside em saber como interpretar essa expressão “instâncias superiores do Poder Judiciário”, não estando claro se isso decorrerá de regulamentação a cargos dos órgãos normatizados, CJF – Conselho da Justiça Federal ou CNJ – Conselho Nacional de Justiça, ou se decorrerá de decisão dos tribunais no âmbito específico de cada processo individualizado, por exemplo decisões proferidas no bojo de agravo de instrumento ou recursos de apelação.

Destaque-se, quanto a isso, os limites para o cabimento do agravo de instrumento estabelecidos no artigo 1.015 do CPC, e os limites ainda mais estreitos para o recurso de agravo no âmbito dos Juizados Especiais Federais (artigos 4º e 5º da lei 10.259/01).

O art. 1º, §§ 5º a 7º, da lei 13.876/19, cria uma figura de inversão do ônus da antecipação do custo da perícia, destinando esse ônus ao réu (INSS), salvo nas hipóteses em que a parte tenha condições de comprovadamente arcar com esses valores.

§ 5º A partir de 2022, nas ações a que se refere o caput deste artigo, fica invertido o ônus da antecipação da perícia, cabendo ao réu, qualquer que seja o rito ou procedimento adotado, antecipar o pagamento do valor estipulado para a realização da perícia, exceto na hipótese prevista no § 6º deste artigo.
§ 6º Os autores de ações judiciais relacionadas a benefícios assistenciais à pessoa com deficiência ou a benefícios previdenciários decorrentes de incapacidade laboral previstas no caput deste artigo que comprovadamente disponham de condição suficiente para arcar com os custos de antecipação das despesas referentes às perícias médicas judiciais deverão antecipar os custos dos encargos relativos ao pagamento dos honorários periciais.

O ponto crítico, aqui, diz respeito a como será interpretada a expressão referente àqueles segurados que “comprovadamente disponham de condição suficiente para arcar com os custos de antecipação das despesas referentes às perícias médicas judiciais”.

Trata-se de expressão bastante vaga e abrangente, propiciadora de diversas possíveis interpretações.

Compreendemos que a hermenêutica mais adequada é aquela em que limite esse conceito às pessoas que não foram contempladas com o benefício da justiça gratuita previsto no art. 98 e seguintes do CPC.

Além disso, é importante ressaltar que, nos termos do art. 98, § 1º, V e VI, do CPC:

§ 1º A gratuidade da justiça compreende:
(…)
V – as despesas com a realização de exame de código genético – DNA e de outros exames considerados essenciais;
VI – os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira;

Ou seja, a gratuidade de justiça, no modelo estatuído pelo CPC de 2015, abrange também a realização de exames periciais.

Ônus da antecipação do pagamento

Quando o ônus da antecipação do pagamento da perícia for invertido e direcionado ao INSS, funcionará da seguinte forma:

§ 7º O ônus da antecipação de pagamento da perícia, na forma do § 5º deste artigo, recairá sobre o Poder Executivo federal e será processado da seguinte forma:
I – nas ações de competência da Justiça Federal, incluídas as que tramitem na Justiça Estadual por delegação de competência, as dotações orçamentárias para o pagamento de honorários periciais serão descentralizadas pelo órgão central do Sistema de Administração Financeira Federal ao Conselho da Justiça Federal, que se incumbirá de descentralizá-las aos Tribunais Regionais Federais, os quais repassarão os valores aos peritos judiciais após o cumprimento de seu múnus, independentemente do resultado ou da duração da ação, vedada a destinação desses recursos para outros fins;
II – nas ações de acidente do trabalho, de competência da Justiça Estadual, os honorários periciais serão antecipados pelo INSS.

Introdução de novos requisitos para a petição inicial nas ações judiciais voltadas à obtenção de benefício por incapacidade laboral

De outra parte, também merece muita atenção a inclusão do art. 129-A na lei 8.213/91, dispositivo que busca condicionar a forma como deverá ser estruturada a petição inicial nas ações voltadas à obtenção de benefícios por incapacidade laboral, inclusive aquelas por acidente de trabalho:

Art. 129-A. Os litígios e as medidas cautelares relativos aos benefícios por incapacidade laboral de que trata esta lei, inclusive os relativos a acidentes do trabalho, observarão o seguinte:

I – quando o fundamento da ação for a discussão de ato praticado pela perícia médica federal, a petição inicial deverá conter, em complemento aos requisitos previstos no art. 319 da lei 13.105/15 (Código de Processo Civil):
a) descrição clara da doença e das limitações que ela impõe;
b) indicação da atividade para a qual o autor alega estar incapacitado;
c) possíveis inconsistências da avaliação médico-pericial discutida; e
d) declaração quanto à existência de ação judicial anterior com o objeto de que trata este artigo, esclarecendo os motivos pelos quais se entende não haver litispendência ou coisa julgada, quando for o caso;

O art. 319 do CPC estabelece os requisitos gerais para a petição inicial, a exemplo de direcionamento ao juízo competente, nomes e qualificação das partes, pedido e valor da causa, dentre outras.

O art. 129-A, inciso I, recém introduzido na lei 8.213/91, passou a exigir alguns “requisitos complementares” no caso de ações judiciais voltadas à obtenção de benefícios por incapacidade laboral.

É certo que a norma processual poderá exigir, no caso concreto, requisitos processuais específicos conforme o tipo de procedimento adotado ou de direito material tutelado.

Porém, sempre se deve ter em consideração que esse tipo de exigência não pode ultrajar o princípio constitucional do devido processo legal, especialmente em sentido material, impondo-se à parte exigências desproporcionais e desarrazoadas.

Este é o prisma através do qual iremos analisar as exigências contidas no art. 129-A, inciso I, da lei 8.213/91.

As exigências de “descrição clara da doença e limitações que ela impõe”, bem como da atividade para a qual o autor alega estar incapacitado fazem parte da causa de pedir e costumam já fazer parte da argumentação jurídica em prol dos segurados.

No que concerne à obrigatoriedade de indicar “c) as possíveis inconsistências da avaliação médico pericial atacada”, verifica-se que aqui se impõe uma limitação ao tipo de argumentação que pode ser apresentada no que diz respeito ao controle judicial da atuação administrativa, em notória afronta ao art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.

A exigência de declaração de existência de ação judicial anterior sobre benefício por incapacidade laboral, bem como a necessidade de indicar os motivos pelos quais a parte autora entende não haver litispendência ou coisa julgada, também parece excessiva e desproporcional, tendo em vista que essa informação pode facilmente ser obtida pelo próprio Poder Judiciário em seus sistemas informatizados.

Nas ações visando benefícios por incapacidade laboral o substrato fático (incapacidade para o trabalho) é naturalmente instável, transformando-se com o transcorrer do tempo. A perspectiva de formação da coisa julgada material nessas situações é sempre excepcional.

Em todos os casos, deve-se interpretar o conjunto de argumentação trazida em defesa dos segurados em conformidade ao que está disposto no art. 322, § 2º, do CPC, isto é, pelo conjunto da postulação:

§ 2º A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé.

A lei 14.1331/22 também passou a exigir alguns documentos considerados obrigatórios para as demandas de benefícios por incapacidade laboral.

II – para atendimento do disposto no art. 320 da lei 13.105/15 (Código de Processo Civil), a petição inicial, qualquer que seja o rito ou procedimento adotado, deverá ser instruída pelo autor com os seguintes documentos:
a) comprovante de indeferimento do benefício ou de sua não prorrogação, quando for o caso, pela administração pública;
b) comprovante da ocorrência do acidente de qualquer natureza ou do acidente do trabalho, sempre que houver um acidente apontado como causa da incapacidade;
c) documentação médica de que dispuser relativa à doença alegada como a causa da incapacidade discutida na via administrativa.

O art. 320, do CPC, estabelece que “A petição inicial será instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação”.

A obrigatoriedade de apresentação de determinados documentos pelos segurados, com fulcro no art. 320 do CPC, sempre deve ser interpretada com flexibilidade quando se trata de ações previdenciárias, tendo em vista a vulnerabilidade social e econômica da parte autora, a qual redunda em nítida situação de vulnerabilidade processual.

A exigência do comprovante de indeferimento do benefício se coaduna com o que foi decidido pelo STF a respeito do prévio requerimento administrativo no RE 631.240, julgado na sistemática da repercussão geral.

A mesma intelecção talvez não valha para exigência do pedido de prorrogação, pois parece implicar em exigência indireta de esgotamento das instâncias administrativas, perspectiva que se agrava diante do atual quadro de mora generalizada dos serviços da autarquia previdenciária.

A comprovação do acidente, quando este for a causa da incapacidade laboral, se coaduna com as exigências do art. 320 do CPC. Porém, quando se tratar de acidente do trabalho, deve-se levar em consideração o fato de que certas condutas, especialmente a expedição de CAT – comunicação de acidente do trabalho, em grande medida competem à empresa, e no Brasil existe um notório quadro de subnotificação deste tipo de ocorrência.

A exigência de documentação médica relativa à doença alegada como a causa da incapacidade discutida na via administrativa parece ser uma medida adequada, desde que interpretada com a flexibilidade característica das ações previdenciárias. Eventual inexistência ou insuficiência de documentação médica em prol do segurado não deve ser interpretada em seu desfavor, muito menos ensejando o indeferimento liminar da petição inicial.

Não é desnecessário aventar que eventuais deficiências processuais da petição inicial não implicam em imediata extinção da lide, devendo sempre ser respeitado o direito à emenda da inicial, nos termos do art. 321 do CPC:

Art. 321. O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.

Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial.

O art. 129, §§ 1º e seguintes, da lei 8.213/91, ainda trazem outras determinações sobre o processamento das ações voltadas a benefícios por incapacidade laboral:

§ 1º Determinada pelo juízo a realização de exame médico-pericial por perito do juízo, este deverá, no caso de divergência com as conclusões do laudo administrativo, indicar em seu laudo de forma fundamentada as razões técnicas e científicas que amparam o dissenso, especialmente no que se refere à comprovação da incapacidade, sua data de início e a sua correlação com a atividade laboral do periciando.
§ 2º Quando a conclusão do exame médico pericial realizado por perito designado pelo juízo mantiver o resultado da decisão proferida pela perícia realizada na via administrativa, poderá o juízo, após a oitiva da parte autora, julgar improcedente o pedido.
§ 3º Se a controvérsia versar sobre outros pontos além do que exige exame médico-pericial, observado o disposto no § 1º deste artigo, o juízo dará seguimento ao processo, com a citação do réu.

O § 2º do art. 129 visa estabelecer uma possibilidade de improcedência liminar do pedido, na esteira do que se encontra no art. 332 do CPC, quando o laudo médico pericial confirmar a perícia realizada na via administrativa.

Aqui, deve-se considerar que a jurisprudência previdenciária há muito admite que existem diversas formas de constatação do quadro de incapacidade laboral, a exemplo da avaliação biopsicossocial.

Essa série de medidas trazidas pela lei 14.331/22 segue uma nítida tendência de restringir indevidamente a atividade judicante, com o que estamos caminhando a passos largos para uma justiça que se estrutura através de formulários e rotinas robotizadas, em franca ofensa ao artigo 2º, da Constituição Federal de 1988, que estabelece o princípio da separação de poderes, e sobretudo ao artigo 5º, inciso XXXV, que estabelece o primado do amplo acesso à justiça.

Reintrodução do divisor mínimo

Por fim, necessário mencionar a (re)introdução do divisor mínimo na metodologia do cálculo da RMI dos benefícios previdenciários, afetando a chamada “tese da contribuição única”. Veja-se o recém introduzido artigo 135-A, da lei 8.213/91:

Art. 135-A. Para o segurado filiado à Previdência Social até julho de 1994, no cálculo do salário de benefício das aposentadorias, exceto a aposentadoria por incapacidade permanente, o divisor considerado no cálculo da média dos salários de contribuição não poderá ser inferior a 108 (cento e oito) meses.

Fonte: Migalhas

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