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Gratuidade judiciária: comprovação, impugnação e recursos

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PROCESSO CIVIL

Gratuidade da justiça: comprovação, impugnação e recursos

GRATUIDADE DA JUSTIÇA

GRATUIDADE JUDICIÁRIA

JUSTIÇA GRATUITA

Elpídio Donizetti

Elpídio Donizetti

01/07/2022

No caso da atividade jurisdicional, em nome do acesso à Justiça, a lei instituiu benefícios aos que necessitam recorrer ao monopólio do Estado, mas não têm condições de arcar com os ônus que decorrem do processo. É o que impõe o art. 5º, LXXIV, da CF/1988: “o Estado prestará assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Percebe-se que o dispositivo constitucional instituiu dois instrumentos de promoção do acesso à Justiça, que são comumente confundidos ou tomados como sinônimos: a assistência judiciária e a gratuidade judiciária, esta também denominada justiça gratuita.

Gratuidade judiciária e o CPC

Assistência judiciária – em sentido lato – é gênero, que compreende também a gratuidade judiciária. Direciona-se ao Estado, que deve, por meio das Defensorias Públicas ou de advogado especialmente nomeado para esse fim, patrocinar as causas daqueles que não podem arcar com os honorários contratuais de um advogado. Já a gratuidade judiciária é benefício que se traduz na suspensão da exigibilidade das custas, despesas processuais e honorários.

O CPC/2015 estabeleceu uma seção específica para tratar da gratuidade judiciária[1], mas, em verdade, pouco se teve de inovação com relação ao que já estava previsto na Lei nº 1.060/1950. 

O art. 98, ao dispor que “a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei”, reconhece que não somente a pessoa física, mas também a pessoa jurídica faz jus a esse benefício quando comprovada a insuficiência de recursos para prover as despesas do processos. O caput expressa justamente o entendimento previsto na Súmula nº 481 do STJ, no sentido de que a concessão dos benefícios da justiça gratuita para as pessoasjurídicas somente será deferida caso seja comprovada a precariedade de sua situação financeira, não lhe sendo aplicada a presunção de insuficiência de recursos destinada às pessoas físicas

O § 1º, por sua vez, estabelece quais são as despesas abarcadas pela gratuidade. São elas: I – as taxas ou custas judiciais; II – os selos postais; III – as despesas com publicação na Imprensa Oficial, dispensando-se a publicação em outros meios; IV – a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se em serviço estivesse; V – as despesas com a realização de exame de código genético – DNA e de outros exames considerados essenciais; VI – os honorários do advogado e do perito, e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira; VII – o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução; VIII – os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório; IX – os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.

Ressalte-se que o dispositivo reafirma o que já estava previsto no art. 3º da Lei nº 1.060/1950, que foi revogado pelo CPC/2015 (art. 1.072, III). A novidade é que, além das hipóteses que já estavam previstas na legislação especial, o § 1º insere na proteção da gratuidade as despesas relativas à memória de cálculo quando esta for exigida para instauração de execução (VII), bem como as taxas relativas a registro e outros atos notariais necessários à efetivação da decisão (IX). Tais inclusões aprimoram a assistência judiciária, incluindo atos que muitas vezes escapam aos olhos do processualista, mas que são essenciais para que a sentença gere seus efeitos materiais.

Sobre a concessão do benefício

A concessão do benefício pode estar restrita a determinado ato processual ou consistir na redução de percentual de despesa processual (art. 98, § 5º). Trata-se de novidade que visa adequar o instituto às necessidades das partes, que podem muitas vezes não ter condições de arcar com um único ato processual (perícia, por exemplo), e não com todos os que se fizerem necessários. Outro dispositivo que nos transmite essa mesma ideia é o § 6º do art. 98, que permite ao juiz conceder o parcelamento das despesas processuais sempre que houver necessidade de adiantamento.

O deferimento da gratuidade está condicionado à afirmação, feita pelo próprio requerente, de que a sua situação econômica não lhe permite vir a Juízo sem prejuízo da sua manutenção ou de sua família. Como vimos, o CPC/2015 seguiu a linha da jurisprudência, contudo, somente admite a presunção da veracidade da alegação de insuficiência de recursos quando deduzida por pessoa natural (art. 99, § 3º). Em síntese, tratando-se de pedido requerido por pessoa física, descabe a exigência de comprovação da situação de insuficiência de recursos, salvo quando o juiz evidenciar, por meio da análise dos autos, elementos que demonstrem a falta dos pressupostos legais para concessão da gratuidade. Nessa hipótese, o juiz deverá oportunizar a manifestação da parte, a quem caberá comprovar a insuficiência (arts. 98 e 99 do CPC). Sobre o tema, há duas teses do STJ divulgada nas edições 148 a 150 da “Jurisprudência em Teses”: 

  • “A afirmação de pobreza goza de presunção relativa de veracidade, podendo o magistrado, de ofício, indeferir ou revogar o benefício da assistência judiciária gratuita, quando houver fundadas razões acerca da condição econômico-financeira da parte”; 
  • “A revogação do benefício de assistência judiciária gratuita deve estar fundamentada em fato novo que altere a condição de hipossuficiência da parte”. 

Vê-se, então, que o juiz não pode indeferir o benefício, quando requerido por pessoa física, sem substrato fático que demonstre a possibilidade de o requerente arcar com as despesas do processo[2]. A pessoa jurídica, por sua vez, embora faça jus ao benefício, tem o deferimento condicionado à demonstração acerca da impossibilidade de arcar com os encargos processuais. Esse entendimento se aplica inclusive nos casos em que a pessoa jurídica se encontra em regime de liquidação extrajudicial ou de falência.[3]

A forma de comprovação da hipossuficiência financeira é tema que suscita diversas controvérsias. Na prática, alguns magistrados exigem a declaração do imposto de renda do último exercício financeiro ou extratos de conta bancária. Para o STJ, a utilização de critérios exclusivamente objetivos, vinculados, por exemplo, ao valor da remuneração recebida pelo requerente, não serve para impedir a concessão do benefício da gratuidade. Para a Corte, deve ser efetuada avaliação concreta da possibilidade econômica de a parte postulante arcar com os ônus processuais. Assim, “a faixa de isenção do Imposto de Renda não pode ser tomada como único critério para a concessão ou denegação da justiça gratuita”.[4]

Na hipótese de a declaração formulada pelo requerente não ser verdadeira, porque não expressa a realidade de sua condição econômica, não há falar em conduta criminosa. “A mera declaração do estado de pobreza para fins de obtenção dos benefícios da justiça gratuita não é considerada conduta típica, diante da presunção relativa de tal documento, que comporta prova em contrário”. [5] Situação diversa ocorre quando o próprio advogado falsifica a assinatura de seu cliente no documento de declaração de pobreza. Nesse caso, acertadamente o STJ considera a conduta típica.[6]

Pedido de assistência gratuita

O pedido de assistência gratuita pode ser formulado não somente na petição inicial, mas, também, na contestação, na petição para ingresso de terceiro ou no próprio recurso. Além disso, se for superveniente à primeira manifestação da parte na instância (originária ou recursal), o pedido poderá ser feito mediante petição simples, nos autos do próprio processo e sem que isso acarrete suspensão do feito. Vale lembrar que o benefício depende de requerimento, não podendo o juiz conceder a gratuidade de ofício[7]. Ademais, “o deferimento do pedido de gratuidade da justiça opera efeitos ex nunc, ou seja, não alcançam encargos pretéritos ao requerimento do benefício”. [8] Nesse caso, se o benefício for requerido pelo autor apenas em réplica, a decisão de deferimento não retroagirá para alcançar despesas processuais anteriores. 

Os benefícios da gratuidade judiciária são pessoais, não se comunicando ao litisconsorte e nem se transmitindo aos sucessores do beneficiário, salvo se houver requerimento e deferimento expressos (art. 99, § 5º). Assim, se houver, por exemplo, falecimento do beneficiário e consequente habilitação dos herdeiros, estes deverão formalizar novo requerimento. Da mesma forma, se em ação de alimentos ajuizada por menor houver dúvida sobre a hipossuficiência do representante, tal fato não poderá ser utilizado para indeferir o benefício. O argumento central para essa hipótese é justamente o fato de que o benefício é um direito individual, personalíssimo e intransmissível. Assim, concluiu o STJ que “nas ações ajuizadas por menor, em que pese a existência da figura do representante legal, o pedido de concessão da gratuidade da justiça deve ser examinado sob o prisma do menor, que é parte no processo”[9]. Igualmente, “em ação judicial que versa sobre alimentos ajuizamento por menor, não é admissível que a concessão da gratuidade de justiça esteja condicionada à demonstração de insuficiência de recursos de seu representante legal”[10]

Deferido o pedido, a assistência judiciária gratuita prevalecerá em todas as instâncias e para todos os atos do processo, até que, se for o caso, seja revogada. De toda forma, é importante esclarecer que o benefício encontra limitação aos atos de um mesmo processo. Ou seja, não alcança ações próprias e autônomas porventura ajuizadas.[11]

Contra a decisão que deferir o benefício, caberá impugnação da parte contrária, que deverá fazê-la na contestação, na réplica, nas contrarrazões ou, nos casos de pedido superveniente ou formulado por terceiro, por meio de petição simples, a ser apresentada nos próprios autos do processo, sem que isso implique a suspensão deste. A impugnação no bojo da contestação, da réplica ou nas contrarrazões privilegia a instrumentalidade das formas e a celeridade processual.

Observe que o ônus de comprovar a possibilidade de o beneficiário arcar com as despesas processuais é do impugnante. Não basta, portanto, alegar que o autor, por exemplo, tem condições de arcar com as custas do processo. É necessário comprovar que ele dispõe de recursos para suportar as custas sem comprometer a sua mantença e de sua família. Caso o benefício seja revogado ao longo da tramitação processual, a parte deverá pagar as despesas processuais que deixou de adiantar e, no caso de comprovada má-fé, também arcará com multa de até dez vezes o valor das despesas (art. 100, caput e parágrafo único).

Contra a decisão de indeferimento do pedido ou de revogação do benefício caberá agravo de instrumento (art. 1.015, V). Contudo, se a questão for resolvida na sentença, cabível será o recurso de apelação (art. 1.009), conforme previsto na parte final do art. 101 do CPC/2015. Nas duas hipóteses fica o recorrente dispensado do recolhimento de custas até a decisão do relator. 

Na prática, aquele que teve o benefício indeferido irá “abrir” um tópico na peça recursal – uma preliminar – para tratar do indeferimento da gratuidade. Nesse caso o próprio Tribunal não poderá declarar a deserção antes de analisar o recurso da parte prejudicada em relação a esse ponto da decisão, inclusive oportunizando o contraditório. Não sendo acolhido o pedido de gratuidade pela instância superior, aos apelantes deve ser oportunizado o recolhimento das custas processuais, na forma do art. 101, § 2º, do CPC/2015. No caso de revogação, as demais despesas somente serão pagas com o trânsito em julgado da decisão, em prazo a ser assinalado pelo juiz (art. 102).

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Curso de Direito Processual Civil, de Elpídio Donizetti


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NOTAS

[1]A rigor, o título da seção é impróprio, pois não se trata de “gratuidade”, mas apenas de dispensa do adiantamento das despesas. Isso porque, se vencido o beneficiário, as despesas e os honorários decorrentes de sua sucumbência não estarão dispensados. O que ocorre, na verdade, é apenas suspensão da exigibilidade do crédito referente aos valores adiantados pela parte vencedora (arts. 98, §§ 2º e 3º). Além disso, a gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário quanto ao pagamento das multas processuais que lhe sejam impostas, por exemplo, em virtude de ato atentatório à dignidade da justiça (art. 98, § 4º).

[2]Essa exigência decorre, ainda, do art. 99, §2º, CPC/2015, que determina que o juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão da gratuidade.

[3]STJ, AgInt no AREsp 1.069.805/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, j. 05.03.2020, DJe 11.03.2020. Outras duas teses, veiculadas na Edição 148 da “Jurisprudência em Teses”, estão relacionadas à necessidade de comprovação da hipossuficiência: “A concessão da gratuidade da justiça ao sindicato é possível, quando demonstrada a sua condição de hipossuficiência que o impossibilite de arcar com os encargos processuais”; “O espólio tem direito ao benefício da justiça gratuita desde que demonstrada a sua hipossuficiência.”

[4] Os posicionamentos do STJ sobre o benefício da gratuidade judiciária estão nas Edições 148, 149 e 150 da “Jurisprudência em Teses”.

[5]STJ, HC 261.074/MS, Rel. Min. Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJSE), 6ª Turma, j. 05.08.2014. No mesmo sentido: AgRg no HC 404.232/RJ, Rel. Min. Joel Ilan Aciornik, 5ª turma, j. 15.05.2018). Há, ainda, tese divulgada na Edição 150 da “Jurisprudência em Teses”.

[6] STJ, AgRg no HC 404.232/RJ, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, 5ª Turma, j. 15.05.2018.

[7]STJ, AREsp 1.516.710/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, j. 10.09.2019. Tese também veiculada na edição 149 da “Jurisprudência em Teses” (STJ).

[8] Edição 149 da “Jurisprudência em Teses” (STJ).

[9]STJ, REsp 1.807.216/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 04.02.2020, DJe 06.02.2020.

[10]STJ, REsp 1.807.216-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, j. 04.02.2020, DJe 06.02.2020.

[11] STJ, AgInt nos EDcl no AREsp 1.554.379/SP, 4ª Turma, j. 11.02.2020, DJe 18.02.2020.

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