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Inconstitucionalidade originária, superveniente e inconstitucionalização progressiva

CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL

INCONSTITUCIONALIDADE ORIGINÁRIA

PROCESSO DE INCONSTITUCIONALIZAÇÃO

01/07/2022

Neste capítulo do livro Curso de Direito Constitucional, Ana Paula de Barcellos transcorre sobre Inconstitucionalidade originária, superveniente e processo de inconstitucionalização e inconstitucionalização progressiva. Acompanhe!

Inconstitucionalidade originária, superveniente e processo de inconstitucionalização e inconstitucionalização progressiva

O fenômeno da inconstitucionalidade interage com o tempo, como tudo o mais, dando origem a três situações distintas que devem ser identificadas. Em primeiro lugar, fala-se da inconstitucionalidade originária. Essa expressão designa que a norma ou o ato examinado já surgiu de forma inválida (seja a invalidade formal ou material). Isto é: quando de sua edição, não foram respeitadas as normas constitucionais em vigor na ocasião. Em tais casos, a norma ou ato será inconstitucional desde sua origem, assumida a premissa – que adotamos no Brasil – de que a inconstitucionalidade é uma espécie de nulidade. Como se verá, a discussão em torno da modulação dos efeitos no tempo da declaração de inconstitucionalidade poderá, em determinadas circunstâncias, preservar efeitos de normas consideradas inconstitucionais, mas essa é uma exceção à regra geral.

É possível, de outra parte que a inconstitucionalidade surja posteriormente no tempo. Ou seja: o ato ou a norma são válidos quando de sua edição, mas, depois, a Constituição muda, seja porque uma nova é editada, seja porque a vigente é alterada de algum modo. Nesse contexto, a norma ou o ato que nascerem válidos à luz da Constituição em vigor quando de sua edição, com o surgimento de uma nova Carta Magna ou por conta, e.g., de uma emenda posteriormente editada, tornam-se incompatíveis com o conteúdo do novo texto. Em tais casos, a norma será considerada inconstitucional apenas a partir do momento em que o parâmetro de validade foi alterado. Duas observações sobre este ponto devem ser feitas desde logo.

Em primeiro lugar, é entendimento consolidado no Brasil que caso a incompatibilidade da norma ou ato com o novo texto constitucional restrinja-se a um aspecto formal, ela não será considerada inválida. A lógica subjacente a essa regra é a de que a constitucionalidade formal é aferida no momento da edição da norma ou do ato e a eventual mudança das regras acerca de quem pode editar a norma e como ela deve ser editada não afetam o que foi feito no passado, por isso afirma-se que não há inconstitucionalidade superveniente. Voltaremos a esse ponto ao tratar do direito constitucional intertemporal. O mesmo, naturalmente, não vale para alterações materiais ou substantivas do texto constitucional, que poderão conduzir à invalidade normas anteriormente válidas que sejam agora incompatíveis com a Constituição.

A segunda observação envolve uma situação inversa: a norma era/é inconstitucional, mas, por qualquer razão, não chegou a ser declarada inconstitucional com efeitos gerais pelo Judiciário, mantendo-se vigente do ponto de vista prático. A Constituição é alterada e, a luz do seu novo texto, a tal norma passa a ser compatível com seu novo conteúdo. Seria ela tornada válida? A resposta é negativa, pois a inconstitucionalidade não pode ser sanada. 

Esse debate já foi travado algumas vezes e um desses casos envolveu, e.g., leis municipais que haviam instituído a cobrança de IPTU progressivo quando a Constituição não previa essa possibilidade. O STF considerou inconstitucionais várias dessas leis municipais em sede de controle difuso e incidental, mas outras não chegaram a ser examinadas. Nesse meio tempo, o Congresso Nacional promulgou a EC nº 29/2000, que passou a autorizar a instituição do IPTU progressivo. A nova redação constitucional não tornou válidas as normas anteriormente editadas, mas nada impede, ao contrário, que os Municípios aprovem novas leis com conteúdo similar, agora sob a vigência do novo texto constitucional[20].

O chamado processo de inconstitucionalização ou inconstitucionalização progressiva é uma espécie de inconstitucionalidade superveniente, mas que apresenta características particulares, em geral relacionadas com as mudanças ao longo do tempo de circunstâncias fáticas que afetam a validade da norma. A expressão[21]foi utilizada em uma decisão na Alemanha, de 22 de maio de 1963, na qual se discutia a validade de norma que organizava os distritos eleitorais, tendo em vista que a passagem do tempo acarretara tanto um aumento da população quanto alterações na sua distribuição no território. Assim, a lei que organizava os distritos eleitorais assumia como realidade a existência de uma quantidade equiparável de eleitores em cada um deles, de acordo com os dados disponíveis na ocasião. Com o passar do tempo, porém, essa realidade mudou e a norma ingressou em um processo de inconstitucionalização exigindo a intervenção do Legislativo para ser sanada. Com efeito, o Tribunal Constitucional alemão reconheceu esse processo de inconstitucionalização e comunicou ao Legislativo que, diante de dados atualizados, nova legislação na matéria viesse a ser editada. 

Situação semelhante aconteceu no Brasil, como referido acima no ponto sobre inconstitucionalidade por omissão, relativamente aos critérios de distribuição do Fundo de Participação dos Estados (FPE), também fixados por lei de 1989 com base nos dados socioeconômicos existentes na época. Mais de 20 anos depois, a realidade mudou, entendendo o STF, naquele caso, por declarar desde logo a LC nº 62/1989 inconstitucional, mas diferindo os efeitos de tal decisão no tempo por cerca de dois anos, de modo que nova norma pudesse ser editada. 

Outro exemplo, um pouco diverso, foi examinado pelo STF e identificado pela Corte como hipótese de inconstitucionalidade progressiva. Cuidava-se da extinção da atribuição do Ministério Público, com a edição da Constituição de 1988, de representar civilmente pessoas necessitadas, incluindo vítimas de crimes, atribuição que passou a ser da Defensoria Pública. Em recursos oriundos de ações ajuizadas pelo MP, já após a Constituição, suscitou-se perante o STF a legitimidade do Parquet para tal atuação. O STF decidiu que de fato estaria em curso um processo de inconstitucionalização progressiva dessa competência do MP, mas que esse processo ainda não teria se concluído no sentido da invalidade daquela atuação, tendo em conta o processo também em curso de instalação das Defensorias Públicas, que em muitos lugares ainda sequer existiam ou não eram minimamente aparelhadas[22]. A solução adotada, portanto, foi manter ainda por algum tempo a validade da atribuição do MP, embora não se tenha fixado um prazo.

Por fim, vale o registro, para inserir o que se apresentou supra em um sistema mais geral, que além das três categorias expostas neste ponto, o tempo e as mudanças que ele enseja terão outros impactos inevitáveis sobre a compreensão e a interpretação do texto constitucional, os quais poderão ou não levar à inconstitucionalidade de normas ou atos normativos. A interpretação evolutiva e a mutação constitucional, por exemplo, se alimentam e procuram justificar-se por conta das mudanças ocorridas ao longo do tempo nos fatos ou nas concepções adotadas pela sociedade sobre a realidade ou em ambos[23]. A mudança na perspectiva atribuída pelo STF ao mandado de injunção, e.g., explica-se igualmente pela alteração da composição da Corte (ocorrida no tempo) e, sobretudo, pelo comportamento dos demais Poderes ao longo do tempo relativamente às omissões inconstitucionais[24].

Assista à explicação de Ana Paula de Barcellos sobre inconstitucionalidade

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Curso de Direito Constitucional

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LEIA TAMBÉM


[20] V. 1ª T., STF, RE 399.624 AgR-segundo-ED/RS, rel. Min. Luiz Fux, j. 05.02.2013, DJ 25.02.2013.

[21]Também é usada a expressão norma ainda constitucional ou a técnica do “apelo ao legislador” para tratar desse conceito. V. CUNHA JÚNIOR, Dirley. Controle de constitucionalidade: teoria e prática. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 170.

[22]STF, Tribunal Pleno, RE 135.328/SP, rel. Min. Marco Aurélio, j. 29.06.1994, DJ 20.04.2001.

[23]V., sobre interpretação evolutiva e mutação constitucional, Luís Roberto Barroso, Interpretação e aplicação da Constituição, 2010.

[24]V. mais adiante o tópico sobre o mandado de injunção e a ADI por omissão.

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