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A LGPD e os Problemas Estruturais e Institucionais: análise sobre a MP que cria a Autarquia Especial da ANPD

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MP 1.124/2022

Victor Hugo Pereira Gonçalves

Victor Hugo Pereira Gonçalves

04/07/2022

Victor Hugo Pereira Gonçalves discute a MP 1.124/2022 que atribui à ANPD o regime legal de autarquia especial e a função de fiscalizar o cumprimento da LGPD. Leia!

A LGPD e os Problemas Estruturais e Institucionais: análise sobre a MP que cria a Autarquia Especial da ANPD

Tratou-se no artigo anterior sobre a formação dos profissionais que estarão envolvidos na construção da aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Constitui-se em grande ponto de interrogação para todos os envolvidos em tratamento de dados pessoais, controladores e titulares, a falta de profissionais especializados, a seleção de quem seria realmente apto a realizar esse serviço e sobre os profissionais qualificados para aplicarem treinamentos e o desenvolvimento de conhecimentos específicos e básicos para a proteção de dados pessoais.

Contudo, além da questão da formação dos profissionais, estende-se os questionamentos e as críticas para a falta de aplicação e de aderência da LGPD e dos direitos dos titulares de dados por conta da ausência das condições materiais e institucionais dos que deveriam implementar as normas de proteção de dados pessoais. E nesse ponto as instituições do Poder Executivo e do Judiciário encontram-se bastante aquém do necessário para atender às demandas desse novo campo.

Criação de uma autarquia para fiscalizar a aplicação da LGPD

O Poder Executivo responsabilizou-se por garantir a existência de uma agência reguladora independente para fiscalizar a aplicação das normas de proteção de dados pessoais. Essa agência deveria ser a Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (ANPD). Contudo, desde a sua formação jurídica, que é interligada à Presidência da República, até a formação do quadro de profissionais, nada foi construído de forma apropriada para se estabelecer essa independência necessária e a se desenvolver um quadro regulatório de excelência. A consequência dessas escolhas enviesadas, que não pouco perpassam posicionamentos ideológicos, é a não atuação da ANPD em questões de vazamentos de dados, violação da LGPD e a devida fiscalização dos agentes de tratamentos, que, atualmente, são praticamente inexistentes. 

O Poder Judiciário ignora que, diante das tecnologias de informação e de comunicação, a sua estrutura teria de ser organizada de forma diferente para atender as normas de proteção de dados pessoais. Não há ainda no Poder Judiciário uma estrutura de cadeia de custódia transparente de recolhimento e de guarda de dispositivos informáticos. Não raro, vê-se peritos, policiais e cartorários carregando dispositivos informáticos para suas casas sem o devido cuidado com a preservação das provas e o cumprimento da inviolabilidade dos equipamentos. Qual é a garantia que o investigado ou réu tem de que os documentos existentes não foram adulterados ou violados? Não há garantias.

Falta de normas e procedimentos

Não há procedimentos instituídos para como se deve recolher, colher, guardar, manter e produzir provas digitais íntegras em processos judiciais. Como haverá pacificação social e a construção da verdade por meio do processo judicial sem transparência das regras de produção de provas? Não se sabem onde estão as provas, com quem estão, se existem procedimentos sigilosos e confidenciais de guarda, enfim, o Poder Judiciário, que deveria garantir o devido processo legal com transparência, não tem estrutura mínima para determinar e assegurar o efetivo cumprimento das normas que deveria seguir, muito menos em relação a questões que envolvam normas de proteção de dados pessoais.

Estas situações práticas interditam e inviabilizam a efetividade das garantias constitucionais da proteção de dados e de processos justos, equânimes e com segurança jurídica. São questões teoricamente simples e que teriam alcance amplo e que estão completamente ignoradas dentro da estrutura do Poder Judiciário e na construção do conjunto probatório. A sensação é a de que todos os procedimentos instaurados têm uma vida autônoma e totalmente dissonante do que é acesso efetivo à justiça, ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa. E esse é, infelizmente, apenas um aspecto dos inúmeros problemas existentes.

Assim, verdade dos autos e a defesa dos direitos dos titulares, sem a regulamentação dos procedimentos e das estruturas para viabilizá-los, não enfrenta uma condição mínima de existência, o que Tomás de Aquino definiu como: “verdade de uma oração consiste em seu acordo (ou correspondência) com a realidade”. A correspondência deve ser estabelecida por padrões e procedimentos entendidos e estabelecidos a priori. Nessa atual situação, mesmo quando existem regulamentos ou resoluções para se realizarem provas digitais, elas não constroem práticas compatíveis com os princípios processuais constitucionais e com o direito fundamental da proteção de dados pessoais, que padece de efetividade. Mas os problemas estruturais serão esmiuçados em outros artigos que escreveremos nos próximos meses.

MP 1.124/2022: ANPD se torna autarquia especial

É no desenrolar desses problemas estruturais que os direitos dos titulares são obnubilados e enredados em malhas finas, quase que invisíveis, que obstam o exercício efetivo do direito que lhes são atribuídos. A pergunta que fica, diante deste cenário, é: a Medida Provisória n. 1.124/2022, que atribui à ANPD o regime legal de autarquia especial, vai enfrentar ou apontar soluções para esses problemas estruturais? Na leitura da MP nada indica que esse cenário traçado acima vai ser alterado.

Primeiramente, e essa é uma desconfiança que levo há anos, incentivado pelas lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, que se direciona ao uso inconstitucional das medidas provisórias. O Poder Executivo teve um par de anos para discutir com a sociedade sobre a independência da ANPD e não o fez. Agora, por meio desse instrumento de urgência e exceção constitucional, quer impor um posicionamento sem ouvir a sociedade sobre o melhor caminho, já que a necessidade está posta pela própria LGPD. A MP, neste contexto, torna-se ferramenta antidemocrática e não tem como perspectiva atender aos direitos dos titulares, devendo, em sua forma e substância, ser questionada e combatida.

Segundo, e mais uma vez me socorro da Constituição Federal, em seu art. 37, inc. XIX, impõe que as autarquias devem ser criadas “somente por lei específica”. Mesmo que se admita que a MP seja constitucional, a iniciativa legislativa não pode ser exercida a toque de caixa sem um diálogo com a sociedade sobre o modelo de uma autoridade reguladora e independente, que administrará o direito fundamental à proteção de dados pessoais. Num regime democrático e de direito, o encaminhamento dessa MP, da forma que foi feita, expõe uma ausência efetiva dos pressupostos legítimos de sua criação, da sociedade que tem interesse na sua existência, que são os titulares do direito, e o reconhecimento de um fato: a ANPD transformou-se em ferramenta do governo e não de sua população.

Terceiro ponto a ser considerado na referida MP relaciona-se com o quadro funcional da ANPD. A efetivação dos cargos comissionados, sem controles externos ou revisões nas qualificações do pessoal alocado, é altamente questionável em termos jurídicos e administrativos. Para um órgão ser independente de fato, há que existir uma seleção minuciosa sobre quem deveria fazer parte da ANPD. A seleção do pessoal da ANPD é feita sem a devida transparência e sem a participação da sociedade. Quem são essas pessoas? Como o titular de dados pode fiscalizar a atuação desses funcionários públicos? Qual é a capacitação deles? Isso tudo não é explicado na MP, que ignora os mandamentos constitucionais até nisso. Para quem luta pela independência da autoridade, é triste reconhecer que o mesmo padrão é visto na atuação diária da ANPD da secretaria da presidência da República, que esconde o processo de seleção desse pessoal e como são tomadas as decisões de escolha.

Muitas análises têm sido realizadas sobre a ANPD, utilizando-se como base as autoridades de proteção de dados internacionais. O que se tem visto nesses mais de 2 anos de existência da autoridade brasileira é ainda um simulacro de independência e de transparência. A opacidade é regra na governança e na gestão da ANPD, que virou instrumento de uso ideológico e político. Há muita coisa a ser feita e a MP n. 1.124/2022 apenas cimenta e assola todos os erros estruturais e institucionais que vêm sendo cometidos desde o início da vigência da LGPD.

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