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REVISTA FORENSE

Responsabilidade civil no Código brasileiro do ar – Prescrição da ação

CÓDIGO BRASILEIRO DO AR

PRESCRIÇÃO DA AÇÃO

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 151

Revista Forense

Revista Forense

04/07/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 151
JANEIRO-FEVEREIRO DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICAcapa revista forense 151

DOUTRINA

PARECERES

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • Privilégios e imunidades dos organismos internacionais – Hildebrando Accioly
  • Responsabilidade civil no Código brasileiro do ar – Prescrição da ação – Euríalo de Lemos Sobral
  • Capacidade para testemunharem o testamento cerrado os membros da administração da instituição ou fábrica legatária – Raul Floriano
  • O conceito de parte no processo – Homero Freire
  • A revisão judicial e a “Lei Maior” – Edward S. Corwin
  • As certidões e as comissões de inquérito – Oto Prazeres
  • Homenagem ao juiz José de Aguiar Dias
  • Prêmio Teixeira de Freitas
  • Discurso de agradecimento do Ministro Carlos Maximiliano
  • Banco do Brasil S.A. – Sua transformação em êmpresa pública – Bilac Pinto

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

SUMÁRIO: Decadência e prescrição. Fontes do Cód. do Ar. As Convenções de Varsóvia e de Roma. Art.159 do Código do Ar. Conclusão.

Sobre o autor

Euríalo de Lemos Sobral, da Sociedade Brasileira de Direito Aeronáutico; da Sociedade Brasileira de Criminologia.

NOTAS E COMENTÁRIOS

Responsabilidade civil no Código brasileiro do ar

Decadência e prescrição

O problema de distinguir a decadência da prescrição tem suscitado estudos inúmeros e valiosos, em que ora os juristas propugnam por uma indiscutível separação entre os dois institutos, ora propendem para a eliminação completa e integral da controvérsia, notadamente por razões de ordem prática, mediante a unificação dos conceitos.

A jurisprudência fornece, relativamente a essa matéria; inestimáveis e contraditórios subsídios para os pesquisadores da ciência jurídica, decisivamente influindo o assunto nas relações de direito e solução das questões submetidas à Justiça.

No tocante ao Direito Aeronáutico e, ela especial, em nossa legislação, poucos são os litígios que envolvem ou debateram, nos tribunais do pais, essa complexa matéria; há pronunciamentos do Tribunal de Justiça de São Paulo e uma decisão, apenas, do Supremo Tribunal Federal.1

2. Fontes do Cód. do Ar

Fontes Incontestes do Cód. Brasileiro do Ar foram, segundo o depoimento autorizado de CLÁUDIO GANNS,2 as Convenções de Varsóvia (1929), sôbre a responsabilidade do transportador aeronáutico, a de Roma (1933), sôbre a responsabilidade para com terceiros ou bens à superfície, e o anteprojeto da C.I.T.E.J.A. (1930, 1934 e 1938) sôbre abalroamento aéreo, cabendo ainda referir a Convenção Sanitária Internacional (1933, Haia), o Protocolo adicional à Convenção de Roma (1938, Bruxelas) e, finalmente, a Convenção relativa ao seqüestro preventivo de aeronaves (1933, Roma).

Essas normas, de Direito Internacional, têm acolhida na legislação brasileira, ex vi do art. 2º do Cód. Brasileiro do Ar; todavia, mão meramente subsidiárias, não prevalecendo quando em conflito com as regras da codificação nacional.3

Examinemos qual a orientação, no âmbito internacional, referente ao assunto de que nos ocupamos, verificando as razões, na medida do possível, do caminho escolhido em cada um dos principais convênios e seus reflexos na sistemática brasileira.

As Convenções de Varsóvia e de Roma

À Convenção de Varsóvia (1929) realizou-se, inegàvelmente, nos primórdios da aviação, até então utilizada para fins bélicos ou de natureza esportiva, quando êsse engenho ainda atemorizava todos os espíritos e sòmente alguns audaciosos se davam às iniciativas do gênero, engatinhando a aeronáutica comercial em incertas tentativas de fixação e desenvolvimento. Visava-se, destarte, a êsse tempo, a par das primeiras regulamentações jurídicas do novel meio de transporte, revolucionador dos conceitos jurídicos internacionais pela derrocada dos fatores tempo e espaço ante os de velocidade e alcance, impedir que fôsse entravado o seu desenvolvimento, de perspectivas já tão animadoras.

Êsse convênio foi expresso (art. 29) em fixar um prazo de decadência quanto às ações relativas aos direitos nêle disciplinados, deixando-o, porém, em relação ao modo de ser contado, aos cuidados da lei do tribunal competente para decidir a controvérsia:

“A ação de responsabilidade deverá intentar-se, sob pena de caducidade, dentro do prazo de dois anos, a contar da data de chegada ou do dia em que a aeronave devia ter chegado a destino ou do da interrupção do transporte. O prazo será computado de acôrdo com a lei nacional do tribunal que conhecer da questão”.

Ao lado das restrições impostas às vítimas quanto à fixação da indenização; sujeita a limites, atentou-se ainda em estabelecer um curto prazo para a propositura das ações de responsabilidade, livrando-se o explorador de incertezas relativamente aos eventuais prejuízos por desastres aéreos, ante a perspectiva de ser, ou não, acionado dentro de longos espaços de tempo.

É de admitir, no entanto, que a Convenção de Varsóvia tenha acolhido a fixação de prazos de decadência pelas mesmas razões que nortearam e varam os congressistas à limitação da indenização, quais sejam as de evitar pesados ônus às empresas de navegação aérea, então no nascedouro, ou submetê-las a prazos inegàvelmente largos e suscetíveis de interrupção ou suspensão. Acreditamos, mesmo, que tais considerações seriam mais fortes do que as mencionadas por VAN HOUTTE,4 segundo o qual se quis evitar, ao se acolher a decadência, as divergências concernentes às causas suspensivas ou interruptivas da prescrição, que variam de país a país, ao contrário daquele outro instituto, uniformemente conceituado e disciplinado pelos mais diversos sistemas jurídicos; e assim entendemos porque, além de não existir a pretendida uniformidade, nenhuma dificuldade surgiria quanto à aceitação de prazos prescricionais, uma vez que a própria Convenção de Varsóvia, na segunda parte do seu art. 29, deixou à lei nacional do tribunal julgador o cômputo do aludido prazo de dois anos.

O mesmo não ocorreu quando da Convenção de Roma, realizada quase cinco anos depois, em que, não mais se impondo, – com a preponderância anteriormente existente e salientada em 1929, – os motivos de ordem econômica que inspiraram a proteção das empresas aeronáuticas com acentuado zêlo, entendeu-se de sujeitá-las, já agora, a prazos prescricionais, talvez até mesmo se visando, com isto, estabelecer uma contrapartida mais completa à limitação das indenizações.

Tanto assim é que, a partir da Convenção de Roma, celebrada em 1933, os anteprojetos, projetos e convenções que se realizaram ou elaboraram relativamente à navegação aérea, quando fixam prazos para a extinção das ações, invariàvelmente o fazem com a aceitação do instituto da prescrição, relegando-se o de decadência, e sem que isso redunde, como até hoje não resultou, em quaisquer invencíveis dificuldades de ordem prática ou teórica, na solução dos conflitos de interesses, por motivo da diversidade na regulamentação das causas interruptivas ou suspensivas dos prazos admitidos.

Código brasileiro do ar

O Brasil foi dos primeiros países a possuir um sistema de normas regulamentadoras da navegação aérea, acolhendo ainda, embora com caráter supletivo, as regras internacionais constantes de tratados, convênios ou acôrdos a que tenha aderido ou ratificado.

A matéria em estudo surge no capítulo XII, “Das ações e prescrições”, do título II, “Direito Privado Aéreo”, arts: 159 e 160, onde aparece assim disciplinada:

“Art. 159, As ações concernentes à aviação terão curso sumário.

§ 1º O prazo para a propositura de qualquer ação será de dois anos, a contar:

a) nas ações decorrentes de transportes: da data de chegada ou do dia em que a aeronave devia ter chegado ao seu destino, ou então da interrupção do transporte, ou da data da entrega da mercadoria;

b) nas ações de indenização por assistência ou salvamento: da conclusão do serviço;

c) nas ações para a reparação de danos ou execução de garantia: o dia do acidente;

d) nas ações de construtores, engenheiros e arquitetos, pela construção, fiscalização e planos de aeronaves: a contar do dia da entrega e aceitação da aeronave, no caso de empreitada, e da sua conclusão, no caso, de construção por administração.

§ 2º Se o interessado provar que não teve, no prazo de dois anos, conhecimento do dano ou da pessoa responsável, o prazo da prescrição começará a correr do dia em que tiver tido tal conhecimento.

§ 3º Êsse prazo ficará, entretanto, definitivamente extinto, a contar de três anos do dano.

Art. 160. O transportador aéreo é obrigado a conservar, até o prazo final da prescrição mais dilatada, as vias respectivas dos seus documentos de transporte”.

Em face dos dispositivos transcritos, não há como entender decadencial o prazo de dois anos estabelecido no § 1º do art. 159 do Cód. do Ar, ainda quando se alegue, ante os têrmos o § 3°, que não se pode, em nosso direito, atender exclusivamente à letra da lei, cujas imperfeições técnicas levam, não raro, a situações absurdas e injustas, com inegável confusão de conceitos.

Todavia, note-se, a lei é expressa em referir-se ao instituto da prescrição, – o que faz não só ao titular a matéria (“Das ações e prescrições”), como no próprio corpo do dispositivo (§ 2º: “o prazo de prescrição…”).

5. Prescrição

A prescrição, como define CLÓVIS BEVILÁQUA (“Código Civil”, vol, 1°, página 433) “é a perda da ação atribuída a um direito, de tôda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não uso dela durante um determinado espaço de tempo. Não é a falta do exercício do direito que lhe tira o vigor; o direito pode conservar-se inativo, por longo tempo, sem perder a sua eficácia. É o não uso da ação que lhe atrofia a capacidade de reagir”.

Ao invés, “ocorre decadência”, diz CARLOS MAXIMILIANO, “quando a lei criadora de um direito subordina a existência do mesmo a determinado prazo”.5

Verifica-se, destarte, que a prescrição extingue apenas a ação, o acessório, enquanto que a decadência extermina o próprio direito, o principal, o fundamento da ação. A decadência inicia-se no instante mesmo em que nasce o direito, havendo simultaneidade, concomitância genésica; a prescrição não surge com o direito, mas com a sua violação, com o seu quebrantamento, com o ato ilícito (sensu latu), dando lugar à ação.

Ora, pretender-se uma indenização por ato ilícito, o que ocorre em qualquer das alíneas referidas no § 1º do art. 159 do Cód. do Ar, significará, em última análise, que o prazo para o exercício dêsse direito, mediante a propositura da ação correspondente, surge e se inicia apenas quando se opera a violação do mesmo direito (art. 159 do Cód. Civil: “aquêle que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”), que preexiste à injúria, que possui titular anteriormente a qualquer dano, que é reconhecido e admitido antes de sofrer qualquer lesão. Ninguém melhor do que CARLOS MAXIMILIANO estabelece,6 com precisão como distinguir a prescrição da decadência, nesse particular:

“As duas pessoas, que figuram em caso de decadência, são, ambas, titulares de direito; o de uma, é permanente; o de outra; contingente, efêmero, sujeito a desaparecer quando não exercido dentro de curto prazo.

“Nas hipóteses de prescrição, ao contrário, só se nos depara um portador de direito; a outra parte nenhum direito tem, na espécie; sôbre ela pesa; antes, um dever, uma obrigação, a qual se extingue em conseqüência da negligência ou bondosa inércia do credor”.

Quem, na hipótese de ato ilícito, é o titular do direito?

Incontestàvelmente, as vítimas, os lesados, por si ou por seus herdeiros.

Quem é o titular do dever jurídico, da obrigação correspondente àquele direito, que foi violado?

Inegàvelmente, o causador dos danos, o responsável pelo ato ilícito.

Possuirá êsse responsável, explorador da aeronave, algum direito a se furtar ao pagamento da indenização devida por seu ato ilícito? Não, de forma alguma; pesa-lhe, antes, um dever, uma obrigação, que tem por conteúdo a reparação dos danos causados.

Ainda mais e mais esclarecvedor, CARLOS MAXIMILIANO,7 firmando princípios diversativos do que sejam decadência e prescrição, assevera que esta “favorece a quem tinha um estado de fato, convertido depois, pela inação de outrem, em estado de direito”, ao passo que aquela “aproveita a quem já estava fruindo um direito e tinha, como adversário, o titular de um direito em formação, de uma ação que se extinguiu e era destinada a aniquilar aquêle estado de direito”.

Poderá o causador de um ato ilícito alegar, conscientemente, que “já estava fruindo um direito”, uma vez que inexiste qualquer direito ao não cumprimento das obrigações advindas de sua conduta? Poder-se-á alegar que o direito das vítimas, ou seus herdeiros, estava “apenas em formação”? O ato ilícito criou, em verdade, um estado de fato, resultante e existente enquanto não fôr proposta a ação competente para haverem os lesados a reparação dos danos sofridos, conseqüente à violação do direito de que inegàvelmente eram titulares, em contraposição ao dever que advém para o responsável e causador dos prejuízos.

Prazos prescricionais no Direito Aeronáutico

Verifiquemos como se opera a admissão dos prazos prescricionais no Direito Aeronáutico.

FRAGALI8 salienta que são muito poucas as regras de decadência admitidas no Direito Aeronáutico, não incluindo, dentre as que cita, o prazo para propositura das ações de indenização, que, ao invés, situa dentre os de prescrição,9 após advertir: “la inazione del titolare di un diritto per il tempo fissato dalla legge produce, com’è noto, la perdita del diritto. Anche nel campo aeronautico si ha bisogno di non perpetuare i rapporti giuridici e se ne ha maggior bisogno per il ritmo particolarmente celere dell’attività che ha creato i rapporti sudetti”10 LIBA BRUNSCHWIK11 também assevera que os prazos para as ações em responsabilidade são prescricionais.

A legislação estrangeira, por outro lado, adota prazos prescricionais. A lei francesa, de 31 de maio de 1934, remete (art. 52) o problema ao direito comum, que fixa normas prescricionais A legislação suíça, de 21 de dezembro de 1948, e o seu regulamento de 15 de junho de 1950, também firmam normas prescricionais, havendo em seu texto disposição idêntica à contida no § 3º do art. 159 do Código Brasileiro do Ar; a lei alemã, de 1º de agôsto de 1922, concede prazos de prescrição; seguem igual caminho as legislações da Polônia, de 14 de março de 1928, da Tchecoslováquia, da Rússia e do México.12

Voltemos, porém, ao Cód. Brasileiro do Ar, que consagra prazos prescricionais para tôdas as ações em responsabilidade, de modo expresso.

O prazo de dois anos, fixado no § 1º do art. 159, é de prescrição, não sendo crível que os §§ 2º e 3º dêsse mesmo dispositivo, que se referem a uma especialíssima circunstância quanto ao conhecimento do dano ou de quem responsável, venham a estabelecer um prazo, de três anos, decadencial. Em verdade, não poderia ser outra a conclusão, já que não se pode conceber possa estar uma ação sujeita, ao mesmo tempo e na dependência de fortuita circunstância, a dois prazos diferentes: um, de prescrição; outro, de decadência, desde que o dano ou o seu autor sejam desconhecidos…

Aliás, tem-se de entender o § 3º do art. 159 em íntima conexão com o disposto no § 2º, para o fim de acrescer de mais três anos, a contar do dano, o prazo prescricional para a propositura da ação, que ordinàriamente é de dois anos. Êsse entendimento está magistralmente exposto no voto do ministro LUÍS GALLOTTI, no recurso extraordinário nº 9.031, verbis.

“HUGO SIMAS seguramente deduz dêsse § 2º que a lei aeronáutica não determinou prazo de caducidade, estabelecendo, ao contrário, prazo prescritivo (“Código Brasileiro do Ar Anotado”, 1939, pág. 300, nº 296).

“O próprio § 3º diz que aquêle prazo (de dois anos) ficará definitivamente extinto, a contar de três anos do dano, mas não diz que o biênio ficará extinto três anos depois do dano e sim “a contar de três anos do dano”, o que é diferente.

“Daí se deduz que, como o § 2º, poderia importar na dilatação indefinida do prazo, para só correrem os dois anos após o conhecimento do dano ou da pessoa responsável (é o que nota com razão EURICO PAULO VALE, mostrando que o prazo poderia chegar, por exemplo, a mais de 10 anos), quis o legislador, no § 3°, estabelecer um limite máximo de cinco anos (os “três anos a contar do dano”, mais os dois da prescrição fixada no § 1º).

“Êsse prazo máximo de cinco anos do § 3º será conciliável com o § 2°, onde já se admite um superior a quatro anos, mas conciliável com êste não seria o § 3º se entendido como concedendo, no máximo, três anos”.13

Nem podia deixar de ser assim.

Normalmente, o interessado, conhecendo o dano ou o seu responsável, tem o prazo de dois anos para a propositura da ação de indenização (§ 1º do art. 159); entretanto, se nesse prazo de dois anos não veio a conhecer do dano ou a saber quem o seu responsável, como poderia êle propor qualquer ação?

A lei veio, sàbiamente, resolver o problema, outorgando ao interessado um prazo terminativo de três anos para conhecer do dano ou de seu responsável (§ 3° do art. 159), correndo a partir daí a prescrição bienal fixada anteriormente.

O prazo (“êsse prazo” diz o § 3º do art. 159) de três anos, òbviamente, é para o interessado, provado que não teve conhecimento do dano ou da pessoa responsável”, tomar as suas providências no sentido de averiguar a existência de fundamentos para a ação em responsabilidade, por isso que, entendendo-se o § 3° como referente a um prazo decadencial para a propositura da ação, haveria inocuidade e contradição entre as normas legais. Com efeito, se o interessado tivesse ciência do dano, ou do responsável, decorridos já dois anos e 11 meses da data do acidente, ficaria a prescrição reduzida ao prazo de um mês, pelo que frontalmente iria o § 3° contrariar a norma do § 1°, que outorga o prazo de dois anos para a propositura da ação.

Assim, o que se dá?

Se o interessado prova que, no prazo de dois anos do § 1º do art. 159 do Código do Ar, não propôs a ação por desconhecimento do dano ou da pessoa responsável, correrá a partir da data do seu conhecimento, que se deverá operar terminativamente nos três anos a contar do dano (§ 3º do art. 159), e prescrição bienal para o início da ação.

Lendo-se o § 2º do art. 159 com a exclusão da locução “no prazo de dois anos”, verifica-se que ficaria indefinido o prazo prescricional, que sòmente começaria a correr quando tivesse o interessado conhecimento do dano ou de seu responsável: “se o interessado provar que não teve conhecimento do dano ou da pessoa responsável, o prazo de prescrição começará a correr do dia em que tiver tido tal conhecimento”.

Evidentemente, isto seria prolongar ilimitadamente o prazo de prescrição, como salienta EURICO PAULO VALE; 14 a exemplo do que se estabeleceu na Convenção de Roma (1933), em seu art. 17, e no projeto da C.I.T.E.J.A. sobre abalroamento aéreo, no art. 10, impunha-se delimitar no tempo essa concessão ao interessado, evitando-se que o seu desapêgo ao exercício da ação colocasse as emprêsas de navegação aérea sob a eventualidade ilimitada de procedimentos judiciais. Apenas há que referir a circunstância de expressamente o convênio internacional e o projeto da C.I.T.E.J.A., mencionados, firmarem que êsse prazo é prescricional: “dans tous les cas, l’action se prescrit par trois ans à partir du jour où le dommage a été causé”.

O § 3º do art. 159 veio, exatamente, efetuar essa delimitação, estabelecendo um têrmo à inércia do interessado em diligenciar sôbre a ocorrência do dano ou de quem responsável; o “êsse prazo”, que se contém no aludido dispositivo, é o do § 2º “para conhecimento do dano ou da pessoa responsável”, e nunca o do § 1°, referente à propositura da ação.

Tem-se de entender o § 3º, destarte em conformidade com todo o sistema do art. 159, que integra, não se admitindo que venha contrariar outras normas do mesmo dispositivo ou careça de utilidade prática.

Desaparecimento de aeronaves

Em aviação, não é raro o desaparecimento de aeronaves ou, ocorrendo desastre e havendo incêndio, a impossibilidade de identificação e até mesmo o desaparecimento dos corpos dos passageiros e tripulantes, sem restar quaisquer vestígios. No Brasil, mesmo, não estão ausentes dos fastos da aeronáutica casos de desaparecimento de aeronaves e de desastres com desaparecimento de quaisquer vestígios quanto aos passageiros e tripulantes, bem assim de corpos encontrados em quantidade inferior ao número de passageiros que viajavam ou de pessoas que ocupavam efetivamente o avião.

Ora, o Cód. Civil, no art. 10, especifica que “a existência de pessoa natural termina com a morte”, presumindo-se esta apenas nas hipóteses dos arts. 481 e 482, ou sejam, 30 anos após a abertura da sucessão provisória, ou, então, provando-se que o ausente contava 80 anos de idade e de cinco anos antes datam as suas últimas notícias.

Note-se, ainda, que a sucessão provisória sòmente pode ser aberta dois anos após o desaparecimento da pessoa (artigo 469 do Cód. Civil); por outro lado, sòmente a partir da data da sentença declaratória da ausência, fatalmente depois dos dois anos exigidos em lei para se solicitar essa prestação jurisdicional, poderá ser declarada, com o decurso do prazo posterior de 30 anos (art. 481 do Cód. Civil), a morte presumida do indivíduo.

Verifica-se, destarte, que há duas hipóteses: a) a da pessoa de menos de 80 anos de idade, cuja morte presumida sòmente pode ser declarada, no mínimo, 32 anos após o seu desaparecimento, incluindo-se nesse prazo o período de dois anos exigido para a abertura da sucessão provisória; b) o da pessoa de mais de 80 anos de idade, cuja morte presumida exige, para a sua declaração judicial, um período de tempo nunca inferior a cinco anos, contados do desaparecimento.

Suponha-se, agora, a ocorrência de um desastre aeronáutico, em que, havendo incêndio, foram encontrados corpos em número inferior ao de pessoas que efetivamente a aeronave transportava, admitindo-se ainda, para argumentar, que os corpos localizados tenham sido identificados.

Como resolver, havendo responsabilidade civil, a situação das vítimas restantes, cujos corpos não foram encontrados?

A sucessão provisória só poderá ocorrer dois anos após a data do acidente (artigo 469 do Cód. Civil) em que desapareceu a pessoa, sendo certo que ações judiciais contra o responsável pelo acidente ùnicamente depois de decretada a sucessão provisória poderão, pelo respectivo curador, ser devidamente intentadas, para haver as indenizações acaso cabíveis.

Nestas condições, uma vez que é conhecido o dano e o seu responsável, como conciliar os prazos do direito comum, relativos à abertura da sucessão provisória e declaração de morte presumida, com o do § 1º do art. 159 do Cód. do Ar, entendido êste último como de decadência?

Parece-nos bastante difícil, sendo evidente que a lei não iria estabelecer absurdos dessa natureza, nem sancionar tamanha iniqüidade, firmando prazos inconciliáveis e de natureza contraditória para regular hipóteses enquadráveis sob normas jurídicas comuns e especiais.

Aliás, melhor ainda se afigura o absurdo, quando se toma como exemplo a possibilidade do desaparecimento, – como já tem ocorrido, – da aeronave em trânsito, sem que vestígio algum reste.

10. O prazo fixado no § 1º do artigo 159 do Cód. do Ar é, portanto, prescricional, e não de decadência, ainda quando ocorra a hipótese prevista no § 2º (falta de conhecimento do dano ou da pessoa responsável), única em que, por circunstâncias de fato, caberá a aplicação do § 3º, limitando em três anos a inércia do interessado em saber do dano e de seu causador.15

Euríalo de Lemos Sobral, da Sociedade Brasileira de Direito Aeronáutico; da Sociedade Brasileira de Criminologia.

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Notas:

1 Acórdão na apelação cível nº 28.133, de 16 de setembro de 1946, da 2ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, rel.: desembargador PAULO COLOMBO, in “Rev. dos Tribunais”, vol. 170, pág. 111; idem, na apelação cível número 21.371, de 28 de agôsto de 1944, rel.: desembargador PAULO COLOMBO, in “REVISTA FORENSE”, vol. 102, pág. 86; acórdão do Supremo Tribunal Federal, no rec. extr. nº 9.031, de 16 de janeiro de 1950, rel.: ministro LUÍS GALLOTTI, 1ª Turma, in “Arq. Judiciário”, vol. 94 pág. 199; refere-se à decisão do Tribunal paulista na apelação cível nº 21.371, supramencionada.

2 CLÁUDIO GANNS. “Parecer”, in “REVISTA FORENSE”, vol. 132, pág. 64.

3 Art. 173 do Cód. Brasileiro do Ar.

4 VAN HOUTTE, “La Responsabilité Civile dans les Transports Aériens”, sem data, pág. 131.

5 CARLOS MAXIMILIANO. “Decadência”in “Direito” vol. 1º, págs. 41 e segs.

6 CARLOS MAXIMILIANO, ob. cit., pág. 44.

7 CARLOS MAXIMILIANO, ob. cit., pág. 43.

8 FRAGALI “Princippi di Diritto Aeronautico”, Cedam, 1930, pág. 312.

9 FRAGALI, ob. cit., pág. 316.

10 FRAGALI, ob. cit, pág. 314.

11 LISA BRUNSCHWIK. “La Responsabilité envers les tiers dans la navigation aériene”, Paris, 1935 pág. 145.

12 LEMOINE, “Traité de Droit Aérien”, 1947, págs. 529 e segs.

13 V. “Arq. Judiciário”, vol. 94, pág. 199.

14 EURICO PAULO VALE, “Código Brasileiro do Ar Anotado”, ed. de 1939, pág. 118.

15 Estava elaborado êste trabalho quando tomamos conhecimento de um acórdão da egrégia 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no recurso extr. nº 11.592 de São Paulo (ex-apelação cível nº 28.133 referida na nota 1), em 11 de novembro de 1952 publicado na audiência de 13 de maio de 1953 (“Diário da Justiça” de 8-6-953, pág. 1.569 do Apenso), no qual se afirma ser decadencial o prazo para a propositura das ações de responsabilidade no Cód. do Ar. Verificamos, então, que a egrégia Turma não chegou a tomar conhecimento do recurso, que invocava vulneração à letra da lei (art. 159 do Cód. Civil: art. 67 do Código do Ar: arts. 1º e 9º do dec. nº 20.910, de 1932: arts. 169, I, do Cód. Civil): o ministro AFRÂNIO COSTA, relator, acolheu integralmente os fundamentos do acórdão recorrido, não se alongando e aprofundando sôbre a matéria, motivo pelo qual não conseguimos data venia, alterar o ponto de vista esposado neste estudo. Os demais componentes da egrégia Turma também não abordaram o assunto, apenas salientando o ministro OROZIMBO NONATO que a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo “parece estar ao arrepio dos princípios que vigoram a respeito da prescrição”. Em suma, a colenda Turma, não conhecendo do recurso deixou de enfrentar êsse importante tema de direito.

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