GENJURÍDICO
banco da amazônia

32

Ínicio

>

Administrativo

>

Clássicos Forense

>

Revista Forense

ADMINISTRATIVO

CLÁSSICOS FORENSE

REVISTA FORENSE

Serviços públicos – Intervenção na Ordem Econômica – Sociedade de economia mista – Imunidade fiscal

IMUNIDADE FISCAL

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 152

SERVIÇOS PÚBLICOS

SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA

Revista Forense

Revista Forense

29/07/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 152
MARÇO-ABRIL DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
Conheça outras obras da Editora Forense

CRÔNICARevista Forense 152

DOUTRINA

PARECERES

  • Serviços públicos – Intervenção na Ordem Econômica – Sociedade de economia mista – Imunidade fiscal – Banco da Amazônia – Aliomar Baleeiro
  • Magistrado – Irredutibilidade de vencimentos – Gratificação adicional – Aposentadoria – M. Seabra Fagundes
  • Sigilo de correspondência – Telegramas – Exame por agentes fiscais – Carlos Medeiros Silva
  • Enfiteuse e arrendamento – Distinção – Temporariedade decorrente de cláusula contratual – Orlando Gomes
  • Títulos em branco – Nota promissória – Aval – Falsidade ideológica – João Eunápio Borges
  • Compra e venda do parto de animais de cria – Antão de Morais
  • Ação de recuperação de títulos ao portador emitidos pela União – Competência – Descumprimento das ordens judiciais pelo Executivo – Jorge Alberto Romeiro
  • Ato administrativo – Autorização ou licença – Revogação – J. Guimarães Menegale

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • A prescritibilidade da ação investigatória de filiação natural – Alcides de Mendonça Lima
  • Inviolabilidade do lar – Sanelva de Rohan
  • Os aumentos de capital e o direito dos portadores de ações preferenciais – Egberto Lacerda Teixeira
  • As sociedade de economia mista e as emprêsas públicas no direito comparado – Arnold Wald
  • Locação total e locação parcial – Eduardo Correia
  • Conceituação do arrebatamento como crime contra o patrimônio – Valdir de Abreu
  • Os quadros de carreira e a equiparação salarial – Mozart Vítor Russomano
  • A situação dos parlamentares que se afastam de seus partidos – Nestor Massena

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

Sobre o autor

Aliomar Baleeiro, professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade da Bahia e da Faculdade de Direito da Universidade do Distrito Federal.

PARECERES

Serviços públicos – Intervenção na Ordem Econômica – Sociedade de economia mista – Imunidade fiscal

– A expressão “serviços públicos”, segundo o nosso direito positivo, significa quaisquer organizações de pessoal e material, sob a responsabilidade de pessoa jurídica de direito público, para desempenho de funções e atribuições de sua competência.

– Em princípio, mediante lei, pode ser erigido em serviço público o processo de satisfação de qualquer necessidade coletiva ou a realização de quaisquer medidas reputadas de interêsse comum.

– A intervenção econômica na produção e comércio da borracha, por ter sido cometida a um Banco, não perdeu o caráter essencial de serviço público.

– A atividade do Banco da Amazônia é de serviço público, sustentado por fundos públicos e não de atividade comercial lucrativa.

– Como serviço público, goza o Banco da Amazônia de imunidade tributária que abrange os impostos estaduais e municipais.

CONSULTA

Pergunta-se:

1°) A intervenção econômica na produção e comércio da borracha, embora afeta a uma sociedade de economia mista, não constitui serviço público?

2°) Já em 1942, ante os acôrdos de Washington e o que dispunha o decreto-lei nº 4.451, o então “Banco de Crédito da Borracha S.A.” não estava atuando por fôrça dessa intervenção estatal no domínio econômico?

3°) Um serviço público dessa natureza, frente ao que dispõe o art. 31, V, letra a, da Constituição federal, pode ser tributado pelos Estados-membros?

PARECER

I. “Serviços públicos” na Constituição de 1946 – Desde que nenhum texto constitucional ou legal traça o conceito, de “serviço público”, o intérprete e o aplicador terão de inferi-lo do modo pelo qual a expressão tem sido usada pelo direito positivo e definida pela doutrina.

Como, no caso da consulta, busca-se o sentido do “serviço público” na Constituição de 1948, há de procurar-se em que acepção esta o empregou, em várias disposições, tais, por exemplo, o art. 73, que manda incluir na despesa orçamentária “as dotações necessárias ao custeio de todos os serviços públicos”. Ela também assegura a autonomia municipal, dentre outros meios, pela administração própria no que concerne “à organização dos serviços públicos locais” (art. 28, II, b).

Nesses dispositivos, assim como no artigo 30, III, que menciona genèricamente “os bens e serviços” da União, Estados, Municípios e Distrito Federal suscetíveis de produzirem rendas, a título de taxas a serem exigidas de quantos os utilizarem, ou no art. 18, que dispõe sôbre execução de “serviços estaduais” por funcionários da União, mediante acôrdo desta com os Estados, é certo que a Constituição pretende indicar o complexo dos elementos materiais e pessoais organizados para desempenho de suas funções e atribuições, enfim as instalações e instrumentos de sua ação.

Em relação à União, essas funções e atribuições são arroladas sobretudo no artigo 5°, pressupondo-se uma rêde de “serviços públicos” para exercê-las. Isso se depreende de a própria Constituição, nesse art. 5°, citar expressamente “os serviços de polícia marítima, aérea e de fronteiras” (art. 5°, VII) e “os serviços de telégrafos, de radiocomunicação, de radiodifusão, de telefones interestaduais e internacionais, de navegação aérea e de vias férreas…” (art. 5°, XII). Um sistema de unidades administrativas ou técnicas, congregando agentes e dispondo de meios materiais, para exercício de funções e atribuições duma pessoa de direito público interno, sob a responsabilidade dos órgãos políticos desta, caracteriza um serviço público.

Êste, pela análise dos dispositivos constitucionais, pode destinar-se à realização direta e imediata dos fins da pessoa de direito público interno, ou pode ser apenas meio indireto de alcançar-se aquêles fins. E não é impossível que um serviço público ofereça ambos os aspectos, reunindo caracteres diretos e indiretos, mediatos e imediatos.

Os “serviços de polícia marítima, aérea e de fronteiras” (art. 5°, VII) e os “serviços de telégrafos, telefones, etc.” (artigo 5°, XII) são organizações para direta e imediata prestação de utilidades ou benefícios materiais e morais ao povo. Prestam segurança contra perigos internos, ou externos, e estabelecem comunicações entre os vários pontos do território nacional. Da mesma natureza são os “serviços” utilizáveis por particulares e produtivos das taxas, de que trata o art. 30, III. Mas “serviço público” é também aquêle de que se socorre a pessoa de direito público para obtenção de recursos com que possa manter sua organização de serviços específicos em proveito do povo. Temos, então, serviço público como meio indireto de funcionamento dos demais serviços públicos, porque alimenta financeiramente êstes ou superintende pessoal e material destinado aos mesmos. Assim é que a Constituição de 1946, por mais de uma vez, menciona o “serviço da dívida pública” (art. 7°, nº VI), o “serviço de empréstimo” (art. 23, I).

Em relação a êsses serviços públicos mediatos ou indiretos, não é despiciendo lembrar que a Constituição de 1937, no art. 67, preservou honras especiais a um dêles, o D.A.S.P., destinado ao “estudo pormenorizado das repartições, departamentos e estabelecimentos públicos com o fim de determinar, do ponto de vista da economia e eficiência, as modificações a serem feitas na organização dos serviços públicos, sua distribuição e agrupamento, dotações, condições e processos de trabalho, relações de uns com os outros e com o público”.

Como as esquadras põem à disposição dos couraçados, cruzadores e outras unidades de combate os modestos e prosaicos navios-tanques, transportes e o navio-escola, a rêde de serviços públicos, para segurança, bem-estar e progresso do povo, recorre a serviços meramente auxiliares, ou internos, como os da Dívida Pública, arrecadação, preparo do pessoal e padronização do material (D.A.S.P.) ou concentração das compras dêsse material (Departamento Federal de Compras, no Brasil; “Stationery Office”, na Inglaterra; “Procurement Division”, nos Estados Unidos, etc.).

Às vêzes, o serviço público é imediato e direto, porque satisfaz necessidades de certos grupos da população, ao mesmo tempo indireto, porque produz receitas originárias, ou patrimoniais: o Banco do Brasil, o Lóide, a Estrada de Ferro Central do Brasil, os Correios e Telégrafos são exemplos dêsses serviços de dupla utilidade.

Do exame dos vários artigos da Constituição em que a expressão “serviços públicos”, ou “serviços”, é usada, pode inferir-se que o direito positivo brasileiro, em seu mais alto têxto, atribui a ela o sentido de significar quaisquer organizações de pessoal e material, sob a responsabilidade dos poderes de pessoa de direito público, para desempenho de funções e atribuições de sua competência (arts. 73, 28, II; b, e 30, III, por exemplo), sendo lícito, por acôrdo, uma delas cometer a execução dêsses serviços a funcionários de outra (art. 18, § 3º). Êsses “serviços públicos”, ainda pelo que se deduz da Constituição, podem ser unidades de intervenção e assistência do Estado em proveito do povo (artigo 5°, ns. V e XII) ou unidades para obtenção dos meios financeiros e técnicos necessários às primeiras (art. 7º, nº VI; art. 23, nº I), ou ambas as finalidades (art. 30, nº III).

Igualmente, os serviços públicos podem ser de caráter administrativo, sob a direta supervisão de autoridades, segundo rígidos moldes burocráticos (art. 67, § 2º, de referência aos “serviços administrativos” das Câmaras e Tribunais e aos do Executivo a cargo de empregados públicos), ou serviços de caráter técnico delegáveis a emprêsas particulares, sob regime de concessão (art. 30, parág. único), caso em que ficam sujeitos a regime jurídico e fiscal diverso.

De tudo, é de concluir-se que a expressão “serviços públicos” é genérica, compreendendo todos os meios de operação das pessoas de direito público, sob várias modalidades, para realização dos fins que, implìcitamente, a Constituição lhes atribui.

Algumas Constituições, enfàticamente, inscrevem em fórmulas retumbantes os fins a que se propõe o Estado: “uma união mais perfeita, estabelecer a justiça, assegurar a paz interna, prover à defesa comum, promover o bem-estar de todos, garantir as bênçãos da liberdade para nós e nossos descendentes”, segundo o preâmbulo da Constituição americana de 1787, literalmente copiada, nessa parte, da Argentina; “renovar e consolidar o Reich em nome da liberdade e da justiça, servir à paz interna e externa, fomentar o progresso social”, conforme a Constituição de Weimar, de 1910. “No dia imediato à vitória ganha pelos povos livres sôbre os regimes que tentaram escravizar e degradar a pessoa humana, o povo francês proclama de novo que todo ser humano, sem distinções, possui direitos inalienáveis e sagrados…”, são as palavras iniciais e grandiloqüentes da nova Constituição francesa de 1946, como as de JEFFERSON na famosa Declaração de Independência dos Estados Unidos. É a parte dogmática das Cartas Políticas.

A Constituição brasileira de 1946 é sêca e sóbria: não proclama os fins do Estado; limitando-se a dizer que organiza um “regime democrático” em que “todo poder emana do povo e em seu nome é exercido” (preâmbulo e art. 1º). Entende que o conceito filosófico e político de democracia envolve inseparàvelmente a noção de suprema dignidade da pessoa humana, como fim em si mesmo. O Estado é meio para alcançar-se êsse fim. Age através de serviços públicos que garantem a perenidade e a soberania da nação a par da liberdade, justiça, segurança, bem estar econômico e moral, cultura, comodidade e plena expansão de cada indivíduo. Promulgada numa fase convulsiva por homens conscientes das transformações que se processam no mundo contemporâneo, ela é um compromisso para o presente com portas abertas às inevitáveis reformas dum futuro próximo. A essas reformas, o constituinte insinua possibilidades pacíficas e evolutivas nos arts. 145, 146, 147, 202 e outros.

Os serviços públicos, em última análise, como instrumentos do Estado, têm como alvo a realização prática daqueles fins que moralizam e racionalizam o fenômeno social do poder político: a defesa da nação contra agressões externas, a ordem interna como condição de segurança e liberdade de cada indivíduo, a elevação material, moral e intelectual de tôdas as pessoas, o bem-estar e a prosperidade gerais, a igualdade de oportunidades para todos os componentes do grupo humano. São, pois, os serviços públicos os meios técnicos e jurídicos pelos quais, através de seus agentes e suas instalações, a pessoa de direito público interno, usando do poder estatal, busca atingir os fins que lhe atribuem as idéias políticas e morais da época. Cada época escolhe polìticamente que alvos imediatos devem constituir a tarefa dos serviços públicos.

II. “Serviços públicos” na doutrina

Quaisquer que sejam as interpretações sociológicas do fenômeno do poder político, há de observar-se que, tanto mais se eleva o grau de civilização dum povo, mais se aprimoram os serviços públicos e mais se esforçam os governantes em tornar o Estado um instrumento complexo de utilidade dos governados.

Do primitivo caudilho, que nasce da necessidade dum comando eficaz para segurança externa ou interna, às modernas formas de Estado, observa-se essa progressiva expansão dos serviços públicos na tendência para aquelas “democracias governantes”, ativas, dinâmicas e empreendedoras, de que fala o Prof. BURDEAU (“Science Politique”, vol. IV, págs. 447 e segs.), por oposição às “democracias governadas” e até certo ponto passivas do século passado, quando JEAN BAPTISTE SAY escreveu que o “melhor dos planos financeiros é gastar pouco”. KEYNES, o maior dos economistas modernos, admitiu que os governos pouco imaginosos poderiam com bom proveito ordenar que os desempregados enterrassem e desenterrassem garrafas nas minas vazias, pois êsse era também um meio de o Estado promover a restauração da prosperidade nas fases de depressão, pois isso é, hoje, uma das missões dos serviços públicos: a direção da conjuntura econômica. Cabe ao Estado moderno fazer a profilaxia das crises econômicas.

Êsse contínuo desenvolvimento dos serviços públicos, dilatando cada vez mais o raio de intervenção do Estado, nas atividades humanas, feriu vivamente a atenção dos pensadores que, desde a segunda metade do século passado, o observavam, de diferentes ângulos. O financista ADOLFO WAGNER, há cêrca de 80 anos, julgou poder extrair dêsse fenômeno uma “lei de extensão crescente da atividade pública” e outra da “predominância do princípio preventivo sôbre o princípio repressivo”. Por esta última, o Estado “recorre a medidas e instituições consideráveis como proteção preventiva contra as perturbações jurídicas” (WAGNER, “Traité Sc. Finances”, trad. de VOUTERS, 1909, págs.88 e segs.). Ao invés de conformar-se com fatos consumados, ou remediá-los, êle busca evitá-los por medidas que conjurem seu advento funesto. Multiplicam-se, destarte, as intervenções estatais e os serviços públicos que as concretizam. A essa posição do Estado corresponde a atitude contemporânea de “homem fáustico”, de MARCHAL, que não se resigna como Jó diante da adversidade, mas exige que os governos evitem as crises econômicas ou corrijam seus defeitos sôbre as situações de cada indivíduo.

DUGUIT foi, talvez, quem, no campo jurídico, deu mais ênfase àquele fenômeno quando construiu a doutrina do Estado-serviço público, reflexo de suas teorias revolucionárias do direito constitucional.

Contestando a noção de soberania e da própria personalidade do Estado, apontando neste apenas um fato, a existência de governantes, o grande jurista vai buscar no funcionamento duma rêde indispensável de serviços públicos a base e o fundamento dos governos. O Estado, como idéia e como fato, transformou-se numa organização ativa e dinâmica de serviços públicos dirigidos pelos governantes em proveito dos governados. “O Estado não é, como se pretendeu, até agora, uma potência que manda, uma soberania. É uma federação de serviços públicos organizados e controlados pelos governantes” (“Manuel du Droit Constitutionnel”, pág. 72).

Para o saudoso professor de Bordéus, o serviço público é “tôda atividade cujo cumprimento deve ser assegurado, regulado e controlado pelos governantes, porque o cumprimento dessa atividade é indispensável à realização e ao desenvolvimento da interdependência social e reveste-se de tal natureza que não pode ser realizada completamente senão pela intervenção da fôrça governamental”.

Essa orientação se propaga ao pensamento de outros eminentes escritores franceses de prol na primeira metade dêste século. Ela é trabalhada e aperfeiçoada, por GASTON JÈZE, para quem o Estado é apenas um feixe de serviços públicos. Reflete-se na obra de TROTABAS, de ROGER BONNARD e de outros. Fora da França penetra na obra de OVIEDO e de vários tratadistas dos diversos países. E a noção dominante, como o reconhecem até os que a criticam.

As dificuldades se esboçam quando os mestres do direito administrativo pretendem simplificar a noção de “serviço público”, reduzindo-a a uma fórmula sacramental, que nos parece incompatível com a variedade e complexidade dos fatos agrupados sob aquêle conceito.

GARCIA OVIEDO, por exemplo, procura esquematizar o “serviço público” nos seguintes traços:

“1º Que el servicio público es una ordenación de elementos y actividades para un fin.

2º Que el fin es la satisfacción de una necesidad pública, siquiera haya necesidades de esta clase que se satisfacen por el régimen del servicio privado.

3° Que el servicio público implica la acción de una personalidad pública, aunque no siempre sean las personas administrativas las que asuman esta empresa.

4° Que esta acción cristaliza en una serie de relaciones jurídicas constitutivas de un régimen jurídico especial, distinto, portanto, del régimen jurídico general de los servicios privados” (“Derecho Administrativo”, Madri, 1948, pág. 89).

O objeto dessa ordenação seria o de assegurar à atuação do Estado a continuidade, a uniformidade, a garantia aos usuários (contra apetites de lucros) em condições de igualdade, sem discriminações; a comodidade em face de monopólios naturais ou legais (ob. cit., págs. 90 a 93).

É verdade que alguns juristas se rebelam contra essa exaltação do conceito de serviço público como pedra angular de todo o direito administrativo e até, segundo DUGUIT, do próprio direito constitucional. Expressivo, como manifestação dessa rebeldia, é o pensamento de GABINO FRAGA (“Derecho Administrativo”, México, 1948, págs. 16 e segs.), para quem os “serviços públicos” de DUGUIT são, afinal, as “atribuições” do Estado. Êle próprio foi o primeiro a perceber que, nessa divergência, existe mais uma questão de terminologia do que uma oposição de conceitos, pois concede:

“Reuniendo todos esos elementos, el servicio público se puede definir diciendo que es una actividad para satisfazer concretamente una necesidad colectiva de caráter económico o cultural, mediante prestaciones que, por virtud de regulación especial del poder público, deben ser regulares, continuas y uniformes.

Definido asi el concepto de servicio público, aparece inmediatamente claro que el concepto del mismo en la doctrina francesa desvirtúa el sentido de los términos que emplea. Igualmente aparece palpable que el concepto de atribución y el de servicio público tal como compreendemos este, pueden coexistir y que el Estado puede tener entre sus atribuciones las de manejar ciertos servicios públicos” (página 19).

III. O que deve ser erigido em serviço público – Distingue êsse autor mexicano, no Estado, duas atividades: 1ª) a de dar ordens; 2ª) a de prestar serviços. A primeira não seria serviço público (página 20). Ainda nesse passo, parece-nos que se encouraça na terminologia, pois, descendo-se à profundidade dessa distinção, nela reside a coordenação dos dois aspectos fundamentais do fenômeno do govêrno: o político e o administrativo.

“Dar ordens” é a decisão política, a escolha da policy, a atividade política. “Prestar serviços” é transformar em “operação”, em medidas concretas, aquelas ordens, para que se executem. A política é ativa: dá a ordem; a administração, passivamente, a cumpre, transformando-a em fatos por medidas técnicas, segundo regras jurídicas especiais.

Um célebre professor da Colúmbia, talvez o maior dos clássicos de direito administrativo nos Estados Unidos, FRANKLIN J. GOODNOW, foi talvez o primeiro escritor a sublinhar claramente as fronteiras entre a política e a administração. Em “Politics and Administration”, publicada há mais de 50 anos, mas também em outros livros, êsse universitário americano procura estabelecer critérios jurídicos para a diferenciação.

Entende êle que a administração trata da “operação”, o savoir faire, ou, como se diz hoje, o know how do sistema governamental, mas nada tem com a organização dêste. O direito constitucional faz a anatomia do govêrno, ao passo que o direito administrativo se ocupa com a fisiologia, isto é, as funções governamentais.

A política – arte de conquistar o poder – desempenha a tarefa de exprimir a vontade política; isto é, o conjunto de aspirações e interêsses da maioria da população ou das classes dominantes. Expressa tal vontade política, abre-se a segundo, etapa da execução por atos concretos – tarefa da administração.

Então, para GOODNOW, cabe à política revelar a vontade da nação ou dos governantes; e à administração a tarefa de passar à ação, executando-a fiel e lealmente. Dai infere a necessidade de perfeita harmonia entre a vontade e a ação, isto é, a adesão da administração à política específica dos que ganharam a partida, segundo a arte política. A falta dessa harmonia conduz à paralisia política.

Conclui, então, que a administração, organismo meramente executivo e não opinativo, deve tomar cuidado para que não usurpe as funções da política, substituindo por sua vontade a desta. “A administração deve, por isso, estar sujeita ao contrôle da política”.

O mesmo pensamento, por forma diferente e à luz das conseqüências financeiras, é exposto por GASTON JÈZE, quando distingue o aspecto político e o aspecto de cada despesa pública, isto é, o que deve ser objeto do serviço público e como deve ser executado êsse serviço. Vejamos, no original, como êle sumàriamente coloca:

“L’Etat moderne est un ensemble de services publics que les gouvernants créent, organisent et dont ils assurent le bon fonctionnement. Le service public est une certaine organisation pour donner satisfaction, aussi complète, aussi rapide que possible, à certains besoins communs de la population.

La première chose à faire, pour les gouvernants, est de dire quel sont les besoins communs qu’il convient de satisfaire par des organisations de services publics

……………………………………………………………………………………

En résumé, la détermination des besoins publics à satisfaire par l’organisation de services publics, l’extension à donner aux services publics, sont des problèmes politiques et non des problèmes de technique financière” (“Cours Elémentaire de Science des Finances”, 1931, págs. 38-39).

O que deve ser o objeto do serviço público é, pois, matéria política, de sorte que, por exemplo, a supervisão do culto religioso pode pertencer à competência dum ministro de Estado, como foi no Brasil e na França, e, mais tarde, pode ser proibida no orçamento, como acontece, hoje, nesses mesmos países (Constituição brasileira, art. 31, nº III). Não é a essência, ou a substância do objeto do serviço, mas o regime jurídico em que êle se presta, que há de ser considerada. A padaria e o fabrico de bebidas alcoólicas podem ser negócio privado no Brasil e representar serviço público nos países em que o socialismo municipal o converteu em atividade pública. Essa relação da matéria que há de ser objeto do serviço público, decisão política, identifica-se com a atribuição de “dar ordens” de G. FRAGA: o Estado ordena o processo de serviço público e nêle envolve o poder compulsório de suas autoridades, instituindo um regime jurídico especial, diverso das prestações de serviços entre particulares. Ou, como diz ROGER BONNARD:

“Pour employer une comparaison oruaniciste, on peut dire que les services publics sont les cellules composantes de ce corps qu’est l’Etat. Envisagé au point de vue réaliste, l’Etat se présente comme constitué par l’ensemble des services publics.

Les services publics ont pour objet essentiel d’assurer la réalisation des interventions de l’Etat, l’exercice des atributions de l’Etat. Il semble donc que la distinvtion des services publics devrait avoir pour unique base les attributions de l’Etat, abstraction faite de l’idée de fonction. A chaque attribution de l’Etat, correspondrait l’exercice de toutes les fonctions nécessaires à l’attribution que le service est chargé d’assurer” (“Droit Administratif”, 1935, pág. 235).

IV. Intervenção econômica e serviço público – Em princípio, os órgãos políticos

– Congresso, com a sanção do presidente da República, no Brasil, – têm competência para erigir em serviço público o processo de satisfação de qualquer necessidade coletiva ou a realização de quaisquer medidas que reputem de interêsse comum. É uma atitude substancialmente política, um ato político, que só em casos raros pode ser invalidado pelos tribunais ante a rebeldia dos prejudicados, sejam êstes pessoas de direito público interno, sejam indivíduos.

Êsses casos são as vedações ou limitações estabelecidas na Constituição, a começar pelas que resultam das regras da competência no regime federativo. Os Estados-membros, por exemplo, não podem instituir serviços públicos de cunhagem de moeda, emissões de bilhetes de bancos ou licenciamento de estações radiodifusoras, porque essa matéria é da competência da União (art. 5°, VIII e XII). Esta, por sua vez, não pode pretender a administração de serviços públicos de peculiar interêsse do Município (art. 28, II, b).

Destarte, o problema da legitimidade dum serviço público, em caso concreto, converte-se na indagação da constitucionalidade expressa, ou implícita, da intervenção da pessoa de direito público em determinado setor das atividades humanas.

Nenhuma dúvida pode existir de que a intervenção econômica na produção e comércio da borracha poderá constituir serviço público da União, se os órgãos políticos desta – Congresso e presidente da República – assim o entenderem e deliberarem por via de lei especial.

“A União poderá, mediante lei especial, intervir no domínio econômico e monopolizar determinada indústria ou atividade. A intervenção terá por base o interêsse público e por limite os direitos fundamentais assegurados nesta Constituição”.

Esta regra do art. 146 é ampla e firma expressamente o princípio da intervenção econômica desde que não fira direitos e garantias individuais, como as do art. 141 ou as que podem ser deduzidas segundo o art. 144.

Mas, se não houvesse êsse dispositivo claríssimo, ainda o como poderia ser inferido por construção, pois, a despeito de não se encontrar cláusula análoga no texto da Constituição norte-americana, a prática do regime ali já a consagrou, sobretudo a partir de 1933, quando a política de F. D. ROOSEVELT, apoiada pelo Congresso, acabou por vencer a resistência antiintervencionista da Côrte Suprema (ver o capítulo “La fin du gouvernement des juges”, de ROGER PINTO, em “La Crise de l’Etat aux Etats-Unis”, 1951, páginas 121 e segs.).

Aliás, a “Interstate Commerce Commission”, fundada desde 1887, e a “Federal Trade Commission”, criada em 1914, já dispunham de vastos poderes sôbre o comércio e ano a ano os vêem ampliados, a despeito do apêlo das firmas aos tribunais. E a respeito dos vários contrôles sôbre produção, comércio, importações e exportações, ainda depois de terminada a última Grande Guerra, como tendência neomercantilista mundial a que se não puderam furtar os Estados Unidos, consulte-se, o que escreve W. B. MUNRO, na última edição de seu autorizado livro (“The Government of the U. S.”, 5ª ed., págs. 418. e 419).

Não é de hoje que a produção e o comércio da borracha representam interêsse público fundamental para o Brasil, que nêle busca intervir por ação das autoridades. Em pleno regime da Constituição de 1891, concebida em moldes individualistas e desprovida de cláusula enérgica como o art. 146 da Carta vigente, o Congresso e o presidente da República empreenderam vigorosa intervenção econômica no setor da borracha amazônica. O Congresso elaborou a lei nº 2.543-A, de 5 de janeiro de 1912, regulamentada pelo dec. nº 9.521, de 17 de abril de 1912, que nada menos é do que um arrojado plano de intervenção econômica, designado desde então como a “defesa da borracha”.

Os governantes do País, alarmados: desde 1910 com a propagação da hévea no Oriente, tentaram uma reação sob várias formas, desde a redução do antieconômico impôsto estadual de exportação até o saneamento da imensa bacia amazônica, para que a cultura não encontrasse empecilhos.

Largo espaço dedicou o presidente HERMES DA FONSECA, nas mensagens inaugurais de 1912 e 1913, ao assunto, que, é por êle discutido em têrmos dramáticos de quem prevê o desastre que se veio a consumar pela interrupção do plano, em 1914, talvez em virtude das dificuldades financeiras oriundas da guerra, naquele ano.

Organizou-se, nessa ocasião, a Superintendência da Defesa da Borracha e foi contratado OSVALDO CRUZ para a direção da campanha sanitária que integraria as medidas econômicas e administrativas (ver ALMIR ANDRADE, “História Administrativa”, vol. II, págs. 7 e 67, onde há excelente resumo das intervenções econômicas da União no setor da borracha, desde 1907 até 1945).

Aliás, a intervenção econômica na produção e comércio da borracha é apenas uma das várias do govêrno federal. O Brasil, por efeito dessas intervenções, a começar pela do café, desde o convênio de Taubaté, conseguiu que a palavra “valorização” dessa origem, no inglês, ao neologismo ou estrangeirismo “valorization”, já consagrado na linguagem dos economistas pela “Encyclopedia of Social Sciences”, de SELIGMAN (ver, nesta, o verb. “Valorization”, de C. WHITTLESEY, que estuda as intervenções econômicas brasileiras desde 1906; e o verb. “Rubber”, do mesmo economista, sôbre as intervenções econômicas dos vários governos estrangeiros nos negócios da borracha, inclusive o célebre Plano Stevenson, da Inglaterra).

V. Serviço público e sociedade mista

No exercício de suas funções legislativa, administrativa e jurisdicional, o Estado intervém multiformemente na vida social através dos serviços públicos e dos órgãos que os desempenham. O direito administrativo ocupa-se duma parte dessas intervenções, as administrativas, e dos processos e meios de que se utiliza o Estado para realizá-los.

Sob êsse ponto de vista, o poder estatal tem a escolha dos meios de agir sôbre a ação dos indivíduos. Pode limitar-se a fiscaliza-la, regulamentá-la, encorajá-la, ou, se julga necessário, pode ir ao extremo de substituir a atividade privada pela atividade pública (BONNARD, ob. cit., páginas 13 a 15 e segs.)

Nesta última hipótese, a experiência contemporânea (e até a menos recente) oferece diversas formas e modalidades, desde a gestão direta pelas repartições públicas até a concessão com a participação de capitais públicos ou sem ela.

No caso da Amazônia, a União, em 1912, começou pela intervenção através das repartições administrativas, coordenadas pela Superintendência da Defesa da Borracha. Noutros casos, preferiu Comissões Especiais, seguindo exemplos americanos e inglêses.

Nos últimos 20 anos, o direito administrativo brasileiro adotou as formas de descentralização administrativa, que, desde o início do século, proliferaram na Europa.

Uma delas foi a autarquia, ou “estabelecimento público autônomo”, dos franceses, com patrimônio próprio e personalidade jurídica. Os italianos consideram o Município como “ente parestatal territorial”, modelado à imagem do Estado, mas sem os caracteres políticos que os Municípios brasileiros herdaram da tradição lusitana. Como não bastasse a descentralização geográfica, ainda os italianos expandiram a descentralização administrativa segundo o objeto da intervenção governamental, surgindo daí os “Enti Pubblici non territoriali” – as nossas autarquias – que, nas finanças, provocaram o fenômeno da “parafiscalidade”, ou tributação delegada.

Outra forma de ação foi a sociedade de economia mista, em que o Estado admite a participação de capitais privados, mas reserva-se o direito de traçar a orientação, nomear a maior parte da diretoria e, não raro, limita dividendo e derroga vários princípios da legislação sôbre sociedades anônimas. Nessas sociedades colaboram os governos locais com os governos nacionais, ou, com êste, os setores econômicos interessados na regulamentação estatal.

Uma investigação histórica poderá mostrar que a prática é antiga e foi utilizada na colonização da América e na conquista do Oriente, há séculos. As famosas Companhias das índias e outras o provam. Todavia, os tipos contemporâneos, não representam a continuidade dessas emprêsas governamentais vetustas. Essas “sociedades de economia mista” – ou, como dizem os americanos, government owned Corporations – não se confundem com simples sociedades, nas quais o Estado possua cotas ou ações, sem que se quebrem as regras de direito privado. Elas: são criações de direito administrativo e na sua criação, orientação e gerência há a iniciativa e predomínio do Estado. Como notam PAUL WEBBINK e BLANCHEC, ou são criadas por ato e iniciativa do govêrno, ou êste acaba por transformá-las em instrumentalidades públicas.

A moda que impôs êsses tipos de agência de intervenção governamental, na fase moderna, parece ter nascido na Alemanha entre 1900 e 1910, sobretudo com o sucesso da Rheinisch-Westphalische Elektrizitätswerk A-G, que conduziu as municipalidades germânicas à compra de ações e participação nas diretorias, não só nessa emprêsa gigantesca, mas também em cêrca de 100 pequenas sociedades mistas. Daí a prática se estendeu à Áustria, Holanda, Hungria, França e Inglaterra e outros países.

A Vereinigte Industrie-Unternchmungen AG, B.B.C., a Anglo-Persian Oil Company, a Canadian National Railways, a Société Nationale des Habitations à Bon Marché (Bélgica), a U. S. Emergency Fleet Corporation, a U. S. Grain Corporation, a U. S. Honsing Corporation, Export-Import Bank, Panamá Railroad Corporation, Federal Intermediate Credits Bank, etc., são vários exemplos de sociedades mistas, em algumas das quais o capital pertence na quase totalidade, e até nesta, ao govêrno.

Em 1931, EDGARD ALLIX já assinalava, com exemplos concretos, a importância da sociedade de economia mista, quer do ponto de vista financeiro, quer do ponto de vista da execução dos serviços públicos (“Science des Finances”, 6ª ed., páginas 442 e segs.; ver também B. LAVERGNE, “Le Problème des Nationalisations”, Paris, 1946).

A introdução dêsse tipo de agência ou instrumentalidade de serviços públicos no Brasil era, pois, inevitável, como tendência universal. Assim aconteceu, de sorte que a Constituição de 1946, diante do avanço dos fatos sôbre os diplomas legais, encarou a realidade e disciplinou as sociedades de economia mista, equiparando-as, nos impedimentos, às pessoas jurídicas de direito público. Os deputados e senadores não poderão celebrar contratos nem aceitar empregos de pessoas, nem com entidades autárquicas e sociedades de economia mista, salvo contratos de adesão (Constituição, art. 48, I, a e b).

A sociedade de economia mista, fundada por iniciativa do Estado ou, afinal, por êle transformada e absorvida, com capital, em sua maior parte, pertencente ao Tesouro e diretoria em que preponderam pessoas indicadas pelo govêrno, dedicada a interêsse público ou com êste conexo, é um órgão ou unidade do serviço público. O mesmo não se poderá dizer, é claro, da simples sociedade comercial, que, por circunstâncias fortuitas teve a maior parte de seu capital transferida para o patrimônio público, por efeito de confisco, adjudicação, doação, legado, etc., como foi o caso de várias emprêsas pertencentes a súditos do Eixo (Lohner, Bayer, Theodor Wille, etc.). Estas últimas, aliás, não são sociedades mistas, mas emprêsas em que parte, ou todo o capital, é bem de pessoa jurídica de direito público (ver LEOPOLDO CUNHA MELO, procurador do Tribunal de Contas, em “Pareceres”, vol. III, 1948, págs. 221 e segs.).

A intervenção econômica na produção e comércio da borracha, por ter sido cometida inicialmente ao Banco da Borracha, hoje transformado em Banco da Amazônia, não perdeu o caráter essencial de serviço público.

Os bancos foram, desde muito, e, hoje, mais do que nunca, podem servir de instrumentos de serviços públicos. A tendência mundial, depois da última guerra, é para que êsses estabelecimentos se transformem em agências públicas. Os clássicos Bancos Centrais, – o da Inglaterra e França, – protótipos da instituição, passaram de atividade privada com participação pública à inteira propriedade e direção governamentais desde 1946. Nos Estados Unidos, vários serviços públicos de intervenção econômica revestiram-se da forma de bancos, cujos capitais pertencem na maior parte ou no todo à União (Export-Import Bank, Reconstruction Finance Corporation, Federal Intermediate Credit Bank, Federal Farm Mortgage Corporation, Production Credit Corporation, Home Owners’Loan Corporation, Federal Deposit Insurance Corporation, etc.).

O Banco do Brasil, S.A., fundado em 1905, é o tipo mais instrutivo duma complexa sociedade de economia mista com os mais variados aspectos econômicos e jurídicos. Criado por iniciativa da União, possuidora de mais da metade do capital, êle tem diretoria que, pràticamente, é tôda indicada pelo govêrno: êste nomeia presidente e certos diretores, mas, como maior acionista, elege os demais. É um banco comercial de depósito que produz rendas patrimoniais para o Tesouro, mas, ao mesmo tempo, exerce as delicadas funções de banco central e, portanto, autoridade monetária e creditícia. Várias de suas Carteiras (Exportação e Importação, Redesconto, Câmbio, Crédito Agrícola, Industrial, por exemplo) funcionam sob imediata direção do govêrno, com capital dêste, que recolhe os respectivos proveitos. Nesta última parte, é puramente um serviço público e como tal vem sendo reconhecido por diversos acórdãos, que lhe asseguram imunidade fiscal.

Sob forma bancária, ainda o govêrno federal criou recentemente o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, que, pela lei nº 1.628, de 20 de junho de 1952, é declarado um serviço público:

“Art. 9º O Banco terá autonomia administrativa e personalidade jurídica própria, gozando, como serviço público federal, de tôdas as vantagens e regalias respectivas, inclusive quanto a impostos, taxas, direitos aduaneiros, juros moratórios, impenhorabilidade de bens, fôro e tratamento nos pleitos judiciais” (lei nº 1.628).

Não o dissesse a lei, nem por isso deixaria de ser um serviço público federal, pela natureza e pelos caracteres de que se reveste.

VI. Banco da Borracha e Banco da Amazônia

Malogrado o plano governamental de 1912, a borracha, que fôra, depois do café, a maior fonte de divisas para o País, caiu em decadência exatamente quando o consumo mundial, pela expansão do automobilismo, atingiu cifras astronômicas. O colapso do Amazonas, do Pará e do Acre é notório e não há necessidade de recordar razões hoje históricas.

Com a 2ª Grande Guerra, fechados pelos japonêses os mercados orientais, os americanos voltaram-se novamente para o Brasil, de sorte que os acôrdos de Washington estabeleceram uma política para que a borracha amazônica voltasse à expressão estatística dos primeiros anos dêste século.

Em conseqüência dêsses fatos, novo esfôrço federal foi empreendido com a criação do Banco de Crédito da Borracha S.A., pelo dec.-lei nº 4.451, de 9 de julho de 1942, com capital de 50 milhões, mais tarde elevado para 150 milhões, dos quais subscritos 87,5 milhões pelo Tesouro, 60 milhões pela Rubber Development Corporation e apenas 2 e meio milhões por particulares brasileiros. Era, pois, um serviço público pela consociação dos governos americano e brasileiro para incentivo de produção estratégica necessária à guerra em que ambos se achavam empenhados. A participação privada não atinge 2%. O Banco deveria realizar, sob monopólio, as operações finais de compra-e-venda da borracha e assistir financeiramente aos produtores, sem os apetites dos banqueiros particulares, até porque a mercadoria passava a ter preço fixo por agreement entre os dois governos.

É expressivo o pronunciamento oficial do govêrno, quando, em nota da Agência Nacional, distribuída à imprensa em 16 de setembro de 1944, defendeu o Banco contra críticas então feitas:

“Ninguém ignora, mesmo os que discutem tais problemas confortàvelmente instalados no Rio de Janeiro, que o Banco de Crédito da Borracha S.A., do qual é maior acionista o Tesouro Nacional, não é senão um dos órgãos através dos quais o govêrno executa o programa traçado para dar cumprimento aos compromissor assumidos em março de 1942” (pág. 41).

“Distribuindo o dividendo de 6%, absorverá o mesmo Cr$ 4.500.000,00, os quais, relacionados com o “lucro líquido” de pouco mais de Cr$ 4.000.000,00, mostram que o Banco de Crédito da Borracha S.A., longe de apresentar, como se pretendeu, “um lucro de cinco e meia vêzes o ganho anteriormente auferido pelos exportadores, ao tempo do comércio livre do produto”, teve, com as operações finais de compra-e-venda da borracha, um deficit de Cr$ 420.000,00, em números redondos” (pág. 43) (transcrito por ALMIR ANDRADE, “História Administrativa”, cit., vol. II, págs. 41 e 43).

Terminada a guerra, expirados ou denunciados os acôrdos, o govêrno americano retirou-se e deixou a Amazônia entregue às minguadas fôrças do govêrno brasileiro. Logo depois a Constituição de 1946, no art. 199, instituía um plano de valorização dessa imensa zona, destinando-lhe, durante 20 anos, 3% da renda tributária federal.

Surge, em conseqüência, a lei nº 86, de 8 de setembro de 1947, que mantém o Banco da Borracha e o coordena com a Comissão da Defesa da Borracha (arts. 5º e 6º), que criou no mesmo passo. Os dois, órgãos passam a funcionar em perfeita entrosagem para o mesmo fim.

A lei nº 1.184, de 30 de agôsto de 1950, troca o nome do Banco da Borracha, batizando-o de Banco de Crédito da Amazônia S.A. e alargando suas atribuições aos demais produtos do vale. Uma colaboração dos governos estaduais interessados foi assegurada sob a forma de participação num Conselho Consultivo (artigo 3º). Êsse mesmo diploma instituiu o Fundo de Fomento à Produção, que se formará com 10% da receita dedicada à valorização amazônica pelo art. 199 da Constituição, revertendo à União Federal, caso se liquide o Banco (arts. 7º e 10). Manteve-se, finalmente, em proveito da União, o monopólio da compra-e-venda da borracha produzida no Brasil ou importada, como já fôra decretado desde 1942, para o Banco da Borracha.

Essas transformações do Banco foram precedidas de discussões públicas em conferências dos agentes do govêrno e interessados na produção e industrialização. O interêsse público fundamental transparece das mensagens presidenciais e exposições de motivos ao Congresso. Numa delas, escreve o ministro da Fazenda:

“À peculiaridade da produção e do comércio da borracha parece convir a manutenção do poder de monopólio do govêrno federal, tanto para garantia dos produtores, como dos industriais e consumidores, de um modo geral; por outro lado, não se dispondo de meios financeiros para suficientes reservas estratégicas de borracha à altura de nossas necessidades, sòmente o contrôle físico do produto por uma instituição governamental, como o Banco, garantirá que, em caso de emergência, se mantenha um suprimento mínimo indispensável à economia da Nação e à própria defesa militar” (exposição de motivos de 17 de outubro de 1951, item nº 55).

Tudo isso evidencia o caráter de serviço público desempenhado, desde início, pelo Banco da Borracha, que executou a política comercial do País e até a da defesa nacional em circunstâncias graves da época, ao tempo em que colabora decisivamente na restauração econômica de tôda a região onde habitam alguns milhões de brasileiros, cuja subsistência deriva quase que totalmente da produção do látex. A ação política e econômica dêsse Banco foi traçada por um escritor insuspeito, nas seguintes palavras:

“Sem irrigação financeira, as atividades caíram no marasmo. Sòmente a indústria extrativa, baseada notadamente na castanha, madeiras, sementes, fibras, essências e peles silvestres, com a rudimentar agricultura e a pobre pecuária mantinham as populações, até que a urgente necessidade de uma fonte de abastecimento de borracha no hemisfério, comprometidas as plantações do Oriente, forçou o govêrno norte-americano a acordar com o govêrno brasileiro a criação do Banco de Crédito da Borracha, para assegurar o financiamento da produção da goma elástica”.

“Desde que intensificada a indústria extrativa de borracha, a região amazônica passou a depender do Banco de Crédito de maneira completa. Em quatro anos, a entidade passou a ser encarada como a espinha dorsal de sua economia. Por essa razão, encerrada a guerra, eliminada a necessidade do produto que determinara sua abertura, mesmo assim o Banco da Borracha não pôde fechar as portas, como seria natural. Os característicos do organismo de emergência nem por isso deixaram de influir na marcha do instituto e eis que, retirados os diretores norte-americanos, entrou em colapso, abalando o organismo econômico do vale”.

“Ora, o Banco de Crédito da Borracha, indenizados os acionistas norte-americanos que dêle agora se despedem por não lhe necessitarem os serviços e não concordar com a estrutura de banco de fomento da produção em seu variados aspectos, prepara-se para exercer amplas atividades, através de Carteiras de Crédito Agrícola e Industrial, Crédito Geral e Comercial, visando estimular o saneamento, colonização, abastecimento das zonas de produtos nativos de valor econômico e comercial, aquisição de maquinismos, utensílios e materiais necessários à colheita, beneficiamento e guarda dêsses produtos, plantio e cultura sistemática, desenvolvimento dos meios de transporte entre as regiões produtoras e as consumidoras, organização de cooperativas de seringueiros, seringalistas e outros extratores de matérias-primas. Compreendem os mais urgentes problemas da região…” (OSÓRIO NUNES, “Introdução ao Estudo da Amazônia”, páginas 93 e 94).

Trata-se, pois, de serviço público, bom, prestado a uma região cuja dramática situação econômica é por demais notória. É, hoje, pacífico que o Estado deve comandar a conjuntura econômica, evitar as crises, manter a prosperidade e garantir a pleno emprêgo. A atuação, nesse campo, pelas repartições, autarquias, sociedades mistas, sob a forma de banco ou qualquer outra, constitui serviço público, que, no caso, é previsto pelos arts. 146, 145, parágrafo único, e 199 da Constituição. É velho que esta, quando atribui os fins, concede os meios.

Aliás, observe-se que o Banco da Amazônia e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico são sociedades mistas e estabelecimentos bancários apenas do ponto de vista formal, porque, substancialmente, têm característicos de autarquias, desde que a União é única proprietária dêles, que não recebem de uns indivíduos para emprestar a outros.

Banqueiro é o negociante que toma dinheiro de A e empresta a B, lucrando a diferença entre os juros recebidos dos mutuários e os pagos aos depositantes. Na realidade, os dois bancos governamentais citados (e o foi o Banco da Borracha, igualmente, como propriedade conjunta dos Estados Unidos e do Brasil) emprestam fundos públicos, a juros inferiores aos do mercado de dinheiro, para certos e determinados fins especificados em lei. Operam apenas com o capital e com as dotações orçamentárias de origem fiscal. Por isso mesmo, o govêrno americano afastou-se do Banco da Borracha tão depressa o armistício tornou desnecessário o sacrifício que, normalmente, só poderia competir a um serviço público do Brasil.

Há quem divirja dêste nosso ponto de vista e invoque o dec.-lei nº 6.016, de 22 de abril de 1943, para sustentar que, sob o regime de 1937, a sociedade mista não estava coberta pela imunidade. Mas êsse decreto-lei, que visa às emprêsas confiscadas no todo, ou em parte, aos súditos do Eixo, viola o art. 32, c, da Carta de 1937. Ditatorial embora, esta não poderia ser revogada pelo dec.-lei nº 6.016. Êste se refere não à sociedade mista executora do serviço público, regida pelo direito administrativo, mas a sociedades de que o govêrno participe ou a emprêsas sob administração provisória da União (ver “Revista de Direito Administrativo”, vol. 10, pág. 160). E tanto isso é certo que o Banco do Brasil continuou a ter sua imunidade respeitada, conforme jurisprudência adiante citada.

Em qualquer caso, a despeito de opiniões contrárias, como as do Conselho de Estudos de Negócios Estaduais e as do eminente ministro BENEDITO COSTA NETO, temos que, sola o regime da Constituição de 1937 até a vigência da atual, o Banco da Borracha S.A., como sociedade de economia mista, não era pessoa jurídica de direito privado, mas pessoa jurídica de direito público, – ente regulado pelo direito administrativo, investido da execução de serviço público, – no caso, a política comercial, com os Estados Unidos, e a política de guerra, nos têrmos de tratados e acôrdos com êste país então nosso aliado. Subsidiàriamente, ainda a política de intervenção econômica em setor crítico da produção nacional. Depois dessa data, o mesmo Banco continuou a ser ainda serviço público, já não para a política de guerra e política comercial internacional, mas para intervenção econômica, sob regime de monopólio, e realização do plano de valorização da Amazônia (Constituição, arts. 146 e 199). O art. 32, c, da Constituição de 1937 mantinha a imunidade recíproca dos bens e serviços das pessoas de direito público interno e até a estendia a “tributos”, ao passo que a Constituição de 1946 a limita a “impostos” (art. 31, V, a).

Naquele regime de 1937, como hoje, excluiam-se da imunidade recíproca apenas os concessionários de serviço público. O Banco da Borracha não era particular, que recebeu concessão do serviço público, mas instrumentalidade pública, concebida e criada para execução duma política conjunta do govêrno brasileiro e de seu aliado na guerra, o govêrno americano, através duma agência dêste.

Os que contestam essa tese invocam textos isolados de juristas italianos, como ALESSIO. Mas, na própria doutrina italiana está reconhecido que os “entes parestatais” são pessoas de direito público (ZANOBINI, “Diritto Amministrativo”, 1946, vol. III, pág. 294), sendo que “un’ultima categoria di enti pubblici comprende gli istituti che hanno finalità economiche come l’esercizio del credito, il potenziamento di determinate industrie, la coordinazione di alcuni rami commerciali” (idem, pág. 296). E o citado escritor menciona, como exemplo dêsses entes parestatais, a Barca d’Italia, os Bancos de Nápoles e Sicília, o Istituto di S. Paolo di Torino, etc. Ainda na categoria de entes públicos parestatais, ZANOBINI classifica sociedades mistas: “enti formati quasi sempre da raggruppamenti d’imprese private e di enti pubblici, con la partecipazione finanziaria dello Stato”, como a Azienda minerali metallici italiani, a Azienda Carboni, o Istituto Cotoniero, etc. (idem, págs. 298 e 299).

O mesmo autor, noutra obra, focaliza o caráter monopolístico da emprêsa como traço essencial do serviço público:

“In altre parole i servizzi costituiti in condizione di monopolii pubblici si comportano, quanto alla competenza, come le funzioni mubbliche, che sono di competenza esclusiva dello Stato o di un altro Ente, per los o natura o per i principii generali di diritto pubblico positivo” (ZANOBINI, “L’esercizio privato delle funzioni e di servizii pubblici”, no “Trattato” de ORLANDO, vol. II, parte III, pág. 426).

O Banco da Borracha, já vimos, goza de monopólio e óbvios motivos desaconselhariam que a União o instituísse em proveito de particulares inspirados no propósito de lucro. Aquêle estabelecimento foi concedido em bases excludentes de tal lucro, pois quando êste superasse a remuneração do capital reverteria a um fundo de incentivo da produção da borracha.

Alguns escritores italianos costumam distinguir “serviço público em sentido subjetivo”, porque apenas assumido por pessoa de direito público, e, em sentido objetivo, quando, além disso, a natureza do serviço é da competência específica dessa pessoa de direito público, caso em que o monopólio é inevitável. Então, decorre que “un servizio pubblico perció, quando sia dichiarato dalla legge monopolio di un ente pubblico, non può essere gerito se non da questo ente, o da un privato che abbia ricevuto da esso il potere di esercitarlo in proprio nome (in virtù appunto di un atto di concessione)” C. PUCHETTI, “L’attività commerciale e le prestazioni di Servizii pubblici da parte della Pubblica Amministrazione”, 1942, pág. 126).

Houve e há monopólio que “torna o Estado, por si ou por seu delegado (o Banco da Borracha), o vendedor único”. “Na espécie, o monopólio visa à defesa do interêsse público, conforme o preceito constitucional” (CARLOS MEDEIROS SILVA, “Rev. de Dir. Administrativo”, vol. 33, página 457). Temos, então, que a decretação do monopólio do comércio da borracha pertencia e pertence evidentemente à competência federal (Constituição de 1937, arts. 13, letra e, 135 e 16, nº VIII; Constituição de 1946, arts. 5°, XV, letra k, e 146). Logo, êsse monopólio é serviço público, em sentido objetivo. A União concedeu a particular? Não: ela criou o Banco da Borracha especial e exclusivamente para executá-lo. Há, pois, serviço público subjetivo igualmente, porque exercido pela própria pessoa de direito público. Não vemos, pois, como se queira identificar no Banco da Borracha pessoa jurídica de direito privado.

PONTES DE MIRANDA, que está longe de simpatias pelas imunidades e isenções fiscais, objeto de suas diatribes contra a Constituição de 1934, comentando esta, entendia que, nas sociedades mistas, como o Banco do Brasil, fôsse tributada proporcionalmente a parte dos acionistas privados e imune a da União (“Comentários à Constituição de 1934”, pág. 416 do tomo I). Claro que nem todos os impostos se prestam a essa discriminação. Apreciando o art. 48, I, a e b, da Constituição de 1946, êsse ilustre jurista inclui as sociedades de economia mista entre as pessoas de direito público, lembrando suas críticas às. Cartas anteriores: “Não é ter contrato com a administração, ter contrato com o Banco do Brasil? A Constituição de 1946 atendeu-nos, sendo claríssima: …entidades autárquicas, sociedades de economia mista, etc. As pessoas jurídicas de direito público, a que se refere o art. 48, I, a e b, II, a e d, não são sòmente a União, Estados, Territórios e Municípios; “são quaisquer pessoas jurídicas de direito público, constitucional ou não” (“Comentários”, ed. de 1953, págs. 254 e 255).

Uma coisa, não pode ser e não ser ao mesmo tempo.

VII. Imunidade fiscal

O Banco de Crédito da Borracha S.A., quer na sua fase inicial, até 18 de setembro de 1946, quer depois, e ainda quando se transformou em Banco de Crédito da Amazônia, é uma sociedade de economia mista, senão uma autarquia, criada e dirigida pela União, com predomínio de interêsses financeiros dela, para exercício de serviço público em caráter de monopólio, que só o govêrno federal tinha competência para decretar.

Nessas condições, gozava a goza da imunidade fiscal em relação aos impostos dos Estados, Municípios e Distrito Federal, nos têrmos do art. 32, c, da Constituição de 1937, e do art. 31, V, a, da Constituição de 1946.

Êle não é emprêsa particular concessionária de serviço público, que poderia ser tributada, salvo isenção concedida por lei especial.

A situação do Banco da Borracha, do ponto de vista da imunidade fiscal, é muito mais significativa do que a do Banco do Brasil, porque parte considerável do capital dêste (cêrca de 40% ou mais) pertence a particulares, que logram dividendos de 20 % resultantes das atividades do estabelecimento como banco comercial em competição com os demais bancos dêsse tipo. O Banco da Borracha funciona sob monopólio da competência federal, a fim de que a borracha, liberta dos lucros particulares, assegure aos produtores preço capaz de estimulá-los, já que por ser extrativa não suporta a competição da borracha cultivada do Oriente. Tôda a ação do Banco da Borracha é de serviço público, sustentado por fundos públicos, e não de atividade comercial lucrativa. Exerce atividade governamental e não apenas private business ou proprietary character, como dizem das rendas dominais os americanos.

A despeito de o Banco do Brasil assegurar a particulares lucros decorrentes de negócios em pleno regime de concorrência com os estabelecimentos privados, a jurisprudência, sobretudo depois da Constituição de 1946, vem reconhecendo a plena imunidade fiscal em favor daquele estabelecimento, que, por muitos julgados, inatacáveis em nossa opinião, só poderia gozar dela em relação à atividade de autoridade ou agência do serviço público, como contrôle do câmbio, exportação, redesconto, etc. Consultem-se, por exemplo, os seguintes julgados, que favorecem ao Banco até mesmo em suas atividades de caráter privado:

Ac. do Trib. da Just. de São Paulo, de 7-11-1947, na apel. cível nº 35.045, na “Rev. de Direito Administrativo”, vol. 14, pág. 94.

Ac. do Sup. Trib. Federal, de 10 de janeiro de 1952, no rec. extr. nº 15.847, rel. min. NÉLSON HUNGRIA, publicado em 7 de maio de 1952.

Ac. do Sup. Trib. Federal, de 28 de janeiro de 1952, no rec. extr. nº 16.572, rel. min. MÁRIO GUIMARÃES, publicado em 14 da maio de 1952.

Ac. do Sup. Trib. Federal, de 28 de janeiro de 1952, no rec. extr. nº 17.297, publicado em 14 de maio de 1952 (êstes três tiveram ementas publicadas no “Diário da Justiça” de 17-6-1952, página 2.691).

Ac. unânime do Sup. Trib. Federal, de 10-12-1951, no rec. extr. nº 18.699, “Diário da Justiça” de 14 de dezembro de 1953, pág. 3.817.

Ac. do Sup. Trib. Federal, de 29 de novembro de 1951, no rec. extr. número 16.266, “Diário da Justiça” de 30 de novembro de 1953, pág. 3.643.

Ac. do Sup. Trib. Federal, de 20 de dezembro de 1951, no rec. extr. número 15.985, “Diário da Justiça” de 23 de novembro de 1953, pág. 3.571.

Ac. do Sup. Trib. Federal, de 15 de outubro de 1951, no rec. extr. número 18.560, “Diário da Justiça” de 14 de setembro de 1953, pág. 2.676.

As mesmas razões tornam aplicável ao Banco da Amazônia essa jurisprudência provocada pelo Banco do Brasil, muito embora êste, a nosso ver, ao lado de atividades públicas, desempenhe outras de caráter privado, com espírito de lucro, e, portanto, tributáveis. Isso não ocorreu com o Banco da Borracha, que, embora compre e venda essa mercadoria, assim procede em função de monopólio da União, como delegado desta, sem fins lucrativos. O monopólio e o comércio do Banco, no caso, obedecem ao interêsse público; que inspirou o art. 146 da Constituição e deu essa faculdade à União, para exercê-la sem intuitos puramente lucrativos, especulativos, ou patrimoniais distanciados da competência federal específica como esfera de govêrno. O Banco é uma agência pública com government character e não proprietary character, para usar da terminologia americana.

Eis por que julgamos que se ajusta ao Banco da Amazônia opinião nossa anteriormente exposta: a sociedade de economia mista pode ser considerada agência ou instrumentalidade do govêrno, se lhe foi cometido o desempenho dum serviço público, caso em que lhe aproveita o art. 31, V, a (“Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar”, pág. 94). Não foi com o espírito de ganho da emprêsa privada que a União criou e mantém o Banco da Amazônia na execução do monopólio do comércio da borracha.

Se o Banco da Amazônia não fôsse um “serviço público” – algo de funcional e orgânico – seria um acervo de “bens” da União, como tais cobertos pela imunidade do art. 31, V, a, da Constituição de 1946.

RESPOSTAS

À 1ª pergunta: A intervenção econômica na produção e comércio da borracha, embora delegada a uma sociedade de economia mista, tal como o Banco de Crédito da Amazônia S.A., é serviço público da competência federal, nos têrmos dos artigos 5°, XV, letra k, 146 e 199 da Constituição de 1946, desde que uma lei especial assim o estabeleça.

À 2ª pergunta: O Banco de Crédito da Borracha S.A., desde sua instituição pelo dec.-lei nº 4.451, de 9 de julho de 1942, revestiu-se dos caracteres de serviço público da competência federal, destinado a realizar a intervenção econômica, sob regime de monopólio, necessária à política comercial e à política de defesa nacional, segundo os acôrdos com os Estados Unidos, que eram aliados virtuais do Brasil na guerra mundial: a instituição dêsse serviço público, para tais fins e naquela forma, era jurìdicamente fundamentada nos arts. 16, ns. VIII e VII, 13, letra e, e 135 da Constituição de 10 de novembro de 1937, então vigente. O dec.-lei nº 4.451, de 1942, não colide com a Constituição de 1946 e tem a fôrça de lei especial a que se refere o art. 146 dessa Carta, de forma que por ela não foi revogado.

À 3ª pergunta: Um serviço público, tal como o executado pelo Banco de Crédito da Amazônia S.A. e, anteriormente, pelo Banco de Crédito da Borracha S.A., goza da imunidade de impostos estatuída pelo art. 31, V, a, da Constituição de 1946, mas poderá ser compelido a pagar taxas e contribuição de melhoria. Impostos estaduais e municipais, portanto, não podem ser exigidos dêsse estabelecimento enquanto conservar o caráter de delegado e executor dos serviços públicos, para desempenho dos quais foi fundado.

No regime da Constituição de 1937, gozava da imunidade tributária do art. 32, c, dessa Carta Política.

S. M. J.

Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 1953. –

*

I) Normas técnicas para apresentação do trabalho:

  1. Os originais devem ser digitados em Word (Windows). A fonte deverá ser Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 cm entre linhas, em formato A4, com margens de 2,0 cm;
  2. Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês, italiano e espanhol;
  3. Devem apresentar o título, o resumo e as palavras-chave, obrigatoriamente em português (ou inglês, francês, italiano e espanhol) e inglês, com o objetivo de permitir a divulgação dos trabalhos em indexadores e base de dados estrangeiros;
  4. A folha de rosto do arquivo deve conter o título do trabalho (em português – ou inglês, francês, italiano e espanhol) e os dados do(s) autor(es): nome completo, formação acadêmica, vínculo institucional, telefone e endereço eletrônico;
  5. O(s) nome(s) do(s) autor(es) e sua qualificação devem estar no arquivo do texto, abaixo do título;
  6. As notas de rodapé devem ser colocadas no corpo do texto.

II) Normas Editoriais

Todas as colaborações devem ser enviadas, exclusivamente por meio eletrônico, para o endereço: revista.forense@grupogen.com.br

Os artigos devem ser inéditos (os artigos submetidos não podem ter sido publicados em nenhum outro lugar). Não devem ser submetidos, simultaneamente, a mais do que uma publicação.

Devem ser originais (qualquer trabalho ou palavras provenientes de outros autores ou fontes devem ter sido devidamente acreditados e referenciados).

Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.

Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.

Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.

Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:

  1. adequação à linha editorial;
  2. contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
  3. qualidade da abordagem;
  4. qualidade do texto;
  5. qualidade da pesquisa;
  6. consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
  7. caráter inovador do artigo científico apresentado.

Observações gerais:

  1. A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
  2. Os autores assumem a responsabilidade das informações e dos dados apresentados nos manuscritos.
  3. As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.
  4. Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
  5. Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
  6. A Comissão Editorial da Revista Forense não se compromete a devolver as colaborações recebidas.

III) Política de Privacidade

Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou a terceiros.


LEIA TAMBÉM:

Assine nossa Newsletter

Li e aceito a Política de privacidade

GENJURÍDICO

De maneira independente, os autores e colaboradores do GEN Jurídico, renomados juristas e doutrinadores nacionais, se posicionam diante de questões relevantes do cotidiano e universo jurídico.

Áreas de Interesse

ÁREAS DE INTERESSE

Administrativo

Agronegócio

Ambiental

Biodireito

Civil

Constitucional

Consumidor

Direito Comparado

Direito Digital

Direitos Humanos e Fundamentais

ECA

Eleitoral

Empreendedorismo Jurídico

Empresarial

Ética

Filosofia do Direito

Financeiro e Econômico

História do Direito

Imobiliário

Internacional

Mediação e Arbitragem

Notarial e Registral

Penal

Português Jurídico

Previdenciário

Processo Civil

Segurança e Saúde no Trabalho

Trabalho

Tributário

SAIBA MAIS

    SAIBA MAIS
  • Autores
  • Contato
  • Quem Somos
  • Regulamento Geral
    • SIGA