GENJURÍDICO
Inviolabilidade do lar

32

Ínicio

>

Civil

>

Clássicos Forense

>

Revista Forense

CIVIL

CLÁSSICOS FORENSE

REVISTA FORENSE

Inviolabilidade do lar

INVIOLABILIDADE DO LAR

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 152

Revista Forense

Revista Forense

11/08/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 152
MARÇO-ABRIL DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
Conheça outras obras da Editora Forense

CRÔNICARevista Forense 152

DOUTRINA

PARECERES

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • A prescritibilidade da ação investigatória de filiação natural – Alcides de Mendonça Lima
  • Inviolabilidade do lar – Sanelva de Rohan
  • Os aumentos de capital e o direito dos portadores de ações preferenciais – Egberto Lacerda Teixeira
  • As sociedade de economia mista e as emprêsas públicas no direito comparado – Arnold Wald
  • Locação total e locação parcial – Eduardo Correia
  • Conceituação do arrebatamento como crime contra o patrimônio – Valdir de Abreu
  • Os quadros de carreira e a equiparação salarial – Mozart Vítor Russomano
  • A situação dos parlamentares que se afastam de seus partidos – Nestor Massena

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

SUMÁRIO: Interpretação do art. 1.190, II, do Cód. Civil. Uso e gôzo pacífico da coisa. Posse direta e indireta. Visita de prédio locado à venda. Doutrina alienígena. Art. 150 do Cód. Penal. Art. 145, § 15, da Constituição federal. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Sobre o autor

Sanelva de Rohan, advogado no Distrito Federal.

NOTAS E COMENTÁRIOS

Inviolabilidade do lar

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal tem decidido, reiterada e sistemàticamente, no sentido de ser assegurado ao proprietário de prédio locado o direito de fazer visitá-lo por terceiros, contra a vontade do seu inquilino, quando da sua disposição de do mesmo se desfazer por venda, frente, segundo os seus veredictos, aos direitos de propriedade estatuídos tanto no Cód. Civil como na Constituição federal.

Essa orientação imprimida aos seus julgados pelo referido Colégio Judiciário não encontra apoio na lei, qualquer delas – civil, penal e constitucional; nega-lhe amparo a doutrina difundida pelos expoentes da nossa juridicidade; e não se afina com a jurisprudência pacífica, sem um hiato sequer, do Supremo Tribunal Federal.

Analisemos a matéria através dêsses ângulos por onde se revela e exterioriza o direito.

Interpretação do art. 1.190, II, do Cód. Civil

Dispõe o art. 1.189 do Cód. Civil:

“O locador é obrigado:

……………………………………………………………………………………………….

II. A garantir-lhe (ao locatário), durante o tempo do contrato, o uso pacífico da coisa”.

Comentando o texto supra, o insigne mestre CLÓVIS BEVILÁQUA, autor do projeto da referida codificação, ensina que: “As obrigações do locador resumem-se na de assegurar ao locatário o uso e gôzo da coisa alugada, pois nisso consiste a locação”.

Uma dessas obrigações, ajunta o insigne analista, é “a) a de abster-se o locador de qualquer ato que possa perturbar o uso e gôzo da coisa”.

E, imprimindo fôrça ao sentido peremptório do preceito, acrescenta, em outro trecho da sua clássica obra, verbis: “O senhorio não pode perturbar o gôzo do imóvel cedido ao locatário” (“Código Civil Comentado”, vol. IV, págs. 370 e 396).

Não é diferente o ensinamento de outro consagrado comentador do Cód. Civil, o preclaro jurista CARVALHO SANTOS, que, na espécie, dessa forma se expressa: “A primeira das garantias derivadas da obrigação do locador de proporcionar ao locatário o uso pacifico da coisa locada, diz respeito à abstenção de fato seu, que “importe em sacrifício, no todo ou em parte, dêsse uso e gôzo pacífico” (“Código Civil Brasileiro Interpretado”, volume XVII, pág. 41).

Analisando, professamente, situação processual atinente à matéria, escreve o insigne jurista MACHADO GUIMARÃES: “O locador cede o uso do prédio ao locatário; não pode, por isso, perturbar êsse uso, que já não lhe cabe” (“Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. IV, edição “REVISTA FORENSE”, nº 198, página 189).

Dizendo o Código que pelo uso pacífico da coisa obriga-se o locador perante o locatário “durante o tempo do contrato”, seria redundante, senão exótico, que na convenção se procurasse enxertar condição confirmadora do preceito. É dado a qualquer dos estipulantes concertar cláusulas que digam com a natureza do pacto, sem que haja necessidade de ajustar o que quer que seja a respeito do uso pacífico da coisa, que é norma própria à índole do contrato, condição implícita do seu fim, prerrogativa primacial inerente à natureza da convenção, criada a favor do locatário, “imperocchè” – como ensina RICCI – “se l’obbiettivo di questo consiste nel godimento della cosa accordato al conduttore, uopo é che questo obbiettivo sia mantenuto se vogliasi conservare in vita il contratto” (“Corso di Diritto Civile”, vol. VIII, pág. 149, nº 86).

Com muita propriedade sôbre o assunto se expressa ABELLO, verbis: “L’obbligo suo (locador) di non turbare col fatto proprio il godimento promesso non è che l’applicazione pura e semplice del rispetto dovuto alla legge del contratto e dipende cosi necessariamente dall’essenza stessa dei rapporto che non par necessiti esprimerlo con opposita formula; essa dev’esser sottintesa come quella che deriva dai principî generali che valgono per tutti i contratti per cui non è lecito ad uno dei contraenti di contravvenire di suo arbitrio agli obblighi assentisi nello stipular la convenzione” (“Della Locazione”, volume I, pág. 156, nº 71; igualmente: POTHIÈR, “Ceuvres”, vol. I, pág. 597; PLANIOL, “Droit Civil”, vol. II, pág. 547, número 1.675).

O uso pacífico da coisa a que faz jus o seu locatário é, pois, princípio peculiar à característica do contrato de locação e, por isso, não pode ser alterado o seu sentido, alargado ou restringido o seu alcance, quer frente à natureza da coisa locada, quer diante de usos e costumes, enfim, qualquer circunstância de cuja existência a lei não tenha cogitado.

Uso e gôzo pacífico da coisa

Sem que preciso seja especial e acurado exame, vê-se que a inteligência do preceito legal é de que o proprietário, logo que dado em aluguel prédio seu, assume a obrigação perante o locatário de fazer com que o mesmo use e goze o imóvel locado pacificamente, sem qualquer turbação de sua parte, durante o espaço de tempo em que estiverem em vigor os laços contratuais que os vinculam.

O princípio guarda consonância com o sistema adotado pelo Cód. Civil no que. diz respeito ao instituto da posse.

Filiando-se à corrente dualista, desdenhou o Código, neste setor jurídico, a antiga teoria da posse, a que SAVIGNY emprestara o brilho de suas convicções através de um desdobramento racional do vetusto direito promanado das velhas concepções jurídicas dos romanos.

Era êsse realmente o nosso direito, o direito herdado de Portugal por intermédio das Ordenações, vigente até o advento da nossa codificação civil.

Abraçamos, por conseguinte, o princípio novo de que se fêz arauto o fulgurante IHERING, cuja robusta inteligência, servida por uma dialética animosa e pertinaz, fêz revolucionar, no assunto, as idéias até então dominantes, e daí surgir a nova teoria da posse bifurcada em dois ramos peculiarizados por sentidos próprios.

Diante de tal situação, perdeu a figura a forma unitária de que se enroupava, oferecendo, assim, um aspecto diferente, cuja exteriorização é verdadeira fonte de novas manifestações jurídicas no campo privativo do instituto, com reais transbordos para outros setores da juridicidade.

Posse direta e indireta

Em obediência ao sistema adotado, prescreve o Cód. Civil:

“Art. 485. Considera-se possuidor todo aquêle que tem de fato o exercício, pleno, ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio ou propriedade.

Art. 486. Quando, por fôrça de obrigação, ou direito, em casos como o do usufrutuário, do credor pignoratício, do locatário, sa exerce temporàriamente a posse direta, não anula esta às pessoas, de quem êles a houverem, a posse indireta”.

No primeiro dos citados artigos, define o Código o caráter extrínseco da posse, cuja classificação, em obediência aos princípios seguidos, estabeleceu no segundo dos textos acima transcritos.

Deixou, assim, a posse de ser caracterizada pelo animus rem sibi habendi, a cuja norma se ajusta a escola savigniana e à sombra da qual se abrigam várias codificações civis.

A posse é hoje, perante o nosso direito, o exercício pleno ou não de algum dos poderes da propriedade, o poder de fato, a “visibilidade do domínio”, como se externa o eminente ministro OROZIMBO NONATO (“Direito”, vol. 53, pág. 278).

Adotando tal conceito da posse, não quis, todavia, o Código negar o direito possessório de que também é titular o proprietário. E assim, completando o alcance do art. 485, o texto do subseqüente, em resguardo da regalia que igualmente desfruta o dominus, fêz dividir o sentido da posse em dois ramos, aos quais emprestou características próprias.

Daí a classificação da posse em direta e indireta (art. 486), em função da qual à primeira categoria ficaram tôdas aquelas figuras jurídicas que temporàriamente a exercitem, sem anularem o direito de que desfruta a segunda.

É um desdobramento dos efeitos do instituto, bifurcando-se em dois caminhos que seguem uma reta sem se tocarem, paralelos, distintos, um sem interferência no destino do outro, porém ambos se completando pelos fins que os identificam, girantes em tôrno do direito da propriedade.

*

À sombra dessa conceituação da posse aparece, dentre várias outras de que nos fala o texto legal, a figura do locatário, a quem confere a lei a posse da coisa locada, a posse direta, na expressão do Código.

Essa posse direta de que goza o locatário é a verdadeira posse, a posse de fato a que se refere o art. 485 do Código Civil.

Locada a coisa, é o titular dessa situação o seu verdadeiro, senão único, no sentido estrito da lei, possuidor. Perde essa qualidade o proprietário desde o instante que aluga o seu prédio. Com a locação, cede o proprietário a posse que tinha sôbre a coisa locada. Não tem mais a posse, e sim apenas o dominus.

E isso porque a posse indireta, de cuja titularidade goza o proprietário, é uma posse ficta, mera criação abstrata da lei, ou, como ensina o insigne professor GONDIM NETO, ela “…não é, na realidade, aquilo que as palavras parecem indicar, não é posse como a dos outros possuidores, constitui ùnicamente uma ficção, que se reduz ao direito de exercer, subsidiàriamente, as ações possessórias, para reprimir atos ilegais praticados contra o verdadeiro possuidor. Não vai além a importância da posse indireta” (“Posse Indireta”, págs. 9 e 173, e “Da posse indireta no Código Civil”, apud “REVISTA FORENSE”, vol. 77, pág. 37).

Realmente, a posse indireta, ou imediata, que a lei confere ao proprietário que cede o uso de seu prédio a terceiro, é uma posse sobrepujada pela mediata, ou direta, que desfruta o inquilino, por ser mais forte o poder efetivo da mesma, colocando-se à frente da do proprietário, cobrindo-o – no conceito e expressão do abalizado PONTES DE MIRANDA.

Êsse poder efetivo da coisa de que usufrui o locatário é a verdadeira posse, já que é a mesma, no conceito de IHERING, “l’extériorité, la visibilité de la propriété” (“Euvres Choisies”, vol. II, pág. 230; CLÓVIS, “Manual”, vol. VII, pág. 35).

Dentro da conceituação acima, é corrente na doutrina que a posse ficta criada pela lei em prol do proprietário, na espécie, não passa de uma concepção admitida com o objetivo de resguardo do seu direito de domínio no imóvel contra terceiros.

Releva notar que essa situação oferece especial destaque à posse direta, fazendo ver a alta significação de tal direito, pertencente, ao locatário, por fôrça do qual deixa de medrar qualquer gesto do proprietário no sentido de diminuí-la ou anulá-la. E, dessa forma, enquanto o proprietário resta tolhido de agir possessòriamente contra o locatário, embora possa fazê-lo contra outrem, êste arrola ao seu lado tôda uma série de interditos, não só contra terceiros, mais ainda – o que caracteriza o valor ímpar de sua posse contra o próprio locador (TITO FULGÊNCIO, “Da Posse e das Ações Possessórias”, pág. 91, nº 88; IHERING, “Questões de Direito Civil”, VII – “Da turbação no gôzo do arrendamento”, pág. 252; CORREIA TELES, “Digesto Português”, tomo III, pág. 108, n° 767; LOBÃO, “Interditos”, pág. 215, § 263; LAFAYETTE, “Direito das Coisas”, pág. 3; TRIGO LOUREIRO, “Direito Civil Brasileiro”, tomo II, página 262, § 697).

Arestos têm sustentado que direitos tão amplos, regalias tão largas, conferidos ao inquilino por via dos privilégios de uma posse com tais características, seria a negação do direito de propriedade. Não colhe a argumentação.

Não se contesta, nem as nossas leis negam, pelo contrário, todos os nossos diplomas legais, quer no campo do direito civil, quer no constitucional, em qualquer dêles está expresso, com suas peculiaridades e garantias, o direito de propriedade.

Exato que certas prerrogativas de que antes se revestia têm cedido ao impulso de um direito novo, que se alça à sombra de correntes políticas agitadas pelo simum de um socialismo que se diflui e alastra. Permanece de pé, todavia, o que preceitua, tanto a Constituição (art. 141, § 16), como o Cód. Civil (art. 524), à vista de cujos títulos legais é assegurado ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens.

É a propriedade plena resultante do desfrute de tais direitos elementares, denominados pelos romanos de jus utendi, jus fruendi e jus abutendi. No entanto, de acôrdo com o conceito da escola objetiva da posse, o jus utendi, que pressupõe a posse da coisa, deslocando-se, de par com o jus fruendi, das mãos do proprietário para as do locatário, deram ambos a êste último mais privilégios sôbre a coisa que aquêles que permaneceram em poder do primeiro. Ficou o locatário no gôzo de mais direitos, pois, na lição já citada de PONTES DE MIRANDA, “as conseqüências legalmente reconhecidas da posse imediata sobrepujam às da posse mediata, por ser seu poder efetivo, graças à relação direta para o objeto, o mais forte”.

Com o proprietário ficou o jus abutendi, via de conseqüência do seu domínio, o qual, dito jus, significa o poder de dispor da coisa. Mas, êsse direito ninguém lhe nega, nem o inquilino, no gôzo de sua posse, o priva do uso dessa prerrogativa legal.

Pelo sistema possessório adotado pelo Cód. Civil, ficou, portanto, assegurado o direito de propriedade, cuja extensão, apenas, a lei fixou quando o detentor de tal direito se despoja, a favor de outrem, de certas regalias inerentes ao mesmo.

A propriedade, já o vimos, manifesta-se e exterioriza-se através de um certo número de modalidades jurídicas, que se traduzem nos jus já acima nomenclaturados. Desde que o titular de tal direito transfere a terceiro parcelas do mesmo, e entre estas se acham aquelas que dão a visibilidade da propriedade, que é a posse, não se pode dizer que o preceito legal, civil ou constitucional, foi ferido ou menosprezado.

“A Constituição federal” – ensina o preclaro TITO FULGÊNCIO – “garante a propriedade em tôda sua plenitude… e o Cód. Civil contém os princípios de realização da promessa constitucional. Mas a posse é a propriedade atualizada, propriedade exteriorizada, a propriedade visível, e, portanto, até ela se estende o alcance da garantia; a proteção dela é complemento necessário de proteção da propriedade” (“Da Posse e das Ações Possessórias”, pág. 78, nº 73).

Visita de prédio locado à venda

Demonstrada a situação de que goza o locatário perante o nosso direito, aplicado ou não, em confronto àquela de que desfruta o proprietário, quando dos laços que os unem através de relações contratuais locativas, vê-se que não assiste razão àqueles julgamentos que admitem à existência do direito em prol do proprietário de poder fazer visitar prédio seu locado, quando da sua disposição de querer vendê-lo.

Nega amparo a tal pretensão o Código Civil, ao proclamar a obrigação, por parte do proprietário, de garantir ao inquilino o uso e gôzo pacífico da coisa locada. Recusa-lhe apoio a doutrina exposta pelos nossos insignes comentadores da grande lei civil. E, como adiante veremos, a Constituição federal e a jurisprudência cerrada do Supremo Tribunal Federal fazem diluir quaisquer veleidades por acaso ainda alimentadas.

Baldos de qualquer apoio em seja qual fôr das manifestações do nosso direito, os prolatores de tais decisões em favor da vulnerabilidade do conceito, ou, pelo menos, da sua flexibilidade, excursionam pelo direito alienígena, em cujos refolhos pretendem encontrar ajuda às exegeses extra legem.

Convém que se frise, desde já, antes de analisarmos as opiniões doutrinárias em que se arrimam tais defensores da ductibilidade da lei, que o direito, na espécie, que vige nos países onde campeiam semelhantes ensinamentos, é completamente diverso daquele que vigora entre nós.

Realmente. Na França, na Bélgica, na Itália, em qualquer dêsses países onde se foi buscar amparo à teoria que dá como permissível o proprietário fazer visitar prédio locado ao se dispor a vendê-lo, todos êles têm os seus Códs. Civis filiados, quanto ao instituto da posse, ao velho sistema combatido por IHERING, a cuja doutrina, dêste último, aderimos ao promulgarmos o nosso Cód. Civil.

Dentro desta nova – ao contrário da velha, que vem desde os romanos – concepção da posse, é figura fóssil o compossessio plurium in solidum, em virtude do qual a posse da coisa pertence concomitantemente ao proprietário e locatário.

No direito francês, e seus satélites, que no cível são meras cópias daquele, o proprietário é que é possuidor, não passando o locatário de simples detentor da coisa.

Reza o art. 2.228 do seu Cód. Civil:

“La possession est la détention ou la jouissance d’une chose ou d’un droit que nous tenons ou que nous exerçons par nous-mêmes, ou par un autre qui la tient ou qui l’exerce en notre nom”.

Daí ensinar HUC, um dos seus insignes comentadores, verbis: “La possession est le fait de détenir une chose pour son compte exclusif, cum animo hanc rem sibi habendi” (“Code Civil”, vol. IV, pág. 143, nº 113).

O conceito torna-se mais claro através do lúcido ensinamento de PLANIOL, verbis: “Quand une chose est louée, prêtée, déposée, engagée, etc., c’est le propriétaire de cette chose qui en est réputé possesseur; c’est en sa personne que se réalisent les effets avantageux de la possession; c’est lui qui a les actions possessoires, lui qui prescrit: il possède en effet la chose corpore alieno, par l’intermédiaire de la personne à laquelle sa chose est confiée” (“Droit Civil”, vol. I, pág. 709, nº 2.315).

À luz de ocorrência de tal natureza, onde o sentido de uma não se confunde com o da outra, das duas teorias confrontadas, é que alguns comentadores dos Códs. Civis francês, italiano e belga, expendem certa opinião no que toca ao direito do proprietário de visitar, ou fazer visitar, imóvel seu locado quando da sua relocação, ou venda, a despeito da lei – diga-se – não autorizar o exercício de semelhante regalia.

Ditos autores firmam-se, por conseguinte, na concepção savigniana esposada por suas codificações, diante da qual o locatário não é possuidor, apenas detém, em nome do proprietário, o imóvel a si locado, alieno nomine, e, pertencendo ao mesmo a sua posse, os diretos do locatário cifram-se a uma situação restritíssima, de efeitos precários, longe do alcance que aquêle aufere em conseqüência do gôzo pleno de tal direito possessório.

Desprovida do animus, no sentido restrito, de ter a coisa para si por parte do locatário, que apenas a detém e não a possui, passou a locação a ser encarada nos referidos direitos como mero ato de administração (AUBRY & RAU, “Droit Civil”, vol. V, § 364, pág. 271; COLIN & CAPITANT, “Droit Civil”, vol. II, págs. 576 e 587; MOURLON, “Répétitions Ecrites sur le Code Civil”, vol. III, pág. 336; BAUDRY-LACANTINERIE & WAHL, “Del Contratto di Locazione”, vol. I, pág. 37, nº 60; DE PAGE, “Droit Civil Belge”, ed. 1951, volume IV, parte 1ª, págs. 492 e 494, nº 496; FUBINI, “Il Contratto di Locazione di Cose”, vol. I, pág. 40, nº 42).

Frente a circunstância de tal ordem, acima exposta, justifica-se, de certo modo, o caminho seguido por semelhantes autores, manifestando-se em favor da situação de que deve o proprietário desfrutar o direito de fazer visitar imóvel seu dado a aluguel, desde que deseje relocá-lo, ou mesmo vendê-lo.

Em o nosso direito, entretanto, a compreensão não tem cabimento, orçando pelo absurdo, face ao que prescreve o nosso Cód. Civil no que tange ao conceito da posse, como acima vimos.

Perante a nossa lei, o locatário não é um simples administrador, um simples alieno nomine possidentis, e sim um verdadeiro possuidor do prédio a si locado, o qual êle possui em nomine proprio, tornando-se, por via de conseqüência, indébita qualquer interferência, na espécie, do proprietário no referido prédio, salvo, é claro, dentro das exceções derivadas da lei. Com o mesmo, alugado o imóvel, ticam os direitos que lhe confere sua situação dominial.

*

A despeito da teoria a que obedecem os seus Códs. Civis, onde a locação é simples ato de administração, e, conseqüentemente, o locatário não possui a coisa, apenas a detendo em nome do proprietário, teoria que favorece o pensamento de ser possível a existência do dito direito de visita, não é com dificuldade que se percebe que os conceitos, na matéria, emitidos por alguns dos seus comentadores têm muito a desejar quanto à idéia de tê-los como decisivos, ou simplesmente persuasivos, mesmo perante o direito de origem, para se admitir a tese como dominante, capaz de ser seguida sem empacho.

Analisemos essas opiniões trazidas, de vêzes, à colação pelos defensores do alegado direito do proprietário, opiniões cujo sentido se verá não se ajusta ao pensamento daqueles que defendem tal prerrogativa, em razão de que se assentam em circunstâncias de índole diversa, ou visam a fins de caráter diferente.

Coloquemos à frente BAUDRY-LACANTINERIE & WAHL, que são dos que imprimiram mais largueza à dissertação sôbre o assunto.

Nota-se, de comêço, que êstes tratadistas, na ausência de qualquer texto expresso, que realmente o Cód. Civil francês não consigna, assentam o seu conceito, no caso, numa vaga presunção, quando a matéria de locação é sempre regida por fórmulas convencionais entre as partes, prefixadas de modo positivo e expresso. Nada, ou muito pouco, deixam, em regra, os pactos, à sombra do que possam ser admitidas certas interpretações – salvo situações implícitas por sua própria natureza – quanto mais motivos para se permitirem presunções.

Essas presunções, todavia, da que falam BAUDRY-LACANTINERIE & WAHL, êles as admitem nos casos de relocação, sem qualquer referência a respeito de tal circunstância quando de visita para efeito de venda de prédio locado. Aliás, é para o caso de relocação que êles desenvolvem argumentos em apoio à sua teoria, como sejam, verbis: “D’autre part, quelque temps avant l’expiration du bail, le bailleur a le droit de faire entrer dans l’immeuble les personnes qui se présentent pour le visiter. Ce droit est reconnu en tout endroit par d’usage des lieux et, par conséquent, le preneur est censé d’avoir admis. Du reste, il est indispensable pour que le brilleur soit en mesure de relouer son immeuble immédiatement après l’expiration du bail” (“Du Contrat de Louage”, vol. I, pág. 247, n° 463).

Com o mesmo objetivo de relocação, acrescentam ser direito do locador afixar escritos no imóvel cuja locação esteja prestes a expirar.

Convém ainda assinalar que, pela seqüência das particularidades tratadas nos números anteriores, imediatos, sôbre a matéria de garantias, os referidos autores admitem tal teoria tendo em vista uma propriedade rural, e não um prédio urbano. Esta convicção melhor se firma desde que se analisem certos conceitos expendidos pelos mesmos no trecho citado, e da sua evidência mais claramente se infere ao se tomar conhecimento mais à frente de opiniões de outros escritores concernentes ao assunto.

Todavia, segundo tão singular teoria, não é a lei que se deve obediência, cujos pressupostos negam semelhante direito, mas aos usos locais, os quais, assim, fazem derrogar o que prescrevem os textos, cuja ordenança se fixa no sentido do locador garantir ao locatário o uso pacífico da coisa locada, condição esta por êles próprios realçada e defendida em várias passagens da sua referida obra (ns. 334, 429 e 459).

Essa situação de não se estribar a tese nas regras da lei, êles também se encarregam de fazer sobressair, mostrando, ao mesmo tempo, no nº 827 do aludido estudo, quão precária e insubsistente. é a sua opinião antes manifestada no nº 463, quanto ao direito de visita do locador à coisa locada. E, assim, a respeito se expressam, verbis: “La mesure dans laquelle le bailleur a le droit de pénétrer dans d’immeuble loué n’est pas définie par la loi. Il est certain que le bailleur n’a pas le droit de pénétrer arbitrairement dans cet immeuble” (ob. cit., vol. I, pág. 478, número 827).

Não só nesse ponto merece censura a opinião ora em estudo, eis que de outras feitas se mostram ditos autores defensores zelosos dos direitos que são conferidos aos locatários no que tange ao gôzo pacífico do imóvel a si locado.

Tal particularidade observa-se em outras passagens da sua importante obra sôbre a matéria, onde, rebatendo as idéias de POTHIER, ao defender êste escritor o princípio de que ao locador é assegurado o direito, sob determinadas condições, de fazer modificações na coisa locada, apresentam-se, êles, em defesa vigorosa do preceito legal do uso pacífico da coisa, por parte do locatário, assim se exprimindo: “Non seulement, en effet, l’article 1.723 s’exprime en termes généraux, mais la solution de POTHIER contrarie le principe de la responsabilité du bailleur; l’obligation de faire jouir ne comporte pas de tempérament, et le preneur peut, sans, aucune restriction, exiger une jouissance complète et conforme à la convention (ob. cit., vol. I, pág. 244, nº 459).

E acrescentando POTHIER, secundado por cartas decisões judiciais, que tais modificações, de caráter restrito, não causam prejuízo ao locatário, voltam os referidos tratadistas a reafirmar, com ênfase, o seu apoio ao princípio do gôzo pacífico a que tem direito o locatário, com as seguintes incisivas expressões: “Toutes ces conditions réunies ne nous paraissent pas de nature à modifier le principe: il importe peu que le preneur ne souffre aucun préjudice, puisqu’il a le droit de réclamer l’exécution de l’obligation du bailleur et que cette obligation empêche toute modification à la chose louée; il importe peu que la modification soit insignifiante, pour la même raison; il importe peu enfin qu’une clause formelle du bail n’interdise pas la modification, car une clause formelle en ce sens serait l’expression du droit commun et. constituerait une superfétation” (ob. cit., vol. I, pág. 245, nº 459).

Em razão do que acaba de ser exposto, vê-se que êles próprios – BAUDRY-LACANTINERIE & WAHL – são defensores decididos e animosos da tese legal de garantia a favor do inquilino, por parte do proprietário, do uso pacífico da coisa, obrigação que nem sequer comporta temperamento, consoante asseveram categóricos no trecho acima citado.

No mesmo sentido de relocação – e não de venda – versa o estudo de THEOPHILE HUC, nos seguintes têrmos: “Le locataire dont le bail est près d’expirer doit laisser visiter les lieux par les personnes qui ont l’intention de les rendre à bail” (“Code Civil”, vol. X, pág. 405, n° 301).

GUILLOUARD, em obra especializada, obedece à mesma corrente de idéias, ferindo o assunto por mais de um prisma, qualquer dos quais em contrário à tese do aludido direito de visitas em prol do proprietário.

Transcrevamos a passagem do seu tratado onde focaliza o assunto, verbis: “Le bailleur a le droit, sans que le preneur puisse l’accuser de troubler sa jouissance, de visiter les lieux loués pour constater les réparations qui peuvent y être nécessaire, et de les faire visitar par les ouvriers qu’il préposera à c-es préparations.

Il a le droit aussi, en se conformant aux usages locaux, de faire visiter les lieux par les personnes qui ont l’intention de les prandre à bail, à l’expiration du bail en cours. Mais le locataire d’un appartement dans une maison peut s’opposér à l’apposition sur le mur extérieur d’écriteaux indiquant des appartements à louer, à raison du va et vien d’étrangers que ce mode de publicité occasione” (“Traité du Contrat de Louage”, vol. I, pág. 157, número 143).

O ponto de vista dêste escritor – excluída a hipótese de reparações do imóvel, que já constitui preceito enquadrado na legislação francesa, como também na nossa (Cód. Civil, art. 1.205, e Cód. de Proc. Civil, art. 302, VI) – é que, – talqualmente BAUDRY – LACANTINERIE & WAHL, – segundo os usos locais, no término da locação em curso o locador pode fazer visitar o imóvel locado por aquêles que têm a intenção de o tomar a aluguel.

Não se trata, pois, de venda, e sim de relocação, convindo, além do mais, se atentar que a sua dissertação se desenvolve tendo em vista uma propriedade rural.

Releva notar que GUILLOUARD, consoante o final do trecho transcrito, forma, sem rebuços, do lado daqueles que negam direito ao proprietário de fazer visitar imóvel dado em locação ao desejar vendê-lo, como claramente se depreende da sua afirmativa de que o locatário pode se opor à aposição, na parede externa da casa em que habita, de escritos indicativos de sua situação a aluguel, à raison du va et vient d’étrangers a que leva tal maneira de publicidade. É circunstância que se objetiva igualmente quando de anúncio de venda, e daí o raciocínio acima exposto em tôrno da sua adesão ao princípio legal do gôzo pacífico da coisa conferido ao locatário.

Ocupemo-nos, em seguimento, da opinião de PLANIOL & RIPERT exposta na sua clássica obra concernente ao direito civil francês.

Manifestam-se, os mesmos, adeptos do direito em prol do proprietário de poder visitar prédio seu alugado. Fazem-no, porém, com reservas, limitando tal prerrogativa a prédio rústico, e não urbano. E o seu ensinamento visto através do seguinte trecho de sua grande obra, verbis: “512. Etendue du droit du bailleur de pénétrer sur le fonds loué. Il peut y avoir dans certains cas des difficultés. Le bailleur a certainement le droit de pénétrer dans les lieux loués afin de se cendre compte de la nécessité des réparations qui lui incombent, et il peut y envoyer les ouvriers pour effectuer ces réparations. Il peut également se rendre compte, par une visite, de l’exécution par le locataire de certains obligations légales, celle de faire les réparations locatives, par exemple, ou celle de garnir les lieux loués. Il faut encore lui reconnaitre le droít d’íntroduire dans le immeuble loué, avant l’expiration du bail, des tiers auxquels il aurait l’intention de vendre cet immeuble ou de le donner ultérieurement en location” (“Traité Pratique de Droit Civil”, vol. X, parte 1ª, pág. 612, nº 512).

É evidente que a palavra fonds empregada pelos autores acima não quer significar maison, quando se sabe que o seu sentido se restringe à concepção de fonds de terre, que é um conjunto de direitos representados por uma propriedade rural. No direito francês é o têrmo utilizado dentro dêste conceito, salvo o fonds de commerce, que é outra figura de universalidade de direitos, mas com assento no campo comercial ou industrial. Sendo cada qual dos dois apontados fonds um conjunto de relações de ordem material e jurídica, onde até as coisas abstratas têm o seu ponto de destaque, como especialmente a achalandage e a clientelle, isso perante o fonds de commerce, é natural e lógico que a sua transferência a terceiro, a qualquer título, indique a necessidade, ou, como dizem BAUDRY-LACANTINERIE & WAHL, a indispensabilidade de visita à propriedade dos interessados, a fim de tomarem conhecimento dos vários atributos, a miúdo complexos, de que se reveste tal categoria de imóvel.

*

Exposta a opinião de alguns autores franceses adeptos da tese frente à qual é possível a visita de terceiros, amando do proprietário, de prédio alugado, percebe-se claramente que tal doutrina prevalece para os casos de relocação, especialmente, e, em qualquer situação, é adotada ùnicamente quando tendo em vista uma propriedade rural, e não um prédio urbano.

Os juristas citados, expressamente ou não, todos êles se ajustam a semelhante concepção, a cuja evidência, com destaque dos direitos do uso pacífico a que faz jus o locatário, empresta sua incontestada autoridade o grande POTHIER, verbis: “Ce n’est pas un trouble que le locateur d’une métairie apporte à la jouissance de son fermier, lorsqu’il s’y transporte, ou qu’il y envoie des personnes de sa part pour en visiter l’état.

À l’égard des maisons de ville, se serait un trouble que le locateur apporterait à la jouissance que son locataire doit avoir de la maison, s’il faisait quelque chose que tendit à diminuer cette jouissance, ou à la rendre moins commode au locataire” (“Ceuvres”, vol. IV, pág. 34, número 76).

*

Passando-se do direito francês aos seus satélites, no que diz à matéria civil, temos, do belga, a figura de DE PAGE.

Êste autor, a despeito de reconhecer e proclamar que ao locador não é conferido o arbítrio de penetrar em imóvel dado em locação, porque semelhante ato seria uma perturbação ao gôzo pacífica da coisa de que é titular o locatário, admite, no entanto, o princípio, desde que temperado, oferecendo a seguinte advertência: “Mais cette règle doit évidemment être entendu avec bon sens”, cujo sentido fixa, verbis: “Elle doit se comprendre en ce sens que le bailleur ne peut, pendant le cours du bail, pénétrer dans l’immeuble sans motif légitime”.

E classifica, entre tais motivos legítimos, as reparações urgentes, o direito de caça, etc. (“Traité Elémentaire de Droit Civil Belge”, vol. IV, parte 1ª, página 682, nº 682).

A interpretação da frase com bom senso, do princípio legal que manda o locador se abster da prática de ato seu que perturbe o gôzo pacífico da coisa tido a favor do locatário, é aquela mesma professada pelo insigne autor ao dizer que”o locador não pode, durante o curso da locação, penetrar no imóvel sem que haja motivo legítimo”.

Que é que se considera motivo legítimo? Tudo aquilo que não contrarie a lei. A figura da ilegitimidade é fronteiriça da iliceidade. Uma se confunde com a outra, de vez que ambas se alimentam de motivos ofensivos à lei. De tal arte, o ilegítimo incorpora-se à categoria do ilícito, e o ilícito a lei condena por caracterizar o abuso do direito.

Nos contratos de locação, onde se estabelecem relações recíprocas, são legítimos os motivos, não só os que se assentam na lei, copio, por igual, os que resultam da convenção, que por si é lei entre as partes. DE PAGE enumera alguns dêsses motivos, entre os quais os reparos urgentes, direito à caça, etc., todos com base nos dois pressupostos jurídicos acima apontados. Está, dessa forma, certo o que escreveu, acima exposto, o ilustre escritor, caminho êste do qual, todavia, se desviou ao defender a entrada em prédio alugado, – admitindo, assim, o fato como motivo legítimo, – por carecer o que advoga fundamento na lei, e não subsistir no silêncio da convenção.

*

No direito italiano, dos dois cujos institutos do jus civile se plasmaram pela que vige em França, não vemos por que se dizer, como se tem dito, que LUIGI ABELLO e RICCARDO FUBINI se filiam à classe dos que admitem a tese à vista de cujo império goza o proprietário o direito de fazer visitar prédio seu dado em locação, uma vez que se disponha a aliená-lo.

Ao versar assunto, em sua obra especializada, correlato à matéria, vemo-lo – o primeiro dos citados – tratar de certos privilégios de que usufrui o proprietário sôbre imóvel locado, sem daí se poder concluir ser o mesmo adepto de tal direito em prol do proprietário.

Leiamos as suas palavras concernentes a essa situação, verbis: “Il privilegio, abbracciando in genere quel godimento che ha la sua ragion d’essere nel soddisfacimento dell’obbligazione imposta ed accettata per ottenerla, comprende non soltanto le cose, in cui naturalmente si concreta, ma anche quelle, che essendo mezzi necessars ed adatti per esercitarlo, manifestano mediante la loro presenza nella cosa locata, l’attualità del godimento o l’opera con la quale si vuole ottenere quella forma in cui si concreta e si estrinseca” (“Della Locazione”, vol I, págs. 413-414, nº 168).

É ainda de se considerar que o referido autor tece suas considerações tendo em vista – como vimos no direito francês – não prédio urbano, quando realmente se refere a imóvel rústico.

E quanto a FUBINI, também em tratado peculiar à matéria, em verdade se diga que êle é dos que opinam ser facultado ao proprietário visitar o prédio alugado em caso de venda. Mas, a êsse modo de pensar, logo apresenta as razões de ordem jurídica com base no sistema possessório de seu Cód. Civil. Diz êle, realmente, que tal direito é uma conseqüência da “stessa natura del possesso del conduttore”… o qual detém a coisa alieno nomine, não passando de mero administrador (“Il Contratto di Locazione di Cose”, vols. II, págs. 326-327, nº 581, e I, pág. 40, nº 42, respectivamente).

Além dessa explicação que êle próprio dá a respeito do direito de visita do locador em face da própria natureza da posse do locatário, FUBINI, sôbre êsse mesmo direito, escreveu, embora sob outra face, as expressões que se seguem, à vista das quais se aquilata – e êle mesmo confessa – o quanto de ilegal é a natureza dessa regalia, diante do verdadeiro direito assegurado ao locatário no que concerne ao gôzo pacífico da coisa locada. Verbis: “Ricordiamo come a questo proposito si tratti di un diritto che dal nostro codice non fu, nè disciplinato, ni sancito e che in pratica non può avere un’efficace esplicazione, sia pure solo nei riguardi del ponto esaminato al numero precedente, perchè una vigilanza continua ad accurata da parte del locatore verrebbe ad impedire quel pacifico possesso cui il conduttore ha diritto” (ob. cit., vol. II, pág. 326, nº 580).

Prevalece no direito italiano o mesmo princípio dos demais setores jurídicos examinados, isto é, as visitas de interessados a prédios alugados têm por fim a relocação, nos têrmos como se exprimem PACIFICI-MAZZONI, verbis: “Molto più competente al locatore è la facoltà d’introdurvi, sud terminare della locazione, le persone che gli facessero domanda di nuovo affitto” (“Delle Locazioni”, vol. IV, pág. 155, nº 95).

Verificada quão diversa é a opinião dos escritores franceses, belga e italianos – onde indevidamente se vão buscar motivos para a defesa de uma tese que o nosso direito atual repele – daquilo que pregam certos julgados, não é diferente – o que ocorre com o nosso velho direito, aquém e além das fronteiras lusitanas.

A despeito da teoria da posse ser seguida àquela à sombra da qual o locatário não possui em nomine proprio, vemos o preclaro BORGES CARNEIRO ensinar que o useiro (equivalente) goza do direito, de habitar a casa sem incômodo do proprietário (“Direito Civil de Portugal”, tomo IV, pág. 132), a cujo conceito empresta sua conhecida autoridade CORREIA TELES, dizendo que o condutor tem o direito à coisa alugada, sem embaraço por parte do locador (“Digesto Português”, tomo III, nº 753). E em o nosso direito, o grande LAFAYETTE, aludindo à figura análoga do usufrutuário, doutrinava que era obrigação do proprietário “não praticar ato algum de que possa resultar dano ou embaraço no exercício do seu direito” (“Direito das Coisas”, página 224).

E quando o insigne COELHO DA ROCHA, baseado, é certo, na espécie do seu direito possessório que com as Ordenações vigorava, defendeu o princípio de ser obrigado o locatário consentir nas visitas de prédio a si locado, fê-lo sòmente para as “terras onde se costumam pôr escritos nas casas”, isso no término do contrato, com o fito da nova locação, tal e qual consoante as opiniões dos autores estrangeiros acima citados. E nas visitas para efeito de venda do imóvel. É assim que, se exprime o ilustre autor lusitano, verbis:

“Nas terras onde se costumam pôr escritos nas casas, êstes indicam a despedida e cessação do contrato; e devem ser postos trinta dias antes por aquêle que não quer continuar: a omissão dos escritos induz recondução tácita. Silv. cit., ns. 8 e 18. Depois de postos os escritos, fica o inquilino obrigado a franquear o interior das casas àqueles que as queiram ver para arrendar. Alv. de 22 de maio de 1771” (“Instituições de. Direito Civil Português”, vol. II, pág. 340, § 841).

Doutrina alienígena

Das análises levadas a efeito sôbre as opiniões de certos escritores alienígenas, – independente do seu sistema dualista da posse contrário ao nosso, – três circunstâncias sobressaem, à vista das quais mostra-se evidente que a colação trazida não ampara o tema de que goza o proprietário o direito de fazer visitar imóvel seu locado, ao se dispor a vendê-lo. A primeira, é que as opiniões citadas referem-se, em geral, à relocação, e não à venda. Na ordem da segunda, ajunta-se o motivo de que as propriedades visadas são aquelas com existência nos campos, e não nas cidades. E à última categoria, temos as razões, em que se apóiam, de usos e costumes, situação que não pode prevalecer entre nós, porque legem habemus.

Esta última circunstância, de usos e costumes, é estranhável que certos julgados tanto à mesma se aferrem, quando, disciplinando a matéria, nada menos de três grandes diplomas legais se ocupam clara e diretamente do assunto. E sé temos a lei, por que invocar motivos estranhos à sua índole? Usos e costumes, acaso havidos, no conflito que suscite o seu império com o da lei, o domínio desta se impõe, sabido que a lei só se revoga por outra lei. Valessem usos e costumes, com menosprêzo dos textos, como seriam instáveis, dúcteis e incertos os esteios da legislação onde se assentam as garantias do direito de cada um!

Sem poderes de derrogar leis, são, não se nega, usos e costumes, fontes de direito, mas apenas de caráter subsidiário, pelo que “ne peuvent être pris en considération que si la loi ne détermine pas elle-même le contenu de l’obligation”, na lição de ALBERT RABUT, que adianta: “lorsque la décision du législateur est certaine… il n’y a pas lieu de rechercher ce que son les usages, sinon la loi n’aurait aucun-a autorité, le droit serait à la remorque des moeurs” (“De la Notion de Faute en Droit Privé”, pág. 100, nº 84).

Dessa forma, tanto a doutrina alçada pelo conceito unânime de nossos civilistas, como por igual a nossa lei através de norma expressa do Cód. Civil, de par com a teoria da posse que o mesmo esposa, mostram, tôdas essas manifestações vivas do nosso direito, que o mesmo repele semelhante tese, amparando, ao invés, o locatário de qualquer turbação oriunda do arbítrio que se queira investir o proprietário ao tomar a resolução de alienar prédio ao mesmo dado em aluguel.

Art. 150 do Cód. Penal. Art. 145, § 15, da Constituição federal

Não só o Cód. Civil, consoante o que dispõe o seu art. 1.189, nº II, prescreve as garantias do gôzo pacífico da moradia a favor do inquilino.

O princípio, ultrapassando o campo, já de si amplo, do direito civil, alcandorou-se às elevadas esferas do jus maior, através do precioso dogma da inviolabilidade do lar, norma preexcelsa que se manifesta nos refolhos das grandes leis de todos os povos civilizados.

Tudo gira, de certa maneira, em tôrno dêsse grandioso postulado de garantia da liberdade individual. E, dentro dêsse pressuposto, o nosso Cód. Penal também estatui preceito em obediência ao qual é vedado a quem quer que seja perturbar o gozo do direito de habitação.

O morador de um prédio não pode sofrer o vexame de se lhe ser forçada a entrada, penetrando-se-lhe no recinto a seu contragosto. Se se não amparar a exigência em um ato com base numa prescrição legal, o Cód. Penal cataloga o gesto à classe dos casos passíveis de sanções, àqueles que admitem punibilidade. E lhe taxa uma pena.

Reza assim o seu art. 150:

“Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito em casa alheia, ou em suas dependências:

Pena: detenção de um a três meses, ou multa de Cr$ 300,00 a Cr$ 2.000,00”.

O princípio fundamental do citado texto da lei penal, verifica-se, sem maior exame, que é garantir ao morador de prédio o seu uso pacífico, face a que qualquer turbação por parte de terceiros, seja de quem fôr, é uma violação ao seu direito de liberdade individual.

Baseada nesse grande postulado é que a ressoa sa sente segura dentro do seu lar, defendendo-lhe o recesso sagrado onde pontifica a família. “La morada de un individuo es el sitio en que debe gizar de la libertad más extensa, de la independencia más absoluta y de la seguridad más completa” (in BENTO DE FARIA, “Código Penal Brasileiro”, vol. III página 341). É o seu castelo, a sua cidadela, a sua fortaleza, na imagem fascinante e animosa dos velhos tempos bretões.

Escudado em tal direito, êle, o morador, assegura a si e aos seus – espôsa, filhos e parentes – a tranqüilidade do seu lar, a vida santa da família, o sossêgo de um recanto onde a presença de estranhos é o grande vexame de pôr à vista particularidades íntimas cuja compreensão e alcance só os de casa sabem sentir.

Com profunda sensibilidade de expressão, traçou, sôbre tão grandioso tema, uma página do mais vivo realismo, recamada de um colorido impressionante, – o reputado jurista VICENZO MANZINI, quando escreveu, verbis: “Se si potesse impunemente turbare la tranquillità o violare, la riservatezza del luogo sacro alla vita intima individuale, del dolce rifugio ristoratore delle lotte quotidiana, dell’affettuoso convivio nel quale l’uomo trasfonde e perpetua nella discendenza la propria personalità, in cui passa la parte più pura della sua vita, ove nasconde debolezze o miserie, alimenta speranza, medita propositi, coltiva memorie, custodisce segreti e difese, é manifesto chè la libertà individuale rimarrebbe disconosciuta e insidiata proprio là dove, per la particolare delicatezza dei rapporti, più occorre che sia energicamente protetta e rigorosamente rispettata. Domi suae quilibet rex” (“Trattato di Diritto Penale Italiano”, volume VIII, págs. 757-758, nº 3.135).

 Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

O princípio do qual se faz arauto o Cód. Penal, e implìcitamente observado nos meandros da grande lei civil, por fôrça do qual o indivíduo se sente tranqüilo, isento da vexames, dentro de sua casa, cuja paz goza ao lado dos seus, é, pode-se concluir, uma derivante, senão uma conseqüência, do axioma universal da inviolabilidade do lar.

Se êsse preceito, magnânimo e liberal, só se exteriorizasse em épocas recentes, dagora, de hoje; fôsse uma manifestação de nova modalidade jurídica, despontada de fresco, e, como tal, sujeita às alternativas das análises, às dissecações exegéticas dos hermeneutas, justas ou não, certas ou erradas, mas de certa maneira justificadas para esclarecimento da inovação no campo da juridicidade, ainda se poderia compreender qualquer vacilação no apercebimento de norma de tão elevado fito social. Mas, não. É velho, antigo, ancianíssimo semelhante direito, coexistindo suas manifestações até com as sociedades primitivas, quando se resguardavam, enfrentando mesmo a guerra de clã a clã, contra seus perseguidores, os fugitivos, escravos ou libertos (LETOURNEAU, “La Guerre dans les diverses Races Rumaines”, pág. 65). Em épocas mais avançadas, entre gregos e romanos, – genuflexos ante o altar da família erigido no recesso sacratíssimo de seu lar, – era princípio consagrado a inviolabilidade do domicílio (COULANGES, “La Cité Antique”, pág. 67), direito que empós foi escrito nos pórticos dos monumentos jurídicos da antiga Roma, em cujos textos, de um dêles, – o “Digesto”, – se lê: “Domus tutissimum cuique refugiam ac receptaculum sit”. Transpostas as fronteiras latinas, o vetusto e grandioso dogma floriu com os “antigos germanos, os visigodos, os burgúndios, os frisos”, que “vingavam gravemente a tutela e segurança das casas particulares”, consoante, apoiado em “Sanctitate Residentiarum”, de STRYK, nos mostra ALMEIDA E SOUSA, que ajunta: “Geralmente, aquêle que repugnando o habitante, e contra a vontade dêle entra, ainda sem formal violência, em sua casa, lhe comete uma injúria grave das da lei Cornélia, ou a casa seja sua, ou alugada, ou agraciada” (“Casas”, § 464, pág. 225).

E dá o insigne processualista de antanho, como razões do princípio, aquelas oferecidas por CÍCERO, verbis: “Quid est sanctius, quid omni religione munitius, quam domus cujusque civium? Hic arte sunt, hic foci, hic dii penates, hic sacrae religionis ceremoniae continentur, hoc perfugium est ita sanctum omnibus, ut inde abripi neminem las sit”.

No velho direito reinol, ao lado de LOBÃO, vemos o preclaro BORGES CARNEIRO doutrinar, verbis: “A casa do cidadão é um asilo inviolável. É, pois, absoluta e indistintamente proibida a entrada na casa de outrem sem seu consentimento” (“Direito Civil de Portugal”, tomo IV, págs. 6 e 45).

O dogma, frente ao seu fundo nìmiamente humano, difundiu-se, espraiou-se entre os povos civilizados de vários matizes políticos, e, a despeito de em seu bôjo conduzir princípio tìpicamente liberal, até mesmo no seio de comunidades vividas sob o guante de um absolutismo governamental, vemo-lo inscrito nos peristilos de suas Cartas Magnas, embora, diga-se, a miúdo diluída a garantia por via de uma transferência excessiva de poderes pertinentes à norma ao Legislativo ordinário.

Entre o povo inglês dos velhos tempos, teve o princípio um realce ímpar, um fulgor incomum, sendo bem conhecido o célebre adágio: “My house is my castle”, cuja significação lord CHATAM explicava: “E por que razão a casa de cada um é sua cidadela, sua fortaleza? Será por ser defendida por muralhas? Não. Seja mesmo uma choupana em que penetrem a chuva e o vento, o rei não pode lá entrar” (apud JOÃO BARBALHO, “Comentários da Constituição Federal Brasileira”, ed. 1902, pág. 318).

LIberdade individual

Seguindo a corrente universal no que tange a tão importante direito, que diz com o sagrado preceito da liberdade individual, inscreveu a Constituição do Império, entre as suas disposições, o grande postulado, cuja presença se constata através do seu art. 179, 7, verbis:

“Todo cidadão tem em sua casa um asilo inviolável. De noite, não se poderá entrar nela senão por seu consentimento ou para a defender de incêndio ou inundação; e de dia só será franqueada a sua entrada nos casos e pela maneira que a lei determinar”.

O elevado e sublime princípio, proclamada a República, foi na sua Carta Magna de 1901 incorporado (art. 72, § 11), e do seu bôjo não mais se afastou em tantas quantas a sucederam empós nossa tormentosa vida política iniciada aos albores do oitavo lustro da implantação do regime republicano. Umas mais liberais do que outras, dêste último período, tanto a de 1934 (art. 113, nº 16), como a de 1937 (art. 122, n° 6), e a vigente, de 1946 (art. 141, § 15), tôdas, por igual, consagram a norma excelsa, ligeiramente modificada, sem maior importância, no que toca às regalias durante a noite.

Dispõe o preceito em vigor, verbis:

“A casa é o asilo inviolável. Ninguém poderá nela penetrar à noite, sem consentimento do morador, a não ser para acudir a vítima de crime ou desastre, nem durante o dia, fora dos casos e pela forma que a lei estabelecer”.

Instituído o princípio da inviolabilidade do lar, permitiu a Constituição que, durante o dia, se abrissem exceções à regra, cujo encargo confiou ao legislador comum. “Deu, porém”, – no magistério do eminente TEMÍSTOCLES CAVALCÂNTI – “à lei ordinária, regular a inviolabilidade do domicílio durante o dia, permitindo-se, por esta forma, o exercício regular, e satisfeitas as exigências legais, do poder de polícia” (“A Constituição Federal Comentada”, ed. 1949, volume III, pág. 128).

Realmente, a vida sócio-política impõe, uma série de contingências a cujos: efeitos ninguém é dado se furtar. Ora são regulamentos sanitários, ora disposições fiscais, ora diligências judiciais, enfim, vários motivos de garantia de ordem pública necessários à estabilidade e equilíbrio da sociedade. Daí a interferência do Poder Legislativo ordinário, traçando regras por cuja eficiência se obrigam todos os co-participantes da comunidade. Sãos as exceções ao grande postulado da inviolabilidade do lar, admitidas pela Lei Magna. Mas, exceções que só “valem desde que constem da lei”, na lição do eminente PONTES DE MIRANDA (“Comentários à Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil”, 1934, vol. II, pág. 102, e “Comentários à Constituição de 1946”, vol. III, pág. 263), além do mais, “interpretadas, porém, tôdas, neste particular, estritamente” (CARLOS MAXIMILIANO, “Comentários à Constituição Brasileira”, 4ª ed., 1948, vol. III, pág. 93).

É êsse o direito que a Constituição federal prescreve. Senão por fôrça de um dispositivo legal expresso que excetue o magno princípio constitucional, ninguém pode forçar a entrada de casa alheia, qualquer que seja o pretexto.

Agir de modo diferente, menosprezando aquilo que as leis ditam, é enveredar pelo caminho tortuoso da iliceidade, por isso que, como professa PONTES DE MIRANDA, verbis: “A entrada em casa alheia, além das vedações de direito público, constitucional ou ordinário,… é ato ilícito, que pode tomar maior ou menor intensidade (arrombamento, fôrça contra pessoas, ou contra portas, ou janelas, ou seteiras, entrada “sem licença”) (“Tratado de Direito Predial”, volume I, pág. 223, § 75).

E daí, dentro da prescrição da inviolabilidade do lar, adianta o consagrado tratadista, ao versar sôbre os direitos de condomínio, verbis: “Não valem as cláusulas:…

“j) que permitirem a fiscalização do interior dos apartamentos por outro ou outros comunheiros, ou pelo administrador” (ob. cit., vol. II, págs. 212-213, § 78).

*

Passando-se da doutrina e das leis para o campo do direito aplicado, é quando se verifica o grande contraste dos caminhos seguidos pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e o Supremo Tribunal Federal.

E a circunstância fere de frente a sensibilidade do jurista por saber o mesmo das prerrogativas especiais de que êste último desfruta, emanadas da Lei Maior, por fôrça das quais lhe é conferido o alto poder de máximo interpretador das leis, valendo seus veredictos como a última palavra nos conflitos das exegeses suscitadas pelos demais colégios judicantes do País.

Realmente. Enquanto o Tribunal de Justiça do Distrito Federal insiste em não se afastar do caminho que vem trilhando no sentido de conhecer ao proprietário o direito de visitar, ou fazer visitar, prédio alugado, quando da sua venda, contra a vontade de seu morador, o Supremo Tribunal Federal, sempre e continuadamente, sem sequer um único desvio da rota seguida, tem decidido de modo diverso, diametralmente diferente, assegurando ao inquilino o uso e gôzo pacífico dos direitos de moradia, e o respeito à inviolabilidade do lar, não reconhecendo direito de quem quer que seja de penetrar em casa alheia, a qualquer pretexto, contra a vontade de seu dono, a menos que a lei autorize.

E, dessa forma, nenhum aresto de qualquer tribunal de justiça do País jamais encontrou guarida no seio do nosso mais alto Pretório, por decidirem, os que de tal forma têm julgado, contrariando pressupostos legais a cuja fiel aplicação traçou o Supremo sua preciosa finalidade. Êsses pressupostos não são outros senão os nossos monumentos jurídicos representados pela Constituição federal (art. 141, § 15), Cód. Civil (art. 1.189, II) e Cód. Penal (art. 150), em cujos refolhos encontra-se gravado, em letras de ouro, o excelso postulado da garantia individual, donde dimana o corolário da inviolabilidade do lar.

*

Embora as decisões do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, sôbre a matéria, tenham sido proferidas sem ruptura de uniformidade, já assim não tem acontecido quanto aos votos de seus pares, cuja unanimidade nem sempre foi obtida.

Desviando-se de uma orientação que sempre julgaram ser a menos certa, votos se pronunciaram no julgamento de alguns de seus arestos, porfiando pela fidelidade aos textos a cujas disposições se adstringe a matéria.

Dentre outros, destacamos, pela compreensão, além do jurídico e legal, do sentido social e humano que suas palavras traduzem, o voto do eminente desembargador EMANUEL SODRÉ, proferido em acórdão da 8ª Câmara Cível, verbis:

“Continuo, ainda mais convicto, a interpretar com rigor o art. 1.189 do Código Civil, que obriga o locador a garantir ao locatário, durante o tempo do contrato, o uso pacifico da coisa. Forçar o locatário a permitir que o seu lar seja invadido por pretendentes à compra do imóvel… é ir de encontro àquele dispositivo legal… Muito acendrado é em nosso povo o culto a essa inviolabilidade… Não vejo como obrigar-se o locatário a franquear o seu lar a quantos lhe batem à porta como pretendentes à compra do imóvel”.

“Nos têrmos do art. 1.189 do Cód. Civil, conforme o comentário de CLÓVIS BEVILÁQUA, uma das obrigações do locador é “abster-se de qualquer ato que possa perturbar o uso pacífico da coisa”. “Ora, não se pode imaginar maior perturbação do que a entrada, no prédio locado, de pessoas inteiramente estranhas aos locatários e contra a vontade dêstes”.

“Ninguém está negando ao proprietário o direito de dispor do seu imóvel, vendendo-o a quem bem lhe parecer; o que se contesta… é que tal direito possa equiparar-se ao que bem o locatário, de não ser perturbado no uso e gôzo da coisa locada”.

“E ainda mais líquido é o direito dêste último porque, opondo-se à entrada de terceiros, desconhecidos, o locatário defende o seu lar, a intimidade de sua família, o próprio pudor desta” (“REVISTA FORENSE”, vols. 123, pág. 102, e 132, pág. 139).

*

A linha que vem seguindo o Supremo Tribunal Federal, tanto a de hoje como a de ontem, aliás de todos os tempos, desde a proclamação da República, não é outra que não seja aquela à vista de cujo império fica resguardado ao locatário o direito de defender a intimidada de seu lar das bisbilhotices de estranhos a pretexto de visitá-lo quando o mesmo se achar à venda pelo seu proprietário.

Entre outros veredictos da mais alta Côrte de Justiça do País, temos, em primeiro lugar, o recurso extraordinário número 3.968, de 16 de maio de 1925, – na vigência da Constituição de 1891, – do qual foi relator o eminente ministro GODOFREDO CUNHA, com decisão unânime, de cujo acórdão passamos a transcrever a respectiva ementa e alguns tópicos mais ligados à matéria.

Ei-los:

“A inviolabilidade do domicílio é uma garantia constitucional, pelo que a ninguém é lícito penetrar na casa de alguém contra a vontade de seu morador, mesmo com ordem do respectivo proprietário”.

“Não cabe manutenção de posse em favor de proprietário de um prédio contra o respectivo inquilino para obrigá-lo a franquear o mesmo prédio a fim de ser vendido em leilão.

“Omissis…

“Considerando, com efeito, que a inviolabilidade do domicílio é uma garantia constitucional, a qual consiste na proibição a todos, como diz BARBALHO, incluídos os agentes da autoridade pública, de entrar na casa de quem quer que seja, contra a vontade e sem permissão do morador, salvo nos casos e com as formalidades estatuídas pela lei;…”

“Considerando ainda que o locador é obrigado a garantir ao locatário, durante o tempo do contrato, o uso pacífico da coisa; esta obrigação, diz CLÓVIS BEVILÁQUA, decompõe-se em duas: a) a de abster-se o locador de qualquer ato que possa perturbar o uso e gôzo da coisa; b) e ir garantir o locatário contra perturbações de terceiro, obrigação a que o art. 1.191 prevê de modo particular;

“Considerando que a posse indireta do dono e a direta do inquilino, segundo a terminologia da nossa lei civil, assim como os direitos que a lei constitucional assegura àquele e a êste não colidem, porquanto só podem ser exercidos nos têrmos e pela forma estabelecida em lei”:

“Acordam negar provimento…” (in DIONÍSIO DA GAMA, “Prédios”, págs. 49 a 51, n° 18).

Já no império da Constituição de 1946 – a 6 de julho de 1948 – vemos o mesmo colendo Tribunal, através da sua 2ª Turma, decidir em obediência aos mesmos princípios quando do julgamento do recurso extraordinário nº 13.377, relatado pelo eminente ministro LAFAYETTE DE ANDRADA, encabeçando o julgado a seguinte ementa:

“Inviolabilidade de domicílio. Não pode o proprietário fazer visitar o imóvel locado, por terceiro, contra a vontade do locatário. Essa situação é conseqüente do uso pacífico da coisa, pelo locatário. Principalmente no caso de moradia ou residência familiar, e do preceito de inviolabilidade de domicílio, como garantia constitucional, pela qual a ninguém é lícito penetrar na casa de alguém, contra a vontade de seu morador, mesmo com ordem do respectivo proprietário”.

Proferindo seu voto no referido acórdão, desta forma se expressou o eminente ministro OROZIMBO NONATO:

“Em nosso direito, a posse direta cabe inteiramente ao inquilino. A posse do proprietário é, indiretamente, concorrente com aquela, paralela, mas não a exclui, mostrando-se mais, como observam os DD., “um interêsse digno de proteção para, o uso de interditos, não contra o inquilino, senão contra terceiros”.

“Não há malícia por parte do inquilino em não permitir que sua casa fique aberta a visitas de interessados”.

“O possuidor direto é que tem a verdadeira posse, a visibilidade do domínio” (“Direito”, vol. 53, págs. 275-278).

No mesmo sentido, a 20 de dezembro de 1948, foi julgado o recurso extraordinário nº 14.281, tendo como relator o eminente ministro RIBEIRO DA COSTA, e da sua ementa constam os seguintes dizeres:

“Inviolabilidade do domicílio; garantia constitucional. Exercício da posse direta pelo locatário. Sistema individualista, do Cód. Civil (art. 1.205). Aplicação do art. 1.189, n° 11, ao Cód. Civil. Franquia de visita ao prédio locado; nela o locatário não é obrigado a anuir. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”.

Discorrendo sôbre as garantias individuais asseguradas por tôdas as nossas Constituições políticas desde o Império, ressalta o referido acórdão a da inviolabilidade do domicílio, cujo princípio dominante apenas ceda às exceções da lei, afirmando em seguida o voto do insigne relator, verbis:

“Só a cláusula legal, pois, pode derrogar essa garantia, limitando-se aos casos expressamente prescritos, a fim de preservar o locatário na defesa do seu lar, resguardando a intimidade de sua família, o próprio pudor desta, e, assim, opondo-se à entrada de terceiros, desconhecidos”.

“Cede o proprietário, na locação; a posse direta do imóvel, ao locatário, impondo-se-lhe, segundo esclarece CLÓVIS, a obrigação de abster-se de qualquer ato que nossa perturbar o gôzo e o uso pacífico da coisa, devendo, ainda, garantir o locatário contra perturbações de terceiro, obrigação que o art. 1.191 prevê, de modo particular” (“Diário da Justiça” de 9 de agôsto de 1950, fls. 2.582).

Mais recentemente, em acórdão de 8 de maio de 1951, no recurso extraordinário nº 18.516, relatado pelo eminente ministro LAFAYETTE DE ANDRADA, o Supremo, em votação unânime, decidiu em igual sentido, verbis:

“Inviolabilidade do domicílio. Sem consentimento do locatário não pode o locador fazer visitar o prédio por pessoas que desejam adquiri-lo. É obrigação do locador garantir ao locatário o uso pacífico do imóvel”.

Reportando-se ao seu voto pronunciado, como relator, no recurso extraordinário nº 13.377, acima também citado, do mesmo transcrevemos os seguintes trechos:

“A Constituição prescreve a inviolabilidade do domicílio…”

“O dispositivo é imperioso, expresso, dando as únicas exceções possíveis para a entrada, no domicílio alheio”.

“E o Cód. Civil, no art. 1.189, obriga o locador a garantir ao locatário, durante o tempo do contrato, o uso pacífico da coisa”.

“Portanto, é direito do locatário, do morador do prédio, impedir a entrada de pessoas estranhas à sua família, aos seus interêsses, às suas relações, no seu domicílio. Êsse direito é uma das garantias da inviolabilidade do seu lar”.

“Se não há leis que autorizem o proprietário a fazer visitar seus imóveis locados a terceiros sem o consentimento dêstes, não pode a Justiça autorizar tais visitas, mesmo no interêsse de quem possui o domínio, a propriedade”.

“Essa limitação ao direito de propriedade é claro, em conseqüência do uso da coisa que cabe ao locatário, principalmente em se tratando de moradia, de residência de família”.

“A entrada de terceiros no prédio importa em diminuição do uso e gôzo da coisa por parte do locatário, torna menos desejável, menos conveniente sua permanência no imóvel, além de perturbar a intimidade de sua família, o seu próprio pudor”.

Proferindo seu voto no referido aresto, o eminente ministro AFRÂNIO COSTA, além de estar acorde com o relator, fixou uma nova face ao princípio do gôzo pacífico da coisa garantido pelo Cód. Civil, segundo passamos a ver, verbis:

“Parece-me que a hipótese não é, pròpriamente, de o proprietário entrar no imóvel; trata-se de candidato à compra do imóvel, o que é coisa muito diversa. Seria terceira pessoa que, a pretexto de aquisição, penetraria no prédio e perturbaria o uso pacífico da coisa por parte do locatário. Enquanto a lei não regular essa forma de visita ao imóvel, deve permanecer o Cód. Civil tal qual está, por omissão da lei” (“Diário da Justiça” de 9 de fevereiro de 1953, fôlhas 526-527).

É êsse o nosso direito, o direito cristalizado nos diplomas legais reguladores da nossa vida civil, penal e constitucional, direito por cuja vida, como reflexo do seu poder soberano de interpretador máximo das nossas leis, inclina-se, expressa-se, bate-se, resoluto e decisivo e peremptório, a Supremo Tribunal Federal.

Frente a tais mandamentos, não é dado ao proprietário o direito de fazer visitar por terceiros prédio seu locado quando da sua disposição de vendê-lo.

Decidir em sentido contrário é violar a lei, por cuja integridade são fiéis depositários os poderes judicantes.

I) Normas técnicas para apresentação do trabalho:

  1. Os originais devem ser digitados em Word (Windows). A fonte deverá ser Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 cm entre linhas, em formato A4, com margens de 2,0 cm;
  2. Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês, italiano e espanhol;
  3. Devem apresentar o título, o resumo e as palavras-chave, obrigatoriamente em português (ou inglês, francês, italiano e espanhol) e inglês, com o objetivo de permitir a divulgação dos trabalhos em indexadores e base de dados estrangeiros;
  4. A folha de rosto do arquivo deve conter o título do trabalho (em português – ou inglês, francês, italiano e espanhol) e os dados do(s) autor(es): nome completo, formação acadêmica, vínculo institucional, telefone e endereço eletrônico;
  5. O(s) nome(s) do(s) autor(es) e sua qualificação devem estar no arquivo do texto, abaixo do título;
  6. As notas de rodapé devem ser colocadas no corpo do texto.

II) Normas Editoriais

Todas as colaborações devem ser enviadas, exclusivamente por meio eletrônico, para o endereço: revista.forense@grupogen.com.br

Os artigos devem ser inéditos (os artigos submetidos não podem ter sido publicados em nenhum outro lugar). Não devem ser submetidos, simultaneamente, a mais do que uma publicação.

Devem ser originais (qualquer trabalho ou palavras provenientes de outros autores ou fontes devem ter sido devidamente acreditados e referenciados).

Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.

Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.

Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.

Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:

  1. adequação à linha editorial;
  2. contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
  3. qualidade da abordagem;
  4. qualidade do texto;
  5. qualidade da pesquisa;
  6. consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
  7. caráter inovador do artigo científico apresentado.

Observações gerais:

  1. A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
  2. Os autores assumem a responsabilidade das informações e dos dados apresentados nos manuscritos.
  3. As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.
  4. Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
  5. Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
  6. A Comissão Editorial da Revista Forense não se compromete a devolver as colaborações recebidas.

III) Política de Privacidade

Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou a terceiros.


LEIA TAMBÉM:

Assine nossa Newsletter

Li e aceito a Política de privacidade

GENJURÍDICO

De maneira independente, os autores e colaboradores do GEN Jurídico, renomados juristas e doutrinadores nacionais, se posicionam diante de questões relevantes do cotidiano e universo jurídico.

Áreas de Interesse

ÁREAS DE INTERESSE

Administrativo

Agronegócio

Ambiental

Biodireito

Civil

Constitucional

Consumidor

Direito Comparado

Direito Digital

Direitos Humanos e Fundamentais

ECA

Eleitoral

Empreendedorismo Jurídico

Empresarial

Ética

Filosofia do Direito

Financeiro e Econômico

História do Direito

Imobiliário

Internacional

Mediação e Arbitragem

Notarial e Registral

Penal

Português Jurídico

Previdenciário

Processo Civil

Segurança e Saúde no Trabalho

Trabalho

Tributário

SAIBA MAIS

    SAIBA MAIS
  • Autores
  • Contato
  • Quem Somos
  • Regulamento Geral
    • SIGA