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Direito: a palavra é ferramenta; o texto é equipamento

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Gladston Mamede
Gladston Mamede

17/08/2022

Ato jurídico e prova

Vamos principiar pelo elementar/indispensável: O instrumento é uma prova do ato jurídico bilateral, prova formal do negócio e de seus termos. Não é o contrato em si, mas prova do contrato. Aliás, embora seja prova privilegiada, não é única. Em diversas situações termos do que foi ajustado são comprovados por outros meios, indicando que os termos do instrumento seriam imprecisos ou incompletos ou equivocados. No entanto, sendo aristotélico, a substância do contrato é imaterial: o ajuste de vontades (sinalagma). Detalhe: a simples percepção dessa dimensão dual (ato e prova do ato) deveria ser suficiente para inspirar seriedade e dedicação àquele que redige o instrumento de contrato, designadamente quando se trate de um advogado.

Em contratos, estatutos e demais documentos, a palavra e o texto devem ser capazes de estabelecer balizas que se reflitam sobre o real concreto: do dever-ser (norma) para o ser (realidade). A boa redação é atributo da eficiência normativa. Qualquer projeto de estruturação empresarial, corporativa, negocial tem seus pilares na redação correta das respectivas normas. Haja manutenção, haja mudança; pretenda-se operacionalizar ou desenvolver; definam-se atributos, aplicações, transições.  É preciso garantir o bom funcionamento do equipamento jurídico. E tal equipamento tem palavras como peças; sua engrenagem é o texto. A segurança deve estar ali (sem desconsiderar as relações com os níveis normativos superiores). A excelência está na capacidade de traduzir em palavras o que se desejou: a intenção, o ajuste, o sinalagma. De um equipamento jurídico defeituoso nasce, mui provavelmente, um litígio.

A proliferação de demandas em que ao julgador (juiz ou árbitro) corresponde a função de uma interpretação vigorosa, recomenda a instauração de rotinas de monitoramento dos textos jurídicos para identificar fragilidades até então não percebidas. Afinal, a dúvida atribui ao intérprete a competência para realizar uma construção de sentido (maior ou menor, conforme o caso) que pode acabar por se revelar em renovação do iter contratual e da formação do sinalagma, deslocando o ajuste: a inviabilidade de uma leitura previsível força o estabelecimento jurisdicional de um sentido; noutras palavras, uma diversificação que, sim, pode ser perigosa, senão danosa.

É a assimilação do conceito de ferramenta jurídica: o operador jurídico tem o desafio de integrar palavras, usadas de forma técnica correta e precisa, para compor um equipamento que se revele em condições de produzir os resultados visados. Um mecanismo eficiente que poupe a corporação de desgastes, que abasteça a organização com referências confiáveis para os desafios que lhe são inerentes. Portanto, a palavra é uma ferramenta e/ou peça; o texto é um instrumento de trabalho. Como um bisturi nas mãos do cirurgião, uma chave-de-fenda ou de boca nas mãos de um mecânico, o boticão nas mãos do dentista, o cinzel na mão dos ourives. E se os exemplos materiais incomodam, listam-se os abstratos na psicologia, na publicidade na computação (TI); aliás, salvo o hardware, quase todo o resto nos serviços digitais. 

Redação contratual

A defesa da construção de textos simples não é a proposição de uma redação informal. Ao Direito corresponde, sim, uma redação formal ou, para sermos mais claros, uma redação técnica (e nisso retomamos as ideias de ferramenta, de peça e, enfim, de equipamento jurídico: o texto: o contrato, o estatuto, o documento). Não nos serve, na redação normativa, o coloquialismo cotidiano. Não podemos nos licenciar o uso de expressões idiomáticas, nem regionalismos ou gírias. Há um vocabulário que é da disciplina, da área; enfim, há um vocabulário que é próprio da ciência (da teoria) jurídica. Não é só. Há mesmo uma gramática (estruturação gramatical das palavras) que diz respeito ao discurso jurídico e, consequentemente, deve ser assimilada, considerada e utilizada. Todos esses aspectos atendem a uma forma específica que, se corretamente empregada, auxilia na enunciação da norma ajustada entre as partes.

Mas é preciso ser redundante na advertência: ser simples não é autorização para desrespeitar o tecnicismo jurídico. Em muitos casos, há termos aproximados, mas diversos, como fiança e aval, prescrição e decadência, quotista e acionista, propriedade e posse. Embora a ignorância prepotente possa se defender dizendo que é quase a mesma coisa, é justamente no advérbio quase que reside o busílis da questão. Nessa distinção dos instrumentos próximos reside a riqueza técnica do Direito e a sofisticação da tecnologia respectiva. Não é uma excentricidade, mas um ganho de qualidade, a determinar precisão, convicção. E a consequência é uma resposta correta, em conformidade à convenção acertada.

Cada vez mais, esse acompanhamento deixa de ser uma excentricidade e ganha espaço no Brasil. Ter maior segurança jurídica para os negócios é um habito que aumenta entre os bons gestores, aqueles que reconhecem o risco da improvisação e projetam danos que, com inteligência, podem ser evitados. A profissionalização dos instrumentos de contrato tem impacto direto na qualidade das relações interempresariais, quando não em relações de ordens diversas (consumerista e trabalhista, como exemplos fáceis). Mas isso demanda adaptação por parte dos próprios advogados para suportar as especificidades de cada setor, cada tipo de empresa e mercado, sublinhando-se o risco do improviso do qual pode advir, inclusive, sair desacreditado o profissional. O improviso, o despreparo, o descuido, a presunção atécnica cobram preço alto, individual e coletivamente: podem levar ao refazimento de barreiras contra a manutenção de auxílio jurídico especializado. Se é para assumir o custo da assessoria, é preciso que o encargo traga benefícios, que se agregue aos bons funcionamento e resultado da empresa.

Modelos

É neste contexto que se coloca a questão dos modelos (ou formulários) contratuais. Não se pode empurrar para um modelo a solução de um desafio que é específico: aquele caso, aquela solução, aquele cliente, aquela(s) contraparte(s). Entre os fatores que explicam a desvalorização do trabalho de redação de um ato constitutivo está justamente a reiteração de modelos fechados; passa a ser uma redução óbvia de despesas, fruto de uma visão distorcida da função que o documento tem para o sucesso da corporação. É parâmetro de previsibilidade: indexa as relações societárias, lembrando-se que sua alteração/transformação moderniza tais relações, apura ou altera seu foco, traduz mudanças de expectativas ou perspectivas, aproveita oportunidades, atende a carências verificadas.  E se os próprios escritórios jurídicos fazem uso reiterados de modelos, por que não o fariam escritórios de outras áreas (contabilidade, assessoriais gerenciais ou mercadológicas): modelos são fáceis de obter e de copiar. Enfim, porque não o faria o próprio empresário ou seus gerentes? Eis o motor que gera uma cultura de empobrecimento negocial.

A procura por serviços mais fáceis acabou por criar um mercado de serviços baratos e, pior, com menor valor intrínseco (a peça em si, o instrumento) e extrínseco (o seu uso). Dito de outra maneira: sob o título de instrumento de contrato ou estatuto, encontram-se verdadeiras porcarias.  Mesmo que sejam aprovados por Juntas e Cartórios – e não é incomum a condescendência perversa que aceita o que ao menos se apresenta como quiçá razoável –  são engrenagens impróprias para o fim a que visam e, sim, equipamentos jurídicos defeituosos: em situações de estresse, emperrarão. E a cultura coloquial, como de costume, fechará os olhos para a realidade e irá preferir culpar o Judiciário, a Fiscalização, quando não o demônio.

Por isso optamos, ao confeccionar o Manual de Redação de Contratos Sociais, Estatutos e Acordos de Sócios (6.ed. Barueri: Atlas, 2022), por modelos fracionados e abertos, ou seja: 

modelos fracionados: em lugar de modelos de contrato, modelos de cláusulas que, assim, são adicionadas ou omitidas conforme as circunstâncias;

modelos abertos: em lugar de textos completos (fechados), textos que expressamente reconhecem a possibilidade de alteração (abertos a alteração).

Daí as notas explicativas que, assim, podem lançar luzes sobre esse ou aquele aspecto. Noutras palavras, procuramos realçar o ambiente livre para cláusulas diversas, embora fornecendo sugestões que possam autogerar a resposta demandada por nossos leentes. Modelos abertos auxiliam; não limitam; não funcionam como regulamento. Aliás, são um canteiro para acréscimos pessoais. Não se deve parar por aqui; aliás, nós mesmos, a cada nova edição, mostramos que não estamos estacionados. Sim. É apenas uma ferramenta. Efetivamente o que importa é recuperar um mercado, uma função, um trabalho, a bem da economia e do setor empresarial brasileiro. 

O mercado dos contratos foi sendo perdido pelos advogados – mais ainda pode (e deve) ser recuperado –na proporção em que eles próprios não lhe atribuíram a importância que tem. A capacidade de geração de instrumentos de qualidade é o requisito para que a clientela faça o investimento no respectivo serviço; se não se agrega valor (segurança, celeridade, eficácia etc) à operação, estimula-se a autogeração normativa: o cliente assume, por si e/ou por prepostos de menor qualificação (e custo) todo o íter contratual, chegando mesmo à redação do respectivo instrumento, adendos e documentos laterais que eventualmente se façam necessário. É o famigerado “mas isso? Isso eu mesmo faço!” O principal impulso para a contratação do profissional jurídico está na constatação de que vale a pena, de que eleva a qualidade do negócio, que a vantagem excede o dispêndio. E isso não se obtêm com baixa tecnologia jurídica. 

As contratações de assessores e consultores aceleram-se quando sua intervenção se mostra útil, quiçá indispensável: na resposta às dúvidas que surgem, no alerta sobre ilicitudes e/ou apontando alternativas lícitas, quando não lícitas e melhores (sob qualquer aspecto que interesse ao cliente).  Não são poucos os casos em que o advogado contratado para uma parte do iter negocial se mostra tão proativo que, dali em diante, passa a ser engajado em outras fases. Há muitos casos de advogados que, revelando seu interesse e suas habilidades a bem de clientes menores, vão sendo contratados para ir atender empresas de maior porte, negócios de maior porte ou operações mais dinâmicas e com maior envergadura. É um caminho que se poderia definir como quase-natural (mas não se trata de nada ligado à natureza para justificar a qualificação).

O desafio e a oportunidade estão postos. Não é simples, nem é fácil. Reconhecemos. São milhares de profissionais se qualificando constantemente e procurando um lugar no mercado. Agora, antes de mais nada é preciso não se esquecer que quase nada é fácil e simples. Não deveria haver na complexidade e na dificuldade motivos para a desistência, mas para esforço, determinação, persistência. Alea jacta est. Boa sorte.

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