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TRIBUTÁRIO

Congelamento das despesas públicas por vinte anos

DESPESAS PÚBLICAS

FINANÇAS PÚBLICAS

PEC 241/2016

Kiyoshi Harada

Kiyoshi Harada

19/10/2016

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O título, por si só, já soa estranho, pois congelar a despesa pública por duas décadas não é razoável, nem é possível. A população cresce e as necessidades públicas a serem satisfeitas pelo regime da despesa pública cresce, no mínimo, na mesma proporção. O certo é que o crescimento das necessidades públicas supera em muito o crescimento populacional. À medida que a sociedade vai evoluindo, tornando-se mais esclarecida e mais politizada vai aumentando o exercício da cidadania,  e com isso irá exigindo mais e mais serviços públicos de qualidade. Os velhos caudilhos que dominam a política brasileira sabem disso. Por isso, não estão interessados em investir na educação integral que não se confunde com mero ensino, aonde o discente vai passando de um ano para outro no ensino fundamental e no ensino médio. Saem com canudos, mas não sabem interpretar o que escreveram  ou o que leram. São os analfabetos funcionais. Os dados do ENEM são estarrecedores!

Parece inacreditável, mas é o que está na PEC nº  241/2016 que institui no âmbito dos três Poderes e para o TCU e órgãos do Ministério Público e Defensoria Pública, um limite de despesa primária total. Despesa primária total são os recursos financeiros destinados à implementação do plano de governo refletido no Orçamento Anual, sem levar em conta as despesas com o juros. Para o exercício de 2017 esse limite corresponderá à despesa primária total realizada no exercício de 2016 corrigida pelo IPCA. Nos exercícios seguintes, ao valor do limite referente ao exercício imediatamente anterior corrigido pela variação do IPCA. Esses limites constarão na Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO – que nunca foi observada até hoje.

Ora, se examinarmos a causa do déficit de R$170 bilhões que deve ter aguçado a mente do formulador ou formuladores dessa  inusitada PEC constataremos, facilmente, que ela decorreu da inobservância sistemática e programada  da Lei do Plano Plurianual – PPA –,   da Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO – e da Lei Orçamentária Anual – LOA –,  passando por  cima da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF – que tutela as leis orçamentárias,  ao  instituir o regime de Gestão Fiscal Responsável que na gestão da Presidente Dilma foi transformada em regime de total irresponsabilidade fiscal. A contabilidade pública criativa cresceu de forma assustadora, quer superestimando a receita mediante inclusão de arrecadação de tributo juridicamente inexistente, quer simulando operações de vendas de ativos das estatais para o exterior a fim de equilibrar a balança comercial, quer retendo os recursos financeiros correspondentes às verbas consignadas no orçamento anual (pedaladas), quer enfim, descumprindo in totum a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento (CEF, BB, BNDS). Entretanto, a Lei nº 10.028/2000 sancionada  concomitantemente com a LRF enumera oito condutas tipificadas como crimes contra as finanças públicas. Esses crimes acham-se incorporados ao Código Penal sob os artigos nºs 359-A, 359-B, 359-C, 359-D, 359-E, 359-F, 359-G e 359-H. Esses dispositivos, passados 16 anos, nunca foram aplicados,  a exemplo do crime de excesso de exação fiscal previsto no § 1º, do art. 316 do Código Penal,  apesar de ser cometido diariamente ao longo do tempo. Toda infração criminal praticada com frequência, sem repressão, acaba transformando-se em uma ação rotineira que tem o condão de gerar o mesmo efeito de uma descriminalização por via legislativa.

A única forma de conter os gastos é observando os dispositivos da LRF, notadamente, o seu art. 9º que determina limitação de empenhos e os seus arts. 19 e 20 que fixam os limites globais e individuais por Poder com referência aos gastos com pessoal. Para tanto é preciso que os órgãos de controle interno e externo de fiscalização e controle da execução orçamentária exerçam com eficiência o seu papel fiscalizador e controlador da execução orçamentária, valendo-se dos instrumentos previstos no capítulo IX da LRF concernente a Transparência, Controle e Fiscalização.

Note-se que os instrumentos da transparência fiscal (balancetes mensais, relatórios bimestrais de execução orçamentária, relatórios trimestrais de gestão fiscal) são obrigatoriamente disponibilizados em tempo real por meios eletrônicos. Daí porque não faz sentido a apuração das irregularidades apenas no final do exercício, a pretexto de que a metas são anuais, como se argumentou no recente processo de impeachment. Fiscalizar e controlar significa acompanhar a execução orçamentária a fim de corrigir a tempo os desvios constatados. Aliás, na prática, nem no final do exercício os desvios orçamentários constatados são levados a sério. Simplesmente mudam-se as metas por via legislativa encampando e legalizando as irregularidades cometidas. Assim não é possível zelar pela saúde financeira do Estado.

Apesar de irrazoável a PEC em discussão, toda a mídia está aplaudindo, elegendo-a como panaceia para curar de vez os males que contaminam as finanças públicas. Há algo de estranho nessa unanimidade.

Dentro dessa realidade, da cultura do descumprimento sistemático da LOA que conduziu o País a uma dívida de mais de cem bilhões em precatórios judiciais ensejando três moratórias constitucionais, além de R$170 bilhões de déficit descoberto nos últimos meses, não é crível que a PEC sob exame trará bons resultados. Se não se cumpre as leis infraconstitucionais não é de se esperar que as normas constitucionais sejam cumpridas. Essa PEC, se aprovada,  só servirá para desmoralizar ainda mais a Constituição Federal já desfigurada por mais de 90 emendas. O resultado será catastrófico se a Emenda dela resultante for cumprida com inversão de prioridades, isto é, conter as despesas de capital, notadamente, as de investimento para aumentar as despesas de custeios, notadamente, a de pessoal. Em um país em desenvolvimento as despesas de investimento hão de ser feitas mesmo à custa de endividamento para assegurar o crescimento econômico e consequentemente a qualidade de vida das gerações futuras. Só de pensar na falta de expansão da estrutura produtiva do País por vinte anos já nos assusta.

Certamente, conter as despesas depois de um regime de total descontrole das finanças públicas, chegando a abrir um rombo de R$170 bilhões até há pouco tempo encoberto por contabilidade criativa, é uma necessidade. Porém, nunca se pode perder de vista que o equilíbrio orçamentário não é um fim em si mesmo, mas, um instrumento para equilibrar a economia. O que importa é a qualidade da despesa pública e não apenas a sua contenção. Ao que saibamos, de um lado, mais de 30% dos recursos arrecadados não se destinaram ao cumprimento das finalidades do Estado. De outro lado, bilhões deixam de ser arrecadados por conta de incentivos fiscais manipulados  e direcionados, patrocinados por lobistas que conduziram a ação do legislador palaciano por meio de medidas provisórias. Isso agravou os setores produtivos que ficaram à margem desses benefícios fiscais espúrios levando-os, ou à insolvência ou a diminuição do ritmo de produtividade engrossando a fila dos desempregados por conta da sobrecarga de tributos decorrentes da exoneração fiscal dos benefiados por instrumentos normativos peculiares..

Ao invés de se preocupar com essa PEC que tudo indica – não sairá do papel,  deveria o governo acionar os mecanismos previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal para conter despesas inúteis e combater a corrupção. Só  para ilustrar, no programa Bolsa Família, entre os exercícios de 2013 e 2014, foram desviados R$2,577 bilhões que corresponde a 4,5% do total do período.  Descobriu-se 548.670 servidores públicos como beneficiários; 318.130 empresários; 89.586 doadores de campanha recuperando por via de benefício social e – pasmem os céus – 49.423 mortos e sepultados alimentando-se do Bolsa Família.

Em mãos de corruptos e de incompetentes toda a receita pública do mundo será sempre insuficiente. A contrario sensu, em mãos de probos e competentes uma receita modesta será o suficiente para implementar os serviços públicos básicos de qualidade.

Por fim, se realmente o Executivo e o Legislativo têm realmente vontade política de limitar os gastos públicos deveriam se preocupar em reduzir o tamanho do Estado mediante a priorização,  por exemplo, da PEC da redução do número de parlamentares mais caros do mundo que está tramitando a passos de tartaruga; eliminação dos cargos comissionados a partir do segundo escalão, inclusive, devolvendo à administração pública o quadro de servidores efetivos e qualificados, submetidos aos rígidos princípios da hierarquia, a fim de preservar a moralidade pública e minimizar os atos de corrupção; e por derradeiro, enxugar os órgãos do Poder Judiciário que se sobrepõem gerando intermináveis conflitos de competência conduzindo à morosidade e ao elevado custo de sua atuação. Enquanto não se fizer isso, uma Emenda para limitar os gastos não surtirá os efeitos aparentemente desejados.

É fácil limitar gastos por via de uma Emenda. O difícil é a sua redução real mediante corte das mordomias, dos privilégios que atentam contra a moralidade pública, e supressão de benefícios fiscais e sociais desvirtuados que corroem o Erário. Sem essas medidas a economia de despesas ficará apenas no papel. É preciso atos concretos de redução das despesas públicas.

Aprovar uma Emenda, sem execução concreta dos atos de contenção de despesas de nada adiantará. Soará como mero discurso de palanque em campanha eleitoral para uma eleito governar exatamente em sentido inverso ou muito diferente daquela apregoado em campanha. AS História está cheio de exemplos dessa natureza.


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