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A Importância do Dia Nacional de Doenças Raras para a Discussão da Saúde Pública no Brasil

DIA NACIONAL DE DOENÇAS RARAS

LEI 10.335/2001

LEI 12.328/2010

LEI 12.345/2010

LEI 13.050/2014

LEI 13.569/2017

LEI 13.693

LEI 14.806/2012

LEI 15.669/2015

LEI 4.618/2011

Henderson Fürst

Henderson Fürst

06/08/2018

Não raro o Congresso (Nacional) cria novas datas comemorativas. É bastante recorrente o exercício da atividade legislativa para inclusão no calendário oficial de homenagens aos mais diversos elementos e grupos sociais, culturais e econômicos.

Exemplos como o “Dia Nacional do Macarrão” (Lei 13.050/2014), o “Dia do Evangélico” (Lei 12.328/2010), “Dia da Bíblia” (Lei 10.335/2001) e “Dia do Krav Maga” (Lei 13.569/2017) são algumas das datas que se encontram no calendário nacional de data comemorativas.

Tantas são as proposições neste sentido que, para melhor organizar as situações que mereceriam uma data comemorativa no calendário nacional, fixou-se critérios para a instituições de novas datas por meio da Lei 12.345/2010.

No dia 11 de julho de 2018, foi publicada a Lei 13.693 que estabelece o Dia Nacional de Doenças Raras, a ser memorado no último dia de junho.

Embora seja apenas uma data comemorativa, é um grande passo no âmbito federal de reconhecer a necessidade de cuidado e atenção a 13 milhões de brasileiros que sofrem de alguma doença rara, que é aquela cuja incidência seja entre 65 a 100 pessoas para cada 100.000 habitantes, de acordo com a Organização Mundial da Saúde[1].

No mesmo dia o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 56/2016, que institui a “Política Nacional de Doenças Raras no Sistema Único de Saúde” e o devolveu à Câmara dos Deputados para análise do texto, uma vez que sofreu alteração pelos senadores.

Se o “Dia Nacional de Doenças Raras” não conscientizar o quanto se pretendia quando o aprovaram, ao menos uma grande vitória já permitiu: deu destaque, no grande palco político nacional, à uma discussão que pouco se debateu no Brasil.

No mundo, a criação de políticas públicas na esfera legislativa ocorre há algumas décadas, demonstrando o atraso do cenário de nossas discussões. Nos EUA, por exemplo, a primeira legislação sobre droga órfã é de 1983, sendo seguida pela Austrália, Japão e Cingapura nos anos 1990, e pela Europa, nos anos 2000, onde se tornou uma questão médica e social importante[2].

No Brasil, a primeira regulação em saúde pública se deu apenas em 2014, por meio da Portaria 199 do Ministério da Saúde, que instituiu a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras. No âmbito estadual, o Distrito Federal foi pioneiro, estabelecendo o Dia da Consciência sobre Doenças Raras através da Lei 4.618 de 23 de agosto de 2011, e posteriormente dispôs sobre a Política para Tratamento de Doenças Raras no Distrito Federal por meio da Lei 5.225 de 03 de dezembro de 2013. Outro estado que o seguiu (e único, até o momento), foi o estado de São Paulo, que estabeleceu o Dia de Conscientização sobre Doenças raras por meio da Lei 14.806 de 21 de junho de 2012 e, posteriormente, dispôs sobre a Política de Tratamento de Doenças Raras no Estado por meio da Lei 15.669 de 12 de janeiro de 2015.

O cuidado com as doenças raras no âmbito da saúde pública representa um desafio aos países em desenvolvimento. Tal desafio se mostra especialmente complexo em relação ao Brasil, cujo modelo de saúde pública adotado na Constituição Federal de 1988 estabeleceu o Sistema Único de Saúde pautado na integralidade, universalidade, igualitário e gratuito. Num contexto marcado pela alocação de recursos escassos, as doenças raras costumam representar exceções à integralidade e universalidade, pois há pouco interesse do mercado ao desenvolvimento de fármacos para doenças que acometem poucos pacientes (as chamadas drogas órfãs) e o seu desenvolvimento mediante custeio público representa o ônus de realocar recursos que atenderiam protocolos com maior incidência e impacto social. Além disso, a escassez de informações seguras e de qualidade implicam em estigmas sociais que causam isolamento social, desemprego, e até mesmo limitação à cobertura de planos e seguros de saúde.

Para demonstrar algumas das dificuldades enfrentadas por pacientes de doenças raras, um caso que podemos analisar é o da encefalomielite miálgica, também conhecida como síndrome da fadiga crônica. Trata-se de uma doença sem marcadores diagnósticos, ou seja, apenas pela exclusão de outras doenças e pela análise clínica é que se pode fechar o diagnóstico. Diante de um quadro patológico de pouca compreensão, diversos protocolos foram criados para defini-la, tal como o do Centers for Disease Control and Prevention[3], dos EUA, o Canadian Consensus Criteria[4] e o International Concensus Criteria[5], sendo comum a todos eles a exclusão de outras doenças que possam ter efeitos semelhantes.

Os pacientes padecem de forte fadiga muscular que, muitas das vezes, impede que saiam da cama, incapacita para o trabalho e outras atividades cotidianas básicas. Os sintomas da doença implicam em prejuízos drásticos sobre a qualidade de vida do paciente, inclusive pior que de pacientes com câncer[6], diabetes, doenças autoimunes[7] e esclerose múltipla[8], entre outras.

O estudo que melhor tinha avançado em resultados na procura de uma cura para a doença fora realizado na Inglaterra com fomento público e doação privada e publicado em 2011[9]. Os dados nele obtidos demonstravam que a realização de atividades físicas gradativas e psicoterapia (PACE trial) levaria à melhora de pacientes, o que passou a ser o ponto de partida de pesquisas em todo o mundo e também protocolo de atendimento a pacientes, reforçando o estigma de doença psicossomática.

Todavia, diante da piora do quadro geral de parte significativa dos pacientes e, por apelo desses, seus familiares e da comunidade acadêmica, os pesquisadores abriram os dados e infelizmente ficou evidente que, além de inconclusivos, nada indicava que haveria melhoras efetivas por meio do PACE trial.[10][11]. Tratava-se de uma fraude científica que inviabilizou os estudos realizados até então e piorou o quadro de pacientes mundo afora.

Ainda assim, no Brasil, sites populares de notícias em saúde[12] com grande acesso de pacientes e profissionais de saúde continuam a reiterar a informação de que recomenda como tratamento a mesma combinação indicada pela citada pesquisa fraudada.

Esse é apenas um exemplo de como as doenças raras representam um grande desafio à sociedade e ao sistema público de saúde, seja porque fogem da rotina do atendimento das equipes, ou porque as informações acerca delas são escassas e incertas e os sistemas de diagnósticos não são eficientes, ou ainda porque nem sempre há algum tratamento certo, ou então pelos aspectos financeiros ao paciente e seus familiares e ao sistema público e privado de saúde, bem como a dificuldade de desenvolvimento de novos tratamentos pela baixa frequência da doença para compor amostra relevante com dados que sejam representativos e seguros aos pacientes.

Tais desafios acabam potencializados num sistema como o nosso, que se pauta pela integralidade e universalidade.

O custo na pesquisa de tratamento ou mesmo na implementação do tratamento enquanto saúde pública, quando há um tratamento confiável, implica na readequação e reengenharia do sistema público de saúde para integrar as doenças que se encontram fora do radar de atendimentos.

Justamente por isso a regulamentação da “Política Nacional de Doenças Raras” por meio de lei será bem-vinda para aqueles que se encontram até o momento marginalizados na promoção integral e universal de saúde.


[1] ARONSON, J. K. Rare diseases and orphan drugs. Disponível em: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1365-2125.2006.02617.x/full
[2] SCHIEPPATI, Arrigo; HENTER, Jan-Inge; DAINA, Erica; APERIA, Anita. Why rare diseases are an important medical and social issue? The Lancet, n. 371, p. 2039-2041, 2008. Disponível em: http://www.myelin.org/en/art/34/.
[3] Fukuda K, et al. The chronic fatigue syndrome: a comprehensive approach to its definition and study. International Chronic Fatigue Syndrome Study Group. Ann Intern Med. 1994;121(12):953–9
[4] Carruthers, et al. Myalgic encephalomyelitis/chronic fatigue syndrome: clinical working case definition, diagnostic and treatment protocols. J Chronic Fatigue Syndr. 2003;11(1):7–115.
[5] Carruthers BM, et al. Myalgic encephalomyelitis: international Consensus Criteria. J Intern Med. 2011;270(4):327–38.
[6] Nacul L, et al. The functional status and well being of people with myalgic encephalomyelitis/chronic fatigue syndrome and their carers. BMC Public Health. 2011;11:402.
[7] Falk Hvidberg M, et al. The health-related quality of life for patients with myalgic encephalomyelitis/chronic fatigue syndrome (ME/CFS). PLoS ONE. 2015;10(7):e0132421.
[8] Kingdon, C.C., Bowman, E.W., Curran, H. et al. Functional Status and Well-Being in People with Myalgic Encephalomyelitis/Chronic Fatigue Syndrome Compared with People with Multiple Sclerosis and Healthy Controls. PharmacoEconomics Open (2018). https://doi.org/10.1007/s41669-018-0071-6
[9] White PD, Goldsmith KA, Johnson AL, et al. Comparison of adaptive pacing therapy, cognitive behaviour therapy, graded exercise therapy, and specialist medical care for chronic fatigue syndrome (PACE): a randomised trial. Lancet. 2011;377(9768):823–36
[10] Helmfrid, S.; Edsberg, J. Time to reject the PACE study. Lakartidningen. Sep, 2017. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/320101462_Time_to_Reject_the_PACE_Study#pf4 ;
[11] Lubet, S. Defense of the PACE tria lis based on argumentation fallacies. Journal of Health Psychology, 2017, 22(318): 135910531771252
[12] A título de exemplo representativo dos sites brasileiros, no relatório gerado pelo Google acerca da síndrome da fadiga crônica, com base em dados fornecidos por diversos hospitais, tal como o Hospital Israelita Albert Einstein, o tratamento informado é baseado no PACE trial. Cf.: https://www.gstatic.com/healthricherkp/pdf/chronic_fatigue_syndrome_pt_BR.pdf

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