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Abuso de poder: o passivo do polo passivo

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Abuso de poder: o passivo do polo passivo

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02/08/2021

Uma coisa que me deixava triste, como órgão do Ministério Público Eleitoral, era ver uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral, AIJE,  ser extinta sem julgamento de mérito, porque não havia sido proposta em face de todos os que nela deveriam estar.

Quer dizer, eu ficava triste quando ações de terceiros, nas quais dava parecer, eram extintas; se eu mesmo as tivesse proposto, ficava furioso (perdoem-me a franqueza!).

A AIJE que se extinguia antes de se provar que houve mesmo o abuso do poder político ou econômico, – ou que não houve – deixava no ar essa inquietação, como um pênalti a favor do nosso time chutado para fora, o ingresso esgotado de um concerto, o bolo que acabou justamente quando íamos comer, o beijo negado.

O ruim é que isso acontecia demasiadas vezes, seja porque não é tão fácil compor o tal do polo passivo das ações, seja porque a jurisprudência do TSE mudava muito. Um problema, um passivo a preocupar.

Por isso, reagi com ambiguidade ao assistir a sessão do dia 10 de junho de 2021, quando assim, do nada, a Corte resolveu dar uma nova guinada na sua orientação sobre quem deve ser réu nas ações por abuso do poder político.

Acontece que estou escrevendo um livro sobre Ações Eleitorais – aspectos materiais e processuais das ações cassarias – e tive que ligar aflito para a editora, pedindo mais uma chance para mudar os originais. A culpa é do TSE, esclareci. Em síntese, fiquei contente com a nova orientação, mas tive que trabalhar horas a fio para atualizar o trabalho que nem publicado já foi (sai a semana que vem, tudo indica, se os próximos dias não trouxerem outras surpresas…).

Então, para divulgar ao mesmo tempo meu livro e a nova  tese fixada pelo TSE, copio, abaixo, parte do capítulo que precisei reescrever:

“10.4. Legitimação passiva

As ações promovidas contra candidatos ao Poder Executivo devem incluir, como litisconsorte passivo necessário, o inscrito como vice na chapa. É o que demanda a Súmula nº 38 do TSE:

“Nas ações que visem a cassação de registro, diploma ou mandato, há litisconsórcio passivo necessário entre o titular e o respectivo vice na chapa majoritária”.

A inclusão do vice não exige que ele tenha, de qualquer forma, colaborado para o ilícito. Ele entrará para a defesa de sua posição, que suportará a mesma solução dada ao titular na disputa em razão da chamada unicidade da chapa. É a hipótese preconizada pelo artigo 116 do Código de Processo Civil, segundo o qual: “O litisconsórcio será unitário quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir o mérito de modo uniforme para todos os litisconsortes”. Se a ação for proposta somente em face do titular, pode o juiz determinar a citação do vice, desde que isso se dê dentro do prazo para a proposição da ação. Superado esse momento, a ação deverá ser extinta sem julgamento de mérito por irregular composição do polo passivo, falta de pressuposto processual. Idêntico requisito se apresenta para as ações relativas à disputa para o Senado Federal. Nos termos da Constituição, art. 46: “[…] § 3º Cada Senador será eleito com dois suplentes”. Logo, o disputante deve apresentar chapa com a indicação de dois suplentes, que também serão afetados pela procedência da ação cassatória. Os suplentes são, portanto, litisconsortes passivos necessários:

“No julgamento do Recurso Contra Expedição de Diploma nº 703, esta Corte assentou a necessidade de citação do vice para integrar relação processual em recurso contra expedição de diploma proposto contra o titular de cargo majoritário, entendimento que se aplica, via de consequência, ao cargo de senador e respectivos suplentes. – Agravo Regimental em Recurso Contra Expedição de Diploma nº 754 – Porto Velho – RO. Rel. Min. Caputo Bastos, j. 27.05.2008.

Em relação à necessidade de incluir no polo passivo das ações o candidato beneficiado e as pessoas que colaboraram para o ilícito, é distinta a solução para a AIJE e a representação por condutas vedadas, por um lado, e para as representações dos artigos 30-A e 41-A da Lei nº 9.504/1997, por outro. É que, nestas últimas, somente o candidato pode ser parte passiva, na qual não poderão ser incluídos os terceiros que, de qualquer modo, tenham contribuído para o ilícito. Na AIJE e na representação dos artigos 73 e seguintes da Lei nº 9.504/1997, se o próprio candidato exercia a função administrativa que levou ao ilícito, a ação o terá como réu. É situação que se repete diante da possibilidade de reeleição para os cargos do Poder Executivo. Se, ao revés, o candidato beneficiou-se da conduta de terceiro a ação deveria, até as eleições de 2018, ser proposta em face de ambos, o político e o administrador. Foi o que o TSE decidiu em caso oriundo da cidade mineira de Jampruca:

3. Firma-se o entendimento, a ser aplicado a partir das Eleições de 2016, no sentido da obrigatoriedade do litisconsórcio passivo nas ações de investigação judicial eleitoral que apontem a prática de abuso do poder político, as quais devem ser propostas contra os candidatos beneficiados e também contra os agentes públicos envolvidos nos fatos ou nas omissões a serem apurados. – Recurso Especial Eleitoral nº 84356 – Jampruca – MG. Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 21.06.2016

Por igual, entendia a Corte que o particular que colaborou de qualquer modo para o ilícito, deveria ser incluído no polo passivo da AIJE e da Representação por Condutas Vedadas:

Na linha da jurisprudência desta Corte, a obrigatoriedade de inclusão no polo passivo do autor do ilícito não se restringe ao agente público responsável pela prática abusiva, pois também o particular que tenha cometido o ilícito eleitoral poderá sofrer as sanções previstas na legislação eleitoral, devendo integrar o polo passivo. Precedente: REspe 624-54, rel. Min. Jorge Mussi, DJE de 11.5.2018. – Recurso Especial Eleitoral nº 148 – Pirapora – MG. Rel. Min. Sérgio Banhos, j. 26.11.2019.

Apresentou-se debate sobre se os particulares que colaboraram para o abuso do poder econômico são também litisconsortes passivos necessários na AIJE, ou se essa exigência seria específica das hipóteses de abuso do poder político.

O Ministro Luís Roberto Barroso trouxe distinção que temos como correta:

[…] O exercício do poder econômico, ao contrário do poder político, não decorre da outorga estatal e não se vincula ao regime de legalidade estrita. A vedação ao abuso do poder econômico não comporta o endereçamento a uma categoria de pessoas específicas que titularizem o exercício do poder. Sendo o próprio poder econômico difuso na sociedade, seu abuso pode decorrer de atos pulverizados que, em seu conjunto, redundam no benefício eleitoral ilícito sem que, necessariamente, identifique-se o “responsável” – Recurso Especial Eleitoral nº 32503 – Jacinto – MG. Rel. Min. Luís Roberto Barroso, j. 22.10.2019

A maioria da Corte decidiu, entretanto, nesse mesmo julgamento, em sentido diverso:

“Fixado, por maioria, o entendimento de que, para as Eleições 2016, exige-se a formação de litisconsórcio passivo necessário, também em caso de abuso do poder econômico, entre os candidatos beneficiados e quem, no momento da propositura da ação, seja apontado como responsável pelo ilícito. Para aferição da necessidade de litisconsórcio passivo, é suficiente a aplicação da teoria da asserção, devendo integrar o polo passivo da ação as pessoas às quais seja diretamente atribuída, na petição inicial, a prática de condutas ilícitas”.

A exigência de composição do polo passivo com os agentes públicos ou particulares que tivessem contribuído para o ilícito degenerou em modo de evitar o desfecho de mérito da AIJE e da representação por conduta vedada, porque se exigia que, independentemente do grau de autonomia ou de participação de alguém, ele viesse a compor o polo passivo. Diante da malha burocrática do poder público, sempre era possível alegar que alguém ficou de fora, levando as ações à extinção sem julgamento de mérito.

Entendíamos, na constância desta orientação jurisprudencial, que o polo passivo não precisava, nem deveria, incluir funcionários subalternos, que agiram sob mando do agente público, tampouco deveriam constar particulares que apenas seguiram determinações ou executaram ordens de terceiros, não manifestamente ilegais. Não há trazer para o ambiente do Direito Eleitoral exigências de responsabilização próprias da esfera penal. Não é obrigatório seguir, até o fim, a “cadeia de comando”, com responsáveis, executores, omitentes e meros cumpridores de ordens. Até porque, ao contrário do que ocorre com o candidato a vice, a decisão relacionada aos candidatos beneficiados e aos que contribuíram para o ilícito, não precisa ser a mesma, nem afeta diretamente qualquer deles. É sé lembrar que só os candidatos estão sujeitos à cassação do registro ou diploma e que, na AIJE, o decreto de inelegibilidade pode ser dado a um e não a outro. Era um litisconsórcio necessário, mas não unitário.

O TSE avançou nesse sentido que preconizávamos:

É dispensável a formação do litisconsórcio passivo necessário quando o agente pratica a conduta vedada ou o ato abusivo na condição de mero mandatário do beneficiário que integra a demanda. Precedentes. Portanto, desnecessária a inclusão do funcionário da prefeitura responsável pela entrega dos lotes no polo passivo da presente ação.- Recurso Especial Eleitoral nº 42270 – Dionísio – MG. Rel. Min. Luís Roberto Barroso, j. 30.05.2019.

Cabe registrar, porém, que ao julgar o Recurso Ordinário n. 060303063, de Brasília, DF, em 10 de junho de 2021, o Tribunal Superior Eleitoral modificou sua jurisprudência, para os feitos relativos às eleições de 2018. A tese fixada foi de inexigência de litisconsórcio passivo necessário entre o candidato e o agente público responsável pelo abuso do poder político.

Embora esse novo entendimento tenha sido aplicado numa AIJE, a menção a “abuso do poder político” atrai a representação por condutas vedadas, que não são coisa diversa do que tipificações de abuso. Todavia, não houve pronunciamento expresso da Corte nesse sentido. Não se pode afastar a hipótese (até pelo placar apertado da decisão, 4 x 3) que o tribunal culmine por encontrar uma razão de distinção entre a AIJE propriamente dita e as representações que, embora sigam o mesmo rito, referem-se a tipos fechados de abuso, como é o caso da relativa às condutas vedadas.

Por igual, se não há necessidade de inclusão no polo passivo do agente público, como justificar que, no caso de particulares, essa inclusão seja imprescindível para a correta formação do polo passivo?

Entendemos que, com o novo precedente, a Corte quis evitar que discussões sobre a composição do polo passivo culminassem por inviabilizar o exame dos atos abusivos. Isto não significa, porém, que não possa existir tal litisconsórcio, agora na modalidade facultativa, quando se tem evidências de que agente público, ou privado, colaborou para o ato abusivo. Aliás, trata-se de providência imprescindível se se pretende gerar inelegibilidade, direta ou indireta, para quem praticou ou ajudou na prática do ilícito. De nossa parte, recomendamos cautela a quem vai manejar tais ações: se houver elementos suficientes de que alguém, com poder de mando, praticou atos de abuso em prol de candidatos, o melhor é listá-lo no polo passivo.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral não aceita que pessoas jurídicas venham a ser rés na AIJE, não obstante uma delas tenha sido instrumento para o abuso do poder econômico ou uso indevido dos meios de comunicação social. Vale o mesmo para as demais representações que seguem o rito da AIJE. Deverão integrar o polo passivo os responsáveis por essas empresas, aqueles que, com poder de decisão, determinaram os atos abusivos.

A responsabilização do candidato não depende de que ele tenha praticado o ato abusivo ou concorrido para ele, mas é verificada objetivamente se a conduta teve o condão de conspurcar a lisura e legitimidade do pleito. Ele responderá com seu registro ou diploma — e, consequentemente, com seu mandato — por ato de terceiros. A inelegibilidade, porém, supõe atuação pessoal, a saber, apoio, anuência, direcionamento ou participação material nas práticas ilícitas. De toda forma, o candidato deve ser chamado ao feito para poder defender-se.

Hipótese especial se apresenta quando se imputa, na AIJE, abuso de poder das direções partidárias em relação à quota feminina nas candidaturas proporcionais (art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997). É que nesse caso, questiona-se a higidez do Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP), o que expõe a risco toda a chapa apresentada por aquela agremiação. A procedência da ação implicará a perda de mandato de todos os eleitos pela chapa proporcional, independentemente da colaboração ou anuência de cada candidato com a fraude Logo, todos os que tiveram o registro deferido e que assumem, desse modo, a posição de suplentes em potencial devem ter o direito de defender suas posições. Exceção aos suplentes. Eles, embora tenham constado do Demonstrativo de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP), não precisam compor, na qualidade de sujeitos passivos necessários, o polo passivo da AIJE (e da AIME). A argumentação do TSE foi a seguinte:

5. Os suplentes não suportam efeito idêntico ao dos eleitos em decorrência da invalidação do DRAP, uma vez que são detentores de mera expectativa de direito, e não titulares de cargos eletivos. Enquanto os eleitos sofrem, diretamente, a cassação de seus diplomas ou mandatos, os não eleitos são apenas indiretamente atingidos, perdendo a posição de suplência. Não há obrigatoriedade de que pessoas apenas reflexamente atingidas pela decisão integrem o feito. Os suplentes são, portanto, litisconsortes meramente facultativos. Embora possam participar do processo, sua inclusão no polo passivo não é pressuposto necessário para a viabilidade da ação”- Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 68565 – Cuiabá – MT. Rel. Desig. Min. Luís Roberto Barroso, j. 28.05.2020.”

Para mais do que isso, aguardem meu vindouro livro!

Fonte: A cachaça eleitoral

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