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Análise Detalhada da Multipropriedade no Brasil após a Lei nº 13.777/2018: Pontos Polêmicos e Aspectos de Registros Públicos

CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS

DIRECTIVA Nº 2008/122/CE

DIRECTIVA Nº 94/47/CE

LEI DA MULTIPROPRIETÁRIA IMOBILIÁRIA

LEI DE INCORPORAÇÕES E DE CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS

LEI GERAL DE TURISMO

LEI Nº 11.771/2008

LEI Nº 13.777/2018

LEI Nº 4.591/64

LEI Nº 6.766/76

Flávio Tartuce

Flávio Tartuce

21/03/2019

Artigo escrito por Carlos Eduardo Elias de Oliveira*

Após situar o instituto da Time Sharing no mundo, o texto trata da multipropriedade sobre móveis e imóveis no Brasil. Detalha, porém, a multipropriedade imobiliária, percorrendo praticamente  todos  os  dispositivos  da   Lei   da   Multipropriedade   Imobiliária   (Lei nº 13.777/2018), expondo os pontos controversos e indicando os procedimentos a serem adotados pelos Cartórios de Imóveis. Nesse aspecto, o texto defende que:

  1. a Lei nº 591/64 e os arts. 1.331 e seguintes do CC, que tratam do condomínio edilício, aplicam-se subsidiariamente – capítulo 5.1.;
  2. o CDC só se aplica subsidiariamente quando houver relação de consumo – capítulo 5.1.;
  3. a nomenclatura dos elementos da multipropriedade imobiliária envolve os verbetes “imóvel-base”, “unidade periódica”, “fração ideal” (quota de fração de tempo) e “fração tempo” – capítulo 3.;
  4. a unidade periódica é objeto de direito real sobre coisa própria, pois a multipropriedade imobiliária é um “parcelamento temporal” da coisa física (“desmembramento temporal”), vedado, porém, o “desdobro” temporal – capítulos 5.4., 5.5., 5.6., 5.9., 5.11. e 12.;
  5. não há responsabilidade solidária entre os multiproprietários por tributos reais, como IPTU e ITR – capítulo 5.7. –;
  6. é viável a instituição de direitos reais sobre coisa alheia sobre a unidade periódica, além de ser cabível o usucapião se não recair sobre unidades periódicas excedentes – capítulos 5.7. e 5.10.;
  7. as mutações jurídico-reais nas unidades periódicas precisam ser comunicadas ao administrador do condomínio, salvo quando a faculdade de usar e fruir não for subtraída do multiproprietário – capítulo 8.;
  8. a alienação de unidade periódica depende da prova de quitação de débito condominial, salvo dispensa das partes – capítulo 8.4.;
  9. a unidade periódica é penhorável e pode ser alcançada pela proteção de bem de família, vedada, porém, a penhora isolada do mobiliário do imóvel-base – capítulos 5.8.5. e 15.;
  10. é inaplicável a “fração mínima de parcelamento temporal” para a “unidade periódica de conservação” – capítulos 5.11., 5.13. e 14.;
  11. os multiproprietários só respondem por danos culposos ao mobiliário e têm direito a indenização pelo tempo de indisponibilidade do imóvel-base para reparações de danos fortuitos – capítulo 16;
  12. o condomínio multiproprietário é sujeito de direito despersonalizado e, se for o caso, coexiste com o condomínio edilício, admitida a existência concomitante de síndico e de administrador – capítulos 5.17., 5.18. e 19.;
  13. a instituição do condomínio multiproprietário é feita na matrícula do imóvel-base e deve conter os requisitos formais listados não apenas no art. 1.358-F do CC, mas também, mutatis mutandi, os previstos para o condomínio edilício, à semelhança do que sucede com a convenção – capítulos 5.20. e 21.;
  14. há cautelas interpretativas a serem adotadas acerca das punições cabíveis contra o multiproprietário antissocial – capítulo 22;
  15. no condomínio multiproprietário em unidade autônoma de condomínio edilício, haverá, no Cartório de Imóveis, matrícula-mãe (do imóvel-base), matrículas-filhas (das unidades autônomas do condomínio edilício) e matrículas-netas (das unidades periódicas), assegurado ao multiproprietário participação no custeio e na condução do condomínio edilício – capítulos 23.;
  16. a submissão da unidade periódica ao sistema de intercâmbio só depende de previsão na convenção se houver o objetivo de conferir-lhe efeitos contra o condomínio edilício e o multiproprietário – capítulo 23.5;
  17. Havendo a instituição do condomínio multiproprietário em unidade autônoma de condomínio edilício, haverá, como sujeitos de direito despersonalizado, o condomínio edilício e os condomínios multiproprietários das unidades autônomas que receberam a instituição da multipropriedade – capítulo 23.6;
  18. a “anticrese legal” prevista para o caso de haver sistema de pool depende de interpretação conforme à Constituição – capítulo 23.7;
  19. o instituto da “renúncia translativa” não impede a “renúncia abdicativa”, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade – capítulo 23.8.
  20. o sistema de intercâmbio pode se concretizar por meio de contrato ou da instituição onerosa de direito real de usufruto sobre a unidade periódica – capítulo 23.9.

Trataremos, de modo detalhado, da multipropriedade no Direito Brasileiro após o advento da Lei nº 13.777, de 19 de dezembro de 2018, batizada como a Lei da Multipropriedade Imobiliária.

Após uma visita histórica ao instituto no mundo, aponta-se como lidar com a multipropriedade sobre móveis e imóveis.

Detalha-se a aplicação prática de todos os dispositivos relevantes da Lei da Multiproprietária Imobiliária e se suscitam os principais pontos polêmicos. Indicam-se também as cautelas que devem ser tomadas pelo Cartório de Registro de Imóveis.

O objetivo do texto é levantar o debate sobre os dispositivos legais e também apontar aspectos que podem ser levados em conta pelo legislador no aprimoramento legislativo da matéria.

Ao final, apontam-se proposições legislativas que merecem ser produzidas para atender aos reclamos da sociedade pelos benefícios decorrentes do Time Sharing.

Casas de veraneio costumam ficar fechadas grande parte do ano, porque seus proprietários só as utilizam em um determinado mês. Bens de alto valor para lazer, como lanchas, também soem ser pouco utilizados ao longo do ano. Em todos esses casos, além do subaproveitamento da coisa – o que vai contra a função social da propriedade –, o proprietário sofre prejuízos com gastos de manutenção.

A multipropriedade popularizou-se no mundo inteiro, especialmente para esses tipos de bens de lazer, e permite que várias pessoas utilizem a mesma coisa ao longo do ano, cada uma em um determinado período. Em consequência, as elevadas despesas de manutenção desses bens serão dividas pelos multiproprietários, e o tempo de ociosidade da coisa será substancialmente reduzido.

O potencial de uso da multipropriedade vai além desses bens de lazer. Imóveis e móveis podem submeter-se a esse regime para vários outros usos, como para moradia (especialmente para casos de empresários itinerantes) ou para o comércio (para casos de comércios temporários).

Além do mais, a multipropriedade pode ser conjugada com outros contratos ou direitos reais a fim de potencializar o aproveitamento do imóvel. É o caso dos contratos de serviços de intercâmbio, por meio do qual o multiproprietário cede os direitos de uso sobre um determinado imóvel em um específico período do ano a uma empresa que, em troca, permite-lhe utilizar qualquer imóvel do mundo integrante da vasta rede credenciada. O contrato de prestação de serviço de intercâmbio é comum no meio turístico e até recebe reconhecimento no art. 23, § 2º, da Lei Geral de Turismo (Lei nº 11.771/2008) e no art. 31 do Decreto nº 7.381/2010 (que regulamentou essa  lei geral). Aliás, esse arranjo de intercâmbio mais bem se aperfeiçoaria por meio da instituição de um direito real de usufruto em favor da empresa de intercâmbio, tudo por força da maior estabilidade jurídica dos direitos reais comparativamente aos contratos. Ilustremos a utilidade dessas operações. Em Caldas Novas/GO, é comum esse tipo de conjugação contratual. O consumidor adquire uma unidade periódica referente a um apartamento em Caldas Novas, cede os seus direitos sobre essa unidade periódica a uma empresa de intercâmbio e, em troca, passa a ter direito de se hospedar em hotéis da rede credenciada dessa empresa por uma quantidade de tempo igual ao de sua unidade periódica. Desse modo, o consumidor, ao ir para o Rio de Janeiro, poderá checar a disponibilidade em hotéis que pertençam à rede conveniada da empresa de intercâmbio.

Outro exemplo de conjugação proveitosa da multipropriedade com outros contratos é a utilização do sistema de pool. O multiproprietário pode conseguir bons rendimentos financeiros. Ele entrega os direitos de fruição de sua unidade periódica ao operador hoteleiro (e há vários operadores hoteleiros, como as famosas redes hoteleira Hilton, Marriot etc.) que, em troca, repassa-lhe uma remuneração obtida como fruto das hospedagens. Aqui também reputamos a instituição de um direito real de usufruto em prol do operador hoteleiro como uma via de maior estabilidade jurídica do que um contrato: se, por exemplo, o multiproprietário alienar sua unidade periódica a terceiros, o usufrutuário estará resguardado.

Nascido na França e difundido por vários países do mundo, a multipropriedade, também chamada de Time Sharing (“tempo compartilhado”, em tradução livre), é o compartilhamento, entre duas ou mais pessoas, de um mesmo bem em períodos certos de tempo de cada ano. Esse regime jurídico é disciplinado de diferentes maneiras no mundo e recebe diferentes designações, como “multipropriedade; time-sharing; droit de jouissance à temps partagé; propriété spatio-temporelle; multijouissance; multiproprietà; direito real de habitação periódica” (Tepedino, 2015). Em Portugal, assume a feição de direito real de habitação periódica, uma espécie de direito real sobre coisa alheia[1]. Na Espanha, vestiu-se como um contrato de aprovechamiento por turno de bienes inmuebles[2] . A Comunidade Europeia, embora não indique a anatomia jurídica do instituto, estabeleceu regras de proteção ao consumidor nas operações de Time Sharing por meio da Directiva nº 2008/122/CE, de 14 de janeiro de 2009, que substituiu a anterior Directiva nº 94/47/CE, de 26 de outubro de 1994.

Há quem vincule o Time Sharing a um regime contratual, com o objetivo de distingui-lo da Fractional Ownership, que envolveria um direito real. Todavia, essa distinção parece-nos cosmética pois, em todos os casos, o que se pretende é uma sobreposição de titularidade de direitos (obrigacionais ou reais) para fruição de um imóvel em distintos períodos do ano.

No Brasil, há regime jurídico diverso conforme se trate de imóveis ou móveis.

A multipropriedade sobre imóveis assumiu a forma de condomínio, ou seja, de sobreposição de diversos direitos reais de propriedade periódica por força dos arts. 1.358-B ao 1.358-U do Código Civil e da Lei de Registros Públicos (art. 176, § 1º, II, “6”, e §§ 10 a 12 e art. 178, III). Esses dispositivos nasceram com a publicação da Lei nº 13.777, de 19 de dezembro de 2018[3].

Antes dessa lei de 2018, havia controvérsia sobre a natureza jurídica da multipropriedade sobre imóvel. Um dos maiores civilistas brasileiros, Gustavo Tepedino, com a bênção de Caio Mário da Silva Pereira – pai da Lei de Incorporações e de Condomínios Edilícios (Lei nº 4.591/64) –, já defendia que a multipropriedade se incluía dentro do direito real de propriedade e, por isso, poderia ser instituída com base na Lei nº 4.591/64 (Tepedino, 2019). O STJ, analisando caso em que sequer havia registro no Cartório de Imóveis, chegou a sinalizar que envolveria direito real mesmo sem previsão legal expressa, como se fosse admitido criar direitos reais por mera vontade das partes em desatenção ao princípio da taxatividade dos direitos reais (STJ, REsp 1546165/SP, 3ª Turma, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. p/ Acórdão Ministro João Otávio de Noronha, DJe 06/09/2016). No mesmo sentido, a Corregedoria-Geral de Justiça do TJSP – uma das mais ricas fontes de interpretações em matéria de direito notarial e de registros públicos no país – já tinha admitido que os cartórios de imóveis abrissem matrículas para as unidades periódicas, o que representava uma adesão a essa condição de direito real[4]. Todavia, o objetivo do STJ era simplesmente proteger contratos de multipropriedade perante credores do empreendedor, o que deveria ter sido feito por meio da doutrina do terceiro cúmplice, à semelhança do caso da Súmula nº 84/STJ. Se o STJ tivesse analisado um conflito entre dois indivíduos que, de boa-fé, tivessem firmado contrato de time sharing sobre o mesmo período do ano sem registro no Cartório de Imóveis, dificilmente ele teria invocado uma suposta natureza de direito real.

Ao nosso sentir, antes da Lei nº 13.777/2018, a multipropriedade era operacionalizada por meio de contratos atípicos que envolviam uma espécie de locação durante um período de tempo do ano. A propósito, o art. 28 do Decreto nº 7.381/2010, regulamentando a Lei Geral do Turismo (Lei nº 11.771/2008), tratava da “hospedagem por sistema de tempo compartilhado” para contemplar uma multipropriedade imobiliária operacionalizada por meio de contrato atípico.

Já a multipropriedade sobre móveis está sem disciplina legal expressa. Infelizmente, em razão da indisposição das condições meteorológicas da política, o legislador só tratou dos imóveis na regulamentação da multipropriedade[5].

Não há lei indicando a natureza jurídica da multipropriedade sobre bens móveis. Parece-nos inviável admitir o condomínio em multipropriedade para eles, seja pela inaplicabilidade, por analogia, dos arts. 1.358-B ao 1.358-U do CC, seja porque  o princípio da taxatividade dos direitos reais é um obstáculo jurídico diante da inexistência de previsão legal de um direito real de propriedade “temporal” sobre móveis. Recorde-se que o precedente do STJ que apontara uma natureza real da multipropriedade tratava de uma penhora de imóvel objeto de contrato de time sharing não registrado no Cartório de Imóveis e, provavelmente, não resistiria diante de outro caso concreto envolvendo conflito entre dois adquirentes de boa-fé, conforme já expusemos mais acima. Ademais, ao se admitir a natureza de direito real para a time sharing sobre móveis sem lei prévia regulamentadora, teremos grande insegurança jurídica, pois adquirentes de bens móveis estariam sob o risco de perderem, por evicção, parcialmente a coisa em favor de terceiros desconhecidos que tivessem ocultos contratos de time sharing com o alienante.

Assim, a multipropriedade sobre móveis tem de operacionalizar-se por meio de contratos atípicos que envolvem elementos de locação (ex.: uma empresa gestora se obriga a, em determinado período do ano, assegurar a fruição do bem pelo multiproprietário em troca de uma remuneração) ou por meio de um condomínio tradicional com um acordo entre os condôminos acerca do uso do bem. O problema é que esses arranjos são frágeis juridicamente: o primeiro (o da locação) pelo risco de a empresa – enquanto titular do direito real de propriedade – vender a coisa a terceiros, que não serão obrigados a respeitar o contrato; e o segundo (o do condomínio tradicional) pelo fato de a maioria censitária ter o poder de alterar as regras de uso da coisa e, assim, oscilar o período de uso de cada condômino.

O legislador não pode prorrogar por mais tempo a triste orfandade normativa da multipropriedade sobre móveis: é preciso regulamentar logo a matéria.

Legislação aplicável e analogia com condomínio edilício para lacunas legais

A multipropriedade imobiliária é regida, de modo primário, pelos arts. 1.358-B ao 1.358-U do CC e pela LRP. De modo subsidiário (ou seja, só naquilo em que houver omissão), o instituto será regido pelas regras de condomínio edilício que estão no CC (arts. 1.331 e seguintes) e na Lei nº 4.591/64. Isso porque o condomínio edilício é o irmão mais velho do condomínio em multipropriedade: este foi desenhado inspirando-se naquele. Aliás, diante dessa semelhança, eventuais omissões legislativas deverão ser preenchidas pela aplicação, por analogia, das regras do condomínio edilício, em atenção ao comando do art. 4º da LINDB.

Quando a multipropriedade envolver negócios jurídicos celebrados com consumidores, também deverá ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor de modo subsidiário, ou seja, apenas naquilo que não conflitar com os arts. 1.358-B ao 1.358-U do CC.

É essa a melhor interpretação do art. 1.358-B do CC.

A multipropriedade imobiliária, disciplinada pelos arts. 1.358-B ao 1.358-U do CC, aplica-se a qualquer imóvel, tanto rural, quanto urbano, diante da falta de proibição legal. Não se estende, porém, para coisas imateriais que sejam consideradas imóveis por determinação legal.

Imóvel-base é o imóvel corpóreo (imóvel por natureza ou por acessão) sobre o qual é instituído o condomínio em multipropriedade. Assemelha-se ao terreno sobre o qual é instituído o condomínio edilício.

Unidade periódica é o imóvel por ficção jurídica que assegura ao seu titular      (o condômino multiproprietário) o direito real de propriedade sobre si e sobre uma fração ideal do imóvel-base. Por vezes, a expressão é empregada como sino?nima de “fração de tempo” pela legislação (ex.: art. 1.358-I, III, do CC). Equipara-se à unidade autônoma no condomínio edilício.

Fração de tempo é o período de cada ano durante o qual o titular da unidade periódica pode usar e fruir do imóvel-base.

Quota de fração de tempo é a fração ideal que o condômino multiproprietário tem sobre o imóvel-base e que lhe assegura o exercício da faculdade de uso e gozo em um período de cada ano. Exemplo de uso: art. 1.358-I, IV, “a”, CC. Pode ser comparada à fração ideal no condomínio edilício.

No Brasil, por força da Lei nº 13.777/2018, que acresceu os arts. 1.358-B ao 1.358-U ao CC, além de regras na LRP, a multipropriedade imobiliária é um condomínio formado por unidades autônomas periódicas vinculadas a uma fração ideal do imóvel- base (art. 1.358-C, caput). Essa fração ideal é proporcional à sua fração de tempo do ano, admitido, porém, mediante previsão diversa no ato constitutivo, que determinados períodos do ano recebam um peso maior. Por exemplo, a fração ideal de uma unidade periódica envolvendo o mês de julho poderá ser o dobro de uma fração ideal de uma unidade periódica envolvendo o mês de abril. Isso depende do que for livremente estabelecido no ato de instituição.

O titular da unidade periódica também é proprietário de uma fração ideal do imóvel-base na proporção do respectivo período de tempo do ano. É semelhante ao condomínio edilício, em que as unidades autônomas são vinculadas a uma fração ideal do solo e das áreas comuns [6]. Assim, se uma fazenda é submetida a regime de multipropriedade para criar duas unidades periódicas vinculadas respectivamente a uma das metades do ano, o titular da unidade periódica de janeiro a junho (1 ª metade do ano) é proprietário exclusivo dessa unidade periódica e também da metade do imóvel-base, ao passo que o outro condômino multiproprietário é proprietário exclusivo da unidade periódica de julho a dezembro (2ª metade do ano) e também da metade do imóvel-base.

A doutrina civilista acena para uma convergência nessa compreensão. Uma das maiores autoridades da matéria, o Professor Gustavo Tepedino, averbou: “A lei brasileira, acertadamente, regulou a multipropriedade como unidade autônoma, delimitada no tempo e no espaço, inserida no regime de condomínio especial” (Tepedino, 2019).

A Lei da Multipropriedade Imobiliária representa uma ruptura com a concepção tradicional de imóvel como algo físico, vinculado apenas ao espaço. A perplexidade que essa inovação causa na doutrina assemelha-se à que Einstein causou com sua Teoria da Relatividade ao romper com a tradição newtoniana e anunciar uma nova forma de imiscuir o tempo com o espaço na identificação do estado das coisas (espaço-tempo) [7].  O conceito de imóvel não se confunde mais apenas com uma coisa física (solo, construções e unidades de condomínios edilícios), mas também abrange um período do ano sobre essa coisa (unidade periódica). Aliás, a abstração do conceito de imóvel é mais antiga, do que dá exemplo a admissão dos imóveis por determinação legal (o direito à sucessão aberta e os direitos reais sobre imóveis com as respectivas ações, na forma do art. 80 do CC). Estamos a avançar para uma abstração conectando o imóvel físico a um período de tempo.

A unidade periódica é um parcelamento temporal do imóvel-base, que é um imóvel por natureza ou por acessão (art. 79, CC). Daí decorre que, dentro da classificação tradicional de bens imóveis, a unidade periódica terá a mesma natureza do imóvel-base: bem imóvel por natureza ou por acessão.

A unidade periódica é um imóvel autônomo, objeto de um direito real de propriedade por parte do respectivo condômino multiproprietário. É, pois, objeto de direito real sobre coisa própria.

É atécnico afirmar que multipropriedade imobiliária é um direito real. Na verdade, multipropriedade imobiliária é um regime jurídico. É uma forma de condomínio envolvendo um feixe de direitos reais de propriedade sobre unidades periódicas. O direito real envolvido aí é a propriedade, que recai sobre a unidade periódica, que compõe a estrutura do condomínio em multipropriedade.

Conforme expusemos em outra ocasião (Oliveira, 2018), pode-se pensar a multipropriedade imobiliária no Brasil como um parcelamento temporal de uma coisa imóvel física. Explica-se a metáfora.

O parcelamento do solo é a criação de imóveis autônomos a partir do fracionamento de um terreno maior. Quando o solo é rural, aplica-se o Decreto-Lei nº 58/1937. Quando é urbano, vige a Lei nº 6.766/76, que prevê dois tipos de parcelamento: o loteamento e o desmembramento. O parcelamento do solo é um “parcelamento horizontal”: fatia-se o terreno para criar lotes.

Com a regulamentação do direito real de laje em 2017[8] (arts. 1.510-A ao 1.510-E do CC), surgiu o que chamamos de “parcelamento vertical” do solo: permite-se o fatiamento vertical do solo para criar imóveis autônomos em sobreposição ascendente ou descendente (as lajes)[9].

Com a regulamentação da multipropriedade imobiliária em 2018 no Brasil, nasceu o “parcelamento temporal” do imóvel: criam-se várias unidades periódicas vinculadas a um mesmo imóvel-base. Esse parcelamento temporal pode recair não apenas sobre o solo, mas também sobre imóveis por acessão, como os apartamentos em condomínios edilícios.

Enfim, a multipropriedade imobiliária no Brasil “pode ser definida como um parcelamento temporal do bem em unidades autônomas periódicas. É pulverizar um bem físico no tempo por meio de uma ficção jurídica” (Oliveira, 2018). Enxergar a multipropriedade como um condomínio fruto de um parcelamento temporal – e ficto! – ajuda a compreendê-la melhor.

Há várias repercussões práticas do fato de a unidade periódica ser um imóvel autônomo objeto de direito real sobre coisa própria (direito real de propriedade), à semelhança do que sucede com as unidades autônomas em condomínio edilício.

A primeira delas é a de que, nos tributos reais (IPTU e ITR, por exemplo), cada unidade periódica é um fato gerador próprio, de maneira que cada multiproprietário é obrigado a pagar o tributo real relativo à sua unidade periódica[10]. É, portanto, totalmente descabido que o Fisco pretenda responsabilizar um multiproprietário por débito de tributo real relativo a unidades periódicas dos demais. A lei tributária tem de respeitar os conceitos de direito privado para a definição do fato gerador (art. 109, CTN). Sob essa ótica, a mensagem presidencial de veto a alguns dispositivos da Lei nº 13.777/2018 se equivocou quando insinuou que haveria responsabilidade solidária entre os multiproprietários pelos débitos de tributos reais de todas as unidades com base no     art. 124 do CTN. Essa solidariedade não existe na multipropriedade (cada unidade periódica é um fato gerador distinto), assim como não existe no condomínio edilício (cada unidade autônoma é um fato gerador distinto). É que não há interesse comum entre os multiproprietários sobre os vários fatos geradores: se um dos multiproprietários não pagar o IPTU, os demais serão indiferentes à eventual penhora e expropriação da unidade periódica do inadimplente. A propósito, reconhecendo que cada unidade periódica é um fato gerador próprio de tributos reais, o § 11 do art. 176 da LRP estabelece que cada unidade periódica pode ter uma inscrição imobiliária individualizada, o que é importante para efeito de controle fiscal. A doutrina civilista ruma em confluência nesse assunto.   O professor Gustavo Tepedino, cujos estudos guiaram a discussão na matéria no Brasil e inspiraram a Lei da Multipropriedade, defende essa mesma interpretação, afirmando que, “por se tratar de unidade autônoma, o IPTU há de ser individualizado e cobrado de cada multiproprietário” e destacando que o veto presidencial a alguns dispositivos da Lei da Multipropriedade “não altera a autonomia das matrículas, devendo ser afastada, portanto, qualquer interpretação que pretendesse atribuir ao conjunto dos multiproprietários de um mesmo apartamento a responsabilidade solidária das referidas despesas individuais” (Tepedino, 2019).

A segunda repercussão é a de que a unidade periódica pode ser objeto de hipoteca, penhor, usufruto e de todos os demais direitos reais sobre coisa alheia, além da alienação fiduciária em garantia, à semelhança do que sucede com as unidades autônomas em condomínios edilícios. A única particularidade é que, após instituir qualquer ônus sobre a unidade periódica, o multiproprietário deve comunicar ao administrador do condomínio multiproprietário para que ele atualize os dados cadastrais para cobrança das contribuições condominiais e outros efeitos relacionados à gestão comum do condomínio multiproprietário (art. 1.358-I, III, CC).

A terceira consequência é a de que as unidades periódicas são suscetíveis de usucapião: são res habilis, ou seja, são bens hábeis a serem comercializados, o que as tornam vulneráveis ao usucapião. Do ponto de vista prático, isso ocorrerá mais em casos de nulidades de títulos aquisitivos a non domino: se alguém adquirir uma unidade periódica de quem não era dono e exercer posse sobre essa unidade periódica durante o período de usucapião, poderá salvar o seu direito de propriedade diante de eventual reconhecimento do vício de seu contrato, lastreando-se no usucapião.

Dever de comunicação ao administrador: desnecessidade de controle pelo Cartório de Imóveis e inaplicabilidade para ônus reais que recai sobre o uso e a fruição da unidade periódica

A unidade periódica pode ser alienada pelo seu titular a terceiros, à semelhança do que sucede com as unidades autônomas em condomínio edilício. No caso de alienação, porém, o multiproprietário precisa comunicar ao administrador do condomínio multiproprietário para atualização cadastral para todos os efeitos, inclusive o de mudança de responsável pelo pagamento dos débitos condominiais (arts. 1.358-I, III, e 1.358-L, CC).

Esse dever de comunicação não é imposto como requisito prévio ao registro da alienação. Em princípio, ele só nasce com a efetiva alienação da unidade periódica, a qual se completa com o registro do título no Cartório de Imóveis. Portanto, entendemos que o oficial de registro não pode exigir a prova de comunicação da alienação ao administrador como requisito para efetivar o registro: essa exigência, portanto, não integra o espectro de sua qualificação registral.

O multiproprietário também pode instituir ônus real sobre o imóvel, como direitos reais sobre coisa alheia (hipoteca, usufruto, uso etc.). O art. 1.358-I, III, do CC, todavia, também obriga o multiproprietário a comunicar esse gravame ao administrador do condomínio. Todavia, preferimos fazer uma interpretação restritiva do referido dispositivo para excluir do dever de comunicação os ônus reais que não transferiram a faculdade de usar e fruir da coisa a terceiros. É que a finalidade da comunicação é que o administrador saiba quem efetivamente está utilizando a coisa, o que é importante, por exemplo, para tratativas relativas a reparos a serem feitos no imóvel-base. Se o ônus real não subtrai do multiproprietário a faculdade de usar e fruir, não há razão para comunicação ao administrador. Assim, no caso de um direito real de garantia ou de uma alienação fiduciária em garantia da unidade periódica, não há razão para que o multiproprietário comunique esse ônus ao administrador, pois, além de ele continuar ocupando efetivamente o imóvel-base, essa comunicação somente serviria para constrangê-lo  com  a  exposição   de  uma  dívida  garantida  por  esse   direito   real.   A comunicação do ônus real não é para bisbilhotice.

Não há necessidade de ser dado direito de preferência aos demais condôminos, à semelhança do que sucede com as unidades autônomas em condomínio edilício. A única exceção é se houver determinação expressa no instrumento de instituição ou na convenção condominial. O legislador afirmou essa obviedade por cautela (art. 1.358-L, § 1º, CC).

Se houver previsão de direito de preferência no ato de instituição ou na convenção, entendemos que o Cartório de Imóveis, ao fazer a qualificação registral de um título de venda da unidade periódica, precisa exigir prova de que os demais multiproprietários foram comunicados previamente da venda para o exercício do direito de preferência. Para evitar burocracias desnecessárias (seria inviável conseguir termo com reconhecimento de firma de todos os demais), bastaria a apresentação da prova do envio de notificações para os demais multiproprietários ou da realização de outra forma de divulgação prevista no ato de instituição ou na convenção (como a afixação de cartazes conforme atestado pelo administrador do condomínio ou a expedição de e-mails).

Ao alienar a unidade periódica, o multiproprietário está a realizar um negócio envolvendo direito real sobre imóvel, o que atrai a obrigatoriedade de escritura pública se a unidade periódica for de valor superior a 30 salários mínimos, nos termos do art. 108 do CC.

As dívidas condominiais que devem ser pagas pelo multiproprietário ao condomínio em multipropriedade têm natureza propter rem e, por isso, deverão ser suportadas pelo adquirente da unidade autônoma, ainda que tenham nascido antes da aquisição.

Por isso, cabe ao adquirente exigir uma certidão de quitação de dívida condominial no momento da aquisição por força do art. 4º, parágrafo  único, da  Lei     nº 4.591/64, o qual é aplicável também ao condomínio multiproprietário por força do art. 1.358-B do CC. Se não o fizer, responderá solidariamente por esses débitos pretéritos, à semelhança do que sucede no condomínio edilício.

O § 2º do art. 1.358-L do CC previa isso. Todavia, apesar de esse dispositivo não ter sido explicitamente vetado, ele o foi tacitamente. É que ele fazia remissão a um dispositivo que foi vetado, a saber: o § 5º do art. 1.358-J do CC (que previa que cada multiproprietário responde por suas obrigações sem solidariedade com os demais multiproprietários). Houve um veto por  arrastamento:  o  preceito  perdeu  o  objeto.  Na motivação do veto, percebe-se que não houve intenção alguma de barrar o conteúdo do referido preceito, pois o objetivo era tratar da responsabilidade tributária do multiproprietário. Não houve intenção do Presidente da República de vetar a solidariedade do sucessor pelos débitos condominiais não pagos pelo anterior multiproprietário, o que só confirma o entendimento ora exposto.

Portanto, apesar de o § 2º do art. 1.358-L do CC estar tacitamente vetado (veto por arrastamento), o seu comando segue aplicável com fundamento no art. 1.358-B do CC e no art. 4º, parágrafo único, da Lei nº 4.591/64.

A exigência da prova de quitação de débitos condominiais não envolve interesse público e, portanto, pode ser dispensada expressamente pelas partes, hipótese em que o adquirente responderá solidariamente com o alienante por essas dívidas condominiais pretéritas.

O Cartório de Registro de Imóveis precisa atentar para essa obrigatoriedade da prova de quitação de contribuições condominiais ao qualificar um título de alienação da unidade periódica. Se ela inexistir ou se o título for omisso acerca de eventual dispensa da prova de quitação pelas partes, é seu dever condicionar o registro ao saneamento desse vício. É o mesmo procedimento que já é adotado em relação aos títulos de alienação de unidades autônomas de condomínio edilícios.

Tal qual se dá com as unidades autônomas em condomínio edilício, a unidade periódica pode ser penhorada por dívidas pessoais do seu titular, salvo os casos de impenhorabilidade legal.

Por exemplo, se a unidade periódica for utilizada para a moradia da família, ela seria impenhorável à luz da Lei nº 8.009/90. Será, porém, raríssima uma hipótese assim na prática, pois a multipropriedade não costuma ser usada para tal finalidade. Pode-se cogitar uma hipótese de uma família que seja titular de uma unidade periódica de janeiro a novembro de cada ano e habite no imóvel durante esse período, migrando para a casa de um algum familiar no mês de dezembro. Nesse caso, a unidade periódica poderia ser considerada um bem de família na forma da Lei nº 8.009/90 e, assim, seria impenhorável.

Eventual penhora deverá recair sobre o direito real de propriedade sobre a unidade periódica. Jamais poderão ser penhorados os móveis que guarnecem o imóvel, pois eles estão vinculados às demais unidades periódicas de modo indivisível (art. 1.358-D, I e II, CC).

O condomínio multiproprietário é caracterizado pela pluralidade de unidades periódicas vinculadas a um imóvel-base, e não propriamente pela efetiva existência de diferentes pessoas. Por isso, ainda que todas as unidades periódicas sejam titularizadas pela mesma pessoa, o condomínio multiproprietário continua a existir. O parágrafo único do art. 1.358-C do CC é expresso nesse sentido, embora não precisasse afirmar essa platitude. É o mesmo que se dá com o condomínio edilício, cujas unidades autônomas podem pertencer à mesma pessoa sem que isso implique extinção do condomínio.

Apesar de o condomínio multiproprietário não se extinguir pelo fato de todas as unidades periódicas pertencerem à mesma pessoa, é permitido que o ato de instituição imponha um limite quantitativo à aquisição de unidades periódicas por algum multiproprietário (art. 1.358-H, CC).

Assim, pode ser proibido que uma mesma pessoa seja titular de 90% das unidades periódicas. Isso é útil para evitar que alguém, com poderio econômico, adquira unidades autônomas suficientes para obter a maioria censitária dos votos e, assim, passar a impor sua vontade individual na gestão da unidade multiproprietária. Por exemplo, se um rico adquirir 51% das unidades periódicas, ele – por ter a maioria censitária dos votos – poderia passar a aprovar, em assembleia, contribuições extraordinárias elevadas para tornar extremamente luxuosa a decoração do imóvel-base, o que iria onerar demasiadamente os demais multiproprietários. O poder concentrado é perigoso; a pulverização do poder dá mais estabilidade.

Eventual violação dessa regra prevista no ato de instituição implicará nulidade da aquisição que extrapolou o limite. E entendemos que não é possível haver usucapião dessas unidades periódicas excedentes nessa hipótese, porque elas, por regra do ato de instituição, não são apropriáveis por aquele multiproprietário. Só bens apropriáveis podem ser usucapidos, o que não é o caso das unidades periódicas excedentes ao limite quantitativo em relação ao multiproprietário infrator.

O Cartório de Imóveis precisa estar atento a isso. É seu dever de, no momento da análise de eventual escritura de aquisição de unidade periódica (etapa da qualificação registral), averiguar se o limite quantitativo de unidades periódicas por pessoa está ou não sendo violado. Por essa razão, apesar da omissão legislativa, entendemos que é fundamental que, se houver restrição de aquisição de unidades periódicas por pessoas no ato de instituição, essa informação deverá ser averbada em cada uma das matrículas das unidades periódicas. É que esse limite quantitativo representa um ônus real sobre a unidade periódica a restringir o exercício pleno da faculdade de dispor (ius abutendi) desse imóvel temporal e, por isso, à luz do art. 246 da LRP, deve ingressar no fólio real por meio de averbação.

Por obviedade, o limite quantitativo de unidades periódicas de pessoa não se aplica no momento do nascimento do condomínio multiproprietário (art. 1.358-H, parágrafo único, CC). O instituidor do condomínio multiproprietário poderá ser, nesse momento inicial, o único proprietário de todas as unidades. Todavia, após as alienações das unidades periódicas, o limite quantitativo passará a valer, inclusive contra a pessoa que havia instituído o condomínio, a qual não poderá recomprar as unidades periódicas além do limite quantitativo.

Para evitar a pulverização temporal dos imóveis, com criação de unidades periódicas imprestáveis à luz da função social (imagine uma unidade periódica de apenas 10 segundos), é vedado que o período de cada unidade periódica seja inferior a 7 dias, que poderão ser seguidos ou intercalados, respeitada, porém, a necessidade de todos os multiproprietários terem uma quantidade mínima de dias seguidos em pé de igualdade (art. 1.358-E, §§ 1º e 2º, CC).

Esses dias não precisam necessariamente ser nos mesmos períodos fixos todos os anos, como no caso de uma unidade periódica vinculada ao mês de janeiro de cada ano.

Eles podem, com base em critérios objetivos, oscilar entre os dias de cada ano (período flutuante), como na hipótese de uma unidade periódica que, a cada ano, passa a recair no mês seguinte (ex.: no 1º ano, recai em janeiro; no 2º ano, em fevereiro; etc.).

Podem até mesmo misturar os dois tipos de períodos, o fixo e o flutuante (período misto), como na situação de uma unidade periódica que, além de parcialmente incidir nos meses de janeiro de todos os anos (período fixo), também abrange um outro mês do ano a ser alterado anualmente de acordo com a ordem cronológica (1º ano: fevereiro; 2º ano: março; 3º ano: abril; etc.).

Nada impede que o ciclo de cada dia comece em qualquer horário do dia. Assim, o período de uma unidade periódica pode começar no horário de meio-dia, de 1 hora etc.

O término do ciclo não necessariamente precisa alcançar 24 horas. Nada impede que uma unidade periódica tenha um periódico de 7 dias e 12 horas. A única restrição temporal é que haja, no mínimo, 7 dias por unidade periódica.

O período de tempo de cada unidade periódica é indivisível, de modo que não pode o multiproprietário fazer um “desdobro” de sua unidade, com o objetivo de desaglutiná-la em outras unidades periódicas menores. É vedado o que chamamos de “desdobro temporal”. Ex.: quem tem uma unidade periódica no mês de janeiro não pode extinguir a própria unidade periódica para, em seu lugar, criar outras duas, a primeira vinculada aos dias 1º ao 14 de janeiro e a segunda atrelada aos dias 15 a 31 de janeiro. Enfim, a fração de tempo estabelecida  para  cada  unidade  periódica  é  indivisível  (art. 1.358-E, CC).

É plenamente admissível a criação de uma unidade periódica destinada apenas à promoção de reparos no mobiliário e de realizações de outras obras de conservação. Batizaremo-la de “unidade periódica de conservação”.

Essa unidade periódica de conservação terá matrícula própria no Cartório de Imóveis somente se o seu titular for o instituidor do condomínio multiproprietário. Em caso contrário, ela pertencerá aos demais multiproprietários e, por isso, não terá uma matrícula própria: ela integrará as matrículas das demais unidades periódicas na proporção da fração ideal de cada uma delas (art. 1.358-N, caput, e § 1º, incisos I e II, do CC e art. 176, §12, da LRP).

Indaga-se: o período mínimo de 7 dias previsto no § 1º do art. 1.358-E do CC se aplica também a essa unidade periódica de conservação?

Entendemos que não, por força de  uma  interpretação  restritiva  do  §  1º  do art. 1.358-E do CC. A finalidade do período mínimo de 7 dias para a unidade periódica é, em nome da função social e da dignidade da pessoa humana, garantir ao multiproprietário uma utilização minimamente digna de seu direito real de propriedade periódico. Não está na finalidade do dispositivo considerar que 7 dias é o tempo mínimo para reparação do bem. Entender diferente é entregar o imóvel a um tempo de detestável ociosidade nos anos. Assim, o ato de instituição do condomínio multiproprietário tem liberdade para definir o período que lhe aprouver para a unidade periódica de conservação.

Na prática, é conveniente que a unidade periódica de conservação tenha o seu período pulverizado entre os períodos das demais unidades periódicas, de maneira que, quando um multiproprietário desocupar o imóvel, inicie-se um fragmento do período da unidade periódica de conservação para a realização de vistorias e de pequenos reparos.

Esse fragmento de período poderá ser estipulado em algumas horas. Não há proibição legal para tanto. E, conforme nossa interpretação, não há obrigatoriedade de o somatório desses fragmentos alcançar 7 dias, pois temos por inaplicável esse piso à unidade periódica de conservação.

Os mobiliários integram o imóvel-base, de modo que a sua titularidade é comum aos multiproprietários na proporção da respectiva fração ideal (art. 1.358-D, CC). Daí decorre a impossibilidade de qualquer multiproprietário, sozinho, alienar os mobiliários, pois estes são bens comuns indissociavelmente vinculados às unidades periódicas na proporção da respectiva fração ideal.

Os multiproprietários têm dever de conservação do mobiliário e, por isso, respondem por danos causados por si ou por seus convidados, conforme art. 1.358 -J, II, IV, V e VI, e art. 1.358-J, § 2º, II, do CC. Essa responsabilidade apenas abrange casos em que houver culpa do multiproprietário ou do seu convidado (por cujos atos   o multiproprietário responde objetivamente). Essa culpa está implícita no próprio inciso II do art. 1.358-J do CC, que trata apenas de responsabilidade por danos “causados”, e está explícita no inciso II do § 2º do mesmo dispositivo, ao atribuir o custo financeiro do reparo ao condômino que, com uso anormal, causou o dano. Cuida-se de regra basilar de responsabilidade civil: quem causa dano com culpa tem de indenizar.

Todavia, no caso de perecimento ou deterioração fortuitos do mobiliário (tudo na vida acaba!), ainda que tal ocorra durante o período de um multiproprietário, o custeio de reposição ou da reparação será do condomínio, que é abastecido financeiramente por todos os multiproprietários mediante o pagamento das contribuições condominiais. Trata-se da aplicação da velha regra do res perit domino (a coisa perece para o dono). Por perecimento ou deterioração fortuitos, entende-se aquele que decorre do desgaste natural da coisa ou procede de outros fatos da natureza (um terremoto que devasta a mobília do imóvel-base) ou de terceiros não autorizados (ex.: um bandido que destrói o mobiliário). Essa regra está implícita não apenas no inciso II do art. 1.358-J do CC, mas também no art. 1.358-N do CC, que prevê uma unidade periódica de conservação justamente para esses reparos.

Em regra, os serviços de reparação e de conservação do mobiliário devem ser feitos pelo administrador do condomínio durante o período da “unidade periódica de conservação” (art. 1.358-M, § 1º, III e IV, e art. 1.358-N, caput, do CC). Entretanto, no caso de urgência, esses serviços poderão ser prestados durante o uso de qualquer multiproprietário. A propósito, é dever do multiproprietário comunicar ao administrador imediatamente após identificar qualquer defeito no mobiliário ou na estrutura do imóvel-base (art. 1.358-J, III e IX, art. 1.358-N, § 2º, CC).

A lei foi omissa acerca de eventual direito do multiproprietário em ser compensado pelos dias de indisponibilidade da coisa para a realização de reparos urgentes. Imagine, por exemplo, que, em razão da ruptura de um encanamento, o imóvel-base tenha ficado 3 dias fechado para obras, tudo em prejuízo de um determinado multiproprietário que deixou de usar e fruir o imóvel-base nesses dias. Nesse caso, indaga-se: haverá alguma compensação a esse multiproprietário, se este não tiver culposamente causado o dano objeto de reparação?

A lei é omissa, o que dá ensejo a duas interpretações viáveis. A primeira é a de que se trata de  um  risco  de  cada  multiproprietário, que ficará sem compensação. A segunda é a de que a compensação é devida e deverá ser feita mediante uma indenização pecuniária a ser paga pelo condomínio. Preferimos entender pela segunda corrente: a perda de dias por parte de um dos multiproprietários para obras de reparos urgentes decorrentes de causa fortuita deve ser indenizada pelo condomínio, de modo que indiretamente todos os multiproprietários suportarão o prejuízo. Essa solução guarda coerência com o inciso I do § 2º do art. 1.358-J do CC, que imputa a todos os multiproprietários as despesas financeiras com reparos de danos fortuitos. Ressalva- se que, se o reparo urgente tiver sido causado culposamente por qualquer um dos multiproprietários, recairá exclusivamente sobre ele os gastos com a reparação e com a indenização devida ao outro multiproprietário em cujo período tenham sido feitos  os serviços de reparação. O prejuízo sofrido pelo multiproprietário é presumido; não precisa de prova efetivo de dano; o mero fato de seu tempo ter sido usado para reparos já é, por si só, um prejuízo a ser indenizado.

Não há obstáculo algum a que a convenção de condomínio predetermine o valor de indenização por cada dia de indisponibilidade do bem para a realização de obras de reparação urgente, caso em que não será devida a cobrança de qualquer indenização suplementar, salvo previsão diversa na convenção condominial. Essa indenização é devida independentemente de prova de prejuízo efetivo ao multiproprietário. É que, para esses casos, entendemos ser aplicável, por analogia, o parágrafo único do art. 416 do CC, que admite a prefixação da indenização por meio de uma cláusula penal compensatória e que só autoriza a cobrança de indenização suplementar quando houver pacto expresso. Um bom parâmetro para a estimativa de valor é a multa diária a que está exposto o multiproprietário que extrapola o tempo de uso de sua unidade periódica, mas, nesse caso, deve-se levar em conta que essa multa diária é mais engordurada pela sua finalidade punitiva (art. 1.358-J, VIII, CC).

É conveniente que as convenções condominiais tenham previsão expressa sobre essas situações de indenização ao multiproprietário. Se elas forem omissas, o juiz deverá arbitrar o valor mediante provocação e, para tanto, poderá levar em conta, como parâmetro, o valor da multa diária punitiva do art. 1.358-J, VIII, do CC, despindo-a, com base na equidade, do acréscimo decorrente de sua finalidade punitiva.

Instituído o condomínio em multiproprietário mediante registro no Cartório de Imóveis, nasce um sujeito de direito despersonalizado: o condomínio em multipropriedade.

Enquanto sujeito de direito, ele pode ser parte em processos judiciais, pode celebrar contratos (por exemplo, com serviços de internet, de TV a cabo, de luz, de telefone etc.), tem direito a receber CNPJ etc. Ele, inclusive, pode ajuizar ação contra os próprios multiproprietários, como no caso de ações para cobrar contribuições condominiais inadimplidas, com possibilidade de adjudicar, judicialmente, a unidade periódica como forma de pagamento dessas contribuições. O fundamento para essa adjudicação é o art. 63, § 3º, da Lei nº 4.591/64, que é aplicado por analogia para esses casos, e também a aplicação analógica do art. 1.358-P, VIII e IX, e do art. 1.358-S do CC, o qual, embora trate de adjudicação pelo condomínio edilício por dívidas condominiais, também se estende, por analogia, em favor do condomínio multiproprietário.

O condomínio multiproprietário, enquanto sujeito de direito, precisa de alguém para representá-lo na prática de atos extrajudiciais (ex.: assinar contratos) e judiciais.    O inciso XI do art. 75 do CPC estabelece que o condomínio é representado judicialmente “pelo administrador ou síndico”, regra que também vale para os atos extrajudiciais.

No caso do condomínio multiproprietário, há um administrador (art. 1.358-M, CC), o qual faz o papel que, no condomínio edilício, incumbe ao síndico (art. 1.347, CC). Não há previsão legal de um síndico.

Entendemos, porém, que nada impede que o condomínio multiproprietário tenha um síndico e também um administrador, caso em que será necessário delinear as atribuições de cada um. Basta a convenção assim determinar. O administrador pode ser um profissional contratado pelo condomínio multiproprietário sob a representação do síndico. Em situações como essa, em que a convenção preveja um síndico e um administrador, será necessário delimitar as suas atribuições.

Em suma, a convenção tem papel importantíssimo na delimitação das competências.

Se ela prever apenas um administrador (e não um síndico) – conforme o arquétipo legal –, convém que a convenção preveja expressamente as suas atribuições sem se restringir às tarefas indicadas no § 1º do art. 1.358-M do CC, mas também, no que couber, abranja as competências listadas pelo art. 1.348 do CC. A lista do § 1º do art. 1.358-M do CC é incompleta. Por exemplo, não prevê as competências do administrador de convocar as assembleias e de representar o condomínio judicial e extrajudicialmente, embora elas estejam implícitas, razão por que, no momento de redigir a convenção, convém que seja levada em conta também a lista do art. 1.348 do CC acerca das atribuições do síndico.

Se, porém, a convenção prevê um síndico e um administrador, cabe-lhe estremar o campo de atuação de cada um levando em conta as listas de atribuições dos arts. 1.348 e 1.358-M, § 1º, do CC. Questão interessante é saber se as atribuições listadas no § 1º do art. 1.358-M do CC poderiam ou não ser repassadas ao síndico ou se poderiam ser suprimidas. Preferimos entender que os multiproprietários podem repassá-las ao síndico e também podem suprimir atribuições, desde que haja unanimidade. Não bastaria o quórum especial para alterar a convenção. É que essa lista de atribuições do administrador é uma garantia mínima de qualidade na gestão da multipropriedade em benefício dos condôminos minoritários, razão por que só a unanimidade poderia flexibilizar essa lista. Seja como for, a única exceção corre à conta da atribuição relativa à troca do mobiliário, a qual pode ser regrada de forma diversa na convenção por força do § 2º do art. 1.358-M do CC, caso em que o quórum especial para alterar a convenção será suficiente.

Os multiproprietários têm direito de voto nas assembleias realizadas pelo condomínio multiproprietário. O voto é censitário: é proporcional à fração ideal da respectiva unidade periódica (art. 1.358-I, IV, “a”, CC).

Registros públicos

Instituição do condomínio é ato jurídico por meio do qual nasce o condomínio com sua formatação de direito real. Metaforicamente, é formar o corpo com os ossos.

No condomínio multiproprietário, a instituição operacionaliza-se por meio do registro do ato de instituição na matrícula-mãe (a do imóvel-base) e da abertura das matrículas-filhas (as de cada unidade periódica), tudo nos termos do art. 1.358-F do CC e do art. 176, § 1º, II, “6”, e §§ 10 e 12, da LRP.

O ato de instituição é um instrumento que deve conter as informações essenciais da anatomia jurídico-real do condomínio multiproprietário. O art. 1.358-F do CC foi lacônico em listar quais seriam as informações, de modo que ele precisa ser complementado, no que couber, pelo art. 1.332, I,  do CC e pelo art. 1º, § 2º, da Lei      nº 4.591/64, dispositivos que tratam dos requisitos formais do ato de instituição da espécie de condomínio que inspirou o multiproprietário: o condomínio edilício.

Nesse contexto, entendemos que o ato de instituição deve conter a indicação de todas as unidades periódicas, com indicação do respectivo período do ano, além de ter de constar a fração ideal dessa unidade periódica no imóvel-base e a finalidade de uso das unidades periódicas.

Ademais, considerando que o condomínio multiproprietário é sujeito de direito, convém que seja indicado o nome dele no ato de instituição. Se o ato de instituição for omisso, o seu nome será formado pela expressão “condomínio em multipropriedade da” acompanhada da identificação do imóvel, salvo se, no ato de instituição, for dado um nome diverso. Exemplos (com endereços fictícios): (1) condomínio em multipropriedade do imóvel da Rua Presidente Vargas n. 1000, Vila Nova, São Paulo/SP; (2) condomínio em multipropriedade do apartamento 304 do Edifício Vila Nova. Entendemos que, embora não seja obrigação legal, convém que o nome do condomínio esteja previsto no ato de instituição. Isso, porque o condomínio multiproprietário é sujeito de direito.

Ademais, é fundamental identificar cada unidade periódica. A lei não impõe nenhum critério, de modo que a identificação pode ser numérica ou por nome. Em razão do princípio da veracidade, parece-nos que essa identificação deve guardar correlação com a identificação do imóvel-base. Por isso, recomendamos que o nome de cada unidade periódica seja fruto do acréscimo de um algarismo ou de uma letra ao número que identifica o imóvel-base após um hífen ou um ponto-final. Ex.: (1) no exemplo supracitado do imóvel situado na Rua Presidente Vargas n. 800, Vila Nova, São Paulo/SP, a identificação de cada unidade periódica poderia ser respectivamente unidade periódica nº 800.1, 800.2 etc.; (2) no caso supracitado do apartamento 304 do Edifício Vila Nova, a identificação de cada unidade periódica poderia ser unidade periódica nº 304.1, 304.2 etc.

Há controvérsias acerca da obrigatoriedade de o ato de instituição ter de adotar ou não escritura pública. Os cartórios de imóveis adotam posições diversas, a depender do Estado. Prevalece, no entanto, a prática de admitir mero instrumento particular. Entendemos, porém, de forma minoritária, que, por força do art. 108 do CC, é necessário escritura pública se o imóvel-base for de valor superior a 30 salários-mínimos. É que o ato de instituição é uma mutação jurídico-real do imóvel e, portanto, por modificar o direito real sobre o imóvel-base, atrairia escritura pública

Constituição do condomínio é o ato jurídico por meio do qual se delineia o funcionamento do condomínio. Metaforicamente, é dar a alma ao corpo inanimado. No condomínio multiproprietário, a constituição ocorre com a aprovação da convenção, a qual deve ser registrada no Livro 3 do respectivo Cartório de Imóveis para produzir efeitos contra terceiros (art. 178, III, LRP e arts. 1.333 e 1.358-B, CC).

A convenção não precisa de escritura pública, pois não envolve mutação jurídico- real: ela não atinge a anatomia jurídico-real do condomínio (corpo), mas apenas o seu funcionamento (alma), razão por que é inaplicável o art. 108 do CC.

O conteúdo da convenção está indicado no art. 1.358-G do CC, o qual, ao nosso sentir, é incompleto. Esse dispositivo precisa ser lido em conjunto com os requisitos da convenção previstos para o condomínio edilício em razão da similaridade dos institutos e da subsidiariedade determinada pelo art. 1.358-B do CC. Desse modo, o conteúdo da convenção deve ser fruto da interpretação conjugada do art. 1.358-G do CC com, no que couber, o art. 1.334 do CC e o art. 9º, § 3º, da Lei nº 4.591/64. Assim, por exemplo, a competência das assembleias, com sua forma de convocação e com o quórum, deve estar prevista na convenção, pois, apesar do silêncio do art. 1.358-G do CC, deve-se aplicar o inciso III do art. 1.334 do CC de modo subsidiário diante da relevância desse conteúdo.

O condômino multiproprietário possui diversas obrigações relacionadas ao custeio do condomínio (pagar contribuições) e à boa convivência.

O dever de pagar as contribuições ordinárias e extraordinárias ao condomínio multiproprietário decorre da mera titularidade da unidade periódica. É irrelevante se ele usa efetivamente o imóvel-base durante sua fração de tempo (art. 1.358-J, I, CC). Havendo inadimplência, serão devidos multa moratória de até 2% e juros moratórios de 1% a.m., conforme arts. 1.336, § 1º, e 1.358-B do CC.

Quanto aos deveres de boa convivência, eles estão relacionados ao uso adequado da coisa para evitar danos ao mobiliário e à estrutura do imóvel-base, além do respeito ao limite temporal de cada unidade periódica (art. 1.358-J, CC). No caso de violação, o infrator estará sujeito a multas pecuniárias previstas na convenção, admitido que, na hipótese de recalcitrância, seja fixada multa progressiva e perda temporária do direito de utilização do imóvel-base (art. 1.358-J, § 1º, CC).

O art. 1.358-J, § 1º, do CC não estabelece limite do valor da multa pecuniária, o que dá ensejo à discussão sobre o cabimento dos limites previstos para o condomínio edilício no § 2º do art. 1.336 do CC (limite de 5 contribuições condominiais) e no       art. 1.337 do CC (teto de 5 vezes a contribuição condominial no caso de infrações reiteradas e teto de 10 vezes no caso de as infrações reiteradas gerarem incompatibilidade de convivência). Preferimos entender que esses limites devem ser aplicados de forma subsidiária para o condomínio multiproprietário por força do art. 1.358-B do CC, sob pena de chancelarmos penas desproporcionais.

Igualmente, quanto ao procedimento de inflição da multa, também entendemos serem aplicáveis os supracitados dispositivos relativos ao condomínio edilício (art. 1.336, § 2º, e 1.337 do CC).

Quanto à suspensão temporária do direito de utilização do imóvel-base, entendemos que ela é constitucional, desde que o tempo de  suspensão  seja razoável. Ao nosso sentir, temos por razoável apenas suspensões por, no máximo, um mês em um único ano, sem possibilidade de estender-se para o ano seguinte. Não há nenhum parâmetro para esse prazo; trata-se de mero senso de proporcionalidade nosso. É que a proibição de entrada no imóvel durante esse período serve como um “castigo” didático para aquele condômino multiproprietário que é indiferente às punições pecuniárias.

Outra questão a discutir é se é ou não possível a proibição definitiva do condômino multiproprietário de utilizar o imóvel-base durante sua fração de tempo, no caso de ele se mostrar excessivamente antissocial. A resposta para essa questão passa pelos mesmos debates que rondam os casos de condomínio edilício. Sobre o tema, recomendamos a leitura das lições de um dos mais importantes civilistas brasileiros contemporâneos, o Professor Flávio Tartuce (2019, pp. 414-416), em seu manual de Direito Civil, o qual demonstra que o tema é controverso. De um lado, o doutor do Largo do São Francisco entende pelo descabimento dessa expulsão com base no princípio da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e da tutela da moradia. De outro lado, parcela substancial da doutrina admite a expulsão com base no enunciado nº 508 da V Jornada de Direito Civil[11], que dispõe:

Enunciado nº 508/JDC: “Verificando-se que a sanção pecuniária mostrou-se ineficaz, a garantia fundamental da função social da propriedade (arts. 5º, XXIII, da CRFB e 1.228, § 1º, do CC) e a vedação ao abuso do direito (arts. 187 e 1.228, § 2º, do CC) justificam a exclusão do condômino antissocial, desde que a ulterior assembleia prevista na parte final do parágrafo único do art. 1.337 do Código Civil delibere a propositura de ação judicial com esse fim, asseguradas todas as garantias inerentes ao devido processo legal.”

Abalançamo-nos a essa última corrente, mas ressalvamos que a medida do banimento do condômino antissocial deve restringir-se a casos de excessivo abuso de direito. Admitimos ainda que, mesmo sem prévia sanção pecuniária, é admitida a medida em situações muito excepcionais de fundada ameaça à vida dos demais condôminos. Imagine, por exemplo, um incorrigível condômino que reiteradamente traz animais selvagens perigosos – como serpentes – para sua unidade autônoma, ou um outro incendiário que vive a atear fogo no próprio imóvel, ou um terrorista condômino que vive a manipular explosivos na unidade. Todas essas considerações também valem para o condomínio em multipropriedade: ao nosso sentir, o banimento do multiproprietário antissocial deve ser admitido se as penas pecuniárias e de suspensão temporária previstas no inciso II do § 1º do art. 1.358-J do CC se mostrarem ineficazes ou se houver fundada ameaça à vida dos demais condôminos.

Por fim, apesar do silêncio legal, em nome do princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, qualquer pena depende de prévia notificação ao condômino multiproprietário infrator para apresentar defesa prévia dentro de um prazo razoável, assim entendido, a nosso sentir, o prazo de 15 dias por aplicação analógica do CPC. É nula previsão diversa na convenção. Aplica-se, por analogia, o enunciado nº 92 da I Jornada de Direito Civil[12] (“As sanções do art. 1.337 do novo Código Civil não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condo?mino nocivo”).

Anatomia jurídico-real, reflexos na convenção do condomínio edilício e aspectos de registros públicos

Quando o imóvel-base sobre o qual será instituído o condomínio em multipropriedade é uma unidade autônoma de um condomínio edilício, haverá as seguintes matrículas envolvidas no Cartório de Imóveis: (1) matrícula-mãe: é a matrícula do terreno que recebeu o registro de instituição de condomínio edilício; (2) matrículas- filhas: são as matrículas de cada unidade autônoma que nasceu com o registro da instituição do condomínio edilício; (3) matrículas-netas: são as matrículas de cada unidade periódica nascida com o registro da instituição do condomínio em multipropriedade em cada uma das matrículas-filhas.

Instituído o condomínio em multipropriedade sobre uma unidade autônoma do condomínio edilício, os direitos e deveres que recaíam sobre o titular da unidade autônoma ficam sub-rogados no titular de cada unidade periódica vinculada a esse imóvel-base na proporção da respectiva fração ideal. Isso decorre do fato de que a instituição do condomínio multiproprietário representa um verdadeiro parcelamento temporal da unidade autônoma do condomínio edilício.

Essa sub-rogação envolve todos os direitos e deveres, com inclusão do dever de pagar contribuição condominial e do direito de votar em assembleias. E essa sub-rogação ocorrerá na proporção da fração ideal de cada unidade periódica no imóvel-base, admitida, porém, outra proporção indicada no ato de instituição ou na convenção do condomínio multiproprietário (art. 1.358-P, III, CC).

Por exemplo, imagine um condomínio edilício com 10 unidades autônomas de frações ideais iguais, identificadas respectivamente como apartamento nos 1, 2, 3 (…) 10. Suponha que, no apartamento 10, haja a instituição de um condomínio multiproprietário com duas unidades periódicas iguais (uma de janeiro a junho, outra de julho a dezembro), identificadas como unidades periódicas 10.1 e 10.2.

Nesse caso, as titulares dessas duas unidades periódicas se sub-rogarão nos direitos e deveres que recaíam sobre o apartamento 10.

Em consequência, se o antigo titular do apartamento 10 tinha direito a um voto com peso 1 nas assembleias do condomínio edilício, após o parcelamento temporal desse apartamento com a instituição do condomínio multiproprietário, o titular da unidade periódica 10.1. terá direito a um voto com peso 0,5, e o titular da unidade periódica 10.2. terá direito de voto com peso 0,5.

Igualmente, se o titular do apartamento 10 tinha de pagar uma contribuição condominial no valor de um décimo das despesas do condomínio edilício, esse dever passa a ser rateado entre cada um dos dois condôminos multiproprietários, de modo que o titular da unidade periódica nº 10.1 terá de pagar uma contribuição condominial de um vinte avos, ao passo que o outro multiproprietário – o da unidade periódica nº 10.2 – pagará uma contribuição condominial de um vinte avos.

Nada impede, porém, que o ato de instituição ou a convenção do condomínio multiproprietário estabeleçam critério proporcional diverso para a sub-rogação no dever de pagamento da contribuição devida ao condomínio edilício. Em regra, o critério é o período de tempo de cada unidade periódica, mas, havendo previsão diversa, o critério poderá ser outro. Por exemplo, é permitido que seja estabelecido que os dias nos meses de julho e de janeiro implicarão o dobro de ônus de custeio das contribuições condominiais em relação aos dias de outros meses (art. 1.358-P, III, CC).

Havendo inadimplência, o condomínio edilício poderá cobrar a dívida do condômino multiproprietário inadimplente. Não poderá cobrar de outro multiproprietário vinculado ao mesmo imóvel-base, pois não há previsão de solidariedade entre os multiproprietários pela dívida: a solidariedade nunca se presume (art. 265, CC). Para satisfação da dívida, o condomínio edilício poderá adjudicar para si a unidade periódica do multiproprietário inadimplente (art. 1.358-P. VIII e IX, CC).

Por fim, apesar de o art. 1.358-I, IV, “b”, do CC ser omisso, entendemos que é viável também que o critério de divisão, entre as unidades periódicas, do peso do voto atribuído à unidade autônoma não se vincule à fração de tempo de cada uma, e sim a outro critério. Além de inexistir proibição, aplica-se, aí, por analogia, a ressalva do art. 1.358-P, III, CC. É essencial, porém, que o critério utilizado para a definição do peso do voto seja o mesmo para a repartição do dever de pagar contribuição condominial: quem paga mais deve ter maior peso de votação. Nesse caso, critérios diversos gerariam nulidade, ao nosso sentir, por estar implícita na legislação a necessidade de equiparação.

A instituição do condomínio multiproprietário em unidade autônoma de condomínio edilício gera efeitos jurídicos para além dessa unidade, alcançando todo o empreendimento. Por isso, para tanto, não basta a mera vontade do titular da unidade autônoma. É necessário que haja aprovação da assembleia do condomínio edilício com quorum de maioria absoluta dos condôminos (art. 1.358-O, II, do CC).

Também é viável que a autorização para a instituição de multipropriedade em unidade autônoma venha no ato de instituição do condomínio edilício, caso em que caberá ao proprietário da unidade autônoma a instituição do condomínio multiproprietário, conforme art. 1.358-O, parágrafo único, do CC. É isso que quer dizer o parágrafo único do art. 1.358-O do CC quando se refere à lei de incorporação imobiliária, pois, assim como, na incorporação imobiliária, o incorporador e o instituidor do condomínio edilício têm de ser o proprietário do solo, o instituidor do condomínio multiproprietário tem de ser o dono da imóvel-base (a unidade autônoma).

Ao nosso sentir, não se trata de um dever, e sim de uma faculdade do proprietário, pois, além de o parágrafo único do art. 1.358-O do CC não autorizar outra interpretação, inexistem motivos para desconsiderar a liberdade de agir do proprietário em instituir ou não um condomínio multiproprietário vinculado em sua unidade autônoma.

Como a multipropriedade em uma unidade autônoma atinge o funcionamento do condomínio edilício (ex.: cada multiproprietário tem direito de voto e dever de pagar a contribuição condominial), a própria convenção do condomínio edilício precisa ser acrescida de informações relevantes acerca das unidades autônomas sob o regime multiproprietário, tudo na forma do art. 1.358-P do CC.

Essas informações adicionais dizem respeito à individualização de cada unidade periódica e aos deveres de contribuição de cada multiproprietário (incisos I a IV e VII ao IX do art. 1.358-P do CC), bem como aos órgãos de administração da multipropriedade (inciso V do art. 1.358-P do CC). O inciso V do art. 1.368-P do CC não detalha quem seriam esses “órgãos de administração da multipropriedade”, o que deixa dúvidas. Preferimos entender que se trata de órgãos internos à estrutura do condomínio edilício (a exemplo do conselho fiscal), com a incumbência de coordenar a inter-relação com as várias unidades periódicas. Consideramos que é facultativa a existência desses órgãos, mas não vemos tanta utilidade prática neles, especialmente porque o administrador do condomínio edilício necessariamente será o de todos os condomínios multiproprietários por força do art. 1.358-R, caput e § 2º, do CC.

Ademais, se alguma das unidades estiver sujeita ao sistema de administração de intercâmbio de que trata o § 2º do art. 23 da Lei Geral de Turismo (Lei nº 11.771/2008), essa informação deve necessariamente constar da convenção de condomínio (inciso VI do art. 1.358-P do CC). Esse sistema consiste em que o multiproprietário entrega os direitos de usar e fruir de sua unidade periódica a uma empresa de intercâmbio, a qual, em troca, concede-lhe hospedagem em outros períodos no mesmo imóvel-base ou em outros locais do mundo.

Por fim, também o regimento interno do condomínio edilício[13] receberá informações adicionais destinadas a regular o convívio decorrente da fragmentação das unidades autônomas em unidades periódicas com o regime da multipropriedade. Essas informações adicionais estão no art. 1.358-Q do CC e representam uma reprodução de alguns dados que já constam das convenções de cada condomínio multiproprietário, na forma do art. 1.358-G do CC. O objetivo dessa replicação é deixar claras as regras de convivência no empreendimento marcado pela sobreposição do regime de multipropriedade sobre unidades autônomas de um condomínio edilício.

Como o inciso IV do art. 1.358-P do CC exige, na convenção, a notícia das unidades sob regime de administração de intercâmbio, há a seguinte questão: se a convenção do condomínio edilício for omissa, um condômino multiproprietário poderia celebrar contrato com uma empresa de intercâmbio para submeter sua unidade a esse negócio sem alteração prévia da convenção?

Em uma primeira leitura fria e literal do supracitado dispositivo, a resposta seria não. O contrato de intercâmbio dependeria de prévia autorização na convenção de condomínio.

Todavia, essa leitura afronta o direito constitucional de propriedade do multiproprietário, especialmente porque não há justo motivo para condicionar o sistema de intercâmbio à autorização na convenção se o multiproprietário vier a continuar pessoalmente obrigado por seus deveres enquanto condômino multiproprietário.

Por isso, para adotar uma interpretação conforme à Constituição Federal do inciso IV do art. 1.358-P do CC, temos que é viável a celebração do contrato de intercâmbio sem prévia autorização na convenção do condomínio edilício, mas esse contrato não será oponível contra o condomínio edilício. Em outras palavras, o multiproprietário continuará pessoalmente responsável pelas contribuições condominiais. O contrato de intercâmbio somente terá eficácia entre as partes. Não há motivos para vedar esse tipo de negócio, pois este não passa de uma forma de exercício do direito de propriedade do multiproprietário, que pode alienar, alugar ou celebrar outro negócio lícito.

Se, porém, o contrato de intercâmbio for feito após prévia alteração da convenção do condomínio edilício – o que demandará o quorum especial de mudança da convenção

–, ele terá eficácia contra o condomínio edilício e o condomínio multiproprietário. Assim, por exemplo, a cobrança das contribuições condominiais deverá ser feita da empresa de intercâmbio, e não do multiproprietário. O condomínio, por exemplo, não poderia negativar o nome dos multiproprietários pelo débito. Todavia, para efeito processual, a ação de cobrança poderá envolver o multiproprietário no polo passivo, para o fim de viabilizar a penhora e a consequente adjudicação de sua unidade periódica na forma dos incisos VIII e IX do art. 1.358-P do CC e, por analogia, do art. 1.358-S do CC.

Havendo a instituição do condomínio multiproprietário em unidade autônoma de condomínio edilício, haverá, como sujeitos de direito despersonalizados, o condomínio edilício e os condomínios multiproprietários das unidades autônomas que receberam a instituição da multipropriedade.

Trata-se de sujeitos de direito diversos. O condômino multiproprietário, por exemplo, terá o dever de pagar uma contribuição condominial ao condomínio edilício e também uma contribuição condominial ao respectivo condomínio multiproprietário  (art. 1.358-J, I, do CC).

Há utilidade prática nisso. Se, por exemplo, os multiproprietários vinculados ao apartamento nº 303 de um prédio quiserem instalar um mobiliário luxuoso nesse imóvel- base, bastará que eles, em assembleia do condomínio multiproprietário, aprovem essa instalação e a pertinente contribuição extraordinária. Caberá ao condomínio multiproprietário promover a cobrança da pertinente contribuição extraordinária e também realizar a instalação do mobiliário luxuoso. Como se vê, nesse caso, o condomínio edilício não terá participação alguma.

Apesar de se tratar de sujeitos de direito diversos, obrigatoriamente o administrador de todos esses condomínios terá de ser a mesma pessoa para efeito de facilitar a gestão de todo o empreendimento. E mais: esse administrador terá de ser um administrador profissional, assim entendido aquele com inscrição no pertinente Conselho Regional de Administração (art. 1.358-R, CC). Entendemos que o administrador pode ser também uma pessoa jurídica dedicada a essa atividade, pois a lei não obriga que se trate de uma pessoa natural. Ademais, o administrador pode ou não ser um prestador de serviço de hospedagem (art. 1.358-R, § 5º, CC). O motivo é que o legislador se preocupa em haver harmonia de atuação dos condomínios multiproprietários vinculados às unidades autônomas com o condomínio edilício como um todo.

Conforme já realçado, o administrador profissional pode também ser o síndico, mas não necessariamente. Isso dependerá do que cada condomínio decidir. Há, porém, uma restrição: o administrador de cada condomínio multiproprietário necessariamente será mandatário legal de todos os multiproprietários para a prática de atos de gestão da multipropriedade e para a alteração do regimento interno nesse aspecto, por força dos § 3º e 4º do art. 1.358-R do CC. O síndico não poderá usurpar essa atribuição legal do administrador.

O parágrafo único do art. 1.358-S do CC criou uma figura que chamamos de “anticrese legal” em texto que publicamos três dias depois do nascimento da Lei da Multipropriedade e cujos argumentos são aqui reproduzidos com poucas adaptações (Oliveira, 2018).

No caso de o condômino multiproprietário estar inadimplente e de o imóvel estar em prédio sujeito a um regime de pool, o inadimplente pode ser proibido de usar sua unidade periódica para que sua unidade seja explorada em regime de pool a fim de que o lucro líquido obtido seja utilizado para o pagamento da dívida (art. 1.358-S, parágrafo único, CC).

O dispositivo prevê o que chamaremos de “anticrese legal” da unidade periódica para o pagamento das contribuições condominiais.

Há algumas cautelas a serem tomadas para evitar inconstitucionalidade do dispositivo.

Antes de tudo, a correta interpretação é a de que as três medidas previstas nos incisos do parágrafo único do art. 1.358-S do CC devem ser aplicadas em conjunto. Logo, não se pode simplesmente proibir o multiproprietário de usar a unidade periódica, sem que ela passe a ser utilizada no regime de pool para pagamento da dívida. A mera proibição, por si só, nos parece inconstitucional por ser uma medida pura de coerção indireta sem intervenção jurisdicional e por violar o direito de propriedade.

A segunda cautela é que a efetivação dessa anticrese legal necessariamente deve ser precedida de um procedimento em que envolva notificação prévia ao multiproprietário inadimplente para: (1) purgar a mora por aplicação analógica do art. 401 do CC ou (2) apresentar defesa com direito a recurso por aplicação analógica do art. 57 do CC. Sem isso, haverá inconstitucionalidade por ofensa aos princípios constitucionais do contraditório. Trata-se do que chamamos de princípio do direito ao aviso prévio a uma sanção, a respeito do qual trataremos em outro texto.

A terceira cautela é a de que essa anticrese legal só pode ser aplicada se a submissão do prédio (rectius, do condomínio edilício) a um regime de pool ocorreu no ato da instituição do condomínio multiproprietário ou por meio de deliberação posterior que tenha contado com votação favorável do titular da unidade periódica (o atual ou os anteriores). É que a anticrese legal implica uma restrição especificamente aos multiproprietários quanto ao exercício do seu direito de propriedade exclusiva da unidade periódica e, portanto, depende de ato de vontade prévia dele ou dos anteriores titulares.

A quarta cautela é que, apesar da omissão legal, a submissão do condomínio edilício com unidades em multipropriedade ao regime de pool na forma do parágrafo único do art. 1.358-S do CC precisa ser averbada em todas as matrículas-filhas, ou seja, em todas as matrículas das unidades periódicas, pois, ao restringir os poderes inerentes ao direito real de propriedade periódico está-se a modificar o registro de propriedade, o que atrai a obrigatoriedade de averbação por força do art. 246 da LRP. Sem essa averbação, não há eficácia erga omnes da multipropriedade ao regime de pool nem da correlata anticrese legal. Se alguém comprar uma unidade periódica sem que, em sua matrícula, esteja averbado o regime de pool, ele não poderá ser constrangido ao que estamos a chamar de “anticrese legal”.

A cautela interpretativa acima é fundamental para guardar sintonia com a Carta Magna, especialmente porque o instituto da “anticrese legal” é drástico, conforme alertou o Professor Gustavo Tepedino (2019), in litteris:

Para preservar o empreendimento como um todo, o artigo 1.358-S, no caso de inadimplemento das taxas condominiais, prevê “a adjudicação ao  condomínio  edilício  da  fração  de   tempo   correspondente”.  Tal medida temporária, que caracteriza uma espécie de anticrese legal, perdurará “até a quitação integral da dívida”, proibindo-se ao multiproprietário a utilização do imóvel enquanto persistir a inadimplência. Tal providência, bastante drástica, terá que ser regulada na convenção, assegurando-se o amplo direito de defesa de cada titular, podendo o condomínio inserir a respectiva unidade no pool hoteleiro, desde que haja previsão, nos termos da convenção, de tal destinação econômica.

Sobre o tema em epígrafe, tomamos liberdade de replicar, com poucos ajustes, reflexões que fizemos em outro artigo (Oliveira, 2018).

Quando a multipropriedade recair sobre unidades de um condomínio edilício, o multiproprietário pode renunciar à titularidade de sua unidade periódica em favor do condomínio edilício, salvo  se  estiver  inadimplente  com  obrigações  propter  rem  (art. 1.358-T, CC).

Em primeiro lugar, entendemos que esse dispositivo não impede uma renúncia abdicativa do imóvel na forma do art. 1.275, II, do CC. Nesse caso, basta que o multiproprietário, por meio de escritura pública – se seu bem periódico for de valor superior a 30 salários mínimos (art. 108, CC) –, manifestar sua renúncia e inscrever a escritura na matrícula do imóvel. Nesse caso, a unidade periódica se tornará um bem vago e será revertido em favor do município, como sucede no caso de vacância dos bens. Nesse caso, não há o fato gerador do ITCD, pois a renúncia abdicativa não envolve transmissão de bem.

De fato, pela leitura do art. 1.358-T do CC, fica criada uma figura chamada de “renúncia translativa”, que – assim como sucede a renúncia translativa de herança – é, na verdade, uma transmissão gratuita da coisa para um terceiro. E, como tal, será fato gerador do ITCD. Todavia, por força do advérbio “somente” no texto do referido dispositivo, essa renúncia translativa só pode ser feita em favor do condomínio edilício cujas unidades estejam em regime de multipropriedade. Nesse caso, o condomínio edilício só poderá recusar receber a propriedade da unidade periódica se o multiproprietário estiver inadimplente com suas obrigações propter rem.

Não faz sentido adotar outra interpretação, sob pena de inconstitucionalidade.

Entender que ficou vedada a renúncia abdicativa do art. 1.275, II, do CC, além de contrariar o texto do próprio caput do art. 1.358-T do CC, acarretaria inconstitucionalidade por ofensa ao direito de propriedade por três motivos.

A primeira razão é a de que é imanente ao direito de propriedade a faculdade de dispor da coisa (ius abutendi), de modo que o proprietário pode transferir a terceiros ou simplesmente torná-la vaga (destruí-la juridicamente).

O segundo fundamento é que o condomínio edilício com unidades em regime multiproprietário não pode se enriquecer com a suposta obrigatoriedade de o multiproprietário só poder renunciar à propriedade em favor dele. Isso seria um enriquecimento sem causa, fruto de uma restrição indevida ao direito de propriedade.

O terceiro motivo é que impedir o multiproprietário inadimplente de “se livrar” da unidade periódica que mensalmente gera novos encargos propter rem (especialmente a título de IPTU e de contribuição condominial) frustraria a faculdade de dispor da coisa, a qual é inerente ao direito de propriedade. Condicionar a renúncia da propriedade ao pagamento das dívidas propter rem vencidas seria obrigar que o multiproprietário continue sujeito ao agravamento de sua situação com a superveniência de novos fatos geradores das obrigações propter rem.

De fato, o multiproprietário tem de poder estancar essa fonte de dívidas propter rem por meio da renúncia à propriedade. É evidente que, até a data da renúncia, o multiproprietário terá de responder pelas dívidas vencidas, indenizando o credor por meio do pagamento dos respectivos encargos moratórios (multas, juros moratórias, correção monetária e indenização complementar, na forma dos arts. 389 e seguintes do CC).       O credor não sofrerá prejuízo algum com a renúncia, pois, além de a demora no pagamento já ser compensada com os encargos moratórios, ele poderá promover a excussão da coisa mesmo após a renúncia diante da natureza propter rem de seu crédito. Aprisionar o multiproprietário a essa condição jurídico-real ad seculorum para ter de arcar com novos fatos geradores de dívidas propter rem seria absolutamente desproporcional, engrossando o coro da inconstitucionalidade com a ofensa ao princípio da proporcionalidade.

Portanto, entendemos que a interpretação adequada do art. 1.358-T do CC é a de que esse dispositivo não impede a renúncia abdicativa do art. 1.275, II, do CC e a de que ele se restringe ao caso da renúncia translativa em favor do condomínio edilício, o qual só poderá recusar assumir a propriedade da coisa renunciada na hipótese do parágrafo único do art. 1.358-T do CC, ou seja, na hipótese de pendência de dívidas propter rem. Em suma, a renúncia translativa é um direito subjetivo do multiproprietário adimplente em transferir a coisa para o condomínio edilício.

Caso, porém, alguém venha a entender que o dispositivo proíbe a renúncia abdicativa e só admite a renúncia translativa para o condomínio edilício, inevitavelmente o parágrafo único do art. 1.358-T do CC terá de ser declarado inconstitucional por ofensa:

proporcionalidade, pois esse dispositivo impediria o multiproprietário de estancar a sangria de novas dívidas propter rem que viriam a surgir com a permanência forçada de sua condição de multiproprietário; (3) à livre iniciativa, pois esse preceito impede a liberdade do multiproprietário de desvencilhar-se da condição jurídico-real e inflige-lhe uma verdadeira “sanção política” como meio de coerção indireta de cobrança de dívida.

A propósito, em afinidade com o acima exposto, o Professor Gustavo Tepedino faz severa crítica ao dispositivo que trata da renúncia translativa, denunciando a sua ininteligibilidade dentro do sistema jurídico brasileiro. Confira-se (Tepedino, 2019):

Nota dissonante mostra-se a previsão do artigo 1.358-T, segundo o qual “o multiproprietário somente poderá renunciar de forma translativa a seu direito de multipropriedade em favor do condomínio edilício”.  Há aqui constrangedora incompatibilidade com o sistema, não se compreendendo o que pretendeu o dispositivo. A rigor, por se tratar de unidade autônoma, o multiproprietário pode, como em qualquer condomínio edilício, dispor como bem entender de seu direito real de propriedade, de modo gratuito ou oneroso, desde que mantenha íntegro o liame visceral entre a propriedade individual (que lhe franqueia a utilização, com exclusividade, da fração semanal que lhe diz respeito) e a fração ideal a ela correspondente sobre as áreas comuns.

O sistema de intercâmbio de que trata o § 2º do art. 23 da Lei Geral de Turismo (Lei nº 11.771/2008)[14] costuma operacionalizar-se por meio de contratos (natureza obrigacional), embora enxerguemos viabilidade de ele se exprimir por meio da instituição onerosa de um direito real de usufruto sobre a unidade periódica em favor da empresa de intercâmbio, que, em troca, concederá o uso de imóveis de sua rede.

Apesar do silêncio legal, como o condomínio de lotes e o condomínio urbano simples convidam a aplicação subsidiária das regras de condomínio edilício (art. 1.358-A, §2º, do CC e art. 61, parágrafo único, da Lei nº 13.465/17), as regras supracitadas envolvendo time sharing sobre condomínio edilício devem ser aplicadas também, mutatis mutandi, aos casos em que se pretenda instituir time sharing sobre lotes de condomínio de lotes ou sobre unidades autônomas de condomínio urbano simples.

A multipropriedade ainda depende de intervenções da doutrina e do legislador, mas a recente Lei da Multipropriedade Imobiliária já foi um avanço notável e que atraiu, na pessoa do Senador Wilder Morais, elogio de uma das maiores autoridades do direito civil brasileiro, o professor Gustavo Tepedino (2019), que averbou, in verbis:

Está de parabéns o Congresso Nacional e, em particular, o autor do projeto, senador Wilder Morais, a quem não conheço pessoalmente, que teve a prudência de auscultar a sociedade e incorporar sugestões.

Expusemos, com detalhamento, todos os pontos que entendemos mais relevantes da referida Lei, buscando desatar nós. Todavia, apesar disso, sugerimos a edição de proposições legislativas destinadas a disciplinar a multipropriedade mobiliária e a adaptar a redação de dispositivos da Lei da Multipropriedade Imobiliária para afastar os pontos sensíveis identificados.

Têm razão os eminentes juristas com apoio no Professor Roberto Paulino de Albuquerque Júnior (2006). Todavia, fazemos uma observação. Em nossa visão, o que os sempre lúcidos civilistas chamam de “multipropriedade hoteleira” acaba enquadrando-se no sistema de intercâmbio de que trata o § 2º do art. 23 da Lei Geral de Turismo (Lei nº 11.771/2008) e que é reconhecido pela nova Lei da Multipropriedade como um arranjo jurídico importante para maximizar a exploração econômica da unidade periódica (inciso VI do art. 1.358-P do CC). Esse sistema de intercâmbio, embora geralmente assuma natureza contratual, poderá se encaixar em um direito real de usufruto sobre a unidade periódica.direito a ser exercido mais de uma vez sobre o mesmo imóvel, dada a possibilidade de constantes trocas, ao talante do multiproprietário”.

Carlos Eduardo Elias de Oliveira é Consultor Legislativo do Senado Federal na área de Direito Civil, Processo Civil e Direito Agrário.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Roberto Paulino de. A multipropriedade imobiliáriahoteleira e o direito internacional privado. In: Revista Jurídica UNIJUS, v. 9, 10, Maio de 2006, pp. 131-142.
OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias de. Considerações sobre a recente Lei da Multipropriedade ou da Time Sharing (Lei nº 13.777/2018): principais aspectos de Direito Civil, de Processo Civil e de Registros Públicos. Disponível em: https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/661740743/consideracoes-sobre-a-recente-lei-da-multipropriedade. Data de publicação: Acesso em 23 de dezembro de 2018.
COSTA FILHO, Venceslau Tavares; BORGARELLI, Bruno de Ávila. A lei da multipropriedade: pequena anotação crítica. Disponível em: https://www.migalhas
.com.br/dePeso/16,MI296090,101048-A+lei+da+multipropriedade+pequena+anotacao+critica. Elaborado em 11 de fevereiro de 2019.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito das coisas. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2019.
TEPEDINO, Gustavo. Aspectos atuais da multipropriedade imobiliária. In: Fábio de Oliveira Azevedo e Marco Aurélio Bezerra de Melo (coord.). Direito Imobiliário. São Paulo: Atlas, 2015 (disponível em: http://www.tepedino.adv.br/wpp/wp-content/uploads/2017/07/Aspectos_Atuais_Multipropriedade_imobiliaria_fls_512-522.pdf).
. A multipropriedade e a retomada do mercado imobiliário. Disponível em: https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/669186421/a-multipropriedade-e-a-retomada-do-mercado-imobiliario. Publicado em 30 de janeiro de 2019.

[1] DL 275/93, de 5 de agosto. Disponível em: http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado. php?nid=648&tabela=leis&so_miolo=.
[2] Ley nº 42/1998, de 15 de dezembro, que foi posteriormente substituída pelo Real Decreto-Ley nº 8/2012, de 16 de março (http://noticias.juridicas.com/base_datos/Privado/rdl8-2012.html), o qual foi revogado posteriormente pela Ley 4/2012, de 6 de julio. Disponível em: https://www.boe.es/ buscar/doc.php?id=BOE-A-2012-9111.
[3] Reportamo-nos ao que publicamos três dias após a publicação da aludida lei (Oliveira, 2018).
[4]Eis o teor do item 229.1. das Normas de Serviço da Corregedoria-Geral de Justiça do TJSP: “Na hipótese de multipropriedade (time sharing) serão abertas as matrículas de cada uma das unidades auto?nomas e nelas lançados os nomes dos seus respectivos titulares de domínio, com a discriminação da respectiva parte ideal em função do tempo”.
[5] O Senador Airton Sandoval chegou a oferecer emenda ao Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 54/2017 (do qual decorreu a Lei nº 13.777/2017) para incluir a regulamentação da multipropriedade mobiliária, mas foi vencido (Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=5137515&ts= 1547856551104&disposition=inline). Ademais, o Senado preferiu levar em frente o PLS nº 54/2017, que tratava apenas de multipropriedade sobre imóveis, do que um outro projeto de lei mais amplo que disciplinava multipropriedade sobre móveis e imóveis por meio de condomínio e também por meio de contrato de locação por turno de aproveitamento: o PLS nº 463/2016 (disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/127788). A intenção do Parlamento foi apressar a disciplina da multipropriedade imobiliária diante da maior necessidade social e econômica.
[6] Em acréscimo, reportamo-nos que publicamos três dias após a publicação da aludida lei (Oliveira, 2018-C).
[7] Deixamos nossa saudação ao diplomata, jurista e físico Flávio Riche, amigo com quem sempre podemos compartilhar discussões além do Direito.
[8] Lei º 13.465/2017 modificou CC e LRP para tratar do direito real de laje.
[9] Ressalva-se que, conforme aponta o genial professor Flávio Tartuce, há quem entenda que a laje seja um direito real sobre coisa alheia, tese que, com o apoio de outros doutrinadores, não endossamos.
[10] Já havíamos defendido isso em outro texto (Oliveira, 2018).
[11] Disponível em: http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/577 , acesso em 24-2-2019.
[12] Disponível em: http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/724 , acesso em 24-2-2019.
[13] O regimento interno é parte integrante da convenção, na forma do inciso V do art. 1.334 do CC, embora geralmente seja alterável por mera maioria simples na forma do que costuma ser previsto nas convenções.
[14] Os professores Venceslau Tavares Costa Filho e Bruno de Ávila Borgarelli (2019) destacam que o termo multipropriedade é “‘um nome sedutor e enganoso’, na opinião de Gérard Cornu” e alertam que essa sedução não pode nos induzir a enganosamente acreditar que a nova lei teria regulado “todos os contratos autointitulados de ‘multipropriedade’ e que digam respeito a bens imóveis”. E complementam (COSTA FILHO e BORGARELLI, 2019):
Dentre as inúmeras operações conhecidas na prática jurídica brasileira encontra-se, por exemplo, a “multipropriedade hoteleira”, muito bem abordada em estudo de Roberto Paulino de Albuquerque Jr., que admite a permuta da unidade sobre a qual recai a “multipropriedade” entre as diversas unidades de determinada rede de hotéis. Assim, com a aquisição em regime de “multipropriedade” de uma unidade imobiliária auto?noma integrada a uma rede hoteleira, torna-se possível “aos multiproprietários usufruírem não apenas do imóvel, mas de todos os serviços próprios da hospedagem no hotel. Esta modalidade se torna ainda mais interessante quando ligada a uma opção de escolha do local onde o direito será exercido, podendo o multiproprietário passar o seu período dominical quer no local de aquisição originária, quer em outro pertencente à mesma rede”.
No caso específico da “multipropriedade” hoteleira observa-se que tal operação tem natureza obrigacional (e não real), “de permuta do exercício da utilização de sua unidade por outra disponível na mesma rede hoteleira”. Disso, com acerto, Roberto Paulino de Albuquerque Jr indica que tais contratos não se submetem à lex rei sitae, já que neste caso o direito não é exercido de forma contínua e (no caso da “multipropriedade” hoteleira) “pode sequer vir o direito a ser exercido mais de uma vez sobre o mesmo imóvel, dada a possibilidade de constantes trocas, ao talante do multiproprietário”.
Têm razão os eminentes juristas com apoio no Professor Roberto Paulino de Albuquerque Júnior (2006). Todavia, fazemos uma observação. Em nossa visão, o que os sempre lúcidos civilistas chamam de “multipropriedade hoteleira” acaba enquadrando-se no sistema de intercâmbio de que trata o § 2º do art. 23 da Lei Geral de Turismo (Lei nº 11.771/2008) e que é reconhecido pela nova Lei da Multipropriedade como um arranjo jurídico importante para maximizar a exploração econômica da unidade periódica (inciso VI do art. 1.358-P do CC). Esse sistema de intercâmbio, embora geralmente assuma natureza contratual, poderá se encaixar em um direito real de usufruto sobre a unidade periódica.

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